FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO
REVOLUCIONÁRIO
PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,
TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE
MUNDIAL
SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM
EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES
CARTA DE KARL MARX
a Joseph Weydemeyer
5 de Março de 1852
KARL MARX[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução Emil Asturig von
München
Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von
Köln
Outubro 2007 emilvonmuenchen@web.de
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5 de
março de 1852
28,
Dean Street, Soho, Londres
Caro
Weywy!
Receio
que ocorreram alguns transtornos, porque, having misundestood thy last letter
(EvM.: tendo-me equivocado quanto à sua última carta), atribui aos últimos dois
envios o endereço : “Office of the Revolution, 7 Chambers’ Street, Box 1817”.
A
maldita “caixa portal 1817” provocou toda a confusão, porquanto você me
escreveu dizendo para que lhe enviasse esse apêndice ao “último endereço”, sem
diferenciar o primeiro endereço do segundo.
Espero,
porém, que a coisa toda se resolva, antes que a presente carta chegue até você,
tanto mais porque a carta da última sexta-feira contém o Capítulo V, bem
detalhado, do meu artigo.[2]
Essa
semana, acabei sendo impedido de concluir o Capítulo VI que é, ao mesmo tempo,
o último.
Se o
seu jornal aparecer novamente, não haverá mais nenhum empecilho, visto que você
está amplamente equipado com materiais. (...)
O
artigo que você elaborou contra Karl Heinzen – artigo esse a mim,
lamentavelmente, enviado tarde demais por Engels - é mesmo muito bom,
simultaneamente áspero e fino, e essa combinação é adequada a uma polêmica que
deve ser digna do nome que possui.[3] (...)
A
propósito, quanto à Inglaterra, não é necessário recorrer aos “extremistas”.
Se um
membro do Parlamento da Inglaterra torna-se ministro, deve adotar
iniciativas para que seja reeleito.
Assim, Benjamim
Disraeli, o novo Ministro da Fazenda, Lord
of Exchequer, escreveu aos seus
eleitores, em 1° de março, o seguinte :
“We shall endeavour to terminate that strife of classes which, of late years,
has exercised so pernicious an influence over the welfare of this kingdom.
(EvM.: Esforçar-nos-emos por encerrar essa confrontação
de classes que, nos últimos anos, exerceu uma influência tão perniciosa
sobre o bem-estar do reino.)”
A esse
respeito, o jornal “Times (Tempos)”, assinalou, em 2 de março :
“If anything would ever divide classes in this country beyond reconciliation, and leave no
chance of a just and honourable peace, it would be a tax on foreign corn.”
(EvM.: Se alguma coisa puder, em algum momento, dividir as classes nesse país, para além do ponto da reconciliação,
não conferindo chance alguma a uma paz justa e honrada, isso haveria de ser um
imposto sobre o grão de trigo estrangeiro.)”
E para
que nenhum “homem de caráter” ignorante, no estilo de Heinzen, imagine que os
aristocratas são a favor a Lei do Grão de Trigo e a burguesia,
contra, porque aqueles exigem o “monopólio”, estes, a “liberdade”
- um homem de bem reconhece os
antagonismos apenas nessa forma ideológica -, há de se destacar que, no século
XVIII, os aristocratas eram, na Inglaterra, a favor da “liberdade”
(no comércio) e a burguesia, a favor do “monopólio” –
precisamente a mesma atitude que encontramos, defendida, agora, por ambas essas
classes, na Prússia, relativamente a Lei do Grão de Trigo.
O “Neue
Preußische Zeitung (Novo Jornal da Prússia)” tornou-se o mais furioso free
trader (EvM.: livre-cambista)
Por
fim, se eu fosse você, advertiria os Senhores Democratas en général
(EvM.: em geral) de que agiriam melhor
se entrassem em contato com a própria literatura burguesa, antes de se meterem
a ladrar contra as posições de seus oponentes.
Esses
senhores deveriam, p.ex., estudar as obras históricas de Augustin Thierry, François
Guizot, John Wade etc., para se
conscientizar acerca da “história da luta de classes” já
transcorrida.
Dever-se-iam
familiarizar com os primeiros fundamentos da economia política, antes
de pretender criticar a crítica da economia política.
Basta,
p.ex., abrir a grande obra de David
Ricardo para encontrar, na primeira página, as seguintes palavras, com
as quais inicia o seu prefácio :
“The produce of the earth — all that
is derived from its surface by the united application of labour, machinery, and
capital, is divided among three classes of the community; namely the proprietor
of the land, the owner of the stock or capital necessary for its cultivation,
and the labourers by whose industry it is cultivated. (EvM. O produto da terra
– tudo aquilo que deriva de sua superfície, através da aplicação unificada de
trabalho, maquinário e capital – é dividido entre as três classes da comunidade; A saber : o proprietário da terra, o proprietário
do estoque ou capital necessário ao seu cultivo e os trabalhadores, mediante cuja indústria é a terra cultivada.)” (…)[4]
Ora, do quão pouco a sociedade burguesa dos EUA
amadureceu, para ser capaz de tornar ilustrativa e compreensiva a luta de
classes, fornece-nos prova magistral Henry Charles Carey da (Filadélfia),
o único economista norte-americano de significado.[5]
Carey ataca Ricardo, o representante mais
clássico da burguesia e o adversário mais estóico do proletariado, porque Ricardo
seria um homem cuja obra haveria fornecido o arsenal para os anarquistas, os
socialistas e todos os inimigos da ordem burguesa.
Carey não apenas acusa Ricardo, senão ainda Thomas
Malthus, John Stuart Mill, Jean-Baptiste Say, Robert Torrens, Wakefield, John
MacCulloch, Senior, Richard Whately, Richard Jones etc. – esses líderes
da ciranda econômica na Europa – porque dilaceram a
sociedade, preparando a Guerra Civil, através de sua
comprovação de que os fundamentos econômicos das diferentes
classes têm de provocar um antagonismo necessário e sempre crescente
entre elas.
Carey procura refutá-los, em verdade, não como o faz o ignaro do Heinzen
– ao vincular a existência das classes à existência de privilégios
políticos e ao monopólios -, senão procurando
demonstrar que as condições econômicas : a renda (propriedade fundiária), o lucro
(capital) e o salário do trabalho (trabalho assalariado), em vez de serem condições
de luta e antagonismo, são, muito mais, condições de associação e
harmonia.
Pois bem, no que
me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a
existência
das classes na sociedade moderna nem a luta travada entre estas.
Historiadores
burgueses já haviam, muito antes de mim, apresentado o desenvolvimento histórico dessa
luta de classes e os economistas burgueses, a anatomia econômica das classes.
O que
fiz de novo foi :
1.
demonstrar que a existência das classes está vinculada meramente a determinadas
fases históricas de desenvolvimento da produção ;
2. que
a luta de classes conduz necessariamente à Ditadura do Proletariado ;
3. que
essa Ditadura
mesma constitui apenas a transição rumo à abolição de todas as classes e a uma
sociedade
sem classes. (...)
Pessoas
grosseiras como Heinzen - que negam não
apenas a luta, senão até mesmo a existência das classes - demonstram apenas
que, sem embargo do escândalo sanguinário e do derrame de humanismo que
promovem, consideram as condições sociais, nas quais a burguesia é dominante,
como o último produto, o non plus ultra (EvM:: o ponto
supremo), da história e que são apenas servos da burguesia, uma servidão tanto
mais repugnante quanto menos esses desavergonhados são capazes de compreender o
caráter da magnitude e necessidade passageira do próprio regime burguês.
A
partir da glosas acima, extraia aquilo
que julgar ser bom para você.
A
propósito, Heinzen adotou a nossa “centralização”, no lugar da sua “República
Federativa” etc.
Quando
as concepções que agora difundidos sobre as classes tornarem-se triviais,
convertendo-se em mobília familiar para o “senso comum”, aquele tosco irá as
proclamar, com grande estardalhaço, como sendo o produto mais recente de sua “própria
perspicácia” e ladrará, então, contra o nosso desenvolvimento
subseqüente, mais avançado.
Desse
mesmo modo, ladrou ele, com sua “propria perspicácia”, contra a filosofia
de Hegel, enquanto esta foi
progressiva.
No
presente momento, alimenta-se dos pedaços desta que se tornaram melífluos, ao
serem escarrados, de novo, sem digestão, por Arnold Ruge. (...)
Quando
aparecer o seu jornal, envie-me mais
cópias, a fim de que seja possível melhor distribuí-lo.
Do seu
Karl
Marx
Com as
melhores saudações a você e à sua esposa, enviadas por todos os amigos daqui e,
especialmente, por minha esposa. (…)
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA
A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO
PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU
- SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. MARX, KARL. Brief
an Joseph Weydemeyer in New York (Carta a J. Weydemeyer em Nova Iorque)(5 de
Março de 1852), in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke (Obras de Karl Marx e
Friedrich Engels), Vol. 28, Berlim : Dietz, 1963, pp. 503 e s. A presente carta
de Marx
– ora traduzida para o português – foi publicada, pela primeira vez, nas
páginas da revista “Neue Zeit (Novo Tempo)”, Nr. 13, 1907, então sob a direção de Franz
Mehring. Anoto, de passagem, que Joseph Arnold Weydemeyer (1818 –
1866) foi jornalista, oficial militar e destacado representante do movimento
operário da Alemanha e, por fim, dos EUA. De início, atuou como oficial
do Exército
do Reino da Prússia. No dealbar dos anos 40 do século XIX, aderiu,
porém, às posições da corrente do “Verdadeiro Socialismo”, encabeçada
por Karl
Grün e Moses Heß e marcada por ideologia idealista de matiz
pequeno-burguês, segundo a qual a causa de todos os males sociais
encontrar-se-iam não nas relações capitalistas de produção, mas sim no egoísmo
dos seres humanos. Por isso, rejeitavam a luta revolucionária de
classes, procurando harmonizar exploradores e explorados, sob as consignas de “Liebe
und allgemeines Menschentum (amor e humanidade geral)”, impedindo,
dessa forma, a formação de um movimento proletário autônomo, a fundação de um
partido independente da classe trabalhadora e a dinamização de uma frente ampla
de luta contra a reação feudal-européia. Sob a direta influência de Marx
e Engels – com quem travou estreita amizade - , Weydemeyer rompeu com o “Verdadeiro
Socialismo”, passando a defender, a partir de 1845, o Socialismo
Científico. A seguir, tornou-se membro da Liga dos Comunistas e,
entre 1849 e 1851, foi seu principal dirigente em Frankfurt a.M..
Participou ativamente da Revolução de 1848 e 1849, exercendo,
entre 1849 e 1850, a função de redator responsável do “Neue Deutsche Zeitung (Novo
Jornal Alemão)” e de colaborador da “Neue Rheinische Zeitung (Nova
Gazeta Renana)”. Expulso do solo alemão em 1851,
emigrou para os EUA, onde criou e atuou em diversos jornais que difundiram
intensamente o marxismo revolucionário. Em 1852, fundou a primeira
organização marxista em solo norte-americano. Promoveu a campanha eleitoral de Abraham
Lincoln, enquanto parte de sustentação da tática de abolição da
escravidão e formação de um proletariado moderno nos EUA. Ingressou, em 1860,
no exército dos Estados nortistas. Durante a Guerra de Secessão dos EUA,
Weydemeyer
exerceu, inicialmente, durante 1862, o posto de Tenente-Coronel do Regimento de
Artilharia dos Voluntários de Missouri, responsável pelo combate às
guerrilhas confederadas e, a partir de setembro de 1864, atuou como Coronel
do 41° Batalhão de Infantaria de Voluntários do Missouri, responsável
pela defesa de St. Louis. Sabe-se que, durante o exercício de suas funções
militares, distribuia aos combatentes e trabalhadores cópias do Informe
Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, encabeçada por
Marx
e Engels. Foi, também, um dos mais notáveis correspondentes de Engels,
em questões militares. Em 1865, trabalhou para o “Daily St. Louis Press (Imprensa
Diária de St. Louis)”, publicando artigos sobre a fundação e a política
da I
Internacional. Em 1865, sua corporação militar foi dissolvida. Em 1866,
foi eleito fiscal tributário municipal, responsável pela coleta de impostos
daqueles que haviam-se enriquecido à custa dos esforços bélicos abolicionistas.
Esse cargo exerceu, então, até a sua morte.
Morreu de cólera, em St. Louis, aos 48 anos.
[2] Trata-se, aqui, do Capítulo V de MARX, KARL. Der Achzehnte Brumaire des Louis Bonaparte (O 18
Brumário de Luís Bonaparte)(Dezembro 1851 - Março 1852), in : Marx und Engels
Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. 8, Berlim : Dietz, pp. 196 e s.
[3] Assinalo que Karl Peter Heinzen (1809 – 1880) foi um jornalista e escritor tedesco-norte-americano de linhagem radical-democrática. Foi expulso de sua Universidade por defender suas idéias políticas. Havendo servido nas fileiras militares da Hollanda e da Prússia e, a seguir, atuado como fiscal da fazenda prussiana, foi expulso de suas funções públicas e do próprio país, em 1844, por causa de suas convicções radical-democráticas. A partir de 1843, colaborou para a “Rheinische Zeitung (Gazeta Renana)”. Em 1847, defendeu, porém, nas páginas do jornal “Deutsch-Brüsseler Zeitung (Jornal Alemão de Bruxelas)“, posições ostensivas de repúdio à luta dos comunistas, travada em prol de uma unificação democrática da Alemanha. Retornando, porém, à Alemanha, por ocasião da Revolução de 1848 e 1849, apoiou a Insurreição Armada de Baden, organizando pelotões militares, provenientes da França e da Suíça. Derrotada esta, emigrou para os EUA, onde se tornou redator e editor de diversos jornais, em particular o “Pionier (Pioneiro)” de Boston. Acerca do tema, vide, sobretudo, ENGELS, FRIEDRICH. Die Kommunisten und Karl Heinzen (Os Comunistas e Karl Heinzen), in: ibidem, Vol. 4, 1962, pp. 309 e s.; MARX, KARL. Die moralisierende Kritik und die kritisierende Moral (A Crítica Moralizadora e a Moral Crítica), in: ibidem, Vol. 4, 1962, pp. 331 e s.
[4] Vide RICARDO, DAVID. On the Principles of
Political Economy, and Taxation (Sobre os Princípios da Economia Política e da
Tributação)(1817), Londres : Murray, Hildesheim : Olms, 1977, p. V.
[5] Acerca do tema,
vide, especialmente, CAREY, HENRY
CHARLES. Essay on the Rate of Wages with an
Examination of the Causes of the Differences in the Condition of the Labouring
Population Throughout the World (Ensaio sobre o
Nível dos Salários com um Exame das Causas das Diferenças das Condições da
População Trabalhadora em Todo o Mundo)(1835), Filadélfia : Carey, Lea &
Blanchard, New York : AMS Pr., 1970, pp. 7 e s.