ACADEMIA VERMELHA DE
ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE :
A ARTE
PROLETÁRIA DA INSURREIÇÃO SOCIALISTA
ASPECTOS
INTRODUTÓRIOS
No Poder:
Dialética Existente entre as Tarefas da Insurreição e de Derrota da
Contra-Revolução
LEV D. TROTSKY[1]
Concepção e Organização, Compilação e Tradução Rochel von Gennevilliers
Fevereiro 2005 emilvonmuenchen@web.de
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Aqueles foram dias extraordinários tanto para a vida do
país quanto para a vida dos indivíduos. O tensionamento das paixões sociais e
das forças individuais alcançou o seu ponto culminante.
As massas estavam criando uma época, os dirigentes sentiam
que seus passos fundiam-se com os passos da história.
Naqueles dias, tomavam-se decisões e davam-se ordens das
quais dependiam o destino do povo, em toda uma época histórica.
Entretanto, essas decisões não eram praticamente debatidas.
Eu teria dificuldade de dizer se essas decisões eram
apropriadamente ponderadas e apreciadas. Eram, com efeito, improvisadas.
Em virtude disso, não se revelavam, porém, de nenhuma
maneira, como sendo piores.
A pressão dos acontecimentos era tão poderosa e as tarefas,
tão claras que as mais sérias decisões surgiam adotadas de modo simples e
corrente, como se fossem algo evidente por si mesmo, sendo, de igual maneira,
acolhidas.
O caminho estava pré-determinado.
Era necessário apenas enunciar a tarefa, dispensando-se qualquer
comprovação e realização de apelos.
Sem hesitação e dúvidas, as massas estavam assumindo por si
mesmas o que lhes era proposto, a partir das circunstâncias.
DIREÇÃO, PROCESSO
INCONSCIENTE
E CONSCIÊNCIA TEÓRICA
Sob a tensão dos acontecimentos, os “dirigentes” apenas formulavam aquilo que
correspondia às exigências das massas e às necessidades da história.
O marxismo considera a si mesmo
como a expressão consciente
do processo histórico inconsciente.
Porém, o processo
inconsciente – tomado em sentido histórico-filosófico, não em sentido psicológico –
coincide com sua expressão consciente apenas em sua cumeeira
mais elevada, quando as massas, através de uma pressão espontânea, irrompem os
portões da rotina social, conferindo uma expressão vitoriosa às mais profundas necessidades do desenvolvimento
histórico.
A consciência
teórica mais elevada da época funde-se, nesses momentos, com a ação imediata das massas mais profundamente oprimidas e
distanciadas da teoria.
REVOLUÇÃO E INSPIRAÇÃO
A união criativa
da consciência com a inconsciência constitui aquilo que se denomina costumeiramente de inspiração.
A revolução é
uma inspiração exaltada da história.
Todos os escritores reais reconhecem momentos de criação,
quando algo alheio mais forte conduz a sua mão.
Todos os autênticos oradores conhecem minutos, em que,
através de seus lábios, algo fala mais forte do que eles mesmos, em suas horas
do quotidiano. Isso é a “inspiração”.
Esta decorre do mais alto
tensionamento criativo de todas as forças.
O inconsciente eleva-se a partir de
sua localidade mais profunda e submete o trabalho
consciente ao pensamento, fundindo-o consigo mesmo, em alguma unidade de ordem
superior.
As horas de mais extrema tensão das forças espirituais
abarcam, em determinados momentos, todos os lados da atividade individual,
conectada ao movimento das massas.
Dias como esses foram aqueles dos “dirigentes” das jornadas de Outubro.
As forças subliminais do organismo, os seus profundos
instintos, a percepção herdada dos antepassados humano-animais : tudo isso
elevou-se, demolindo as portas da rotina
psíquica
e – juntamente com as generalizações histórico-filosóficas mais altaneiras –
colocou-se a serviço da revolução.
Ambos esses processos, individual e de massas, basearam-se
na combinação da consciência com o inconsciente, do instinto, representativo da força propulsora da
vontade,
com as mais elevadas teorizações do pensamento.
Exteriormente, isso tudo não aparentava ser inteiramente
patético : as pessoas caminhavam cansadas, famintas, sujas, com olhos
inflamados e com barba no rosto por fazer.
E, cada uma delas pode contar, hoje, muito pouco sobre os
dias e as horas mais críticas. (...)
A TOMADA DO PODER EM
PETROGRADO:
SUA APRECIAÇÃO DOS
COMPANHEIROS DE PARTIDO
O poder foi tomado, ao menos em Petrogrado.
Lenin
não havia conseguido, ainda, trocar o seu colarinho.
No rosto cansado, encontram-se despertados os olhos de Lenin.
Olhava para mim, fraternalmente, com indulgência, com
timidez embaraçada, expressando íntima proximidade.
“– Sabe, disse, com indecisão, vamos, repentinamente, da perseguição e da clandestinidade ao poder ...”
Buscou, então, uma forma de expressar-se :
“- Es schwindelt (EvM.: isso entontece)”, passando, inesperadamente, para
o idioma alemão, deslizando a mão pela cabeça.
Olhamos um para o outro e rimos um pouco.
Tudo isso não durou mais do que um minuto ou dois.
A seguir, passamos simplesmente à próxima questão.
É necessário formar o Governo.
Entre nós, indicamos alguns membros do Comitê Central.
Teve lugar, então, uma rápida reunião, no canto da sala.
“ - Como denominá-los ?, raciocinava Lenin, em voz alta. Tudo
menos ministros : denominação abominável, desgastada.”
“ - Poderiam ser comissários, propûs, porém, só que agora há comissários em demasiado. Talvez, comissários
supremos? Não, “supremos” soa mal. Que tal comissários “do povo”?
“- Comissários do Povo? Bem, isso, parece, ser adequado”, concordou Lenin.
“ – E o governo, em seu conjunto ?”
“- Soviete (Conselho), naturalmente, Soviete (Conselho) ... Soviete dos
Comissários do Povo, não?”
“- Soviete dos Comissários do Povo? “, admitiu. Isso é estupendo : cheira terrivelmente à
revolução ! ...”
Com
efeito, Lenin era pouco inclinado a
ocupar-se com a estética da revolução ou com o saborear de seu
“romantismo”.
Porém, tanto mais profundamente sentia a revolução, em seu
conjunto, quanto mais inequivocamente definia o “cheiro” que esta possuía.
“- E o que acontecerá, perguntou-me, de modo
inteiramente inesperado, justamente naqueles primeiros dias, se
os guardas brancos matarem a você e a mim ? Conseguiram Sverdlov e
Bukharin arranjar-se ?”
“ - Porém , talvez, não nos matem”, respondi, sorrindo.
“- Pois, o diabo nos conhece”, disse Lenin, sorrindo ele próprio.
Descrevi, pela primeira vez, esse episódio em minhas
recordações de Lenin, em 1924.
Como vim a saber posteriormente, os membros da “troika” de então: Stalin, Zinoviev e Kamenev, sentiram-se terrivelmente ofendidos por causa dos meus testemunhos,
ainda que não pretendessem contraditar sua correção.
O fato permanece sendo, porém, o seguinte : Lenin mencionou apenas Sverdlov e Bukharin.
Outros nomes não lhe vieram à mente.
Tendo passado por duas emigrações, com poucos intervalos
existentes entre elas, ao longo de 15 anos, Lenin conhecia os principais quadros do Partido que não
haviam emigrado apenas por intermédio de correspondências ou raros encontros
mantidos com eles no exterior.
Tão somente depois da Revolução
de Outubro de 1917, Lenin
obteve
a possibilidade de avistar-se propriamente com estes e, de mais perto, com eles
trabalhar.
Por isso, necessitava formular, mais uma vez, suas opiniões
ou rever aquelas, fundadas em relatos de terceiros.
Como um homem de grande paixão moral, Lenin não conhecia relações de
indiferença em face das pessoas.
A esse pensador, observador e estrategista eram
características as agudas admirações por pessoas.
Acerca disso também discorre Krupskaya, em suas recordações.
Lenin jamais formava para si mesmo, de um só golpe de vista, uma representação
sobre uma pessoa, sopesando-a em média.
Seus olhos eram como um microscópio : aumentava, por diversas
vezes, aquele traço que, em um dado momento, incidia em seu campo de capacidade
visual.
Freqüentemente, Lenin enamorava-se das pessoas, no sentido pleno da palavra.
Em tais ocasiões, eu o provocaria, ironicamente, dizendo :
“- Já sei, já sei. Você está com um novo romance.”
O próprio Lenin conhecia esse seu particular e sorria, ao responder, com um pouco de
embaraço e um pouco de irritação.
A APRECIAÇÃO DE LENIN ANTE
TROTSKY
À LUZ DA INSURREIÇÃO
ARMADA
Durante 1917, a relação de Lenin para comigo percorreu diversos estágios.
De início, encontrou-me com reservas e cautelosamente.
Os Dias
de Julho
aproximaram-nos, repentinamente.
Quando saquei a consigna de Boicote do Pré-Parlamento, em oposição à maioria dos
bolcheviques dirigentes, Lenin
escreveu-me,
a partir do seu refúgio:
“- Bravo, camarada Trotsky !”
Baseando-se em diversas indicações ocasionais e
equivocadas, pareceu-lhe, a seguir, que eu defendesse uma linha excessivamente
dilatória na questão relativa à Insurreição Armada.
Essa suspeita foi expressada em diversas cartas de Lenin, surgidas no período de Outubro.
Pelo contrário, tanto mais marcante e tanto mais acalorada,
tornou-se sua relação para comigo no Dia da Revolução, quando descansávamos
sobre o chão, em uma sala vazia, parcialmente escura.
No dia seguinte à reunião do Comitê Central do Partido, propôs fosse eu nomeado Presidente do Soviete dos Comissários do
Povo.
Saltei do meu lugar, protestando, expressando até que grau
essa proposta parecia-me inesperada e desadequada.
“- Mas, por que não mesmo ?, insistiu Lenin. Você encontrava-se à cabeça do Soviete de Petrogrado que tomou o
poder.”
Sugeri que essa proposta fosse rejeitada, sem quaisquer
debates adicionais. Assim, foi feito.
Em 1° de novembro, durante candentes debates no seio do Comitê do Partido de Petrogrado, Lenin exclamou :
“- Não existe melhor bolchevique do que Trotsky.”
Essas palavras pronunciadas pelos lábios de Lenin significavam muito.
Não é, de fato, surpreendente que o próprio Protocolo da Reunião em que essas palavras foram
declaradas esteja, até hoje ainda, mantido inacessível ao público.
A TAREFA DE DERROTA DA
CONTRA-REVOLUÇÃO INDEPENDENTEMENTE DOS DEPARTAMENTOS GOVERNAMENTAIS
A conquista do poder levantou também a questão relativa ao
meu trabalho no Governo Revolucionário.
Tema interessante acerca do qual jamais havia pensado.
Nem por uma única vez, ocorreu-me – a despeito da
experiência de 1905 -, conectar a questão relativa ao meu próprio futuro com
aquela referente ao poder.
Para dizê-lo mais precisamente, a partir da mais plena
juventude, ainda nos anos de minha infância, sonhei com tornar-me escritor.
Nos anos subseqüentes, subordinei as atividades literárias – como, ademais, todo o resto
– aos objetivos
revolucionários.
A questão da tomada do poder pelo Partido sempre surgiu ante
os meus olhos.
Por dezenas e centenas de vezes, escrevi e pronunciei-me
acerca do programa do
Governo Revolucionário.
Porém, a questão concernente ao meu trabalho pessoal, a ser
exercido após a tomada do poder, jamais havia emergido diante de mim.
Por essa razão, assaltou-me surpreendemente.
Depois da revolução, procurei permanecer fora do governo,
propondo assumir a direção da imprensa do
Partido.
É possível que, nessa minha tentativa, um certo lugar tenha
sido ocupado pela reação nervosa, havida depois da vitória.
Para mim, os meses precedentes haviam estado muito
diretamente ligados com a preparação da
revolução.
Cada uma de minhas fibras encontrava-se tensionada no
limite.
Lunatcharski escreveu, em algum lugar de seus escritos, que Trotsky circulava exatamente como uma
bateria elétrica e cada contato mantido comigo provocava uma discarga.
O 7 de
Novembro de 1917 (RvG.: o 25 de Outubro) trouxe a precipitação.
Sentia-me, de fato, como um cirurgião, depois do
encerramento de uma operação difícil e perigosa: cumpria enxaguar as mãos, retirar
o avental e descansar.
Lenin, pelo contrário, havia apenas regressado de seu refúgio, em que definhara,
por três meses e meio, isolado da
direção prática e direta.
Uma coisa coincidia com a outra, aumentando ainda mais meu
desejo de retirar-me para os bastidores, por um curto período.
Porém, Lenin não queria nem sequer ouvir falar disso.
Exigia que eu estivesse à cabeça do Comissariado do Povo para o Interior : a luta para o esmagamento da contra-revolução tornara-se, agora, a
principal tarefa.
Contestei e, entre outros motivos, levantei o elemento
nacional :
“- Valeria a pena, argumentei, entregar nas mãos dos inimigos uma tal arma suplementar, consistente na
minha origem judía?”
Lenin quase se rebelou, completamente :
“- Entre nós, está ocorrendo uma Grande Revolução Internacionalista. Qual
pode ser o significado de tais mesquinharias ?”
Sobre esse tema, surgiu, então, entre Lenin e eu, uma amarga controvérsia, bem humorada.
“- Uma tal revolução é mesmo grandiosa, respondi, porém, ainda restaram muitos loucos por
aí.”
“- Porém, por acaso, nós nos equiparamos a loucos ?”
“- Equiparar não, mas um pequeno abatimento para a estupidez é necessário
fazer, de vez em quando : para que termos complicações desnecessárias,
justamente nos primeiros momentos?”
Já fiz recordar que o elemento
nacional,
tão importante na vida da Rússia, não desempenhava qualquer papel, na minha vida particular.
Mesmo no início de minha juventude, as predileções e os preconceitos nacionalistas provocaram, em mim,
estarrecimento da razão que atingia, em determinados casos, o desdém e, até
mesmo, a náusea moral.
Minha educação
marxista
aprofundou esses sentimentos, tendo-os convertido em ativo internacionalismo.
Minha vida, conduzida em vários países, meu conhecimento dos
idiomas aí falados, auxiliaram, politica e culturalmente, meu
internacionalismo, absorvendo-o em minha carne e em meu sangue.
Se, em 1917, e, posteriormente, coloquei em questão minha
origem judia, enquanto argumento contra essa ou aquela decisão, foi,
exclusivamente, em razão de ponderação de
motivo político.
Conquistei Sverdlov para o meu lado e ainda alguns outros membros do Comitê Central.
Lenin encontrava-se em minoria.
Encolheu os ombros, suspirou, balançou sua cabeça, de modo repreensivo.
Consolou-se apenas com o fato de que todos lutaríamos, de toda e qualquer
maneira, para derrotar a
contra-revolução, independentemente
dos departamentos governamentais.
Porém, Sverdlov opôs-se, decididamente, à minha ida para a imprensa
do Partido : lá cumpriria introduzir Bukharin, afirmou.
“- Precisamos meter Trotsky contra a Europa.
Que ele assuma as Relações Exteriores.”
“- Quais Relações Exteriores vão existir, agora, entre nós ?”, replicou Lenin.
Porém, relutantemente, concordou.
E, relutantemente, também concordei.
Assim, por iniciativa de Sverdlov, surgi à cabeça da Diplomacia Soviética, por três meses.
O Comissariado
das Relações Exteriores significou para mim, em essência, uma dispensa dos
trabalhos departamentais.
De modo praticamente invariável, recomendei aos
companheiros, que me ofereciam sua assistência, procurar um domínio mais
gratificante para suas forças.
Posteriormente, um deles reproduziu, bastante
vigorosamente, em suas recordações, uma conversação mantida comigo, logo após a
formação do Governo
Soviético.
“Que tipo de trabalho diplomático existirá, entre
nós ?, retruquei-lhe,
em face de suas palavras. Bem. Vou editar algumas proclamações
revolucionárias dirigidas ao povo e fecharei a lojinha.”
Meu interlocutor ficou internamente perturbado com essa
minha insuficiência de consciência diplomática.
Evidentemente, exagerei, propositadamente, meu próprio
ponto de vista, pretendendo salientar que o
centro de gravidade, não era, absolutamente, naquele então, a diplomacia.
O principal trabalho residia no desenvolvimento subseqüente
da Revolução de Outubro, em sua expansão por
todo o país, no contra-golpe ao ataque a Petrogrado, desferido por Kerensky e pelo General Krasnov, na luta
pela derrota da contra-revolução.
Estávamos resolvendo essas tarefas por fora dos departamentos e minha colaboração
com Lenin apresentava-se, por
todo o tempo, do modo mais íntimo e ininterrupto.
ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR
PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE
ESTUDOS MILITARES SOCIALISTAS-INTERNACIONALISTAS
DEDICADOS À FORMAÇÃO
DE TRABALHADORES, SOLDADOS E MARINHEIROS MARXISTAS
REVOLUCIONÁRIOS
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA J. M. SVERDLOV”
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU -
[1] Cf. TROTSKY, LEV D. Y
Vlasti (No Poder), in : Lev D. Trotsky. Moia Jizn. Opyt Avtobiografii (Minha
Vida. Uma Tentativa de Auto-Biografia)(1930), Volume II, Cap. 29, Moscou :
Parorama, 1991, pp. 323 e 324, 326 e s.