ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE :

A ARTE PROLETÁRIA DA INSURREIÇÃO SOCIALISTA

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

 

Marxismo e Insurreição

   

VLADIMIR I. LENIN[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Rochel von Gennevilliers

Fevereiro 2005 emilvonmuenchen@web.de

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Pertence às mais maldosas deformações do marxismo e, provavelmente, às mais difundidas deturpações, perpetradas pelos partidos “socialistas” dominantes, a mentira oportunista de que a preparação da insurreição e, em geral, a sua contemplação enquanto uma arte, é “blanquismo”[2].

 

Já o dirigente dos oportunistas, Eduard Bernstein, adquiriu um triste renome quando acusou o marxismo de blanquismo.

Os oportunistas de hoje renovam e “enriquecem” -  sem qualquer sílaba adicional, porém com o fundamento de sua mais ampla gritaria - essa “idéia” esquelética de Bernstein.

Marxistas são acusados de blanquismo porque consideram a insurreição como uma arte !

Poderia existir uma deformação mais revoltante da verdade ?

Pois que nem mesmo um único marxista irá negar que precisamente Marx expressou-se sobre esse tema, da maneira mais determinada, inteiramente precisa e impugnável, ao qualificar a insurreição como uma arte, dizendo que cumpriria, pois, vislumbrá-la como uma arte, afirmando que é necessário conquistar um primeiro êxito e avançar sempre, de vitória em vitória, sem interromper a ofensiva contra o inimigo, sendo imprescindível aproveitarmo-nos de sua confusão e desordem etc. etc.

 

AS TRÊS CONDIÇÕES DA INSURREIÇÃO PROLETÁRIA

 

1.           Em primeiro lugar, para ser vitoriosa, a insurreição não pode apoiar-se em uma conspiração, não pode apoiar-se em um Partido : deve apoiar-se na classe mais avançada.

 

2.           Em segundo lugar, a insurreição deve apoiar-se no ascenso revolucionário do povo.

 

3.           Em terceiro lugar, a insurreição deve apoiar-se naquele ponto de inflexão determinado da história da revolução ascendente em que a atividade nas fileiras mais avançadas do povo        seja a mais dinâmica, em que as hesitações nas fileiras dos inimigos e nas fileiras dos débeis, parciais e irresolutos amigos da revolução sejam as mais intensas.

 

Precisamente através dessas três condições, o marxismo distingue-se do blanquismo, no tratamento da questão da insurreição.

Estejam, porém, dadas tais condições, torna-se uma traição ao marxismo e à revolução negar-se a contemplar a insurreição como uma arte.

 

Para demonstrar a razão por que se deve, precisamente no presente momento, considerar a circunstância em que o Partido encontra-se obrigado a constatar que a insurreição está colocada na ordem do dia pelo curso objetivo dos acontecimentos, encontrando-se obrigado a considerá-la como uma arte – para comprovar-se isso -, o melhor seria servirmo-nos do método comparativo, confrontando os Dias 3 e 4 de Julho com os Dias de Setembro.

Em 3 e 4 de julho, foi possível colocar a questão da seguinte forma, sem colidir com a realidade : o mais correto seria tomar o poder, pois que, de outro modo, os inimigos nos culpariam, de todas as maneiras, por havermos promovido uma insurreição, acertando as contas conosco, tal como se insurgentes fossemos.

Disso não se pode, porém, concluir que se deveria, realmente, tomar o poder, uma vez que os pressupostos objetivos para a deflagração de uma insurreição vitoriosa não estavam então colocados.

 

1. A classe que incorpora a vanguarda da revolução não se situava atrás de nós. Não detínhamos ainda a maioria entre os trabalhadores e soldados das principais cidades. Agora, porém, possuímo-la, em ambos os Sovietes. Essa maioria foi apenas produzida através da história de julho a agosto, através da experiência adquirida, durante o “acerto de contas” com os bolcheviques e a partir do Golpe de Estado de Kornilov.

 

2. Não existia, outrora, nenhum ascenso revolucionário de todo o povo. Agora, depois do Golpe de Estado de Kornilov, um tal ascenso existe. As províncias e a tomada do poder pelos Sovietes em diversas localidades comprovam esse fato.

 

3. Não existia, outrora, nenhuma vacilação, em nenhuma grande medida e de caráter politicamente geral, entre os nossos inimigos, assim como entre as fileiras da pequena-burguesia irresoluta. Agora, essas hesitações são grandiosas : nosso principal inimigo, o imperialismo – o imperialismo aliado e o imperialismo mundial, pois os “aliados” situam-se no ápice do imperialismo mundial – começou a hesitar entre a guerra até a vitória e uma paz em separado, celebrada contra a Rússia. Nossos democratas pequeno-burgueses que perderam, notoriamente, a maioria junto ao povo, vacilaram poderosamente e renunciaram ao bloco, i.e. à coalizão, celebrada com os constitucional-democratas (Cadetes).

 

4. Em 3 e 4 de julho, a insurreição teria sido, portanto, um erro: não teríamos podido manter o poder, nem física nem politicamente. Não o teríamos feito, em sentido físico, mesmo que Petrogrado se encontrasse, transitoriamente, em nossas mãos, pois nossos trabalhadores e soldados não estavam preparados, então, para combater e morrer pela posse de Petrogrado. Além disso, ainda não existia a “ira dilacerante”, o ódio mortal seja contra Kerensky, seja contra os Tsereteli-Tchernov, como também nossos homens não se encontravam enrijecidos pela perseguição deflagrada contra os bolcheviques, empreendida com a colaboração dos socialistas-revolucionários (SRs) e mencheviques. Sob o aspecto político, o poder não poderia ter sido mantido em 3 e 4 de julho, porquanto, antes do Golpe de Estado de Kornilov, as forças armadas e a província poderiam vir a marchar contra Petrogrado, sendo certo  que assim teriam efetivamente procedido.

 

Presentemente, a situação é bem diversa.

Atrás de nós, situa-se a maioria da classe, a vanguarda da revolução, a vanguarda do povo que é capaz de arrastar as massas.

Atrás de nós, encontra-se a maioria do povo, pois a renúncia de Tchernov representa, de fato, em grande sentido, não apenas o único sinal, porém o mais visível e o mais seguro de que o campesinato não receberá terra alguma das mãos do bloco dos socialistas-revolucionários (SRs) (e dos próprios socialistas-revolucionários).

Esse é, pois, o ponto cardeal que confere à revolução seu caráter de revolução popular generalizada. 

Encontramo-nos na situação privilegiada de sermos um partido que conhece precisamente seu caminho, em meio às inauditas vacilações tanto do imperialismo em seu conjunto quanto do inteiro bloco dos mencheviques e socialistas-revolucionários.

A vitória nos está assegurada, pois o povo encontra-se à beira do desespero.

 

De nossa parte, temos demonstrado a todo o povo, porém, o caminho seguro : “nos dias de Kornilov”, indicamos a ele o que significa a nossa direção, propondo, então, aos integrantes do bloco um compromisso.

Estes o recusaram, sem que tivessem, de nenhuma maneira, deixado de oscilar.

Constituiria um grande erro acreditar que nossa proposta de compromisso ainda não tenha sido recusada, podendo a Conferência Democrática ainda vir a aceitá-lo[3].

 

A proposta de compromisso foi formulada por um partido aos partidos.

Não poderia ter sido de outra maneira.

Os partidos recusaram-no.

A Conferência Democrática é apenas uma conferência, nada mais do que isso.

Não se pode esquecer uma coisa : a maioria do povo revolucionário, o campesinato pobre e furioso, não se encontra representado nessa conferência.

Trata-se, pois, de uma conferência da minoria do povo.

Não se pode esquecer essa verdade evidente.

Constituiria um grande equívoco, representaria o pior cretinismo parlamentar de nossa parte, pretender entrever na Conferência Democrática um parlamento, pois, ainda que se proclamasse como tal -  como o parlamento soberano da revolução -, não viria a decidir nada : a decisão situa-se fora da Conferência Democrática, encontra-se nos bairros operários de Petrogrado e de Moscou.

 

Todos os pressupostos objetivos de uma insurreição vitoriosa estão colocados.

Encontramo-nos em uma situação excepcionalmente favorável em que apenas nossa vitória na insurreição colocará um termo às vacilações tão dolorosas para o povo, a essa coisa tão insuportável no mundo, uma situação em que apenas nossa vitória na insurreição frustará o jogo de celebração de uma paz em separado contra a Rússia mediante a proposta aberta de uma paz mais abrangente, justa e inadiável, uma paz celebrada em proveito da revolução.

Apenas o nosso Partido poderá, finalmente – depois de que tiver vencido na insurreição -, salvar Petrogrado, pois que, se nossa proposta de paz vier a ser recusada e nem sequer obtivermos um armistício, tornar-nos-emos, então, “Defensores da Pátria”, interviremos no ápice dos partidos guerreiros, seremos o “mais guerreiro” de todos os partidos, conduzindo a guerra de modo verdadeiramente revolucionário.

Retiraremos dos capitalistas todo o pão e todas as botas.

Vamos deixar-lhes apenas as migalhas, vestir-lhes em botas de sisal. Enviaremos todo o pão e todos os calçados para o fronte.    

Então, manteremos Petrogrado.

Na Rússia, as principais fontes tanto materiais quanto morais, necessárias a uma guerra realmente revolucionária, são incomensuravelmente grandes.

Possuimos noventa e nove porcento de chances de que, no mínimo, os alemães nos concederão um armistício.

Presentemente, porém, obter um armistício significa vencer já o mundo inteiro.

 

*

*  *

 

Depois de termos reconhecido o fato de que a insurreição dos trabalhadores de Petrogrado e de Moscou revela-se como absolutamente necessária para salvar a revolução e proteger a Rússia da repartição “separada”, a ser empreendida pelos imperialistas de ambas as coalizões, devemos, em primeiro lugar, adequar nossa tática política para a Conferência Democrática às condições da insurreição amadurecida.

 

Em segundo lugar, temos de demonstrar o fato de que reconhecemos, não apenas em palavras, o pensamento marxista que exige considerar a insurreição como uma arte.

Devemos criar, imediatamente, no quadro dessa conferência, uma sólida fração bolchevique, sem pretender alcançar um número elevado, sem temer a ocorrência das vacilações no campo dos hesitantes.

Em prol da causa da revolução, eles lá estarão melhor situados do que no terreno dos lutadores mais resolutos e ilimitadamente dedicados.

 

Devemos redigir uma curta declaração dos bolcheviques, na qual acentuemos, da maneira mais aguda, que :

 

a. são inadequados longos discursos e “discursos” em geral ; 

b. é indispensável uma ação imediata para a salvação da revolução; 

c. é absolutamente necessária a integral ruptura com a burguesia;

d. deve ser destituído todo o atual governo, sem quaisquer exceções ;

e. deve-se integralmente romper com os imperialistas ingleses e franceses que preparam a repartição “separada” da Rússia ;

f. todo o poder deve passar, imediatamente, às mãos da Democracia Revolucionária Dirigida pelo Proletário Revolucionário.

 

Nossa declaração deve ser a formulação mais lapidar e aguçada dessa conclusão, vinculando-se aos seguintes pontos programáticos :

 

a. paz para os povos ;

b. terra para os camponeses ;

c.confiscação dos lucros escandalosos e repressão da escandalosa sabotagem da produção pelos capitalistas.

  

Quanto mais sucinta, quanto mais aguda for a declaração em realce, tanto melhor.

Nela, deve-se ressaltar ainda apenas mais dois pontos extremamente importantes :

 

 

1) o povo está cansaçado de vacilações – a irresolução dos socialistas-revolucionários (SRs) e mencheviques esgotou a paciência do povo –; rompemos, definitivamente, com esses partidos, pois eles traíram a revolução.

 

E, o outro ponto :

 

2) a oferta imediata de uma paz sem anexações, a imediata ruptura com os aliados imperialistas e com todos os imperialistas, há de nos trazer, imediatamente, o armistício ou todo o proletariado revolucionário passará à situação de defesa da pátria, conduzindo a Democracia Revolucionária, sob a direção do proletariado, uma verdadeira guerra revolucionária, uma guerra verdadeiramente justa.

 

Lida essa declaração, conclamados todos a decidirem-se e não a discursarem, agirem e não redigirem resoluções, devemos enviar toda a nossa fração ao interior das fábricas e dos quartéis.

Lá é o seu lugar, lá se encontra o seu nervo vital, lá se situa a fonte salvadora da revolução, lá reside a força propulsora da Conferência Democrática.

Lá, deveremos introduzir nosso programa, com discursos candentes e apaixonados, colocando o seguinte dilema :

 

“Ou a adoção desse programa pela Conferência Democrática ou a insurreição!

Um caminho intermediário não existe.

Não se pode esperar mais.

A revolução avança para sua derrota.”

 

Se assim postularmos a questão, concentrando-se toda a nossa fração nas fábricas e nos quartéis, determinaremos, corretamente, o momento para o início da insurreição.

 

A fim de abordar a insurreição de maneira marxista, i.e. contemplando-a com uma arte, devemos, ao mesmo tempo, sem perder um só minuto, organizar um Corpo de Comando dos Destacamentos Insurrecionais, distribuir as forças, postar os regimentos mais confiáveis nos pontos mais importantes, cercar o Teatro Alexandra, ocupar a Fortaleza de Pedro e Paulo, prender o Quartel-General e o Governo, enviar tropas contra os Cadetes Militares e contra a Divisão Selvagem que se dispõem muito mais a morrer do que permitir a penetração do inimigo nos centros da cidade.

Cumpre-nos mobilizar os trabalhadores armados, conclamá-los ao último e mais implacável combate.

Cabe-nos ocupar, abruptamente, os centros do Serviço de Telégrafo e a Central Telefônica, alojar nosso Corpo de Comando na Central Telefônica, estabelecendo inter-conexão telefônica com todas as fábricas, todos os regimentos, todos os pontos da luta armada etc.   

Todas essas providências são, aqui, apresentadas apenas de modo exemplificativo, tais qual uma ilustração para o fato de que, no presente momento, não se pode permanecer fiel ao marxismo e à revolução, deixando-se de considerar a insurreição como uma arte.

 

 

 

ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE

ESTUDOS MILITARES SOCIALISTAS-INTERNACIONALISTAS

DEDICADOS À FORMAÇÃO

DE TRABALHADORES, SOLDADOS E MARINHEIROS MARXISTAS REVOLUCIONÁRIOS

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 



[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH.  Einleitung zu “Der Bürgerkrieg in Frankreich” von Karl Marx (Introdução à “Guerra Civil na França” de Karl Marx) (18 de Março de 1891), in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke, Vol. 22, Berlim : Dietz Verlag, 1963, pp. 195 e s.

[2] Cf. LENIN, VLADIMIR I. Marxismus und Aufstand. Brief an Zentralkomitee der SDAPR (Marxismo e Insurreição. Carta ao Comitê Central do Partido Operário Social-Democrático Russo) (13 e 14 de Setembro de 1917), in: W. I. Lenin Werke (Obras de V. I. Lenin), Vol. 26, Berlim : Dietz Verlag, 1962, pp. 4 e s. Anote-se, por oportuno, que o presente texto de Lenin, a despeito de ter sido redigido nos dias 13 e 14 de setembro de 1917, i.e. às vésperas da deflagração da Insurreição Socialista de Outubro, veio a ser publicado, apenas, em 1921, nas páginas do segundo número do jornal “Proletarskaia Revolutsia (Revolução Proletária)”.  

[3] Cumpre anotar, de passagem, que Lenin refere-se, nesse passo, à Conferência Democrática que teve lugar em Petrogrado, em 14 de setembro de 1917. Nela, estiveram presentes representantes dos sovietes e sindicatos, assim como porta-vozes dos mais variados partidos russos e instituições nacionais variadas. Essa conferência deu origem, então, ao Soviete Provisório da República Russa, i.e. o Pré-Parlamento, que veio a possuir, entretanto, apenas uma efêmera duração. Acerca do tema, vide, mais detalhadamente, TROTSKY, LÉON D. Vyrrod iz Predparlamenta i Borba za Sezd Sovetov (A Saída do Pré-Parlamento e a Luta em prol do Congresso dos Sovietes), in : Léon Trotsky. Istoria Russkoi Revolutsii (História da Revoluçao Russa)(1930-1933), Volume II, Segunda Parte, Moscou : Terra – Respublika, 1997, pp. 60 e s.