MARXISMO REVOLUCIONÁRIO, TROTSKYSMO E

QUESTÕES ATUAIS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA INTERNACIONALISTA

 

 

Alemanha entre Crise Econômico-Política e Resistência dos Trabalhadores

no Início do Novo Milênio

 

EMIL ASTURIG VON MÜNCHEN

 

Para Palestras, Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque

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Outubro de 2010

 

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ÍNDICE TEMÁTICO

 

INTRODUÇÃO:

DA ENTRADA NA CRISE ECONÔMICA DE 2009 À RETOMADA CONJUNTURAL DO CRESCIMENTO ECONÔMICO EM 2010

 

CAPÍTULO 1.

SITUAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL NA ALEMANHA DO INÍCIO DO PROCESSO DA GLOBALIZAÇÃO DO IMPERIALISMO CAPITALISTA À RECESSÃO DE 2009

 

CAPÍTULO 2.

SITUAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL NA ALEMANHA EM 2009 E 2010 NO CONTEXTO DA CRISE E DOS PROGRAMAS CONJUNTURAIS

 

CAPÍTULO 3.

CRISE POLÍTICA E RELAÇÃO DO GOVERNO ALEMÃO COM A UE

 

ENCERRAMENTO:

RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES E O PAPEL DAS BUROCRACIAS -

PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE MASSAS E COORDENAÇÃO DO SINDICALISMO ALTERNATIVO NA ALEMANHA

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO:

DA ENTRADA NA CRISE ECONÔMICA DE 2009

À RETOMADA CONJUNTURAL

DO CRESCIMENTO ECONÔMICO EM 2010

 

No contexto da conjuntura de 2010, a Alemanha – a grande locomotiva econômica da UE, hoje a segunda maior região econômica do mundo - vive uma expressiva recuperação econômica diante da depressão de 2009. No segundo trimestre, a indústria automobilística e de armamentos, a construção de máquinas, a produção de materiais eletrônicos e químicos registraram um crescimento de dois digitos, ao mesmo tempo em que o número de desempregados caiu abaixo de 3 milhões, alcançando o seu valor mais reduzido desde 1991. Na Alemanha, em 2010, segundo a OECD, “preservou-se o mercado de trabalho” muito mais do que nos outros Estados europeus.

Em 2010, a perspectiva de crescimento do PIB alemão é de +3,4%, sendo que o setor industrial crescerá cerca de +5% e as exportações, mais do que +9%, levando a que a expansão econômica, em 2010, seja duas vezes maior do que nos demais países da UE com +1,7% (excetuado o caso da Polônia que, igualmente, atingirá cerca de +3,4%), a despeito das taxas mínimas de crescimento prognosticadas para a Alemanha no terceiro (+0,5%) e no quarto trimestres (+1,1% do PIB).  

Esse inesperado resultado é, em primeiro lugar, o produto de uma colossal intervenção estatal de salvação da economia capitalista-imperialista alemã, bem nos moldes keynesianos, ao longo de 2008 e 2009: € 480 bilhões para bancos e seguradoras à beira da falência - bem como estatização do Hypo Real Estate -, 115 bilhões para grandes trustes descapitalizados, 30 bilhões (Pacote de Conjuntura I) e mais 50 bilhões (Pacote de Conjuntura II) para dois programas de revitalização da economia real, além da pretensão de promover, até 2014, 80 bilhões de cortes de despesas sociais e drásticas restrições do auxílio desemprego.      

Desde a queda do muro de Berlim, em 1989 – mas sobretudo a partir de 1998, com a ascensão ao poder do Governo Social-Democrático-Verde Schröder/Fischer, a Alemanha passou a ser o país da UE que mais avançou no processo de precarização de amplos setores do mercado de trabalho, marcados sobretudo pela terceirização, pelos contratos temporários, pelo banco-de-horas e pela mínima jornada de trabalho. Críticas proferidas no seio da União Européia – provindas sobretudo da França, Inglaterra e Itália – no sentido de que a Alemanha exporta demais, mantendo um consumo privado interno relativamente retraído, devido ao dumping salarial praticado em amplas faixas de seu mercado de trabalho relativamente às demais economias européias – falta de salário mínimo legal, pagamento de € 1 por hora de trabalho etc. - , são rebatidas energicamente, no país, argumentando-se que a Alemanha faria o que todos os demais países da UE devem fazer, i.e. exportar, exportar, exportar ...  

No entanto, a crescente precarização das relações trabalhistas e o forte dumping salarial das últimas décadas, permitiu que os setores da classe trabalhadora alemã do mercado formal com jornada plena de trabalho obtivessem, em 2010, até mesmo, aumentos salariais, como forma de impulsionar o consumo deprimido. No segundo trimestre, os salários reais elevaram-se, em média, +2,3% (nominalmente +3,4% com inflação de +1,1%) em relação ao ano recessivo de 2009, atingindo, em média, no setor industrial, o valor bruto de € 3.256, em caso de plena jornada de trabalho, i.e. 36,5 horas por semana.

Trata-se, porém, da maior elevação desde 2007. No caso dos salários dos trabalhadores no setor da siderurgia (85 mil trabalhadores), o aumento foi de +3,6%, com um bônus de € 150. O novo acordo salarial, fechado pela IG Metall, durará por 14 meses. No setor metalúrgico(3,4 milhões de trabalhadores), eletro-eletrônico (850 mil), bancário (663 mil) e de transportes (550 mil), o aumento deverá ser, agora, de +2,7%. Os trabalhadores do comércio (2,9 milhões), hotelaria (1,1 milhão) poderão obter +2,5%. No setor da energia e da química (550 mil),  negocia-se, no momento, um aumento de 4,5%, na construção civil, +6%. Pelo contrário, os artesãos (4,7 milhões de trabalhadores) e os servidores publicos (3,7 milhões) poderão não alcancar um aumento superior a 1%.

Destaque-se que, depois de implementado o pacote de programas conjunturais, o endividamento externo e interno do Estado alemão encontra-se, agora, extremamente sobrecarregado.

Com as medidas de sustentação da economia capitalista-imperialista alemã conduziu-se, em 30 de junho de 2009, o endividamento externo do Estado Alemão (o terceiro maior do mundo depois dos EUA e da Inglaterra) a 155% do PIB, i.e. a aproximadamente três vezes mais do que o valor do produto interno anual da nação, vale dizer US$ 5.208.000.000.000, levando a que todo cidadão alemão possua um endividamento externo de US$ 63.500 – agregando ainda o endividamento interno de 72% do PIB, depois de uma evolução negativa do PIB do país da ordem de -4,9%. 

Anote-se que a média dos 16 países da Zona do Euro corresponde a 84% de endividamento interno em relação ao PIB da UE (com destaque para a Grécia 125%, Italia 117%, Belgica 101%, Portugal 84%,  Irlanda 83%, França 82,5%: todos estes países superando o limite de 60%, fixado pelo Tratado de Maastricht. Em verdade, apenas Luxemburgo, a Eslováquia, a Eslovênia, a Finlândia e Chipre encontraram-se, em 2010, no interior do quadro fixado pelo Tratado em referência.

Também o déficit orçamentário do Estado Alemão supera, hoje, com seus -5,5% os -3%, convencionados pelo Tratado de Maastricht – enquanto que a média dos 16 países da Zona do Euro corresponde, hoje, a -6,9% (com destaque para a Irlanda -14,7%, Grécia -12,2, Espanha -10,1%, França -8,2%, Portugal -8,0%), o que vem elevando, em muito, os juros pagos pelos novos empréstimos contraídos pelos Estados da Zona do Euro, com variações que oscilam de 3% a.a., até mesmo, 9% para países à beira do colapso.

Os problemas econômico-financeiros dos países da Zona do Euro, a ameaça mais imediata de default de alguns Estados, tais quais a Grécia, a Irlanda, Portugal e Espanha, conduzem à instabilidade do Euro, bem como à possibilidade de dissolução da união monetaria. 

Assim, em 2010, os grandes trustes alemães e também as empresas de médio e pequeno porte conseguiram, em geral, recuperar-se, porém, muito provavelmente, de modo transitório e, talvez, efêmero, pois que a instabilidade financeira em muitos países da UE é, sem dúvida muito grande: Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e, até mesmo, a Itália  estão muito próximo de recorrerem ao Fundo de Auxílio de Emergência, instituído pela UE e o FMI. Se esse cenário se confirmar em 2011 ou 2012, estaremos diante da insolvência das finanças de diversos Estados da UE.

Nesse contexto, o atual Governo da Alemanha teme uma iminente queda do mercado de consumo privado, tão logo deixe de existir o efeito dos programas conjunturais que gerou excesso de gastos públicos e sobre-investimentos.  

Mais do que isso: o sistema financeiro alemão não se encontra ainda recuperado, detendo ainda grande quantidade de papéis tóxicos e empréstimos contraídos por Estados devedores duvidosos. Grande parte dos grandes Bancos Estaduais da Alemanha não possui um modelo econômico auto-sustentável

A falência técnica de um grande banco ou seguradora da Alemanha ou de um Estado da UE – ou mesmo uma péssima variação do PIB norte-americano, asiático, latino-americano ou do leste europeu - bastará para desencadear, certamente, a proxima depressão, para qual o Estado Alemão contará, então, com uma margem de manobra muito mais reduzida do que contou em 2008 e 2009.  

O grande vigor da Alemanha de hoje constitui sua própria debilidade: sua economia de exportação é altamente avançada, porém depende demais da oscilação do mercado mundial, no mesmo passo em que os principais setores de sua economia interna deixam a desejar quando se trata da geração de impulsos autônomos para a retomada econômica.

Na conjuntura de 2010, por força dos colossais programas de sustenção do capitalismo imperialista alemão, bem como da transitória queda do desemprego, inflação moderada e reinício de concessões de crédito por bancos a pequenas e médias empresas, verificou-se um avanço do consumo no país, protegendo, passageiramente, a recuperação econômica diante de possiveis retrações das exportações, apontando para uma mínima recuperação no próprio interior da economia alemã e européia. Nesse sentido, a Sociedade de Consumo de Pesquisa (GFK) elevou de 4,3 para 4,9 pontos o nível de consumo alemão, em setembro de 2010.

Tendencialmente, tanto a retração das exportações alemãs em 2009 (US$1,1 trilhão contra US$1,53 milhão em 2008) – devido a sinais de desaquecimento conjuntural nos principais países importadores dos produtos alemães – França (10,2%), EUA (6,7%), Holanda(6,7%), Inglaterra (6,6%), Itália(6,3%), Áustria(6%) e China (4,5%) - quanto os efeitos dos programas de estabilização da economia devem intensificar-se. E destaque-se que, ainda em 2010, 75% de todas as exportações alemães (cerca de US$800 bilhões) dirigiram-se para outros países da UE, registrando, hoje, baixos crescimentos econômicos ou até mesmo negativos, como é o caso da Espanha.  Nesse contexto, o segmento do comércio exterior alemão que mais rapidamente cresceu foi o das exportações alemãs para a China, cujo índice de incremento atingiu +56% (em 2009, € 16,2 bilhões, ao passo que, em 2010, € 25,2 bilhões).

Assim, o colossal incremento das exportações da Alemanha para a China passaram a ser vistas como a segunda grande causa da recuperação econômica alemã de 2010.      

Por outro lado, o destacado crescimento da China de possivelmente 10,5% em 2010 – assegurando-lhe o posto de 2a. maior economia do mundo em 2010 - foi, significativamente, beneficiado pelo grande aumento das importações alemãs dos produtos chineses.

Se, em 2008, a China ainda era o 4° maior fornecedor da Alemanha, detendo a cifra de 6,2% das importações totais do país (contra 12% da Holanda, 8,6% da França, 7,8% da Bélgica), este país conseguiu conquistar, em 2010, o 1° lugar, superando  a posição da Holanda, outrora a primeira fornecedora da Alemanha.

Em 2010, a Alemanha comprou cerca de € 65 bilhões em produtos chineses. A composição destas importações, porém, não se restringiu mais, em 2010, a produtos têxteis, tênis esportivos e brinquedos de baixo valor agregado, senão envolveram, principalmente, materiais eletrônicos: celulares, laptops, netbooks, aparelhos de dvd, monitores planos de cristais líquidos etc.  

Assim, a colossal ascensão da economia chinesa e sua crescente interconexão com a economia alemã coloca em cheque diversos setores da indústria alemã de elevada tecnologia, ao mesmo tempo que aprofunda ainda mais a dependência externa deste país.

A Alemanha, na medida em que procura, mais intensamente, incrementar sua presença no maior mercado nacional consumidor do mundo, seja por meio de exportações de bens de investimentos de elevado valor agregado – limusines de luxo (Audi, BMW, Mercedes Benz), aviões, trens de alta velocidade, máquinas-ferramenta, turbinas de usinas, produtos químicos especializados -, seja por meio de multiplicação de seus centros de produção e de prestação de serviços de infraestrutura, bem como investimentos diretos, eleva, muito mais acentuadamente, suas importações da China.

Tal quais os EUA e muito mais do que qualquer outra nação européia, a burguesia alemã encontra-se vinculando, cada vez mais, o destino de sua economia às condições do crescimento do PIB chinês e às exigências de transferência de saber tecnológico avançado deste país asiático, voltado, mais e mais, ao desenvolvimento não apenas de aparelhos eletrônicos, senão também de indústrias automotrizes e aeronáuticas, solar e geotérmica, dotadas de refinadas formas de energia renovável, trens de alta velocidade, fábricas químicas e siderurgias.

Assim, ameaça sua própria posição de superioridade tecnológica no mercado mundial, em um momento em que se encontra sob o franco ataque da capacidade concorrencial chinesa.

Presentemente, 70% da produção das células fotoelétricas da China – cuja qualidade tecnológica de seus 4 entre os 10 maiores trustes do mundo já e internacionalmente reconhecida - dirige-se à exportação, sendo que a metade desta volta-se para a Alemanha.

O novo contexto de simbiose empresarial sino-alemã vem modificando, marcadamente, a postura negocial das grandes, médias e pequenas empresas alemãs que realizam, hoje, em média, cerca de 25% a 50% de seus faturamentos no mercado chinês.  A Volkswagen, p.ex., produz, hoje, na China, 1 automóvel entre 4.

As indústrias automotrizes alemãs - a Volkswagen, a Daimler, a BMW etc. -  beneficiam-se, como nenhuma outra indústria européia, de suas relações com o mercado chinês. Estas indústrias deslocam ainda mais intensamente seus centros de produção, associando-se, porém, com empresários locais chineses, gerando joint ventures em uma “economia de concubinato” -  do que são exemplos categóricos a Volkswagen/SAIC (Shanghai Automotive Industry Corporation – consórcio em operação desde 1984), a Daimler/BYD, voltada à produção de veículos elétricos  – em cujo quadro não raramente os acionistas chineses detêm mais de 51% das ações votantes, impedindo que muitas decisões de controle sejam tomadas a partir dos centros das multinacionais, situados na própria Alemanha, levando a que sabor tecnológico seja transferido e, subseqüentemente, optimizado, em território chinês.

O mesmo se passa com a Siemens, em associação com a Waigaoqiao, em Shanghai, na construção de usinas de carvão superiores a 1.000 megawatt, movidas por métodos de aquisição de energia compatível com o ambiente.

Quanto a ThyssenKrupp, depois de implantar, em 2002, experimentamente o Transrapid com tecnologia de levitação magnética na linha de trem que liga Pudong a Shanghai (31km), atingindo 400 km/h, teve seus projetos surpreendemente congelados pelo Governo Chinês que, apostando na espionagem industrial, dispõe hoje, através de uma empresa chinesa, da mesma tecnologia de levitação, com um trem modelo que pode atingir até 500 km/h, a preços 30% abaixo da oferta alemã.

Ao mesmo tempo, nas feiras industriais de Pequim e Shanghai, inúmeras multinacionais alemãs constatam a proliferação de produtos chineses, clonados a partir de tecnologia originariamente patenteada na Alemanha, mais baratos e aperfeiçoados às necessidades do mercado chinês, indiano, norte-americano, europeu e mundial:  o Lifan 320, cópia do mini da BMW, o Noble, clone do Smart da Daimler.       

Nos prinicipais conglomerados alemães, cotados em bolsa, dirigentes empresariais chineses assumem, cada vez mais frequentemente, postos de direção, no mesmo passo que o número de estagiários chineses se multiplica exponencialmente. Assim, se o número dos universitários alemães em universidades chinesas atingiu a cifra de 300 mil estudantes, o números de estudantes chineses nas universidades alemães correspondeu a 5,6 milhões, em 2010. 

Nos meios empresariais alemães, declara-se que a verdadeira salvação da crise de 2007-2009 adveio muito mais das novas relações mantidas com a China do que própriamente dos programas conjunturais, lançados pelo Governo Alemão, a partir de 2008: “A China foi a nossa salvação”, “China ou morte”, “Sem a China não teríamos conseguido superar a crise e a recessão”.

A presente crise econômico-financeiro mundial e as vias percorridas pelo Governo Alemão para o atingimento de uma recuperação econômica vem contribuindo enormemente para acelerar a restruturação do poder hegemônico das nações no mundo, bem como a progressiva subordinação da economia alemã e européia às variações do PIB asiático e norte-americano. Na Alemanha, a concentração e centralização do capital nas mãos dos grandes trustes multinacionais são, em principio, a causa decisiva deste processo que leva a luta do Estado pela tentativa de permanente retorno – tão logo quanto possível - ao monetarismo pós-keynesiano e ao neoliberalismo, revalorizados, em 2010, pelo atual Governo Federal Cristão-Democrático-Liberal. 

Nesse quadro, as divergências existentes entre o Governo Alemão e os dirigentes da UE  revelam-se da maneira mais clara no domínio da política exterior de Bruxelas. Em inúmeros documentos oficiais do Governo Alemão, afirma-se claramente que a Alemanha apoiará a estratégia de parceria global, regional e subregional da UE para com os países extra-comunitários, mas que impulsionará, paralelamente, sua própria política bilateral mais ofensiva de abertura de mercados e menos seletiva na importação de bens de consumo e investimentos provenientes daqueles países.

Em particular, a Alemanha definiu, em 4 agosto de 2010, sua política bilateral ofensiva frente à América Latina para os próximos anos, passando, em grande parte, à margem da política da UE de fomento de zonas de livre comércio subregional e regional na América Latina, seja com o Mercosur, seja com a Comunidade dos Andes, seja com o CARICOM: para a Alemanha, a economia do Brasil, do México e da Argentina possui prioridade máxima.

No que respeita, porém, à China, as divergências da Alemanha para com a UE são ainda mais patentes. No Encontro de Cúpula China-UE, ocorrido em 6 de outubro de 2010, a Alemanha declarou-se inteiramente disposta a atender a reivindicação chinesa de que seja concedido à China o “status de economia de mercado” na UE - o que implicaria a eliminação de inúmeras barreiras tarifárias para as importações chinesas, atribuindo importância secundária as exigências da UE – ademais postulada pelos EUA – de revalorização imediata da moeda chinesa, o yuan, de 20% a 40%, como forma de deter os massivos déficits comerciais nas balanças comerciais dos países europeus em face da China, salvaguarda dos direitos de propriedade industrial e abertura das licitações públicas chinesas às empresas européias.    

Nesse contexto, a retomada das mobilizações operárias na Alemanha processa-se ainda lentamente - principalmente com algumas greves de advertência e operações tartaruga.

O movimento operário ensaiou importante resistência no caso da Opel, organizando um Dia de Luta, em setembro de 2009, quando 5.000 trabalhadores, vindos de Bochum, Rüsselheim e outras localidades, reuniram-se em Antuérpia, na Bélgica, em um momento em que a fábrica belga estava ameaçada de fechamento, defendendo seus empregos e jornada de trabalho de 30 horas, com manutenção integral de seus salários.

Ao longo dos primeiros meses de 2010, essa luta prosseguiu muito ascesa, com vários atos de protestos e cartas de solidariedade, advindas do mundo operário-metalúrgico de todo mundo.

Em 12 de junho de 2010, tanto a Social-Democracia Alemã e os Verdes quanto o Partido A Esquerda, em trabalho comum com a Central Sindical Alemã (DGB) e o Sindicato dos Prestadores de Serviços (Ver.di), participaram, juntos de uma grande manifestação, em Stuttgart, contra o desmonte social, assinalando a possibilidade de organização de uma frente de mobilização social e política. 

No mesmo mês de junho de 2010, os presidentes da Social-Democracia (Sigmar Gabriel) e do Partido A Esquerda (Klaus Ernst) encontraram-se em Wolfsburg com os dirigentes sindicais e membros do Conselho de Fábrica da VW, Jürgen Peters e Bernd Osterloh, a fim de participarem todos de um ato de protesto contra o Governo Federal Cristão-Democrático-Liberal.

Desde então, surgiram ações de protestos sindicais, em várias localidades, contra os ataques sociais. Em grupos de ação locais, membros dos três partidos, sindicalistas e ativistas de base estão trabalham freqüentemente juntos. Além disso, alianças de ação comum reúnem as organizações da juventude desses três partidos. 

Também os ferroviários, ativos em empresas de transporte público do Sindicato Alemão de Condutores de Locomotivas (GDL), em Munique, Nuremberg e Augsburgo deram um exemplo de luta em setembro e outubro de 2010, paralisando e reduzindo o funcionamento dos transportes públicos até mesmo em meio à Grande Oktorberfest, levando a que deixassem de circular trens de metrô, ônibus e bondes de rua para os fãs da maior festa da cerveja do mundo.  

Em 29 de setembro de 2010, teve lugar mais um Dia de Ação, convocado pela Central Sindical Européia (sigla em alemão: EGB, sigla em inglês: ETUC) e pela Central Européia dos Sindicatos Metalúrgicos (sigla em alemão: EMB, sigla em inglês: EMF) – ambas majoritariamente de orientação social-democrática -, mobilizando, além  das forças da Central Sindical Alemã, da IG-Metall e do Sindicato de Prestadores de Servicos (Ver.di) de Berlim, Colônia, Wilhelmshaven etc., mais 81 centrais sindicais de 35 países europeus e 12 associações européias setoriais.

Inúmeras caravanas de trabalhadores da Alemanha dirigiram-se ao principal ato, ocorrido em Bruxelas, sendo que o balanço de mobilização é, hoje, amplamente considerado como satisfatório. 

Mas, foi o movimento anti-nuclear que organizou uma enorme manifestação em Berlim, em 18 setembro de 2010 com mais de 100.000 pessoas – a qual, segundo seus organizadores, representou o mais expressivo protesto desde a catástrofe de Tchernobyl de 1986. Além disso, está convocada para novembro de 2010 uma outra manifestação de grande porte contra a transferência anual de lixo nuclear das usinas francesas para o local de estocagem, em Gorleben, em Niedersachsen.

Os Verdes – mas também a Social-Democracia – estão agora também cavalgando sobre o descontentamento da população face ao projeto do Governo Cristão-Democrático-Liberal de transformação da cidade de Stuttgart em um centro de cruzamento ferroviário internacional, o que pressuporia desvastar a florestagem de uma parte central da cidade, botando abaixo árvores seculares muito frondosas. 

Dificilmente, passa-se uma semana sem que haja uma manifestação contra o “Projeto Stuttgart 21”, arrastando milhares de pessoas que se declaram “protetores do parque”. 

Em 30 de setembro de 2010, as manifestações contra o “Projeto Stuttgart 21” atingiram um ápice, entrando em violenta confrontação com a polícia alemã e a política do Estado alemão, gerando 320 pessoas feridas, bem como a destruição de vários veículos militares.

Os “proterores do parque” estão exigindo um plebiscito sobre a  destituição do Governo Cristão-Democrático-Liberal do Estado Federado, encabeçado por Stefan Mappus (CDU).

Manifestações e passeatas anti-atômicas e em defesa do ambiente estão, no momento, alargando-se de Stuttgart para Berlim, Munique, Colônia e por todo o país.

Há, na Alemanha, grandes perspectivas de encontros internacionais  e de vanguarda, buscando solidariedade internacional para fazer face à ofensiva da crise econômica e política que deve aprofundar-se no próximo período, abrindo núcleos importantes de resistência dos trabalhadores.

Além da Social-Democracia Alemã e do Partido A Esquerda (Die Linke), outros partidos de esquerda intervêem na luta de classes da Alemanha, os quais, embora não possuindo um destacado significado eleitoral, surgem como elementos importantes das lutas sindicais, das comissões de fábrica e do movimento estudantil.

Entres eles, encontram-se, em particular, os maoístas do MLPD – com o qual tivemos oportunidade de manter relações no quadro do Conselho dos Trabalhadores da Indústria Automobilistica, cuja última edição reuniu 18 países com cerca de 50 participantes internacionais e uns 350 trabalhadores alemães, além de representantes políticos do SPD e do Partido A Esquerda (Die Linke) -, o Partido Comunista Alemão (DKP), os trotskystas do Committe for a Workers International – The Militants / Peter Taaffe, do PSG (Partido da Igualdade Social) de David North e da RSB (Liga Revolucionária Socialista) do Secretariado Unificado.

Nesse sentido, a nossa participação nas lutas deve intensificar-se a seguir, superando um estágio meramente exploratório.

 

CAPÍTULO 1.

SITUAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL NA ALEMANHA

NO INÍCIO DO PROCESSO DA GLOBALIZAÇÃO DO IMPERIALISMO CAPITALISTA À RECESSÃO DE 2009

 

Seguindo a dinâmica de globalização do modelo capitalista dos EUA – impulsionado com o NAFTA, a partir de 1989, a reação à crise financeira mundial de 1997 a 2003 e as “Relações de Comércio Normais Permanentes(PNTR)” com a China, a partir de 2000 -, a  economia alemã passou a ser caraterizada, até os dias de hoje, em traços gerais, por colossal translação de multinacionais para o exterior do país, agressivo paradigma de exportações, endividamento do Estado em prol da sustentação das grandes multinacionais alemãs, bem como precarização e prática de colossal dumping salarial no mercado de trabalho europeu – com a colaboração da Central Sindical Alemã (DGB) e principais sindicatos do país -, o que agilizou a concentração e a centralização do capitalismo financeiro alemão na última década.

Desde 1971, a parcela da indústria produtiva no PIB alemão vem decrescendo dramaticamente: de 51,7% em 1971, para 40% em 1990 e 23,6% em 2005. Pelo contrário, cresce progressivamente o setor terciário – tecnologia de informação, biotecnologia, nanotecnologia, energias renováveis – geotérmica, heliotérmica, energia fotoelétrica ou fotovoltaica – infraestrutura etc. Além disso, aumentam permanentemente os investimenos na indústria de armamentos, onde, de 2004 a 2008, verificou-se um acréscimo de 70% em relação a 2003. Depois dos EUA e da Rússia, detentores de respectivamente de 31% e 25% do mercado mundial, a Alemanha é o terceiro maior exportador de armas do mundo, dominando cerca de 12% do mercado. Aqui, destacam-se, presentemente, a produção de navios de guerra – sobretudo submarinos, lançadores  não apenas de torpedos, senão também de corpos aéreos -, e tanques blindados de guerra, extremamente pouco ruidosos, obuses da MTU e da HDW. Os maiores compradores são, nesse setor, Índia, Paquistão, Coréia do Sul, Singapura, Turquia, Israel, Brasil, Chile.   

Na Alemanha, aprofunda-se, desde então, cada vez mais claramente, a desigualdade social entre grande burguesia e classe trabalhadora, com patente prejuízo para setores ligados à pequena-burguesia da cidade e do campo e trabalhadores desqualificados.   A economia alemã é muito mais fortemente dependente da economia mundial do que a de muito outros países. Cerca de 48% do PIB alemão é obtido mediante exportações, mais do que 20% dos postos de trabalho na Alemanha dependem do comércio exterior. É, presentemente, a maior economia da UE e a quarta economia do mundo, apesar de, nos últimos anos, não ter  obtido senão taxas de comportamento econômico sempre inferiores àquelas de evolução e superiores à de involução do PIB mundial.

Com 82 milhões de habitantes – 8,8% destes estrangeiros -, a Alemanha é o país mais populoso da UE e o segundo mais populoso da Europa. Sua posição geografica central a torna o principal ponto de circulação de mercadorias e serviços. Com isso, é o país que mais se beneficiou da expansão da UE, de 16 para 27 Estados. Entre 1995 e 2008, a Alemanha foi o único Estado do G-7 a poder elevar, percentualmente, sua participação no comércio mundial de modo constante.

As exportações de bens e prestações de serviços é, por isso, a principal força motriz da conjuntura alemã da atualidade.

D’outra parte, a atividade dos investidores estrangeiros capitalistas na Alemanha é decisivo para a sustentação atual da economia doméstica, pois, através deles, dinamiza-se, presentemente, o mercado de trabalho, impulsionam-se a pesquisa e tecnologia e financia-se o colossal endividamento externo do Estado. Cerca de 22.000 empresas estrangeiras operam no interior do país, empregando cerca de 2,7 milhões de pessoas. O mercado alemão é amplamente aberto aos investimentos estrangeiros, em praticamente todos os domínios. Presentemente, não existe nenhum setor dominado por empresa do Estado. Em vista disso, a economia alemã é foco dos grandes fundos de hedge e empresas com capital de participação privada. 

A globalização capitalista imperialista aprofundou ainda mais a dependência da Alemanha do mercado mundial.

Toda crise econômico-financeira de dimensão mundial há de necessariamente produzir efeitos de grande magnitude. Assim, também a atual crise mundial, iniciada em 2007, atingiu diretamente país, causando uma expressiva queda na produção industrial e nas exportações. Em 2009, o país enfrentou uma recessão de -4,9% do PIB.

Diante disso, no quadro da atual crise econômica e financeira, o capitalismo alemão e seu Estado procuram definir uma ampliação sem precedentes de sua ofensiva estratégica de dominação econômico-imperialista nos mercados emergentes, em particular China, Índia e Brasil. Nesse quadro, situa-se seu Plano de Agosto de 2010 de Ampliação de Relações Exteriores na América Latina, pretendendo influir mais decisivamente na política de Estado, segurança, econômica, agrícola, energia, propriedade industrial, ambiental, educativa, migratória, drogas, direitos humanos, integração regional na América Latina.

Nesse mesmo contexto, situam-se as negociações da UE, impulsionadas em particular pela Alemanha, visando ao estabelecimento, ainda em 2011, do Tratado de Livre Comércio entre  UE e América Latina, em muitos sentidos semelhante aos princípios e corolários da ALCA.  

A intervenção do Estado Alemão na política de exportações e de consolidação dos centros de produção no exterior cumpre um papel decisivo para a ampliação da esfera de influência do capitalismo imperialista alemão, auxiliando os conglomerados alemães a abrirem mercados nos países emergentes e atrasados, pressionando pela  adaptação destes às condições do mercado mundial. Informações e consultorias avançadas são prestadas pelas instituições do Estado – embaixadas, consulados gerais, sociedades federais de comércio exterior, GTal – Germany Trade and Invest – e privadas – p.ex. câmaras de comércio -, visando a aumentar a exploração dos trustes alemães no exterior.

O Estado Alemão fomenta, sobretudo, as atividades empresariais dos conglomerados alemães no exterior – p.ex. mediante fechamentos de contratos de proteção de investimentos, feiras, concessão de seguros de exportações. Secundariamente, o Estado Alemão financia as empresas alemãs de médio e pequeno porte em sua atuação no exterior, o que vale, em particular, para as empresas originárias da antiga Alemanha Oriental, o que demonstra o desequilíbrio de interesses envolvidos, pois 85% de todas as firmas da Alemanha são pequenas ou médias empresas e muitas delas como “hidden champions” são lideres do mercado mundial em seu setor.

Outra tarefa que o Estado Alemão entreve como sua tarefa decisiva é a intervir ativamente nas negociações bilaterais e multilaterais, p.ex. na UE, na OECD, na WTO, lutando por impor suas condições imperialistas. Assim, o impulso da economia de exportação é uma das principais do Estado Alemão, o qual possui mais de 220 representações no exterior para apoiar, em nível mundial, os trutes alemães, através de um largo espectro de prestações de serviços: consultor político em questões econômicas e políticas, abre-alas de novos mercados a serem explorados, rede de conexão entre trustes, instituições e empresários tanto na Alemanha quanto no país de destino, contratos de proteção e de incentivo de investimentos, procurando consolidar as posições alemãs no país e no exterior.    

Também seu sistema educacional é direcionado para esse objetivo maior de exportações, em cujo quadro são características internacionalmente reconhecidas elevado conhecimento e avançada capacidade tecnológica do setor de mercado de trabalho especializado, dividido em formação profissional – vinculando o aprendizado escolar com o industrial – e formação cientifico-universitária, voltada essencialmente às necessidades da economia de exportação, convertendo novas idéias da força de trabalho especializada rapidamente em propriedade industrial dos grandes conglomerados alemães. 

Assim, para cada 1 milhão de habitantes, encontram-se registradas 277 patentes industriais de renome mundial, índice não encontrando em nenhuma outra economia do mundo.

Por outro lado, a Alemanha possui uma das redes mais densas de rodovias, ferrovias, aquáticas e aeroportos internacionais, assegurando rapidas conexões para o fluxo de mercadorias e prestações de serviços de seus trustes.

Ao mesmo tempo, o Estado Alemão garante segurança jurídica ao capitalismo imperialista do país, mediante princípios e regras jurídicas internacionalmente reconhecidas, constituindo um exemplo de sistema jurídico seguido pelas ordens normativas de inúmeros Estados do mundo. Esse fato embasa o grande fluxo de grandes investimentos internacionais no país: 7° país do mundo em volume de investimentos internacionais.

Os produtos alemães com a marca “made in Germany” indicam, quase sempre, máxima qualidade, no mercado mundial, razão pela qual a Alemanha surge, ainda, como líder de exportação de mercadorias de máquinas e equipamentos. Apresenta-se particularmente forte, no domínio da produção automobilística, construção de máquinas elétricas e eletrônicas e produtos químicos. Também nos ramos de grandes projetos de infraestrutura de longo-prazo e de produção de energia compatível com o ambiente – fotovoltaica, geotermia e heliotermia, biogás e biomassa - nanotecnologia – em cujo domínio, a cada dois anos, o numero de patentes se duplica, energia atômica etc., apresenta-se o país como uma grande refêrencia. 

Assim, até 2009, a Alemanha foi, por diversos e diversos anos, a economia campeã de exportações no mundo. Em 2008, exportou US$ 1,47 trilhões – algo correspondente ao inteiro PIB do Brasil de 2008 - superando a China, sua concorrente mais expressiva, com seus US$1,43 trilhões. Deste modo, a economia alemã depende marcadamente de exportações, relacionadas com sua forte especialização em bens de investimentos.

Com a Zona do Euro, surgida em 1999, reduziram-se as antigas oscilações cambiais em particular para os grandes investimentos. Porém, essa zona não levou a qualquer integração de orçamentos e mecanismos de unificação de endividamentos dos países membros, senão apenas a limites indicativos à contenção dos déficits orçamentários e endividamentos estatais, no quadro de um Pacto de Estabilidade do Euro e de Crescimento, em que se manteve a soberania orçamentário-financeira dos Estados membros, abrindo-se mão até mesmo de sanções draconianas para os casos de violação do pacto.   

Desde então, o sistema de financiamento externo dos grandes conglomerados alemães deixou de ser operado por intermédio de bancos, dando lugar, cada vez mais intensamente, ao significado do mercado de capitais internacionais e a emissão de ações ou empréstimos empresariais de investidores institucionais.

Sob o argumento de incremento da capacidade concorrencial do país, desregulou-se e precarizou-se o mercado de trabalho, em 1999, ainda no inicio do Governo Social-Democrático-Verde Schröder/Fischer – com o apoio e colaboração da Central Sindical Alemã e dos principais sindicatos do país ligado à Social-Democracia -, expandindo-se o trabalho terceirizado, o trabalho a tempo parcial – minijobs, midi-jobs - , os contratos temporários, o banco-de-horas, instituindo-se um setor de mercado de salários de fome – inferiores a € 5 por hora e, até mesmo € 1 por hora -, estimulando-se o dumping salarial, na medida em que rejeitou-se, categoricamente, a introdução de um salário mínimo legal, existente na maioria dos Estados da UE.

A fim de que os trabalhadores alemães sem qualificação pudessem concorrer por um posto de trabalho com seus iguais, originários de países industrialmente mais atrasados, fomentou-se, com evidente colaboração da Central Sindical Alemã (DGB) e dos sindicatos a ela filiados, um setor da economia, marcado por salários extremamente baixos. Desde então, surgiu um modelo de subvenção salarial, paga pelo Estado aos trabalhadores em período de prova, rejeitou-se a possibilidade de introdução de um salário mínimo básico, desenvolvendo-se a terceirização e os contratos temporários. 

Por outro lado, concedeu-se entre 2000 e 2004, greencards a 20.000 especialistas de tecnologia de informação, originários de fora da Alemanha e da UE, a fim de fazer face à euforia da New Economy e ao crescimento explosivo do segmento bursátil Nemax, que conduziu, finalmente, à bolha da Dotcom, entre 1997 e 2000.

Outra possibilidade de atrair para os grandes conglomerados alemães trabalhadores a baixo custo, tem sido, desde então,  o intenso deslocamento dos centros  de produção para filiais, situadas na Asia, na Europa do Leste e na América Latina, regiões tradicionalmente expostas à expansão do imperialismo alemão. Como exemplos categóricos, devem ser citadas a produção de motores da VW em Shangai e da Audi em Györ na Hungria – em 2008, a segunda maior exportadora deste país -  e a fábrica de veículos Skoda da VW, na República Tcheca, onde, em 2006, foi a maior exportadora deste último país.  Na América Latina, merecem citação a cidade de São Paulo /Brasil – maior centro de produção do capital alemão fora da Alemanha e dos EUA -, Rosário /Argentina e Puebla /México.  

Em 2005, a taxa de desemprego formal no país atingiu a cifra de 13%, permanencendo até a presente data insuperada.

Neste mesmo ano, foi promulgada a Lei do Auxílio Desemprego II (Hartz IV), baseada no projeto de 2002 de autoria de Peter Hartz - manager da Volkswagen e, concomitantemente, membro dirigente da Social-Democracia Alemã e do Sindicato da Indústria Alemã (IG Metall) - que unificou o antigo auxílio desemprego com o auxílio social, fixado-os em um total mensal de € 354, de acordo com um projeto de mínimo de subsistência no país, bem como abriu-se a possibilidade de, em casos especiais, repicarem-se rendimentos de autônomos e prestações sociais mínimas, com vistas a atingir-se o nível mínimo de subsistência.

Em 2005, já havia 4.8 milhões de desempregados, dependentes do auxílio Hartz IV, sendo que, nos anos subsequentes essa cifra se elevou constantemente, em particular em Berlim, onde atingiu 6,7%. Ainda hoje, apenas em casos excepcionais, os dependentes de Hartz IV possuem a chance de virem a encontrar no mercado de trabalho um opção de emprego com melhor remuneração. 

Na economia alemã, passaram a dominar, desde então, relações precarizadas e trabalho terceirizado.

Entre 2006 e 2008 – já sob o Governo Democrata-Cristão-Social-Democrático Merkel/Steinmeier - houve crescimento do PIB, respectivamente de 3,2%, 2,5% e 1,3%, mantido por investimentos crescentes dos grandes trustes. Em 2006, estes elevaram-se em 7,7%, sendo que os investimentos na indústria militar cresceram ainda mais. O mesmo deve ser dito dos investimentos no setor de construção civil, retomados depois de anos de decréscimo.

 Nesse período, a economia alemã cresceu em conformidade a seus ciclo conjutural. De inicio, os impulsos econômicos vieram da mercado mundial. Em face do crescente aproveitamento da capacidade produtiva, acelerou-se, em 2006, o aumento dos investimentos no interior do país. A situação no mercado de trabalho foi marcada, então,  pelo declínio do número de desempregados em cerca de 374.000 pessoas (-7,7%), atingindo a cifra de 4.5 milhões de desempregados, bem como pela elevação do número dos profissionais ativos em 0,7%.

Entretanto, o crescimento econômico não provocou uma sensível elevação do consumo privado, sendo que a demanda interna elevou-se apenas a 2,1%.

O forte crescimento de 2006 levou a que o déficit orçamentário do Estado de 1,5% do PIB caisse nitidamente abaixo dos parâmetros de Maastricht (3% do PIB).

Em 2007, desacelerou-se lentamente o crescimento da economia alemã, estando a conjutura abalada por diversos fatores, entre os quais a definição da própria política financeira do Estado, já sobrecarrado pelo endividamento externo, a renovada elevação do preço do petroléo, a valorização do  Euro, verificada ao longo de todo ano, bem como as consequencias da explosão da crise do mercado hipotecário de devedores duvidosos (sub-prime crisis), iniciada no verão de 2007, seguida da crise financeira mundial.  Apesar disso, os investimentos na indústria bélica cresceram em 6,9% e no setor da construção civil em 1,8%, ao passo que o consumo privado encolheu em -1,4%, devido a elevação do imposto sobre o valor agregado e como resultado também do aumento dos preços do mercado em 2,3%.

Elevando-se as exportações em 1,4%, pode o orçamento do Estado registrar pela primeira vez um pequeno superávit, depois de muitos anos.    

A taxa de desemprego caiu, em dezembro de 2007, para 8,1% e, em novembro de 2008, para 7,1%.

Já a partir do segundo trimestre de 2008, teve início na Alemanha um claro recuo da produção, depois de um descomunal crescimento no primeiro trimestre. Cessaram-se os impulsos de crescimento do comércio exterior. O reduzido crescimento da economia mundial e a renovada valorização do euro frearam o aumento das exportações alemãs. Alem disso, descreceu o nivel dos investimentos, permanecendo, porém, positivo em 4,4%. As condições de financiamento das empresas pioraram visivelmente, bem como limitaram-se as possibilidades de depreciação do patrimônio industrial.

O consumo privado encolheu até -0,1%, apesar da dimunição do número de desempregados que atingiu a cifra de 3,2 milhões de pessoas (-13%). A elevação dos preços de consumo, causado pela elevação do imposto sobre o valor agregado, prosseguiu, atingindo um aumento de 2,6%. O  encarecimento da energia e meios de alimentação colaborou para a rapida elevação dos preços e mesmo o recuo dos preços da energia, no segundo semestre de 2008, não compensou o aumento do primeiro semestre.

Com um crescimento de 1,3% do PIB, o orçamento do Estado foi encerrado de modo praticamente equilibrado.

 

CAPÍTULO 2.

SITUAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL NA ALEMANHA EM 2009 E 2010

NO CONTEXTO DA CRISE E DOS PROGRAMAS CONJUNTURAIS

 

No início de 2009, a economia alemã encontrava-se, porém, em meio a mais profunda recessão desde o pós-guerra. Com o aguçamento da crise bancária, financeira e econômica que, desde de fins de 2008, atingiu o setor real da produção capitalista, a recessão mundial aprofundou-se dramaticamente.

O encolhimento do PIB alemão em 2009 foi de -4,9%, mantendo-se, porém, abaixo do prognóstico inicial generalizado de -6%, sendo que a grande diferença de prognósticos feitos pelos grandes trustes alemães demonstrava  sua marcante insegurança em meio  à involução do mercado. Muitas empresas passaram a produzir  à vista, sem fazer qualquer tipo de planejamento para o decorrer do ano.

De todo modo, piorou notadamente a situação do mercado de trabalho. Em maio de 2009, os postos de trabalho com jornada reduzida alcançaram a cifra de 1,5 milhões, ao mesmo tempo em que proliferaram os bancos de hora.

Porém, o numero de desempregados aumentou, em 2009, apenas em cerca de 450.000 pessoas, atingindo a cifra de 3,7 milhões de pessoas, valor este inferior, porém, ao de 2006. Tratou-se, entretanto, de uma aumento de 8,6% no desemprego e o número dos profissionais ativos decaiu em 508.000 pessoas.

Enquanto o número de desempregados elevou-se relativamente pouco, decaiu o tempo de trabalho de cada trabalhador empregado, desde o início de 2008 até fins de 2009, em cerca de 5%.

O aumento dos preços ao consumidor decaiu, em 0,4%, com o recuo do preço do petroléo a US$50 o barril. Porém, apesar da queda dos preços, o consumo privado, marcado pelo desemprego crescente, a diminuição da atividade profissional e uma mínima elevação de rendimentos médios disponíveis de 0,2% foram incapazes de sustentar a demanda efetiva da economia como um todo. As vendas de automóveis de pequeno porte, fomentadas pelos incentivos estatais concedidos  à indústria automobilística, contribuiram para um insignificante aumento do consumo privado em 0,3%.  

Porém, a recessão acertou inteiramente o consumo privado de pessoas de baixos rendimentos (-1,2%).

Nesse quadro, os grandes conglomerados alemães acordaram com o Governo Federal Cristão-Democrático-Social-Democrático da Grande Coalizão medidas assegurando a continuação imediata da ampliação dos grandes lucros e evitando o desmonte social, injetando – como nos diversos países capitalistas imperialistas da UE – bilhões de euros para amenizar os impactos da crise.

Porém, o orçamento do Estado em 2009 elevou-se a 3,7% do PIB, devido aos gastos colossais para a preservação das empresas oligopolistas - em especial, do setor financeiro -, realizados a titulo de Lei de Estabilização do Mercado Financeiro (FMStG), promulgada em 18 de outubro de 2008.

A crise revelou a má situação financeira de alguns bancos alemães, em particular dos Bancos Estaduais, do Banco Industrial Alemão IKB e do Hypo Real Estate, forçando o Governo Federal Cristão-Democrático-Social-Democrático, em outubro de 2008,  a assumir em seu nome e publicamente a garantia de todos os depósitos bancários da população.   

A lei referida permitiu a criação de um “Fundo Especial de Estabilização do Mercado Financeiro (SoFFin)” no valor de € 480 bilhões – 400 bilhões em garantias e 80 bilhões de auxílios  de capitalização -, dias depois da quebra do Lehman-Brothers Inc..

Esse fundo adquiriu, de início, 70 bilhões de ativos podres de bancos, seguradoras, fundos de pensão, sociedades de capital, corretoras de valores mobilíarios, efetuando, assim, uma recapitalização imediata das instituições financeiras alemãs. Até 31 de dezembro de 2009, o fundo em questão declarou conceder garantias adicionais no valor total de € 400 bilhões.    

O déficit do fundo foi transferido à responsabilidade do Governo Federal, em 65%, e dos Governos Estaduais, em 35%. 

Entrementes, grandes bancos alemães deixaram de existir ou foram incorporados por outros maiores, aguçando a concentração de capital no país: o Dresdner Bank – que desapareceu - foi adquirido pelo Commerzbank e o Postbank foi comprado pelo Deutsche Bank. O Hypo Real Estate foi estatizado.

No curso da crise, o Fundo de Estabilização assumiu também importante participação no Commerzbank, instituindo-se, de imediato, uma comissão de inquérito para apurar as contas do banco.

A seguir, procurando reagir aos efeitos da crise financeira e econômica, o Governo Cristão-Democrático-Social-Democrático decretou em 5 de novembro de 2008, o “Pacote de Medidas Segurança no Emprego Mediante Fortalecimento do Crescimento” (Pacote de Conjuntura I), fomentando investimentos e expandindo serviços públicos na ordem de € 30 bilhões. As medidas do pacote incluíram isenções tributarias, estímulo de investimentos, projetos de infraestrutura, conduzindo, em particular, a uma maior concentração e centralização do capital das grandes empresas.

Semanas depois, em 12 de janeiro de 2009, decretou o “Pacote de Conjuntura II  - Firmes na Crise, Fortes para o Novo Ascenso – Pacto de Emprego e Estabilidade na Alemanha para Seguro dos Empregos”, que autorizou, até o fim de 2010, US$ 50 bilhões de investimentos em serviços públicos, crédito adicional para os bancos e grandes empresas, expansão do financiamento de exportações, estímulo para compras de automóveis novos, bem como instituiu grandes reduções de impostos para os grandes rendimentos e conglomerados alemães. O valor isento de incidência tributária, nestes casos, subiu de € 7.600 para € 8.000. Como medida de consolação para as famílias carentes, o Pacote concederia, em abril de 2009, € 100 por criança.

Em janeiro de 2009, o Governo Cristão-Democrático-Social-Democrático criou o “Fundo Econômico da Alemanha” concedendo 115 bilhões de Euro de créditos – 75 bilhões para garantias de toda a natureza e 40 bilhões para financiamentos de empresas à beira da falência.

Com isso, o déficit orçamentário do Estado Alemão aumentou ainda mais, atingindo um nível recorde de  € 50 bilhões.

Em setembro de 2009, o Governo Merkel-Steinmeier investiu bilhões de euros na Opel, justamente no momento em que se aprofundava a crise na GM dos EUA. Diante do desmembramento da GM, a parte européia desta multinacional, passou a ser gerenciada por um consórcio, cujas dívidas foram assumidas pelo Governo do Estado Alemão, abrindo a possibilidade de a Magna canadense, em 13 de agosto de 2009, assumir a Opel, adqurindo 55% da participação da GM e levando aos trabalhadores a assumirem 10% do risco empresarial. Presentemente, a Comissão Européia examina o processo de salvação da Opel, onde os auxílios do Governo Merkel-Steinmeier surgem como favorecimento politicamente motivado a um centro de produção alemão. Em 3 de novembro de 2009, a venda da Opel à Magna foi simplesmente cancelada, permanecendo a GM com a grande controladora, em cujo contexto Nick Reilly promoveu a redução de 5.400 postos de trabalho na Alemanha (9.000 ao todo na Europa), reduzindo a produção em cerca de 20%. Os auxílios estatais do Governo foram, na sua maior parte, devolvidos, porém, mesmo assim, em junho de 2010, o requerimento da GM de caução de € 1,1 bilhão junto ao Fundo Alemão foi recusado pelo Ministro da Finança do Partido Liberal-Democrático. Desse modo, o processo de saneamento da Opel permanece ainda em uma encruzilhada, dependendo em grande parte do capital da matriz norte-americana.  

Nas lutas dos trabalhadores da Opel, a IG Metall e a DGB demonstraram, ainda mais uma vez, um controle muito forte do movimento operário, jogando todo o seu peso para ajudar a administrar os grandes oligopólios alemães, participando diretamente dos Conselhos de Administração, paralisando os movimentos da classe trabalhadora ao longo dos anos, mediante acordos de péssima qualidade.                                         

Mesmo assim, o movimento operário ensaiou importante resistência no caso da Opel, organizando um Dia de Luta, em setembro de 2009, quando 5.000 trabalhadores, vindos de Bochum, Rüsselheim e outras localidades, reuniram-se em Antuérpia, na Bélgica, em um momento em que a fábrica belga estava ameaçada de fechamento, defendendo seus empregos e jornada de trabalho de 30 horas, com manutenção integral de seus salários. Ao longo dos primeiros meses de 2010, essa luta prosseguiu muito ascesa, com vários atos de protestos e cartas de solidariedade, advindas do mundo operário-metalúrgico de todo mundo.

Em vista do fato de os setores automobilístico, autopeças, máquinas e equipamentos constituirem o ponto nevrálgico da economia alemã e de suas exportações – Volkswagen (150.000 trabalhadores), Daimler, BMW etc. -,  o Governo Merkel-Steinmeier destinou, no quadro do “Programa Incentivo ao Sucateamento de Automóveis”,  € 7 bilhões a revonação da frota automobilística do país, medida denominada na Alemanha como promoção de “fogo de palha”. Os proprietários de carros, dotados de mais 5 anos de uso, puderam receber até € 2.500 de abatimento na aquisição de carros zero quilômetros. Tal programa assegurou um aumento de 23% das vendas dos modelos novos mais baratos e o reaquecimento do mercado interno, o que favoreceu, em particular a Volkswagen, a Ford, a Dacia, a Fiat, como também a Suzuki e a Kia. Os trustes produtores de veículos de luxo, mais propriamente de origem alemã - como a Audi, a BMW, a Mercedes Benz e a Porsche - aproveitaram muito pouco do programa em tela e muito protestaram contra ele. 

Em 2009, entretanto a produção automotriz alemã ainda permaneceu em baixa, visto que grande parte dela – aproximadamente 40% - destina-se à exportação.

Com isso, o mercado de trabalho oscilou bruscamente: de um lado, algumas fábricas exigiam que seus metalúrgicos trabalhassem até nos domingos, d'outro lado, muitas fábricas, por meio do banco-de-horas, exigiam que seus trabalhadores atuassem apenas dois dias por semana, reduzindo correspondemente os salários destes.

Aqui, interviu, igualmente, o “Programa de Auxílio ao Trabalhador com Jornada Reduzida”, promovido pelo Governo Merkel-Steinmeier, envolvendo cerca de 6 bilhões, como forma de financiar mediante despesas do Estado as reduções salariais, sofridas pelos trabalhadores atingidos pela redução da jornada de trabalho, durante o periodo de recessão.

Sobretudo em 2009, esse dispositivo ajudou a impedir demissões em massa, mantendo os índices de desemprego em uma posição moderada - diferentemente da situação verificada nos EUA, onde o desemprego atingiu rapidamente a cifra de 7 milhões, bem como em outros países europeus, com destaque para a Espanha. Já no inicio de 2010, na Siemens de Munique, o número de trabalhadores com jornada reduzida caiu de 19.000 para 600.  

Ademais, o Governo Merkel-Steinmeier destinou 20 bilhões em investimentos de construção e saneamento de imóveis, atrações e empresas públicas, visando a manter o consumo aquecido.

O “Pacote contra o Aperto do Credito” colocou 115 bilhões a juros baixo à disposição das empresas alemãs em dificuldade financeira, sendo que 48% destes valores foram absorvidos por pequenas e médias empresas, ao passo que 52% por grandes empresas que, em geral, já dispunham de outras opções de crédito. 

D’outra parte, as importações alemãs, dinamizadas pelo consumo privado, aumentaram em 42 bilhões, em 2009.

Todas essas medidas postergaram o impacto mais intenso da crise, evitando demissões e retrações de grandes dimensões.

Visando ainda a superar a recessão de 2009, o Parlamento Alemão já dominado, então, pelo Governo Cristão-Democrático-Liberal fez promulgar, em 9 de novembro de 2009, uma Lei de Aceleração do Crescimento (WBG), favorecendo a concentração do capital e situação financeira da burguesia alemã mediante mudanças na disciplina legal do Direito Tributário de Familia, Herança, Empresa e Aquisição Imobiliária efetuada por grandes fortunas e conglormerados. A contabilização da depreciação de bens econômicos passou a ser imediata. Com isso, a queda de arrecadação do Estado implicou em € 4,6 bilhões para o Governo Federal, 2,2 bilhões para os Governos Estaduais e 1,5 bilhão para as cidades.  

O novo Governo Merkel-Westerwelle prosseguiu apoiando, desde então, fortemente a política do Banco Central de Europeu de moeda européia desvalorizada, como forma de retomar o ascenso das exportações e favorecer as grandes empresas exportadoras da Alemanha e da UE.

Na virada de 2009 para 2010, teve início, então, a crise financeira da Grécia, marcada pela insolvência técnica do Estado Grego, transformando-se, rapidamente, essa crise em crise da moeda única, o euro. Em maio de 2010, um entre cada dez europeus encontrava-se desempregado.

A concessão da parte do auxílio alemão ao Estado Grego praticamente insolvente contou, de início, com grande resistência da grande burguesia alemã, tendo em conta o valor a ser financiado. Porém, diante do perigo de a crise grega poder contaminar o próprio sistema financeiro alemão e europeu, foi considerado como estritamente necessário e apto a propiciar um maior controle do imperialismo capitalista alemão sobre a economia grega, obrigada a cortar € 30 bilhões (cerca de 10% de seu potencial econômico) nos próximos anos, fazendo encolher, transitoriamente, o seu déficit orçamentário de 13,6% a 8%. Essa medida abre as portas, agora, à implementação de um controle mais severo sobre outros países da UE à beira da insolvência, bem como  à fixação de critérios mais rigorosos de contenção dos déficits orçamentários e endividamentos estatais, deferindo ataques contra a soberania orçamentária e financeira dos Estados membros da UE e de seus parlamentos nacionais mediante a reivindicação de federalização dos orçamentos e das dívidas, introduzindo-se a possibilidade de severas sanções, reduzindo-se os direitos de voto dos transgressores.    

Apesar de todas as medidas de sustentação da economia capitalista-imperialista alemã que conduziram, em 30 de junho de 2009, o endividamento externo do Estado Alemão (o terceiro maior do mundo depois dos EUA e da Inglaterra) a 155% do PIB, i.e. a aproximadamente três vezes mais do que o valor do produto interno anual da nação, vale dizer US$ 5.208.000.000.000, levando a que todo cidadão alemão possua um endividamento externo de US$ 63.500 – agregando ainda o endividamento interno de 72% do PIB -, verificou-se uma evolução negativa do PIB do país em -4,9%. 

Com isso, a Alemanha fixou sua regra de “Freio da Dívida Pública”, procurando mantê-la em 0,35% do PIB, a fim de reduzí-la ao máximo possível.

No início de 2010, porém, os conglomerados alemães não estavam convencidos de que uma virada rumo ao crescimento poderia ocorrer. Contavam com um crescimento mínimo positivo, com uma  recuperação bem lenta da produção da economia alemã e européia, no curso de 2010.

Os institutos de estatistica acreditavam que, apenas no terceiro ou quarto trimestre, poderia ocorrer algum crescimento. Prognosticavam um crescimento positivo do PIB de 0,5% para 2010, apesar de acreditarem que a Alemanha seria muito mais profundamente afetada do que outras nações industrializadas, com exceção do Japão.

Preconizavam a piora do mercado de trabalho – que chegaria a 4,6 milhões de desempregados, superando 2006, bem como nenhum aumento de salários.

Entretanto, surpreendentemente, depois da recessão de 2009, na qual o PIB alemão decresceu -4,9%, a perspectiva de retomada do crescimento, é hoje de 3,4% em 2010 e 1,5% em 2011.

Considera-se, entretanto, que o crescimento é ainda frágil e, em grande parte, resultado direto dos programas de sustentação do capitalismo imperialista alemão e das relações mais dinâmicas com a economia chinesa. 

Assim, podemos apresentar o seguinte quadro de variação do PIB Real na Alemanha:

 

Variação do PIB Real da Alemanha
 em %relativamente ao ano precedente
Ano
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Variação em %
3,2
2,5
1,3
−4,9
3,2
2,1
Depto. Federal de Estatistica  (Juni 2010)
2010, 2011 valores projetados

 

Em 2010, retomou-se, assim, o crescimento do mercado de trabalho, permanecendo a taxa de desemprego na Alemanha inferior aos 9,8% da UE (com destaque para a Espanha 20%, Irlanda, 14%, Grécia 10,2%, Portugal 9% e Italia 8,7%). Porém, em 2009, 32% dos trabalhadores da antiga Alemanha Oriental e 29,5% da Alemanha Ocidental ganhavam menos do que € 5 por hora. 37,3% na Alemanha Ocidental, menos de € 7,50 por hora, conformando, assim, a categoria dos trabalhadores de baixa remuneração.  Além disso, entre 1990 e 2010, o número de contratos temporários de trabalho aumentou claramente.

Dos 30,7 milhões de trabalhadores assalariados na Alemanha, 2,7 milhões (8,9%) possuíam, em 2008, contratos temporários, vivendo em permanente insegurança, sendo sempre os primeiros a serem demitidos. Dentre estes, as mulheres têm sido sempre as mais atingidas. Ao mesmo tempo, expandiu-se a categoria dos postos de trabalho remunerados com € 1 por hora. 

Cerca de 1,3 milhão de trabalhadores a tempo integral, pagos com baixos salários, renunciam, porém, voluntariamente, aos auxílios sociais do Estado para o mínimo de subsistência, embora possuam, em certos casos, direito a eles, por desconhecerem-nos ou considerarem-nos humilhantes. Vivem, assim, em um nivel inferior à linha de pobreza, disfarçando e acobertando a sua condição de pobres.

Por outro lado, o trabalho terceirizado atingiu, em 2008, o seu máximo, desde que foi introduzido pelo Governo Social-Democrático-Verde Schröder/Fischer, em 1999, com o apoio dos cristão-democratas e liberais, permitindo a agências de trabalho terceirizar pelo tempo que desejem e pelos salários de fome que queiram negociar. Em média, as agências terceirizadoras faturam € 18 por hora de trabalho de um trabalhador terceirizado que recebe, como salário, algo como € 4,80.

Se, em 2008, abrangeu 794.000 trabalhadores e, em 2009, decaiu ligeiramente para 609.000 trabalhadores. Em regra, todo trabalhador terceirizado depende, na Alemanha, de auxílios sociais para sobreviver, não possuindo direito a férias remuneradas nem a seguro social nem à aposentadoria.

Entre 2004 e 2008, o número de aposentados que tiveram de continuar a trabalhar, devido aos valores insuficientes das pensões pagas, aumentou em 40%. Em 2010, atingia o número de 700.000 pessoas, com tendência de alta. Porém, apenas 8% daqueles com idade entre 63 e 64 anos encontram, hoje, um pleno emprego (26,5% daqueles entre 58 e 62 anos; 36,3%, entre 55 e 57 anos.) 

Em 2010, a idade de aposentadoria – hoje 65 anos - pode vir a ser elevada, então, para 67 anos, com voto majoritário dos Cristão-Democratas e Liberais e até mesmo com o apoio dos Verdes e da Social-Democracia Alemã, dividida entre a fração de direita Steinmeier/Münterfering, a de centro Sigmar Gabriel e a de esquerda Sascha Vogt.

Diante disso, é correto afirmar que, na Alemanha de hoje, considerada sua força de trabalho de 30,7 milhões de pessoas, cerca de 8 milhões de trabalhadores vivem com salários de fome, haja vista o nível de preços ao consumidor e aluguéis de mercado.  A pobreza na velhice tornou-se um fênomeno de massas.  O risco de pobreza na Alemanha passou a situar-se em 14,3%, i.e. duas vezes acima dos demais países europeus que possuem sistema de seguro social.  

Esta situação não pode ser compensada com a Lei de Condições Obrigatórias de Trabalho para Trabalhadores Imigrantes que, desde abril de 2009, instituiu salários mínimos setoriais, através de negociação feita com os sindicatos e associações de trabalhadores. De conjunto, o Governo Federal Cristão-Democrático-Liberal, tal quais todos os seus antecessores – incluindo os Sociais-Democratas e Verdes - nega-se, categoricamente, a introduzir um salário mínimo legal que reduza as possibilidades de prática de dumping salarial, desconsiderando o fato de que, hoje, em 20 dos 27 Estados da UE o salário mínimo legal seja uma realidade: na Inglaterra (€ 6,51), na Belgica (€ 8,41), na Holanda (€ 8,64), na Irlanda(€ 8,65), na França(€ 8,86), em Luxemburgo(€ 9,73).

O movimento sindical e social alemão – a Central Sindical Alemã (DGB) , os partidos de esquerda etc. etc. - reivindica, assim, um salário mínimo legal de € 10 por hora.

Como se tudo isso não bastasse, o Governo Merkel-Westerwelle decretou, em junho de 2010, seu grande pacote de cortes sociais, intitulado “Pacote Econômico de Saneamento do Orçamento Federal”, prevendo uma economia de € 80 bilhões, a ser obtida até 2014 (€ 11,2 bilhões até 2011), à custa de impostos mais elevados e mais abrangentes, aumento dos preços dos servicos públicos e redução do funcionalismo público, dos auxílios aos socialmente necessitados, à aposentadoria, aos desempregados e às crianças (redução para 35% do auxílio dos país para financiamento dos filhos).

Nenhuma redução dos dotações dirigidas às Forças Armadas Alemãs foi incluida no “Pacote de Saneamento”, ainda que o Governo Federal prometa examiná-las, quem sabe, no futuro. Assim, o Governo Federal pretende até 2013 atingir novamente o limite de déficit permitido pelo Pacto de Crescimento e Estabilidade Europeu.

 

CAPÍTULO 3.

CRISE POLÍTICA E RELAÇÃO DO GOVERNO ALEMÃO COM A UE

 

De 2005 a 2009, a Alemanha foi dirigida por um Governo de Grande Coalizão, formado pela União Cristão Democrática e Social (CDU/CSU) e a Social-Democracia Alemã (SPD), conhecido como o Governo Federal Merkel-Steinmeier.

Esse governo foi responsável pela esmagadora maioria dos programas intervencionistas de molde keynesiano que influíram sobre a economia alemã de 2008 a meados de 2009.

Nas eleições de setembro de 2009, quando essas forças se dividiram e lutaram abertamente pela conquista do Governo, porém, confirmaram-se a supremacia dos cristão-democratas, dirigidos por Merkel – apesar de seu pequeno declínio percentual -, bem como a amarga derrota da Social-Democracia Alemã, a qual perdeu cerca de 11,2% em relação as eleições de 2005. Mesmo assim, nas eleições de setembro de 2009, que selou uma derrota desastrosa da Social-Democracia Alemã, permaneceu o SPD com 24% dos votos dos trabalhadores, enquanto que o Partido A Esquerda (Die Linke) obteve 18%. Anote-se que os trotskystas da corrente de Ted Grant (A Centelha) continuou, assim, militando no interior do SPD.

D'outra parte, ascenderam, marcadamente, em 4,7%, para alcancar 14%, os liberal-democratas do FDP, dispostos a formarem uma nova coalizão com a CDU e a CSU, sob os ventos do neoliberalismo.

Dest’arte, desde setembro de 2009, a conformação da Câmara Federal do Parlamento Alemão, composto de 622 deputados, eleitos para um mandato de 4 anos, passou a ser seguinte: na situação, encontramos a CDU/CSU com 239 deputados e o FDP 93 mandatos; na oposição, o SPD com 146 deputados, os Verdes 68 deputados e o Partido A Esquerda (Die Linke) 76 deputados, bem como 3 independentes.

Segundo uma recente pesquisa, produzida pelo Instituto Emnid em setembro de 2010, 88% dos alemães consultados responderam espontaneamente que desejam uma “outra ordem econômica” diferente da atual, pois a atual ordem econômica  não assegura a proteção do ambiente nem o trato cuidadoso com os recursos naturais, deixando de promover equilíbrio social.

Pesquisas recentes comprovam que, em face da rápida erosão dos partidos neoliberais democráticos (CDU, CSU e FDP), existe, hoje, na Alemanha uma maioria de 48% em favor de um novo Governo da Social-Democracia e dos Verdes, vale dizer 14% a frente da coalizão cristão-democrático-social-liberal. Mais detalhadamente, a CDU-CSU atingem, hoje, 29% e o FDP não mais do 5%.

Pelo contrário, porém, o Partido A Esquerda (Die Linke) encontra-se, no momento, segundo as últimas pesquisas, com seu crescimento estagnado. Em maio de 2010, nas eleições do Estado da Renânia do Norte-Vestfália, 51% dos sindicalizados, 41% dos trabalhadores e 33% dos empregados votaram no SPD.  Resultados supreendentes indicam que, em Berlim e em Baden-Württemberg, 30% dos eleitores votariam nos Verdes que superariam, assim, até mesmo a Social-Democracia Alemã. Retoma-se a popularidade do movimento anti-nuclear – contra a promessa de Merkel de prosseguir com as 17 centrais atômicas por mais 12 anos - e as manifestações contra projetos ferroviários e de aeroportuários extremamente custosos.

Sem dúvida, as eleições regionais em Baden-Württemberg, em março de 2011, constituirão um referendo sobre o projeto e sobre o Governo deste Estado Federado que, pela primeira vez depois de 1953, está escapando do controle da CDU, favorecendo, de início, as ambições políticas da Social-Democracia e dos Verdes.

Ao mesmo tempo, os atuais desentendimentos entre os Verdes e os Democratas Cristãos em torno do prolongamento do uso da energia atômica ou o “Projeto Stuttgart 21” os separa claramente.

No entanto, apesar de sua retórica política, as direções da Social-Democracia e dos Verdes não mudaram sua política, desde o fim do Governo Schröder/Fischer em 2005 e continuam a defender o atual sistema de auxílio desemprego Hartz IV, as aposentadorias privadas e as intervenções militares das tropas alemãs no exterior. No entanto, verifica-se uma mudança considerável na base de suas organizações partidarias, em particular da juventude, do que nos dá prova o Congresso Federal da Juventude Social-Democrática de 2009, na cidade de Essen, onde ouviram-se vozes em prol da “total renovação da Social-Democracia”, bem como a favor da estratégia de aproximação tanto em relação aos Verdes quanto ao Partido A Esquerda (Die Linke).

Esse Congresso da Juventude sacou o balanço de que o último Governo do SPD ajudou, claramente, a acentuar “a divisão entre ricos e pobres”, fomentando a terceirização e o trabalho temporário “em medidas irresponsáveis”, elevando a pressão sobre o setor de salários rebaixados, abrindo as portas para os salários de fome. A juventude social-democrática reinvidicou, em seu congresso,  impostos pesados para as grandes fortunas e transações financeiras, bem como a supressão da atual lei de auxílio desemprego, mini-empregos e aponsentadoria aos 67 anos.

Nesse sentido, apenas a juventude social-democrática de Hamburg e Baden-Württemberg defendeu a linha do antigo Governo Schröder/Fischer, procurando obstar as passagens críticas da tese-guia. Porém, na votação do plenário, a maioria do Congresso Federal da Juventude Social-Democrática votou por uma “total renovação do Partido”.  Quanto ao Partido A Esquerda (Die Linke), foi fundado em 2007 – a partir da fusão do antigo Partido do Socialismo Democrático (PDS) de Gysi, existente entre 1989 e 2007 – originário da Alemanha Oriental - e da Alternativa Eleitoral Trabalho e Justiça Social (WASG) de Lafontaine, existente entre 2004 e 2007 – ruptura da Social-Democracia Alemã.

Surgiu, particularmente, na antiga Alemanha Oriental com características de partido de massas, rompendo o consenso político, havido até então, em prol de uma política econômico-neoliberal de mercado.  É um partido da esqueda, vinculado ao Forum de São Paulo.

Em setembro de 2009, o Partido A Esquerda (Die Linke) obteve um resultado bastante expressivo, alcançando 12% dos votos nas eleições federais, i.e.  5 153 884 votos, contando agora com 76 deputados – superando os Verdes. Em relação a 2005, o Partido A Esquerda (Die Linke) cresceu, agora, 3,2%. O Partido A Esquerda (Die Linke) é um agrupamento heterogêneo, composto por diversas correntes, entre as quais dominam os setores social-democráticos de esquerda– Lötzsch, Ernst, Gysi, Lafontaine, Lederer, Leutert - e stalinistas reciclados – Waagenknecht e Plataforma Comunista -, sendo todos eles adeptos do chavismo e do castrismo.

Trata-se, hoje, de um partido essencialmente eleitoral e possui pouca influência no movimento sindical e operário, quase totalmente dirigido pela Social-Democracia Alemã. De todo modo, o Partido A Esquerda (Die Linke), intervindo como um partido essencialmente parlamentar, passou a integrar os Governos Estaduais dirigidos pela Social-Democracia Alemã e os Verdes, sendo co-responsável pela redução das garantias sociais dos trabalhadores e pelas privatizações, em particular efetuadas em Berlim. 

Porém, no Partido A Esquerda (Die Linke) predomina a concepção de que o país vive um crise sistêmica, inevitavelmente direcionada para o próximo episódio cíclico, tendo em conta o desemprego em massa e a pobreza nos EUA e em outros países europeus. Nesse cenário, surge a oligarquia financeira alemã, no timão do Estado, i.e. os bancos comerciais e de investimentos, as agências de consultoria, como os grandes responsáveis pela crise, “parte do sistema de fraude institucionalizada”. O Partido A Esquerda (Die Linke), nas vozes de Lafontaine e Wagenknecht, posiciona-se, em tese, contra a desregulação, a flexibilização e a privatição da economia alemã. Reivindicam um rigoroso controle estatal dos recursos públicos e uma nacionalização dos grandes bancos e dos principais trustes alemães.

Defende a terceirização dos trabalhadores, porém apenas pelo prazo de três meses, convocando os Conselhos de Fábrica a serem co-responsáveis pela execução de tais contratos de trabalho.  Luta por um salário mínimo legal de € 10 por hora e um auxílio desemprego de € 500 por mês.  Pretende colocar em questão o problema da propriedade, enquanto questão do poder. Segundo Lafontaine, a idéia da propriedade obtida através do trabalho deveria ser reintroduzida na sociedade, bem como o principio de quem não trabalha não come.

Exige a proibição das especulações de câmbio e uma separação estrita entre negócios bancários e especulação bursátil. Clama pelo fim da especulação dos preços das matérias primas e dos alimentos. Reivindica a proibição de doações dos bancos e seguradoras aos partidos políticos. O fim do sistema de aposentadorias privadas. O Estado não deveria, segundo essa lógica, conceder dinheiro a juros baixo aos grandes bancos, deles tomando emprestado, então, com taxas de juros elevadas. Faz campanha, veementemente, por Raúl Castro e Hugo Chávez, enquanto ícones do socialismo do século XXI e por uma “ordem social socialista e democrática”, na qual deixe de existir desemprego, marginalização, divisão de classes e destruição do ambiente. 

No geral, suas posições voltam-se contra o neoliberalismo, apontando para a formação um capitalismo burocrático de Estado, com diversos traços nacionalistas.  No campo politico, o Partido A Esquerda (Die Linke) defende uma coalizão política com a Social-Democracia e os Verdes, desde que não seja abandonada sua plataforma de luta contra o desmonte social, as privatizações e as intervenções militares das tropas alemãs.

Para isso, defende, taticamente, uma moderação de seu tom político anti-capitalista, substituindo-o por “bons argumentos” e “melhores idéias”, demonstrando o desastre histórico-social do Governo Schröder/Fischer de 1998 a 2005. Assim, a Frente de Mobilização dos Três Partidos, em atos e manifestações, deve dar lugar uma Frente Política de Governo, em torno de “objetivos políticos comuns” e um “denominador político comum”.

Essa estratégia corresponde ao estado de espírito médio da vanguarda e dos setores oposicionistas das massas alemãs que vêem a unidade dos partidos de oposição como a melhor forma de lutar contra o Governo Merkel-Westerwelle.De todo modo, o Governo Merkel-Westerwelle está sendo, cada vez mais, constestado.

Pela direita, pode-se verificar embrionariamente uma radicalização na discriminação crescente contra os muçulmanos, inspirada pelos resultados do “Tea Party” norte-americano. Na Alemanha, essa radicalização encontra um centro de aglutinação na pessoa de Thilo Sarrazin, demitido recentemente da direção do Banco Central da Alemanha em razão de posições racistas. A possibilidade de um novo partido direitista seria, facilmente, favorecida com um resultado eleitoral superior de 5%. O Instituto de Pesquisa Emnid afirma que alcançaria nada menos do que 20%.

Desde a queda do muro de Berlim, em 1989 – mas sobretudo a partir de 1998 com a ascensão ao poder do Governo Social-Democrático-Verde Schröder/Fischer, a Alemanha passou a ser o país da UE que mais avançou no processo de precarização de amplos setores do mercado de trabalho, marcados sobretudo pela terceirização, pelos contratos temporários, pelo banco-de-horas e pela mínima jornada de trabalho. Críticas proferidas no seio da UE – provindas sobretudo da França, Inglaterra e Itália – no sentido de que a Alemanha exporta demais, mantendo um consumo privado interno relativamente retraído, devido ao dumping salarial praticado em amplas faixas de seu mercado de trabalho em relação às demais economias européias – falta de salário mínimo legal, pagamento de € 1 por hora de trabalho etc. - , são rebatidas energicamente, no país, argumentando-se que a Alemanha faria o que todos os demais países da UE devem fazer, i.e. exportar, exportar, exportar.  

A presente crise econômico-financeiro mundial e as vias percorridas pelo Governo Alemão para o atingimento de uma recuperação econômica vem contribuindo enormemente para acelerar a restruturação do poder hegemônico das nações no mundo, bem como a progressiva subordinação da economia alemã e européia às variações do PIB asiático e norte-americano. Na Alemanha, a concentração e centralização do capital nas mãos dos grandes trustes multinacionais são, em principio, a causa decisiva deste processo que leva a luta do Estado pela tentativa de permanente retorno – tão logo quanto possível - ao monetarismo pós-keynesiano e ao neoliberalismo, revalorizados, em 2010, pelo atual Governo Federal Cristão-Democrático-Liberal. 

Nesse quadro, as divergências existentes entre o Governo Alemão e os dirigentes da UE  revelam-se da maneira mais clara no domínio da política exterior de Bruxelas. Em inúmeros documentos oficiais do Governo Alemão, afirma-se claramente que a Alemanha apoiará a estratégia de parceria global, regional e subregional da UE para com os países extra-comunitários, mas que impulsionará, paralelamente, sua própria política bilateral mais ofensiva de abertura de mercados e menos seletiva na importação de bens de consumo e investimentos provenientes daqueles países.

Em particular, a Alemanha definiu, em 4 agosto de 2010, sua política bilateral ofensiva frente à América Latina para os próximos anos, passando, em grande parte, à margem da política da UE de fomento de zonas de livre comércio subregional e regional na América Latina, seja com o Mercosur, seja com a Comunidade dos Andes, seja com o CARICOM: para a Alemanha, a economia do Brasil, do México e da Argentina possui prioridade máxima.

No que respeita, porém, à China, as divergências da Alemanha para com a UE são ainda mais patentes. No Encontro de Cúpula China-UE, ocorrido em 6 de outubro de 2010, a Alemanha declarou-se inteiramente disposta a atender a reivindicação chinesa de que seja concedido à China o “status de economia de mercado” na UE - o que implicaria a eliminação de inúmeras barreiras tarifárias para as importações chinesas, atribuindo importância secundária as exigências da UE – ademais postulada pelos EUA – de revalorização imediata da moeda chinesa, o yuan, de 20% a 40%, como forma de deter os massivos déficits comerciais nas balanças comerciais dos países europeus em face da China, salvaguarda dos direitos de propriedade industrial e abertura das licitações públicas chinesas às empresas européias.    

Com a Zona do Euro, surgida em 1999, reduziram-se as antigas oscilações cambiais em particular para os grandes investimentos. Porém, essa zona não levou a qualquer integração de orçamentos e mecanismos de unificação de endividamentos dos países membros, senão apenas a limites indicativos à contenção dos déficits orçamentários e endividamentos estatais, no quadro de um Pacto de Estabilidade do Euro e de Crescimento, em que se manteve a soberania orçamentário-financeira dos Estados membros, abrindo-se mão até mesmo de sanções draconianas para os casos de violação do pacto.   

A concessão da parte do auxílio alemão ao Estado Grego praticamente insolvente contou, de início, com grande resistência da grande burguesia alemã, tendo em conta o valor a ser financiado. Porém, diante do perigo de a crise grega poder contaminar o próprio sistema financeiro alemão e europeu, foi considerado como estritamente necessário e apto a propiciar um maior controle do imperialismo capitalista alemão sobre a economia grega, obrigada a cortar € 30 bilhões (cerca de 10% de seu potencial econômico) nos próximos anos, fazendo encolher, transitoriamente, o seu déficit orçamentário de 13,6% a 8%. Essa medida abre as portas, agora, à implementação de um controle mais severo sobre outros países da UE à beira da insolvência, bem como  à fixação de critérios mais rigorosos de contenção dos déficits orçamentários e endividamentos estatais, deferindo ataques contra a soberania orçamentária e financeira dos Estados membros da UE e de seus parlamentos nacionais mediante a reivindicação de federalização dos orçamentos e das dívidas, introduzindo-se a possibilidade de severas sanções, reduzindo-se os direitos de voto dos transgressores.    

 

ENCERRAMENTO:

RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES E O PAPEL DAS BUROCRACIAS -

PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE MASSAS E

COORDENAÇÃO DO SINDICALISMO ALTERNATIVO NA ALEMANHA

 

Nesse contexto, a retomada das mobilizações operárias na Alemanha processa-se ainda lentamente - principalmente com algumas greves de advertência e operações tartaruga.

O movimento operário ensaiou importante resistência no caso da Opel, organizando um Dia de Luta, em setembro de 2009, quando 5.000 trabalhadores, vindos de Bochum, Rüsselheim e outras localidades, reuniram-se em Antuérpia, na Bélgica, em um momento em que a fábrica belga estava ameaçada de fechamento, defendendo seus empregos e jornada de trabalho de 30 horas, com manutenção integral de seus salários.

Ao longo dos primeiros meses de 2010, essa luta prosseguiu muito ascesa, com vários atos de protestos e cartas de solidariedade, advindas do mundo operário-metalúrgico de todo mundo.

Em 12 de junho de 2010, tanto a Social-Democracia Alemã e os Verdes quanto o Partido A Esquerda, em trabalho comum com a Central Sindical Alemã (DGB) e o Sindicato dos Prestadores de Serviços (Ver.di), participaram, juntos de uma grande manifestação, em Stuttgart, contra o desmonte social, assinalando a possibilidade de organização de uma frente de mobilização social e política. 

No mesmo mês de junho de 2010, os presidentes da Social-Democracia (Sigmar Gabriel) e do Partido A Esquerda (Klaus Ernst) encontraram-se em Wolfsburg com os dirigentes sindicais e membros do Conselho de Fábrica da VW, Jürgen Peters e Bernd Osterloh, a fim de participarem todos de um ato de protesto contra o Governo Federal Cristão-Democrático-Liberal.

Desde então, surgiram ações de protestos sindicais, em várias localidades, contra os ataques sociais. Em grupos de ação locais, membros dos três partidos, sindicalistas e ativistas de base estão trabalham freqüentemente juntos. Além disso, alianças de ação comum reúnem as organizações da juventude desses três partidos. 

Muitos desejam – deixando para trás a experiência do Governo Schröder/Fischer - que essa frente de mobilização seja o embrião de uma futura aliança de governo que, no mais tardar, assuma novamente o Governo Federal em 2013, derrotando os democratas liberais.

Também os ferroviários, ativos em empresas de transporte público do Sindicato Alemão de Condutores de Locomotivas (GDL), em Munique, Nuremberg e Augsburgo deram um exemplo de luta em setembro e outubro de 2010, paralisando e reduzindo o funcionamento dos transportes públicos até mesmo em meio à Grande Oktorberfest, levando a que deixassem de circular trens de metrô, ônibus e bondes de rua para os fãs da maior festa da cerveja do mundo.  

Em 29 de setembro de 2010, teve lugar mais um Dia de Ação, convocado pela Central Sindical Européia (sigla em alemão: EGB, sigla em inglês: ETUC) e pela Central Européia dos Sindicatos Metalúrgicos (sigla em alemão: EMB, sigla em inglês: EMF) – ambas majoritariamente de orientação social-democrática -, mobilizando, além  das forças da Central Sindical Alemã, da IG-Metall e do Sindicato de Prestadores de Servicos (Ver.di) de Berlim, Colônia, Wilhelmshaven etc., mais 81 centrais sindicais de 35 países europeus e 12 associações européias setoriais.

Inúmeras caravanas de trabalhadores da Alemanha dirigiram-se ao principal ato, ocorrido em Bruxelas, sendo que o balanço de mobilização é, hoje, amplamente considerado como satisfatório. 

Mas, foi o movimento anti-nuclear que organizou uma enorme manifestação em Berlim, em 18 setembro de 2010 com mais de 100.000 pessoas – a qual, segundo seus organizadores, representou o mais expressivo protesto desde a catástrofe de Tchernobyl de 1986. Além disso, está convocada para novembro de 2010 uma outra manifestação de grande porte contra a transferência anual de lixo nuclear das usinas francesas para o local de estocagem, em Gorleben, em Niedersachsen.

Os Verdes – mas também a Social-Democracia – estão agora também cavalgando sobre o descontentamento da população face ao projeto do Governo Cristão-Democrático-Liberal de transformação da cidade de Stuttgart em um centro de cruzamento ferroviário internacional, o que pressuporia desvastar a florestagem de uma parte central da cidade, botando abaixo árvores seculares muito frondosas. 

Dificilmente, passa-se uma semana sem que haja uma manifestação contra o “Projeto Stuttgart 21”, arrastando milhares de pessoas que se declaram “protetores do parque”. 

Em 30 de setembro de 2010, as manifestações contra o “Projeto Stuttgart 21” atingiram um ápice, entrando em violenta confrontação com a polícia alemã e a política do Estado alemão, gerando 320 pessoas feridas, bem como a destruição de vários veículos militares.

Os “proterores do parque” estão exigindo um plebiscito sobre a  destituição do Governo Cristão-Democrático-Liberal do Estado Federado, encabeçado por Stefan Mappus (CDU).

Manifestações e passeatas anti-atômicas e em defesa do ambiente estão, no momento, alargando-se de Stuttgart para Berlim, Munique, Colônia e por todo o país.

Há, na Alemanha, grandes perspectivas de encontros internacionais  e de vanguarda, buscando solidariedade internacional para fazer face à ofensiva da crise econômica e política que deve aprofundar-se no próximo período, abrindo núcleos importantes de resistência dos trabalhadores.

Além da Social-Democracia Alemã e do Partido A Esquerda (Die Linke), outros partidos de esquerda intervêem na luta de classes da Alemanha, os quais, embora não possuindo um destacado significado eleitoral, surgem como elementos importantes das lutas sindicais, das comissões de fábrica e do movimento estudantil.

Entres eles, encontram-se, em particular, os maoístas do MLPD – com o qual tivemos oportunidade de manter relações no quadro do Conselho dos Trabalhadores da Indústria Automobilistica, cuja última edição reuniu 18 países com cerca de 50 participantes internacionais e uns 350 trabalhadores alemães, além de representantes políticos do SPD e do Partido A Esquerda (Die Linke) -, o Partido Comunista Alemão (DKP), os trotskystas do Committe for a Workers International – The Militants / Peter Taaffe, do PSG (Partido da Igualdade Social) de David North e da RSB (Liga Revolucionária Socialista) do Secretariado Unificado. Nesse sentido, a nossa participação nas lutas deve intensificar-se ainda mais a seguir.

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS