ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE :

A ARTE PROLETÁRIA DA INSURREIÇÃO SOCIALISTA

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

 

A Arte da Insurreição Proletário-Socialista :

Revolução, Insurreição, Conspiração

   

LEV D. TROTSKY[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Rochel von Gennevilliers

Fevereiro 2005 emilvonmuenchen@web.de

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GUERRA E REVOLUÇÃO

 

As pessoas não fazem, por divertimento, nem uma revolução nem uma guerra.  

A diferença existente entre estas duas é, entretanto, o fato de que, na guerra, o papel decisivo é desempenhado pela coação, ao passo que, na revolução, não há coação alguma, desde que se abstraia a própria coação das circunstâncias.

 

REVOLUÇÃO E INSURREIÇÃO

 

Uma revolução ocorre, então, quando não resta nenhuma outra saída.

A insurreição que se ergue por cima da revolução – tal como o ápice em uma cadeia de montanhas – não pode ser conclamada arbitrariamente, como tampouco o pode ser a revolução, em seu conjunto.

As massas executam repetidos ataques e recuos, até que se resolvam a empreender o assalto decisivo. 

 

 

INSURREIÇÃO E CONSPIRAÇÃO

 

A conspiração - enquanto empreeendimento planejado de uma minoria - é costumeiramente colocada em oposição à insurreição, considerada enquanto movimento elementar de uma maioria.

E, com efeito : a insurreição vitoriosa - que pode ser apenas o objeto de uma classe, chamada a colocar-se à cumeeira da nação -, aparta-se, segundo seu significado histórico e seus métodos, pela distância de um abismo, da rebelião impulsionada por conspiradores que atuam por detrás das costas das massas.

Em essência, toda sociedade de classes esconde tantas contradições em seu interior que resulta possível orquestrar uma conspiração, em meio a suas fissuras.

Porém, a experiência histórica demonstra que, mesmo assim, um certo grau de enfermidade da sociedade é indispensável – tal como na Espanha, em Portugal, na América do Sul -, a fim de que a política conspirativa seja permanentemente alimentada.

No caso de vitória, uma pura conspiração pode, por si mesmo, produzir tão somente a substituição no poder de camarilhas específicas da mesma classe governante ou ainda menos do que isso : a substituição das figuras do governo.

Até o presente momento histórico, apenas a insurreição de massas proporcionou a vitória de um regime social sobre outro.   

Enquanto conspirações periódicas são, freqüentemente, apenas a expressão da paralisia e da podridão da sociedade, a insurreição emerge, pelo contrário, como resultado costumeiro de um rápido desenvolvimento precedente que abala o velho equilíbrio da nação.

As “revoluções” crônicas das repúblicas sul-americanas não possuem nada em comum com a revolução permanente : constituem, em certo sentido, muito mais o seu oposto.

Porém, o acima exposto não significa, absolutamente, que a insurreição popular e a conspiração excluam-se uma à outra, sob todas as circunstâncias.

O elemento da conspiração encontra-se, nessa ou naquela medida, quase sempre contido na insurreição.

Na medida em que constitui uma etapa historicamente condicionada da revolução, a insurreição de massas nunca é puramente elementar.

Mesmo quando surge aos olhos da maioria de seus participantes como algo surpreendente, é alimentada pelas idéias de que os sublevados entrevêem uma saída para os fardos existenciais. 

Entretanto, pode-se prever e preparar a insurreição de massas.

Pode ser organizada, de antemão.

Nesse caso, a conspiração submete-se à insurreição, servindo-a, facilitando o curso e acelerando a vitória desta.

Quanto mais o movimento revolucionário se revela elevado, relativamente a seu nível político, tanto mais séria é a sua direção, tanto maior espaço assume a conspiração na insurreição de massas.

Entender corretamente a relação existente entre insurreição e conspiração -, seja em seu antagonismo, seja em seus aspectos complementares -, é tanto mais necessário, uma vez que o uso da palavra “conspiração” adquire, na literatura marxista, um caráter externo contraditório, conforme se trate do empreendimento autônomo de uma minoria dotada de iniciativa ou de uma insurreição da maioria, preparada por uma minoria.

 

INSURREIÇÃO SEM CONSPIRAÇÃO

 

Entretanto, a história demonstra que a insurreição de massas pode ser vitoriosa, em certas condições, também sem conspiração.

Surgindo, “de modo elementar”, da revolta geral, dos protestos individualizados, de manifestações, greves, confrontos de rua, a insurreição pode arrastar uma parte das forças armadas, paralisar as forças do inimigo e derrubar o velho poder.

Isso foi o que ocorreu, em certo grau, em fevereiro de 1917, na Rússia.

Mais ou menos o mesmo quadro ofereceu-nos o desenvolvimento das Revoluções Alemã e Austro-Húngara, no outono de 1918.

Uma vez que, nesses casos, nenhum partido inspirado inteiramente pelos interesses e objetivos da insurreição colocou-se à cabeça dos insurgentes, sua vitória teve de necessariamente entregar o poder nas mãos daqueles partidos que, até o último momento, haviam-se oposto à insurreição.

Derrubar o velho poder é uma coisa. Tomar o poder, é uma outra.

A burguesia é capaz de tomar o poder na revolução não porque é revolucionária, senão porque é a burguesia : em suas mãos, encontram-se a propriedade, a cultura, a imprensa, um rede de pontos de sustentação, uma hierarquia de instituições. 

Diferentemente do proletariado desprovido de todas as vantagens sociais que se situam fora de si mesmo, o proletariado insurgente pode apenas contar com as suas forças numéricas, sua coesão, seus quadros, seu corpo de comando.  

Tal como o ferreiro não é capaz de segurar o ferro ardente diretamente com suas próprias mãos, o proletariado não pode tomar o poder diretamente com as suas : necessita de uma organização adequada para o cumprimento dessa tarefa.

Na relação existente entre insurreição de massas e conspiração, na subordinação da conspiração à insurreição, na organização da insurreição pela conspiração, reside o complicado e responsável mandamento da política revolucionária que Marx e Engels denominaram de a “A Arte da Insurreição”.

Esta pressupõe :

 

a)    uma correta direção conjunta das massas;

b)    uma orientação elástica nas condições que se modificam;

c)    um plano de ataque bem refletido;

d)    precaução na preparação técnica e

e)    ousadia no golpear.

 

INSURREIÇÃO ELEMENTAR E SOCIAL-DEMOCRACIA

 

Os historiadores e políticos designam, costumeiramente, como insurreição elementar um movimento de massas que, unificado pela hostilidade contra o velho regime, não possui :

 

a)             nem objetivos claros;

b)             nem métodos de luta elaborados;

c)             nem uma direção que conduz conscientemente à vitória.    

 

A insurreição elementar goza do benévolo reconhecimento dos historiadores oficiais – ao menos dos democratas – enquanto mal inevitável cuja responsabilidade recai sobre o velho regime.  

A verdadeira causa da benevolência consiste em que a insurreição “elementar” não se pode projetar para além dos limites do regime burguês.

O mesmo raciocínio vale para a Social-Democracia.

Esta não nega a revolução, em geral, como catástrofe social, assim como não nega a existência de terremotos, irrupções vulcânicas, eclipses solares e epidemias de peste.

O que rejeita como “blanquismo” ou, ainda pior, como bolchevismo, é a preparação consciente da revolução, o plano, a conspiração.

Em outras palavras : a Social-Democracia dispõe-se - ainda que post factum - a sancionar aquelas revoluções que transferem o poder para as mãos da burguesia.

Condena, porém, ao mesmo tempo, de maneira irreconciliável, os métodos que exclusivamente são capazes de transferir o poder para as mãos do proletariado.

Sob o objetivismo aparente, esconde-se a política de proteção da sociedade capitalista.

 

REGRAS TÁTICAS DA INSURREIÇÃO

SEGUNDO AUGUSTE BLANQUI

 

A partir das observações e contemplações acerca do fracasso de muitas insurreições das quais ele mesmo foi participante ou testemunha, Auguste Blanqui deduziu uma série de regras táticas que, deixando de ser observadas, dificultariam, extraordinariamente, a vitória insurrecional, caso não a  tornassem completamente impossível.

Nesse marco, Blanqui exigiu a criação tempestiva de destacamentos revolucionários regulares, situados sob uma direção centralizada, dotados de equipamentos adequados, divisão bem calculada de barricadas, revestidas de determinada construção e defesa sistemática, não episódica.

Todas essas regras decorrentes das tarefas de guerra da insurreição deviam-se modificar, evidentemente, de modo inevitável, juntamente com as condições sociais e a técnica de guerra.

Em si mesmas, não constituem, porém, de nenhuma maneira, “blanquismo”, no sentido segundo o qual esse conceito se aproxima do “putchismo” alemão ou do aventureirismo revolucionário.

A insurreição é uma arte e, como toda a arte, possui as suas leis.

As regras de Blanqui eram exigências do realismo revolucionário belicista.

 

BLANQUISMO E MARXISMO

 

O equívoco de Blanqui não residia no aspecto positivo de seu teorema, mas sim no reverso deste.

Partindo do fato de que a fraqueza condenava a insurreição ao fracasso, Blanqui sacou a conclusão de que o acatamento das regras de tática insurrecional seria capaz, por si mesmo, de assegurar a vitória.

Apenas a partir desse momento, inicia-se a correta confrontração entre blanquismo e marxismo.

A conspiração não substitui a insurreição.

A maioria ativa do proletariado – tão bem organizada quanto possa ser – não é capaz de tomar o poder, independentemente da situação global do país.

Nesse sentido, a história prolatou a sua sentença sobre o blanquismo.

Porém, apenas nesse sentido.

O teorema positivo conserva sua total validade.

Para a tomada do poder não basta ao proletariado a insurreição elementar. Indispensáveis são :

 

a)       a organização correspondente;

b)       o plano;

c)       a conspiração.

 

Assim, configura-se a postulação leninista da questão.

 

CRÍTICA DE ENGELS AO BLANQUISMO

 

A crítica de Engels formulada contra o fetichismo das barricadas apoia-se na evolução da técnica geral e militar.

A tática insurrecional do blanquismo correspondia ao caráter da velha Paris, à característica do proletariado - em parte fulcrado no artersanato -, às ruas estreitas e ao sistema militar de Louis Philippe I. 

O erro principista do blanquismo residia na equiparação da revolução à insurreição.

O erro técnico do blanquismo residia no fato de que equiparava a insurreição à barricada.

A crítica marxista dirigi-se contra ambos esses equívocos.

Concordando com o blanquismo em ser a insurreição uma arte, Engels descobriu, entretanto, não apenas a posição subordinada da insurreição no interior da revolução, senão ainda o papel em extinção da barricada na insurreição.

A crítica de Engels não possui nada em comum com a abdicação aos métodos revolucionários em favor do puro parlamentarismo, tal como os filisteus da Social-Democracia procuravam postular, a seu tempo, levantando como pretexto a censura dos Imperadores Hohenzollern.

Para Engels, a questão da barricada permanece sendo uma questão relativa a um dos elementos técnicos da derrubada.

Pelo contrário, os reformistas procuraram deduzir, partindo da negação de um significado decisivo da barricada, a negação da violência revolucionária, em geral.

Isso é quase o mesmo que pretender concluir, a partir das ponderações sobre o significado provavelmente declinante das trincheiras na guerra vindoura, o colapso do próprio militarismo.

 

OS SOVIETES COMO ÓRGÃOS

DA INSURREIÇÃO E DO PODER

 

A organização com cujo auxílio o proletariado é capaz de não apenas derrubar o velho poder, como também de substituí-lo, é incorporada pelos Sovietes.

O que posteriormente tornou-se coisa da experiência histórica, era, antes da Revolução de Outubro, um prognóstico teórico, baseado, entretanto, na experiência de 1905.

Os Sovietes são os órgãos da preparação das massas para a insurreição, órgãos da insurreição e, depois da vitória, órgãos do poder.

Evidentemente, os Sovietes não resolvem ainda, por si mesmo, a questão. Dependendo de seu programa e de sua direção, podem servir a diferentes objetivos.

 O programa é conferido aos Sovietes pelo Partido.

Se  os Sovietes, sob as condições da revolução – pois, fora da revolução não são absolutamente imagináveis -, abrangem a classe em seu conjunto, com exceção das camadas inteiramente atrasadas, passivas ou desmoralizadas, é o Partido Revolucionário que representa a cabeça da classe.

A tarefa da tomada do poder pode ser apenas executada através da existência da uma certa ligação entre o Partido e os Sovietes ou entre ele e outras organizações de massas que equivalham mais ou menos aos Sovietes.   

O Soviete dirigido pelo Partido Revolucionário aspira consciente e tempestivamente à conquista do poder.

Em harmonia com as mudanças da situação política e do temperamento das massas, o Partido :

 

a)    prepara os pontos de sustentação da insurreição;

b)    interconecta as tropas de choque mediante a unidade do objetivo;

c)    esboça antecipadamente o plano de ataque e do último assalto.

 

BOLCHEVISMO E BLANQUISMO

 

Isso significa precisamente introdução da conspiração organizada no interior da insurreição de massas.

Os bolcheviques tiveram de contestar, por mais de uma vez, já desde bem antes da Revolução de Outubro, a acusação de conspiracionismo e blanquismo, formulada por seus adversários e dirigida contra eles.

No entanto, ninguém conduziu uma luta mais intransigente contra o sistema da pura conspiração do que Lenin.

Os oportunistas da Social-Democracia Internacional defenderam, por mais de uma vez, a velha tática socialista-revolucionária do terror individual contra os agentes do czarismo em face da crítica impiedosa dos bolcheviques que contrapunham o curso condutor à insurreição armada ao aventureirismo individualista da inteligência.

Censurando, porém, todas as variedades de blanquismo e de anarquismo, Lenin não se prostou, nem um minuto sequer, ante a “sacralidade” da espontaneidade das massas.

Refletiu mais profundamente e mais cedo do que outros sobre as relações existentes entre :

 

1)    fatores objetivos e fatores subjetivos da revolução;

2)    movimento elementar e partido político;

3)    massas populares e classe avançada;

4)    proletariado e sua vanguarda;

5)    Sovietes e partido;

6)    insurreição e conspiração.

 

Porém, se é correto que não se pode convocar uma insurreição arbitrariamente, que a devemos organizar, ao mesmo tempo, para a vitória, emerge diante da direção revolucionária a tarefa de formulação de um diagnóstico correto.

Há que se conceber, em tempo, a crescente insurreição e complementá-la com a conspiração.

A ingerência da parteira nas dores do parto – apesar de essa imagem padrão ter sido muito abusada – permanece sendo a mais clara ilustração da intervenção consciente em um processo elementar.

Certa vez, Alexander I. Herzen acusou seu amigo Mikhail A. Bakunin por ter, em todas as suas pretensões revolucionárias, considerado, invariavelmente, o segundo mês de gravidez de uma gestante como o seu nono.    

Já o próprio Herzen tendia muito mais a negar que a gravidez existia até mesmo em seu nono mês.

Em Fevereiro de 1917, a questão da data de nascimento não foi praticamente levantada, porquanto a insurreição explodiu “surpreendentemente”, sem qualquer direção revolucionária.

Porém, precisamente por isso, o poder passou para as mãos não daqueles que executaram a insurreição, senão dos que a haviam freado.

 

SOBRE A INSURREIÇÃO DE OUTUBRO DE 1917

 

De modo inteiramente distinto, as coisas se passaram com a nova insurreição : esta foi preparada conscientemente pelo Partido Bolchevique.

A tarefa de conceber corretamente o momento para o sinal de ataque competiu, assim, ao corpo de comando bolchevique.

A palavra “momento” não pode ser tomada de modo inteiramente literal, tal qual fixada em dia e hora.

Também para o fenômeno do nascimento, a natureza permite um considerável interstício de oscilação, por cujos limites hão de se interessar não apenas a arte praticada pela parteira, senão ainda a casuística do Direito de Herança.

Entre o momento em que a tentativa de convocar uma insurreição demonstra-se, inevitavelmente, como ainda precipitada - havendo de conduzir necessariamente à morte do nasciturno -, e o momento em que há de se considerar a situação favorável já como lamentavelmente perdida, transcorre um certo período da revolução – que pode ser medido em termos de semanas, às vezes de meses -, no curso do qual a insurreição pode ser executada com maior ou menor perspectiva de vitória.

A percepção desse prazo relativamente curto e a eleição do momento – já no sentido preciso de dia e hora para o último assalto – colocam a direção revolucionária diante da tarefa que envolve a maior responsabilidade imaginável.

Pode-se designar esse fato, justamente, como sendo o nó górgio do problema, pois conecta a política revolucionária com a técnica da insurreição.

Devemos recordar que a insurreição, tal como a guerra, representa apenas a continuação da política com outros meios ?

 

(...) A Resolução do Congresso de Julho de 1917 dos Bolcheviques que advertiu os trabalhadores sobre a deflagração de enfrentamentos precipitados indicou, ao mesmo tempo, que cumpriria assumir a luta :

 

 “... quando a crise nacional e o intenso ascenso das massas criarem condições favoráveis para a passagem dos pobres da cidade e do campo para o lado dos trabalhadores.”

 

Esse momento chegou em Setembro-Outubro de 1917.

A insurreição pôde contar, a partir de então, com o sucesso, pois que logrou apoiar-se sobre a verdadeira maioria do povo.

 

UM PLEBISCITO SOBRE A QUESTÃO DA INSURREIÇÃO?

 

Tudo isso não deve, naturalmente, ser entendido de maneira formal.

Se um plebiscito acerca da questão da insurreição fosse organizado de antemão, seriam produzidos resultados extremamente contraditórios e oscilantes.

A disposição interna de apoiar uma insurreição não é, de nenhuma maneira, idêntica à capacidade de dar-se conta de sua necessidade, clara e antecipadamente.

Além disso, as respostas dependeriam, em grande medida, da colocação das questões e do órgão que conduzisse semelhante investigação ou -  dito de maneira mais simples -  dependeria da classe que estivesse no poder.     

Os métodos da Democracia possuem os seus limites.

É possível consultar todos os que devem viajar acerca do tipo de veículo por eles mais desejado, porém não é possível consultá-los sobre a conveniência de ser necessário frear o trem, em pleno movimento, quando se encontra ameaçado por uma catástrofe.

Entretanto, executando-se hábil e oportunamente a ação de resgate, pode-se estar seguro, de antemão, acerca da obtenção da concordância dos passageiros.

Consultas parlamentares do povo são executadas, concomitantemente.

Porém, na revolução, as diversas camadas do povo alcançam a mesma conclusão, em espaços de tempo impostergáveis e, por vezes, muito ínfimos.

Enquanto a vanguarda ardia de impaciência revolucionária, as camadas atrasadas apenas começavam a se movimentar.

Em Petrogrado e em Moscou, encontravam-se todas as organizações de massas sob a direção dos bolcheviques.

Na Província de Tambover, onde se contava com uma população de mais de três milhões de pessoas - i.e. algo menos do que ambas capitais juntas -, a fração bolchevique, pouco antes da Revolução de Outubro de 1917, começava apenas a surgir, pela primeira vez, no Soviete.  

Os silogismos do desenvolvimento objetivo não coincidem, de nenhum modo e nem concomitantemente, com os silogismos do pensamento das massas.

Portanto, tornando-se inadiável uma grande decisão prática, a ser tomada no curso das coisas, não se permite, absolutamente, um plebiscito acerca do tema.

As diferenças de nível e de temperamento das camadas específicas do povo são superadas mediante a ação : os mais avançados arrastam os vacilantes, isolando os que resistem.

A maioria não é contada, senão conquistada.

 

O AMADURECIMENTO DA INSURREIÇÃO

 

A insurreição amadurece precisamente apenas quando se abre uma saída para as contradições por meio da ação imediata.   

Impotente em sacar ele próprio as necessárias conclusões políticas de sua guerra travada contra os latifundiários, o campesinato, apenas através da insurreição agrária, aderiu, de antemão, à insurreição da cidade, conclamando-a e promovendo-a.

Não proclamou sua vontade por meio de brancas cédulas eleitorais, senão mediante o galo vermelho : esse fato constituiu um verdadeiro plebiscito.

Nos limites em que foi necessário o seu apoio em prol da edificação da Ditadura do Proletariado, este também foi por ele aprovado.

Lenin respondeu aos céticos, com as seguintes palavras:

 

Essa Ditadura concederá terra aos camponeses e todo o poder aos Comitês de Camponeses, nas localidades.

Sem sermos loucos, como é possível ainda duvidar que os camponeses apoiariam essa Ditadura ?”

 

A fim de que os soldados, os camponeses, as nacionalidades oprimidas – errantes no torvelinho das cédulas eleitorais -, conhecessem realmente os bolcheviques, foi necessário que estes tomassem o poder.

 

ARRASTAR AS TROPAS PARA O LADO DA INSURREIÇÃO

 

(...) A tarefa de toda insurreição consiste, de início, em trazer as tropas para o seu lado.

Para isso, servem, principalmente, a greve geral, as passeatas de massas, os enfrentamentos de rua, as lutas de barricadas.

A característica especial da Revolução de Outubro de 1917 -  nunca e nenhum lugar antes contemplada em semelhante plenitude - foi constituída pelo fato de que a vanguarda do proletariado conseguiu, em decorrência da feliz determinação das circunstâncias, trazer para o seu lado a guarnição da cidade, ainda no início da insurreição aberta.

E não apenas a trazer, senão ainda consolidar essa conquista também em sentido organizativo, mediante a Conferência da Guarnição.

Não se pode conceber o mecanismo da Revolução de Outubro sem termos perfeitamente claro o fato de que a tarefa da insurreição de Petrogrado - tarefa mais importante e mais difícil de ser calculada antecipadamente – já se encontrava em essência resolvida antes do início da luta armada.

Isso não significa que a insurreição tenha-se demonstrado como supérflua.

 Do lado dos trabalhadores, encontrava-se, em verdade, a maioria esmagadora da guarnição.

Uma minoria estava, porém, contra os trabalhadores, contra a revolução, contra os bolcheviques.

Essa pequena minoria era composta de elementos qualificados das Forças Armadas : oficiais, cadetes militares, militares da tropa de choque e, talvez, também cossacos.

Esses elementos não podiam ser conquistados politicamente : era necessário derrotá-los.

A última parte da tarefa da revolução – que entrou na história, precisamente, sob o nome de Insurreição de Outubro de 1917 – teve, dessa maneira, um caráter puramente militar.

Na última etapa, tiveram de decidir fuzis, baionetas, metralhadoras e, talvez, canhões.

Por essa via, dirigiu o Partido Bolchevique. (...)   

 

SOBRE O CORPO DE COMANDO E AS UNIDADES

DA TROPA DE COMBATE

 

A coluna dorsal de uma tropa de combate é constituída pelo corpo de comando.

Este se posicionava contra os bolcheviques.

Os bolcheviques representavam a coluna dorsal política das unidades de tropa.

Porém, estas não apenas não conseguiam exercer o comando, senão também, em sua maioria, manejavam mal as armas.

A massa de soldados não era homogênea.

Os elementos ativos e combativos formavam, como sempre, a minoria.

A maioria dos soldados simpatizava com os bolcheviques, neles votava, elegia-os, deles também esperando uma solução.

Nas unidades de tropa, os elementos hostis aos bolcheviques eram infimamente pouco numerosos, para poderem ousar empreender qualquer tipo de iniciativa.

A composição política da guarnição era, assim, extremamente favorável à insurreição.

Porém, o peso de seu espírito de luta não era grande.

Isso era, desde logo, visível.

 

DA MILÍCIA ARMADA DAS FÁBRICAS E BAIRROS OPERÁRIOS

ÀS FORÇAS ARMADAS INSURRECIONAIS

ATRAVÉS DAS LISTAS DE GRUPO

 

(...) A questão do armamento dos trabalhadores concentrou-se, originariamente, nas mãos dos Comitês de Fábrica e de Distrito do Partido.

Depois que se recompuseram da Derrota de Julho de 1917, a Organização Militar dos Bolcheviques – que antes havia trabalhado apenas na guarnição e no fronte – voltou-se, pela primeira vez, à construção da Guarda Vermelha, proporcionando aos trabalhadores instruções militares e, em alguns casos, também armamentos.

A perspectiva da insurreição armada, formulada pelo Partido, preparou, gradativamente, os trabalhadores avançados para a nova ordem da Guarda Vermelha.

Já não se tratava de uma milícia das fábricas e dos bairros operários, mas sim de quadros das futuras Forças Armadas Insurrecionais.

Em agosto, acumularam-se os incêndios em fábricas e indústrias.

Toda crise que se aproxima precede a uma convulsão da consciência coletiva que se manifesta através de uma onda de exasperação.

Os Comitês de Fábrica desenvolveram uma intensa atividade para a proteção das fábricas contra os atentados.

As armas escondidas apareceram novamente.

O Levante de Kornilov legalizou definitivamente a Guarda Vermelha. Nas listas de grupos inscreveram-se 25.000 trabalhadores que puderam ser equipados com fuzis e, em parte, com metralhadoras –, ainda que  não de modo integral, evidentemente.

Os trabalhadores da Fábrica de Pólvora Schlüsselburg entregaram, através do Neva, um carregamento cheio de granadas e materiais explosivos : contra Kornilov !

O Comitê Executivo Central dos Conciliacionistas recusou esse presente de grego.

Os soldados da Guarda Vermelha do Lado de Vyborg destribuíram, durante a noite, ao longo do distrito, essas perigosas doações.

 

GUARDA VERMELHA :

ORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS DO PROLETARIADO

PARA A LUTA CONTRA A CONTRA-REVOLUÇÃO

E PARA A DEFESA DAS CONQUISTAS REVOLUCIONÁRIAS

 

(...) A passagem do Soviete de Petrogrado para as mãos dos bolcheviques modificou radicalmente  a situação da Guarda Vermelha.

Até então amaldiçoada e tolerada, tornou-se um órgão oficial soviético que já estendia a mão em direção do poder.

Não raramente, os trabalhadores encontraram seu próprio caminho rumo às armas, exigindo do Soviete apenas a sua sanção.

Desde o fim de setembro de 1917 – e, em particular, desde 10 de outubro - a preparação da insurreição aberta permaneceu na ordem do dia.

Há um mês da revolução, ocorreram, em dezenas de fábricas e indústrias de Petrogrado, intensos exercícios militares e, principalmente, aulas de tiro.

Em meados de outubro, o interesse pelas armas atingiu um nova dimensão.

Em algumas fábricas, quase todos se inscreveram nas listas de grupos.

De modo cada vez mais impaciente, os trabalhadores exigiam armas do Soviete.

Porém, quando as mãos se estendiam, poucos fuzis existiam à disposição.

Nesse sentido, o engenheiro Kosmin declarou :

 

“ - Eu vinha diariamente ao Smolny e observava como, antes e depois das reuniões do Soviete, trabalhadores e marinheiros dirigiam-se a Trotsky, a fim de pedir ou reclamar armas para fornecê-las aos trabalhadores, relatar onde e como essas armas eram distribuídas e perguntar : Quando tudo vai começar ?

A impaciência era grande ...”  

 

Em sentido formal, a Guarda Vermelha permanecia sendo apartidária. Porém, quanto mais tendia para uma decisão, tanto mais surgiam os bolcheviques no proscênio.

Formavam o núcleo de cada grupo, em suas mãos repousava o aparato de comando e de interconexão com as outras fábricas e distritos.

Trabalhadores apartidários e socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda marchavam junto com os bolcheviques.

Porém, também agora, às vésperas da insurreição, as fileiras da guarda não eram numerosas.

Em 16 de outubro, Moisei Uritsky, membro do Comitê Central Bolchevique, estimava contar o exército dos trabalhadores de Petrogrado com 40.000 baionetas.

Esse número era, porém, arbitrário.

As fontes de auxílio do armamento permaneceram sempre muito limitadas : mesmo com toda a impotência do Governo não era possível ingressar na posse dos arsenais de outra forma, senão pela via da insurreição aberta.

Em 22 de outubro de 1917, teve lugar a Conferência Municipal da Guarda Vermelha : centenas delegados representavam cerca de 20.000 lutadores.

Esse número não podia ser tomado, porém, literalmente : nem todos os inscritos desenvolviam atividades.

Porém, em contrapartida, uma torrente de voluntário inundou os destacamentos, naqueles momentos de alarme.

Os Estatutos adotados por essa conferência, em 23 de outubro, denominaram a Guarda Vermelha de “organização das Forças Armadas do Proletariado para a luta contra a contra-revolução e para a defesa das conquistas revolucionárias”.

Observe-se que, ainda 24 horas antes da insurreição, a tarefa insurrecional era expressada em termos de defesa e não de ataque.

 

ESTRUTURA DA GUARDA VERMELHA

 

 

(...) No quadro insurrecional, a unidade de luta fundamental foi o grupo de 10.

Quatro grupos de 10 constituíam uma coluna.

Três colunas, um esquadrão.

Três esquadrões um batalhão.

Um batalhão contava com mais de 500 homens, incluindo-se o corpo de comando e os grupos de especialistas.

Os batalhões de um distrito constituíam uma divisão.

Em grandes fábricas – tal qual a Fábrica Putilov -, formaram-se destacamentos próprios.

Comandos especiais técnicos - lançadores de bombas, bicicletistas, telegrafistas, escoltistas de metralhadoras, artilheiros – foram recrutados nas respectivas fábricas e divididos em destacamentos de fuzileiros ou operavam autonomamente, segundo o caráter da tarefa.

Todo o corpo de comando era elegível.

Esse fenômeno não constituía nenhum perigo, pois que todos eram voluntários e todos se conheciam bem.

 

 (...) A história da Guarda Vermelha constitui, em grande parte, a história do duplo poder.

Através de suas contradições internas e embates, essa guarda facilitou aos trabalhadores a conquista de um poder armado considerável, antes mesmo da insurreição.

Calcular o número global dos destacamentos de trabalhadores do país inteiro, no momento da insurreição, constituía uma tarefa pouco realizável, ao menos no momento em causa.

Em todo caso, tratava-se de dezenas e dezenas de milhares de trabalhadores armados que formavam os quadros dessa insurreição.

As reservas proletárias eram quase inesgotáveis.

 

(...) Estando em contato quotidiano com os trabalhadores, soldados e marinheiros, os bolcheviques davam-se conta claramente das profundas diferenças qualitativas, existentes nas partes integrantes daquelas forças armadas que lhes surgiam pela frente e que deviam ser dirigidas à luta.

No cálculo dessas diferenças, construiu-se, em grande medida, o plano da insurreição.

 

OS ADVERSÁRIOS DA INSURREIÇÃO

NO INTERIOR DO PARTIDO REVOLUCIONÁRIO

 

(...)  Os adversários da insurreição, situados no interior das fileiras do próprio Partido Bolchevique encontraram, ainda assim, motivos suficientes para conclusões pessimistas.

Grigory Zinoviev e Lev Kamenev advertiram contra a subestimação das forças adversárias :  

 

Petrogado decidirá tudo.

Em Petrogado, porém, os inimigos possuem ... forças significativas:

5 mil cadetes militares, magnificamente armados e treinados em combater.

E, então, o corpo de comando.

E, então, os militares das tropas de choque.

E, então, os cossacos.

E, então, uma parte expressiva da guarnição.

E, então, uma artilharia muito considerável, agrupada em torno de Petrogrado, à maneira de um leque.

Além disso, os adversários tentaram, certamente, aproximar tropas do fronte, com o auxílio de seu Comitê Executivo Central. ...”

 

Essa listagem soa de maneira imponente.

Nada mais é, porém, do que uma listagem.

Sendo as forças armadas em seu conjunto um retrato da sociedade, representam ambas as forças armadas – ocorrendo o caso de sua aberta cisão – retratos dos campos em luta.

As forças armadas da classe possidente portavam consigo o cupim da isolação e da decomposição.

 

ESCOLAS E CADETES MILITARES

 

(...) Segundo o relatório de Nikolai Podvoisky, contavam-se, no início de agosto, nas Escolas de Guerra de Petrogrado, cerca de 120 cadetes militares socialistas, em seu conjunto, entre os quais 42 a 43 bolcheviques.

 

“Os cadetes militares dizem que todo o corpo de comando das escolas é contra-revolucionário.

Eles mesmos são doutrinados, expressamente, para reprimir a insurreição, no caso de um levante ... “

 

O número dos socialistas e, em particular, dos bolcheviques era – tal como vemos – ínfimo.

Porém, estes concederam a possibilidade ao Smolny de manter-se informado sobre todo o essencial que se passava entre os cadetes militares.

Para completar esse quadro, a topografia das escolas militares era muito desfavorável.

Os cadetes militares eram amontoados em quartéis e, apesar de menosprezarem os soldados, olhavam para estes com temor.

 

(...) Helsingsfors estendeu o seu braço aos membros da Marinha da Base de Reval cujo temperamento permanecia indeciso, até então.

O Congresso dos Sovietes do Distrito Norte – convocado provavelmente também por iniciativa da Frota do Báltico – unificou os Sovietes das guarnições, situadas em torno de Petrogrado, em círculos tão amplos que abrangia, de um lado, Moscou, d’outro, Arkhangelsk.

Acerca do tema, Ivan Antonov escreveu :

 

“Dessa maneira, concretizou-se a idéia de encouraçar a capital da revolução contra assaltos eventuais das tropas de Kerensky.”

 

Ivar Smilga dirigiu-se do congresso à cidade de Helsingfors, com o objetivo de formar um destacamento especial, composto de marinheiros, fuzileiros e artilheiros, dotados da tarefa de moverem-se sobre Petrogrado, logo ao soar do primeiro sinal.

O flanco finlandês da Insurreição de Petrogrado estava coberto, da melhor maneira possível.

Daquele lado, não se haveria de esperar um ataque, senão apenas sólido auxílio.

 

 

 

ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE

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EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

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[1] Cf. TROTSKY, LÉON D. Iskusstvo Vostania (A Arte da Insurreição), in : Lev D. Trotsky. Istoria Russkoi Revolutsii (História da Revolução Russa)(1930-1933), Volume II, Segunda Parte, Moscou : Terra – Respublika, 1997, pp. 152 e s.