ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE :

A ARTE PROLETÁRIA DA INSURREIÇÃO SOCIALISTA

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

 

Construção do Exército Vermelho e Oposição Militar

   

LEV D. TROTSKY[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Rochel von Gennevilliers

Fevereiro 2005 emilvonmuenchen@web.de

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A questão fundamental relativa à construção exitosa do Exército Vermelho foi o problema relacionado com as precisas correlações, existentes entre proletariado e campesinato no país.

Posteriormente, em 1923, foi inventada a estúpida lenda acerca de minha “subestimação” do campesinato.

No entanto, no período de 1918 a 1921, precisei confrontar-me, mais estreita e diretamente do qualquer um que fosse, de maneira prática, com o problema da vida rural soviética, pois o exército, na parte essencial da sua massa, era constituído de e atuava em meio a um círculo de camponeses.

Aqui, não poderei debruçar-me sobre essa questão de maior dimensão.  

Assim, limitar-me-ei a dois ou três particulares, dotados, porém, de ilustrações suficientemente claras.

Em 22 de março de 1919, exigi, por telégrafo, do Comitê Central :

 

“Decidir a questão sobre o exame do Comitê Executivo Central, na região do Volga, bem como sobre a indicação de uma comissão dotada de autoridade, conferida pelo Comitê Executivo Central e pelo Comitê Central. A tarefa dessa comissão consiste em fortalecer a confiança do campesinato do Volga no Poder Soviético Central, eliminar as desordens mais gritantes nas localidades e punir os representantes mais culpados do Poder Soviético, recolhendo reclamações e materiais que possam servir para a fundamentação de Decretos demonstrativos, em favor dos camponeses médios.”            

 

Não é de menor interesse o fato de que mantive esse contato telegráfico com Stalin e, precisamente, a ele esclareci a importância da questão relativa ao campesinato médio.

Naquele mesmo ano de 1919, Kalinin foi eleito, por minha iniciativa, Presidente do Comitê Executivo Central por ser uma personalidade situada próxima dos camponeses médios e bom conhecedor de suas necessidades.

Muito mais importante é, entrentanto, o fato de que, já em fevereiro de 1920, sob influência de minha própria observação da vida do campesinato dos Urais, defendi, insistentemente, a transição rumo a uma Nova Política Econômica.  

No Comitê Central, reuni, ao todo, apenas quatro (4) votos contra onze (11). Nesse tempo, Lenin posicionava-se contra a supressão da distribuição de meios alimentícios, agindo irreconciliavelmente. Evidentemente, Stalin votou contra mim.

A transição rumo a uma Nova Política Econômica seria introduzida apenas dentro de um ano e, em verdade, de maneira unânime, sob os trovões, porém, da Insurreição de Kronstadt, em uma atmosfera ameaçadora, em todas as forças armadas.

Praticamente todas, senão absolutamente todas as questões de princípio, bem como as dificuldades da tarefa de construção soviética dos anos subseqüentes, haviam surgido diante de nós, antes de tudo, no domínio militar, da maneira extremamente concentrada.

Nesse domínio, não existia regra geral, já acabada.

Os erros provocavam por si mesmos punição imediata.

A oposição contra as decisões testava-se, por si mesma, na prática, ali no próprio lugar mesmo da ocorrência.

 

LÓGICA INTERNA DA CONSTRUÇÃO DO EXÉRCITO VERMELHO:

DO SISTEMA DE PARTISÃOS AO SISTEMA DE CENTRALIZAÇÃO

 DAS FORÇAS ARMADAS PROLETÁRIAS

 

Desde aqui surgiu, em linhas gerais, a lógica interna na construção do Exército Vermelho, a ausência de catapultas de um sistema ao outro.

Se houvéssemos tido mais tempo para análises e discussões, teríamos realizado, provavelmente, erros muito maiores.

Sem embargo, existia uma luta interna no Partido, com momentos cruéis. E, como efeito, como podia ser diferente ?

A questão era inteiramente nova, sendo as dificuldades, inteiramente antigas.

O velho exército estava ainda se despedaçando pelo país, semeando ódios de guerra, ao passo que já necessitávamos construir novos regimentos.

Os oficiais czaristas eram banidos do velho exército e com eles as localidades acertavam contas impiedosamente.

No entanto, precisávamos recepcionar esses oficiais czaristas, na qualidade de instrutores do novo exército.

Os comitês emergiam nos velhos regimentos, representando a própria revolução, ao menos em sua primeira etapa.

Nos novos regimentos, o sistema de comitês não podia, entretanto, ser tolerado, tal qual um início de desintegração.

Ainda não haviam deixado de soar as maldições endereçadas à velha disciplina, quando já haviámos começado a introduzir a nova disciplina.

Precisávamos transitar, em curto prazo, do sistema de alistamento voluntário ao sistema de serviço militar obrigatório, passando do sistema de destacamentos de partisãos ao sistema de organização militar autêntica.

A luta contra o sistema de partisãos foi por nós conduzida inconciliavelmente, porém continua e rigorosamente. 

O sistema caótico da partisania apresentava-se como expressão do pano de fundo camponês da revolução

A luta contra esse sistema consistia na mesma luta em prol da organização do Estado Proletário contra o elemento pequeno-burguês, anarquista, que o sabotava.

Os métodos e os meios dos partisãos encontravam, entretanto, também sua expressão nas fileiras do Partido.

Na questão militar, a oposição formou-se já nos primeiros meses da organização do Exército Vermelho.

Suas premissas fundamentais reduziam-se à defesa do princípio eleitoral, ao protesto contra a incorporação de especialistas, contra a introdução da disciplina férrea, contra a centralização do exército etc.  

Os opositores intentaram encontrar para si próprios uma fórmula teórica genérica: a centralização do exército – afirmavam eles – caracterizava o exército de um Estado Imperialista.  

 

TÁTICA DA GUERRA DE GUERRILHA

EM FACE DA ORGANIZAÇÃO E ESTRATÉGIA CENTRALIZADA

 

A revolução devia colocar uma cruz de morte não apenas na Guerra de Posição, senão ainda na centralização do exército. 

A revolução estaria assentada, inteiramente, sobre a mobilidade para desferir ataques e sobre sua capacidade de manobras.

Sua força de combate seriam pequenos destacamentos autônomos,  formados de todos os tipos de armamentos e não conectados a uma base, apoiando-se sobre a população simpatizante, surgindo, livremente, na retaguarda do inimigo etc.

Em uma palavra : a tática da guerra de guerrilha haveria de ser proclamada enquanto a tática da revolução.

Tudo isso era extremamente abstrato e, em essência, representava a idealização de nossa debilidade.

A séria experiência da Guerra Civil reprovou, muito rapidamente, esses preconceitos.

Na experiência das lutas, a superioridade da organização e da estratégia centralizada revelou-se, muito rápida e claramente, também sobre  a improvisação local, sobre o separatismo e o federalismo militar.

SOBRE A INCORPORAÇÃO

DE ESPECIALISTAS E DE COMUNISTAS 

 

A serviço do Exército Vermelho encontravam-se milhares e - mais tarde - dezenas de milhares de antigos quadros de oficiais.

Segundo suas próprias palavras, muitos deles haviam considerado, há tão somente dois anos, os liberais moderados enquanto extremos revolucionários, ao passo que os bolcheviques pertenciam, aos seus olhos, propriamente ao campo da quarta dimensão.

 

“Verdadeiramente, teríamos uma opinião muito baixa sobre nós mesmos e nosso Partido - escrevi contra a oposição de então -, sobre a moral do poderio de nossas idéias, sobre a força de atração da nossa moral revolucionária, caso pensássemos que não seríamos capazes de atrair para o nosso lado milhares e milhares de especialistas, incluindo também os militares.”      

 

Não foi sem dificuldades e sem atritos, porém, indubitavelmente, conseguimos fazê-lo, no final das contas.

D’outra parte, os comunistas integraram-se ao trabalho militar, porém não facilmente.

Nesse domínio, carecia-se tanto de seleção como de educação.

Ainda antes mesmo de Kazan, em agosto de 1918, telegrafei a Lenin, dizendo :

 

“Envie para cá os comunistas que sejam capazes de subordinar-se, que estejam prontos para suportar ferimentos e estejam dispostos a morrer. Aqui, não precisamos de agitadores negligentes.”

 

Uma ano depois, na Ucrânia, onde o anarquismo era particularmente grande, até mesmo nas fileiras do Partido, escrevi em uma ordem, dada ao 14° Exército :

  

“Advirto que todo comunista, delegado pelo Partido, torna-se ele mesmo, nas fileiras do exército, um militar vermelho, possuindo os mesmos direitos e deveres que os de todo soldado do Exército Vermelho.

Os comunistas, apanhados comentendo contravenções e crimes contra o dever militar revolucionário seram punidos duplamente.

Pois aquilo que pode ser perdoado a uma pessoa deseducada e  sem consciência não se pode perdoar a um companheiro do Partido que se situa à cabeça da classe trabalhadora de todo o mundo.”  

 

DIAGNÓSTICO DA OPOSIÇÃO MILITAR :

CONCEPÇÕES MILITARES SEMI-ANARQUISTAS

DE PIATAKOV

 

É claro que surgiram, nesse assunto, muitos atritos, não deixando de existirem desgostos.

À oposição militar pertencia, por exemplo, Piatakov, atual Diretor do Banco do Estado.

Piatakov aderia, em geral, a toda e qualquer oposição, a fim de terminar como funcionário de Estado.

Cerca de três ou quatros anos antes, quando integrava ainda, juntamente comigo, um certo agrupamento, vaticinei, em tom de brincadeira que, no caso de um golpe de Estado bonapartista, Pyatakov apanharia, no dia seguinte, sua pasta e iria à secretaria.

Hoje, devo acrescentar, com mais seriedade que, se isso não acontecer, será apenas por causa da falta de um golpe de Estado bonapartista, i.e. de nenhuma maneira por culpa do próprio Pyatakov.

Na Ucrânia, Pyatakov possuia considerável influência, o que não era de modo casual: é uma marxista bem formado - em particular no domínio da economia -, bem como um indiscutível administrador, com boa quantidade de vontade.

Nos primeiros anos, Pyatakov possuía também energia revolucionária, a qual, porém, converteu-se em conservadorismo burocrático.

Conduzi a luta contra as concepções semi-anarquistas de Pyatakov acerca da construção do exército através do mecanismo de conceder-lhe, desde logo, um cargo de responsabilidade que o obrigava a passar das palavras à ação.

Esse artifício não é novo, porém insubstituível, em muitos casos.

Seu sentido administrativo revelou-lhe, rapidamente, ser necessário aplicar os mesmos métodos contra os quais conduzia sua guerra de palavras.Essas transformações não eram raras.    

Todos os melhores elementos da oposição militar foram rapidamente arrastados para o trabalho.

Paralelamente, propûs, da maneira mais irreconciliável, fossem construídos alguns regimentos, em conformidade com seus princípios, prometendo-lhes fornecer todos os recursos necessários.

Apenas um grupo distrital do Volga aceitou o desafio e construiu um regimento, entretanto, de modo nada especial, não se diferenciando substancialmente dos demais.

O Exército Vermelho vencia em todos os frontes e a oposição dilui-se, no final das contas.

 

TSARITSYN E A OPOSIÇÃO MILITAR STALIN – VOROSHILOV :

OPOSIÇÃO FORMADA CONTRA OS OFICIAIS ESPECIALISTAS,

PELOS OFICIAIS NÃO COMISSIONADOS E DIRIGENTES PARTISÃOS

NA BASE DE PRECONCEITOS E FAVORITISMOS PESSOAIS

 

Um lugar especial no Exército Vermelho e na oposição militar foi ocupado por Tsaritsyn, quando os quadros militares agruparam-se em torno de Voroshilov.

Aqui, os destacamentos revolucionários eram encabeçados por antigos oficiais não-comissionados, provenientes do campesinato da região do Cáucaso do Norte.      

O profundo antagonismo existente entre os cossacos e os camponeses conferiu, nas estepes do sudeste, uma singular ferocidade à Guerra Civil que, ali, arrastava-se para dentro de cada um dos vilarejos, conduzindo a uma massiva exterminação de famílias inteiras.

Tratava-se de uma pura Guerra Camponesa, consumindo o solo local através das profundas raízes existentes, superando, pelas atrocidades promividas pelos Mujiks, a própria Guerra Revolucionária travada em outras partes do país.

Essa Guerra Camponesa colocou em destaque um grande número de firmes partisãos que estavam, inteiramente, à altura dos embates de padrão local, mas que se demonstravam, habitualmente, impotentes quando cumpria intervir em tarefas militares mais amplas.

A biografia de Voroshilov testemunha sobre a vida de um revolucionário trabalhador: direção de greves, trabalho clandestino, prisão, exílio.

Porém, tal como muitos outros, situados no estrato dirigente da atualidade, era apenas um democrata nacional-revolucionário entre os trabalhadores. Nada mais.

De início, esse fato revelou-se, de modo particularmente claro, durante a Guerra Imperialista e, posteriormente, na Revolução de Fevereiro de 1917. 

Nas biografias oficiais de Voroshilov, os anos de 1914 a 1917 formam uma lacuna, uma falha generalizada, ademais, característica para a maioria dos dirigentes da atualidade.

O segredo dessa lacuna consiste em que, à época da Guerra Imperialista, essas pessoas eram, em sua maioria, patriotas e interromperam, de uma maneira ou de outra, o seu trabalho revolucionário.

Na Revolução de Fevereiro de 1917, Voroshilov, tal qual Stalin, apoiaram o Governo Gutchkov-Miliukof, pela esquerda.

Eram, assim, democratas extremamente revolucionários, porém, de nenhuma maneira, internacionalistas.

É possível estabelecer, pois, a seguinte regra: os bolcheviques que, durante a guerra, foram patriotas e, depois da Revolução de Fevereiro de 1917, democratas, são, presentemente, adeptos do nacional-socialismo stalinista.

Voroshilov não constitui uma exceção.

Embora fosse um homem saído dos trabalhadores de Lugansk, dos círculos mais privilegiados, aparentava ser sempre, por todos os seus hábitos e gostos, muito mais um senhor pequeno proprietário do que um proletário.

Depois da Revolução de Outubro de 1917, tornou-se, naturalmente, o centro da oposição dos oficiais não-comissionados e dos partisãos contra a centralização da organização militar que exigia conhecimentos militares e mais larga amplitude de visão.

Assim, formou-se a oposição de Tsaritsyn.

Nos círculos de Voroshilov, falava-se, com ódio, dos especialistas, academias militares, supremos quartéis-generais de Moscou.  

Porém, na medida em que os dirigentes partisãos não detinham conhecimentos militares autônomos, cada um deles possuía, debaixo do braço, seu próprio “spetsia”, só que de tipo subordinado, o qual, por sua vez, defendia, arduamente, seu próprio posto, delimitando-o em relação aos mais capazes e mais informados.

Os dirigentes militares de Tsaritsyn relacionavam-se com o Comando do Fronte Soviético do Sudeste de modo não muito melhor do que a maneira com a qual se relacionavam com os Brancos.                      

Sua relação com o centro de Moscou exauria-se em constantes requerimentos de munição.

Entre nós, porém, tudo era escasso. Tudo produzido pelas fábricas enviava-se, imediatamente, aos exércitos. Entretanto, nenhum destes consumia tantos fuzis e cartuchos como o Exército de Tsaritsyn.

Em face da primeira recusa, vociferava contra a traição dos especialistas de Moscou.

Em Moscou, vivia um representante especialista do Exército de Tsaritsyn, dedicado à extorsão de munições, o Marinheiro Jivodier. 

No momento em que estreitamos a rede dos esforços disciplinares, Jivodier passou para o banditismo. Parece-me que foi, então, apanhado e fuzilado.

Stalin passou alguns meses em Tsaritsyn.

Seu trabalho de bastidores contra mim, que já ocupava, então, parte essencial de sua atividade, era combinado com o trabalho da oposição diletante de Voroshilov e de seus mais próximos sequazes.

Stalin comportava-se, entretanto, de tal sorte a poder, a qualquer momento, bater em retirada.

Reclamações do Comando Principal e do Fronte contra Tsaritsyn surgiam, todos os dias : não se pode alcançar a execução de ordens, é impossível compreender-se o que estão fazendo por lá, é inconcebível até mesmo receber-se respostas a perguntas formuladas em um questionário.

Lenin procedia alarmado em face do desenvolvimento desse conflito.

Conhecia Stalin melhor do que eu e suspeitou, visivelmente, que a teimosia dos combatentes de Tsaritsyn esclarecia-se através da regência de bastidores de Stalin. 

A situação tornou-se, então, insuportável. Decidi introduzir ordem em Tsaritsyn.  Depois de um novo choque do Comando Central com Tsaritsyn, insisti na destituição de Stalin.

Isso foi realizado por intermédio de Sverdlov que viajou, pessoalmente, até Stalin, em um trem especial.

Lenin pretendia reduzir o conflito ao mínimo possível e, naturalmente, tinha razão.

Quanto a mim, não me preocupava, em geral, com Stalin.

Em 1917, Stalin faiscava diante mim tal qual uma sombra imperceptível.

No fogo da luta, vim a esquecer, simplesmente, de maneira habitual, que Stalin de fato existia. 

Preocupava-me, porém, com o Exército de Tsaritsyn.

Necessitávamos um flanco confiável à esquerda do fronte do sudeste.

Dirigi-me a Tsaritsyn, a fim de obtê-lo, a todo custo.

Encontrei-me com Sverdlov no caminho.

Sverdlov perguntou-me, cuidadosamente, sobre minhas intenções e, a seguir, propôs-me que eu conversasse com Stalin, o qual se encontrava já retornando no mesmo vagão.  

 

“Você pretende, realmente, botar todos eles para fora?”, perguntou-me Stalin, com uma voz destacamente conciliadora. Eles são bons meninos.”

 

“Esses bons meninos estão arruinando a revolução que não pode esperar até que saiam da idade da meninice. Quero apenas uma coisa : incluir Tsaritsyn na Rússia Soviética.”

 

Poucas horas depois, avistei-me com Voroshilov.

O quartel-general de Tsaritsyn encontrava-se em sobressalto.

Ouvia-se o boato de que Trotsky estava vindo com uma grande vassoura, acompanhado por duas dezenas de generais originários de Tsaritsyn, visando à substituição dos dirigentes partisãos, e que, em uma palavra, à minha chegada, seriam todos renomeados, rapidamente, a comandantes de regimentos, de brigada e de divisão.

A Voroshilov coloquei a seguinte questão : como se estava comportando em face das ordens do fronte e do Comando Principal ?

Abriu-me sua alma : Tsaritsyn considerava necessário executar apenas as ordens que julgava fossem corretas.

Foi, realmente, demasiado.

Declarei que se ele, Voroshilov, não cumprisse com a obrigação de executar, precisamente e incondicionalmente, as ordens e as missões operacionais que lhe fossem determinadas, envia-lo-ia, imediatamente, com trem de escolta, a Moscou, a fim de ser entregue ao Tribunal Revolucionário.  

Não demiti ninguém, visto que obtive uma garantia formal de subordinação.

A maioria dos comunistas do Exército de Tsaritsyn apoiariam-me, conscientemente, não por medo.

Visitei todas as unidades, encorajando os partisãos, entre os quais encontravam-se não poucos soldados estupendos que apenas necessitavam a correta direção.

Com isso, retornei a Moscou.

Em toda essa questão, não havia, da minha parte, nenhum indício de preconceito pessoal ou má vontande.

Considero-me, em geral, com o direito de afirmar que os aspectos pessoais jamais desempenharam qualquer papel, em minha atividade política.

Porém, na grande luta que travávamos, a expectativa era demasiadamente grande para que pudesse ficar olhando de lado.

Sendo assim, precisei, freqüentemente, praticamente a cada passo, pisar nos calos dos preconceitos pessoais, favoritismos ou vaidades.

Stalin seleciona, acuradamente, pessoas de calos endurecidos.

Para tanto, possuía tempo suficiente e interesse pessoal.     

O grupo superior de Tsaritsyn tornou-se, a partir de então, uma das suas principais armas.

Logo que Lenin adoeceu, Stalin conseguiu, com o apoio de seus associados, renomear Tsaritsyn com o nome de Stalingrado.

As massas da população não tinham noção do que significava esse nome.

E, se hoje, Voroshilov é membro do Bureau Político (Politbureau), o único motivo para isso – pois, outro não o vejo – é o próprio fato de que, em 1918, forçei-o a subordinar-se, mediante a ameaça de enviá-lo a Moscou, acompanhado de um trem de escolta.

Imagino ser interessante ilustrar apenas o capítulo demonstrativo do trabalho militar, ou melhor, a luta com este relacionada, travada no interior do Partido, referindo alguns extratos da correspondência, mantida naquele tempo, ainda não publicados em nenhuma sede.

Em 4 de outubro de 1918, disse, por telégrafo, a Lenin e a Sverdlov, a partir de Tambov :      

 

“Insisto, categoricamente, na destituição de Stalin.

O fronte de Tsaritsyn está desfavorável, apesar da abundância de forças.

Deixei-o  (Voroshilov) como comandante do 10° Exército (de Tsaritsyn), sob a condição de subordinar-se ao Comando do Fronte do Sudeste.

Até o dia de hoje, os combatentes de Tsaritsyn não enviaram a Kozlov nem sequer relatórios de operações.

Obriguei-os a apresentarem, duas vezes ao dia, informações operacionais e de reconhecimento.

Se isso não for cumprido até amanhã, levarei Voroshilov ao Tribunal e declararei esse ato em ordem dirigida ao exército.

Para uma ofensiva, resta apenas um pequeno prazo, até o despregamento do outono, quando, aqui, não existirão mais caminhos, seja para andar, seja para cavalgar.

Não existe tempo para negociaçoes diplomáticas.”         

 

Stalin foi destituído.

Lenin compreendeu demasiadamente bem que eu me guiava exclusivamente por considerações objetivas.

Ao mesmo tempo, ficou, evidentemente, perturbado pelo conflito e pretendia aplainar as relações.

Em 23 de outubro, escreveu-me, em Balashov :    

 

“Hoje, chegou Stalin, trazendo notícias acerca de três grandes vitórias de nossas tropas, diante de Tsaritsyn. (Lev Trotsky: As “vitórias” possuíam, na realidade, significado puramente episódico.)

Stalin convenceu Voroshilov e Minin, os quais considera como quadros militantes muito valorosos e insubstituíveis, a não abandonarem seus postos e demonstrarem integral submissão às ordens do centro.

A única causa da insatisfação deles, segundo Stalin, é o extremo atraso e o não envio de granadas e cartuchos, por falta dos quais também perecem os duzentos mil combatentes e o magnífico espírito do Exército do Cáucaso. (Lev Trotsky: Esse exército de partisãos esmigalhou-se, rapidamente, com um único golpe, revelando-se sua completa incompetência).

Stalin gostaria muito de trabalhar no fronte do sudeste ...

Tem a esperança de que consiga fazer comprovar, no trabalho, a correção de seu ponto de vista ...

Comunicando a você, Lev Davidovitch, todas essas declarações de Stalin, peço-lhe que reflita e responda, em primeiro lugar, dizendo se está de acordo em clarificar o assunto, pessoalmente, com Stalin que se encontra disposto a visitá-lo.

Responda, em segundo lugar, se considera possível, em certas condições concretas, eliminar os atritos até aqui existentes e dinamizar um trabalho comum, o qual Stalin tanto deseja.

No que me concerne, entendo que é necessário realizar todos os esforços para arranjar um trabalho comum com Stalin.

 

Lenin”    

             

Respondi com plena disposição.

Stalin foi nomeado, então, membro do Conselho Militar Revolucionário do Fronte do Sudeste.

Porém, lamentavelmente, esse acordo não produziu resultado algum.

Em Tsaritsyn, a situação não avançou nem um passo.  

Em 14 de dezembro, telegrafei para Lenin, a partir de Kursk :

 

“Depois disso, não é possível continuar a deixar Voroshilov em seu posto, quando todas as tentativas de acordo conduziram a nada.

É indispensável enviar a Tsaritsyn um novo Conselho Militar de Guerra, junto com um novo comando, tranferindo-se Voroshilov para a Ucrânia.”  

 

Essa proposta foi então aceita, sem contestação.

Porém, também na Ucrânia, a situação não andava melhor.

Mesmo sem a oposição de Voroshilov, o anarquismo lá reinante dificultava um trabalho militar correto.

Com a oposição de Voroshilov – em cuja coluna vertebral se encontrava sobretudo Stalin -, esse trabalho tornava-se, então, inteiramente impossível.  

Em 10 de janeiro de 1919, repassei a seguinte mensagem a Sverdlov, então Presidente do Comitê Executivo Central, a partir da estação de Gryazi: 

 

“Declaro, de forma categórica, que a linha de Tsaritsyn, que conduziu à inteira desintegração do Exército aquela região, não pode vir a ser tolerada na Ucrânia. ...

A linha de Stalin, Voroshilov e seus seguidores significa o perecimento de toda a causa.

 

Trotsky”    

 

Lenin e Sverdlov, que observavam o trabalho dos “homens de Tsaritsyn” de longe, procuravam, ainda, atingir um acordo.

Lamentavelmente, não tenho os seus telegramas.

Porém, respondi a Lenin, em 11 de janeiro :

 

“Um acordo é, naturalmente, necessário, porém não um acordo podre. Na realidade, reunem-se, em Kharkov, todos os homens de Tsaritsyn. ...

Considero o patrocínio de Stalin da corrente de Tsaritsyn a úlcera mais perigosa, pior do que todas as traições e quebras de confiança dos especialistas militares. ...

 

Trotsky” 

 

“Um acordo é necessário, porém não um acordo podre” : quatro anos mais tarde, Lenin lançou-me de volta, de modo praticamente literal, essa mesma frase, a propósito do mesmo Stalin.

Isso se passou pouco antes do XII Congresso do Partido.

Lenin estava, então, disposto a devastar o grupo de Stalin.

Abriu seu ataque no domínio da linha da questão nacional.

Quando lhe propûs um acordo, Lenin respondeu-me :

 

“Stalin fará um acordo podre e, depois, vai-nos enganar.”

 

 

 

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ESTUDOS MILITARES SOCIALISTAS-INTERNACIONALISTAS

DEDICADOS À FORMAÇÃO

DE TRABALHADORES, SOLDADOS E MARINHEIROS MARXISTAS REVOLUCIONÁRIOS

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 



[1] Cf. TROTSKY, LEV DAVIDOVITCH. Voennaia Oppozitsia (A Oposiçao Militar)(1930): in : Lev D. Trotsky. Moia Jizn. Opyt Avtobiografii (Minha Vida. Uma Tentativa de Auto-Biografia)(1930), Volume II, Cap. 36, Moscou : Parorama, 1991, pp. 414 e s.