FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO
REVOLUCIONÁRIO
PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,
TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE
MUNDIAL
SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM
EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES
CARTA DE FRIEDRICH ENGELS
a August Bebel
18 – 28 de Março de 1875
FRIEDRICH ENGELS[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução Emil Asturig von
München
Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von
Köln
Outubro 2007 emilvonmuenchen@web.de
Voltar ao Índice Geral http://www.scientific-socialism.de/FundamentosCartasMarxEngelsCapa.htm
Londres,
18/28 de março de 1875
Caro
Bebel![2]
Recebi
sua carta de 23 de fevereiro e alegro-me por saber que o Sr. está passando tão
bem de saúde.
O Sr.
me pergunta o que pensamos da história da unificação.[3]
Infelizmente,
aconteceu conosco exatamente o mesmo que com o Sr.
Nem Wilhelm
Liebknecht nem ninguém mais deu-nos qualquer tipo de informação e nós
também apenas sabemos daquilo que se encontra nos jornais e, neles, não havia
nada, até que, cerca de 8 dias atrás, chegou o Projeto de Programa.[4]
Esse
programa, entretanto, surpreendeu-nos em não pouca medida.
Nosso
Partido havia tão freqüentemente estendido aos lassalleanos uma mão de
conciliação ou, mesmo no mínimo, de cooperação, havendo sido tão freqüente e
desdenhosamente repudiada pelos Hasenclever, Hasselmann e Tölcke,
que toda e qualquer criança havia de disso deduzir que se esses senhores mesmos
agora vêm para oferecer conciliação, é porque devem encontrar-se em apuros.
Pelo
caráter dessa gente, que bem conhecemos, deve ser, porém, nossa obrigação
utilizar sua situação de aperto, para exigir em nosso benefício todas e cada
uma das possíveis garantias, a fim de que eles não consolidem, mais uma vez,
junto à opinião pública dos trabalhadores, sua posição abalada, à custa do
nosso Partido.
Dever-se-ia
recepcioná-los de modo extremamente frio e desconfiado, fazendo a unificação
depender do grau de sua disposição de abandonar suas palavras sectárias e seus auxílios,
concedidos pelo Estado, aceitando, em essência, o Programa de Eisenach de 1869
ou uma edição melhorada do mesmo, mais adequada para o momento de hoje.[5]
Nosso
Partido não teria absolutamente nada a aprender dos lassalleanos,
no domínio teórico, i.e. naquilo que é decisivo para o programa.
Pelo
contrário, os lassalleanos teriam, sem dúvida, muito a aprender do Partido.
A
primeira condição da unificação era que eles deixassem de ser sectários,
lassalleanos, i.e. que, sobretudo, abandonassem inteiramente a panacéia
universal dos auxílios, concedidos pelo Estado, se não totalmente,
reconhecendo-os, ao menos, como uma medida de transição secundária, entre e ao
lado de muitas outras possíveis.[6]
O Projeto
de Programa demonstra que os nossos, embora cem vezes mais
desenvolvidos do que os lassalleanos, em questões
teóricas, encontram-se longe de estar à altura deles, em astúcia
política.
Mais
uma vez, os “honestos” foram cruelmente enganados pelos “desonestos”. (...)
Os
nossos fizeram todas essas concessões para agradar aos lassalleanos.
E o que
foi que os lassalleanos concederam em troca ?
Concederam
que figurasse no programa um monte de reivindicações puramente democráticas,
bastante confusas, entre as quais muitas delas são coisas genuinamente da
moda, como p.ex. a “legislação feita pelo povo”
que existe na Suíça e causa mais danos do que benefícios, se é que causa
mesmo alguma coisa.
Se se
falasse de administração pelo povo, já seria alguma coisa.
Do
mesmo modo, encontra-se faltando a primeira condição de toda e qualquer liberdade:
i..e que todos os funcionários públicos sejam responsáveis por todos seus atos
de serviço em relação a todo e qualquer cidadão, perante tribunais ordinários e
segundo o Direito comum.
Nem
quero continuar falando que tais reivindicações como : liberdade de ciência - liberdade
de consciência figuram em todo e qualquer programa burguês-liberal e aqui
produzem o clima de alguma coisa embusteira.[7]
O Estado Popular Livre transformou-se
em Estado
Livre.[8]
Considerando-se em
sentido gramatical, um Estado Livre é aquele em que o
Estado é livre em relação a seus cidadãos, i.e. um Estado com Governo despótico.
Dever-se-ia abandonar
todo o palavreado acerca do Estado, particularmente depois da Comuna,
a qual, em estrito senso, já não era mais nenhum Estado.
O Estado Popular foi-nos
atirado na cara, até à náusea, pelos anarquistas, apesar de os escritos de Marx
contra Proudhon e, a seguir, o “Manifesto Comunista” dizerem
diretamente que, com a introdução da ordem social socialista, o Estado
dissolver-se-á por si mesmo e desaparecerá.
Ora, uma vez que o
Estado é apenas uma instituição transitória à qual se recorre na luta, na
revolução, a fim de reprimir violentamente seus adversários, resulta ser
puramente absurdo falar de um Estado Popular Livre :
Enquanto o proletariado
ainda fizer uso o Estado, fá-lo-á não no interesse da liberdade,
mas sim para a repressão de seus adversários e, tão logo se puder falar de liberdade,
deixará o Estado de existir enquanto tal
Por essa razão,
proporíamos colocar, por todos os lados, no lugar de Estado, “Gemeinwesen
(Comunidade)”, uma boa e velha palavra alemã que pode muito bem
representar a “Comuna” francesa.
“Eliminação de todas as
desigualdades sociais e políticas”, em vez de “Supressão de todas as diferenças de classe”,
é também uma expressão muito censurável.
De país para país, de
província para província, até mesmo de lugar para lugar, existirá sempre uma certa
desigualdade das condições de vida que poderá ser reduzida a um mínimo, porém
jamais eliminada integralmente.
Os habitantes dos Alpes
terão sempre outras condições de vida em relação às pessoas da planície.
A noção de sociedade
socialista como reino da igualdade é uma noção francesa unilateral que se apóia
na velha consigna de “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, noção
essa justificada enquanto fase de desenvolvimento de seu tempo
e lugar, mas que deveria ser agora superada, tal quais todas as unilateralidades
das precedentes escolas socialistas.
Pois, essas
unilateralidades criam apenas confusão mental, sendo que foram
encontrados modos mais precisos de apresentação das coisas.
Paro por aqui, embora
praticamente cada palavra desse programa, redigido, além disso, de modo suave e
astênico, merecesse ser criticada.
Tanto é assim que, caso
seja ele adotado, Marx e eu jamais poderemos declararmo-nos
adeptos desse novo Partido, instituído sobre essas
bases, e teremos de muito seriamente refletir que atitude assumiremos – também
publicamente – em relação a ele.[9]
Recorde-se de que, no
exterior, somos nós os considerados responsáveis por tudo e todas declarações e
ações do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha, tal
como, por Bakunin, em seu escrito “Politik und Anarchie (Política e Anarquia)”.[10]
Aí, somos
responsabilizados por todas as palavras irrefletidas, ditas e escritas por Wilhelm
Liebknecht, desde a criação do “Demokratisches Wochenblatt (Folha
Democrática Semanal)”.[11]
As pessoas imaginam
precisamente que somos nós que comandamos, desde aqui, a coisa toda, enquanto
que o Sr. e eu sabemos que nós nos imiscuimos, minimamente e quase nunca, nas
questões interno-partidárias e, quando o fazemos, apenas para, na medida do
possível, corrigir erros – e, em verdade, apenas erros teóricos - que, em
nosso entendimento, foram cometidos
Porém, o Sr. há de
reconhecer que esse programa constitui um ponto de virada que nos poderia
forçar, muito facilmente, a rejeitar toda e qualquer responsabilidade em
relação ao Partido que o adote.
Falando em geral, a
questão depende menos do Programa Oficial de um Partido do
que daquilo que é realmente praticado por ele.
Porém, um novo
programa é sempre e antes de tudo, uma bandeira hasteada publicamente,
segundo a qual o mundo exterior julga o Partido.
Por isso, ele não
deveria conter um retrocesso, como é o caso desse programa em relação ao Programa
de Eisenach.
Mas, haver-se-ia também
de considerar o que os trabalhadores de outros países dirão sobre esse
programa, i.e. que impressão haverá de produzir essa prostração do inteiro
proletariado socialista alemão ante o lassalleanismo. (...)
Retive a presente carta
em minhas mãos, tendo em vista que o Sr. será libertado apenas em 1° de abril,
em homenagem ao aniversário de Otto von Bismarck e não pretendia
expô-la à possibilidade de interceptação, em uma tentativa de envio
clandestino.
Acabou de chegar uma
carta de Wilhelm Bracke que também possui graves preocupações por causa
do programa e quer conhecer nossa opinião sobre o tema.[12]
Por isso, repassarei
essa minha presente resposta a ele, a fim de que a leia, não necessitando eu
redigir a coisa toda de novo.
A propósito, também
deixei claro ao Hermann Ramm tudo aquilo que penso a respeito da questão.[13]
Ao Wilhelm Liebknecht,
escrevi apenas brevemente.[14]
Não o perdoo por não nos
ter dito nem mesmo uma palavra sobre o negócio todo (ao passo que Ramm
e outros pensam que ele disso nos teria precisamente participado) até que se
tornou – digamos assim – tarde demais.
Em verdade, sempre fez
isso – e, por isso, a extensa correspondência desagradável que tanto Marx
quanto eu com ele tivemos.
Porém, dessa vez, é, de
fato, realmente muito ruim e, decididamente, não colaboraremos com ele.[15]
Veja o que pode fazer
para vir até aqui, no verão.
Evidentemente, o Sr. se
hospedará em minha casa e, se fizer bom tempo, poderemos tomar banho de mar,
alguns dias.
Isso lhe será realmente
bem útil, depois de sua longa estadia na prisão.[16]
Mui cordialmente,
F.E.
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA
A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO
PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU
- SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. ENGELS,
FRIEDRICH. Brief an August Bebel in Zwickau (Carta a A. Bebel em
Zwickau)(18 – 28 de Março de 1875), in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke
(Obras de Karl Marx e Friedrich Engels), Vol. 34, Berlim : Dietz, 1966, pp. 125
e s. A carta de Engels em apreço foi, apenas publicada, pela primeira vez, 36
anos depois de sua redação, em 1911, em apenso ao livro de BEBEL, AUGUST. Aus meinem Leben
(Minha Vida)(1911), Vol. 2, 5.
ed., Berlim : Dietz, 1978, pp. 419 e s. Destaco que, entre 22 e 27 de maio de
1875, teve lugar, na cidade de Gotha, a unificação do Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), composto pelos
eisenachianos, encabeçados por August Bebel e Wilhelm Liebknecht, e da Associação
Geral dos Trabalhadores da Alemanha
(ADAV), composta pelos lassaleanos, dirigidos por Johann Baptist von Schweizer, Wilhelm Hasenclever e Wilhelm
Hasselmann. Desse modo, emergiu à cabeça da classe trabalhadora alemã
um partido unificado dos trabalhadores. No Congresso de Coalizão de Gotha de 1875, foi adotado um novo estatuto e um novo
programa partidário. O Estatuto de Gotha correspondia, em
linhas bem gerais, às experiências prático-organizativas do SDAP e
aos princípios de organização, defendidos por Marx e Engels. Porém, o Programa
de Gotha situava-se, notoriamente,
bem abaixo do nível de desenvolvimento do socialismo científico, já
alcançado no Programa do SDAP, em 1869, porque elencava toda
uma série de falsas formulações teóricas e políticas que faziam grandes
concessões ao lassalleanismo. A despeito de saudar a perspectiva de
unificação das forças proletárias da Alemanha, Marx criticou, duramente,
o Projeto
de Programa de Gotha em um ensaio específico. Vide MARX, KARL. Kritik des Gothaer Programms. Randglossen zum Programm
der deutschen Arbeiterpartei (Crítica do Programa de Gotha. Glosas Marginais ao
Programa do Partido Alemão dos Trabalhadores) (Abril e Maio de 1875), in :
ibidem, Vol. 19, pp. 15 e s. Ao mesmo tempo, Engels pronunciou-se
contra o Projeto de Programa de Gotha, em sua carta aqui traduzida para
o vernáculo, a qual, em essência, corresponde inteiramente às concepções
defendidas por Marx, em seu ensaio retro-mencionado. Nada obstante, destaco
que o Projeto de Programa foi, finalmente, votado e aprovado pelo Congresso
de Gotha de 1875, com pouquíssimas e inexpressivas modificações, em
total desprezo às posições defendidas por Marx e Engels. A presente carta de Engels
encontra-se em perfeita consonância com os posicionamentos de Marx,
contida em sua obra retro-mencionada e exprime, em essência, a posição de ambos
acerca da planejada unificação a ser contraída, em 1875, entre eisenachianos e
lassalleanos. O pretexto mais direto para a elaboração da presente missiva foi
a publicação, em 7 de março de 1875, do ”Projeto de Programa para o Futuro Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha”, nas páginas do “Der
Volksstaat (O Estado Popular)”, órgão dos eisenachianos, e do “Neuer
Social-Demokrat (Novo Social-Democrata)”, orgão dos lassalleanos.
[2] Assinalo que August
Bebel (1840 – 1913) foi torneiro
mecânico e um dos mais importantes dirigentes do movimento operário
alemão e internacional do século XIX e do início do século XX, bem como amigo
pessoal de Marx e Engels. Em 1863, ajudou a fundar a “Verband Deutscher
Arbeitervereine (Federação das Associações Alemãs dos Trabalhadores)”, a
qual, a partir de 1867, presidiu. Desde 1866, foi membro da Associação
Internacional dos Trabalhadores - Primeira Internacional, encabeçada
por
Marx e Engels. Em 1866, foi um dos principais fundadores do Partido
Popular da Saxônia (SVP), de orientação radical-democrática, liberal de
esquerda, em 1869, do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores
da Alemanha (SDAP) e, em 1875, do Partido Socialista dos Trabalhadores da
Alemanha (SAPD). Finalmente, em 1890, juntamente com Wilhelm
Liebknecht, foi responsável pela fundação do Partido Social-Democrático da
Alemanha (SPD). Bebel foi deputado do Parlamento
Imperial do Norte da Alemanha, entre 1867 e 1870, e, a seguir, entre
1871 e 1881, bem como entre 1883 e 1913, do Parlamento Imperial da Alemanha.
A luta interna contra a
integração da Social-Democracia Alemã ao regime do Estado Prussiano possui
seu dealbar sob a inflexível batuta ideológica de Marx e Engels contra a
direção oportunista de August Bebel e Wilhelm Liebknecht, ao
longo dos anos 70 do século XIX, no quadro de suas contudentes críticas a todos
os Programas
do SDAP/SAPD/SPD. Já mesmo no Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de
1875, cuja elaboração foi, em grande parte, inspirada intelectualmente
pelos lassalleanos, sustentada enfaticamente por Eduard Bernstein,
admitida politicamente, apesar de leves e ligeiras críticas, por August
Bebel e Wilhelm Liebknecht – e rechaçada agudamente por Marx
e Engels -, a Social-Democracia Alemã, rumando
para a fusão dos eisenachianos e lassaleanos, não reivindicou
absolutamente, em seu Congresso do Compromisso de Gotha,
ocorrido entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática de Ditadura
Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de
destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da
experiência da Comuna de Paris - , mas sim postulou a edificação de um Estado
Popular Livre, a ser introduzido em substituição do então existente Estado
Prussiano, assentado este sobre a dominação de classe
burguesa-capitalista. Sobre o Programa de Gotha de 1875, Engels
assinalou, posteriormente, ainda o seguinte : “Wilhelm Liebknecht está
naturalmente furioso, porque toda a crítica foi cunhada, especialmente, contra
ele. Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselman, pariu esse
programa podre. ...” Cf. ENGELS, FRIEDRICH.
Brief an Friedrich A. Sorge (Carta à F. A. Sorge) (11 de Fevereiro de 1891), in
: ibidem, Vol. 38, pp. 30 e s. A seguir, entre 1878 e 1890, Marx
e Engels lutaram para imprimir um perfil revolucionário à estratégia e
tática de luta social-democrática, travada no quadro da Lei contra os Socialistas. A
partir do início de 1890, August Bebel e Wilhelm Liebknecht passaram
a demonstrar, então, tendências ostensivas de pretenderem intervir
exclusivamente no quadro da legalidade burguesa. Engels
combateu, implacavelmente, até ao dia de sua morte, a direção
alegadamente “marxista” de August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl
Kautsky, Eduard Bernstein e colaboradores que, na década de 90 do
século XIX, seguiram imprimindo, enquanto “friedfertige Anbeter der Gesetzlichkeit
quand même (EvM.: veneradores pacifistas da legalidade, sob todas as condições),
uma orientação invarialvelmente pacifista e reformista ao Partido da Social-Democrarcia da
Alemanha. Por isso, diversos artigos de Engels, produzidos nos
últimos anos de sua vida, foram censurados ou simplesmente não publicados. Em outubro de 1891, foi adotado o Programa
de Erfurt do SPD o qual, apesar de representar um passo adiante em
comparação com o Programa de Gotha de 1875 – por assentar-se, então, em
linhas gerais, sobre concepções econômicas de Marx -,
consolidou importantes concessões políticas, feitas pelos oportunistas,
comandados por August Bebel, Wilhelm Liebknecht e Karl Kautsky, aos reformistas,
acaudilhados, então, por Eduard Bernstein, um dos protagonistas
do ”Revisionimus-Debatte(Debate
sobre o Revisionismo)”, iniciado em 1896. Engels também criticou,
detalhadamente, o Programa de Erfurt de 1891, destacando os principais aspectos
tanto do reformismo quanto do oportunismo, nele acolhido e
defendido pela II Internacional Socialista. Em especial, o Programa
de Erfurt de 1891 ignorava, mais uma vez, inteiramente a reinvindicação
de Ditadura
Revolucionária do Proletariado, enquanto forma de transição à sociedade
socialista sem classes. Os principais dirigentes do SPD impediram que a base
do Partido e os trabalhadores alemães tivessem acesso à crítica formulada por Engels
a esse programa, desprezando, completamente, seu conteúdo na formulação
do texto programático final. Acerca do tema, vide ENGELS, FRIEDRICH. Zur Kritik des sozialdemokratischen
Programmentwurfs 1891 (Crítica do Projeto do Programa Social-Democrático de
1891)(18 – 29 de Junho de 1891), in : ibidem,
Vol. 22, pp. 227 e s. Voltando sua atenção às resoluções do Programa
de Erfurt, Karl Kautsky, à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia
Alemã e da II Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892:
“Uma tal derrubada (i.e. a derrubada do poder político pelo proletariado) pode
assumir as formas mais variadas, conforme as relações sob as quais se executar.
De nenhuma maneira, tem de necessariamente estar vinculada a atividades de
violência e a derramento de sangue. Já existiram casos na história mundial em que
as classes dominantes foram particulamente compreensivas – ou particularmente
fracas e medrosas -, de modo que abdicaram voluntariamente em face de uma
situação de coação.” Cf. KAUTSKY, KARL.
Das Erfurter Programm(O Programa de Erfurt)(1892), Berlim : Dietz Verlag, 1919,
p. 102. No mesmo sentido, Wilhelm Liebknecht, no quadro do Congresso
de Erfurt, realizado em 1891, pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da
temática em destaque: “O elemento revolucionário não se situa nos meios, mais
sim no objetivo. A violência é, desde há séculos, um fator reacionário.” Cf. LIEBKNECHT, WILHELM. in : Protokoll des Erfurter Parteitages
(Protocolo do Congresso de Erfurt), Berlim, 1891, p. 206. Wilhelm Liebknecht negava,
além disso, a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo –
admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras. Nesse sentido, vide IDEM. Zukunftstaatlisches (Coisas do
Estado Futuro), in : Cosmopolis, Berlim, 1898, pp. 218 e 219.
Entre 14 de fevereiro e 6
de março de 1895, Engels redigiu sua “Introdução à Luta de Classes na França de
1848 a 1850 de Karl Marx”, a qual foi publicada no curso do mesmo ano,
na cidade de Berlim. Depreende-se, entretanto, de uma carta de Richard
Fischer, dirigida a Engels, em 6 de março de 1895, que a
direção do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD) exigiu de Engels
uma atenuação do tom linguístico-revolucionário, contido em sua referida “Introdução”.
Na carta de resposta de Engels a Fischer, datada de 8 de
março de 1895, verifica-se, além disso, que Engels contestou,
detalhadamente, as preocupações que a direção do SPD levantava,
elucidando, inequivocamente, sua posição jurídico-político-revolucionária. A
crítica de Engels dirigia-se contra a atitude irresoluta da direção do SPD,
encabeçada por August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl Kautsky, Eduard Bernstein,
Richard Fischer etc. – e sua pretensão de intervir exclusivamente no
quadro da legalidade burguesa. Engels foi obrigado, entretanto, a
fazer certas alterações léxicas e gramaticais em seu texto original, bem como
eliminar, inteiramente, certas passagens, em que realçava a necessidade da luta
armada do proletariado vindoura contra a burguesia. Baseados no texto dessa
notável “Introdução”, alguns célebres dirigentes do SPD
empreenderam, a seguir, a tentativa de deformar os posicionamentos de Engels,
incluindo-o entre os adeptos da via pacífica “quand même (EvM.:
custe o que custar)”, para a tomada do poder pela classe trabalhadora. Nesse
sentido, em 30 de março de 1895, publicou-se, no “Vorwärts (Avante)”, um
artigo editorial, intitulado “Wie man heute Revolutionen macht (Como se
Fazem Revoluções Hoje)”, em que diversas citações, extraídas
aleatoriamente da “Introdução” de Engels, produziam a falsa impressão de que Engels
haver-se-ia tornado “ein friedfertiger Anbeter der Gesetzlichkeit quand même(EVM.: um
venerador pacifista da legalidade, sob todas as condições)”. Logo
depois da reedição da obra de Marx em questão, Engels
exigiu, energicamente, que sua “Introdução” fosse publicada, na
íntegra, na revista “Neue Zeit (O Novo Tempo)”. Sem embargo, o Nr. 27/28, 2 Vol.
13° Ano, 1894/95 dessa revista decidiu-se por publicar apenas a “Introdução”
com as alterações e as supressões referidas que Engels fora forçado a
efetuar, sob pressão da direção do SPD. Entretanto, a despeito destas,
é efetivamente possível verificar que a “Introdução” em causa preserva,
ainda assim, seu caráter revolucionário, pouco podendo prestar-se às
degenerações de posições, contidas no artigo editorial do “Vorwärts(Avante)”,
intitulado “Wie man heute Revolutionen macht (Como se Fazem Revoluções Hoje)”.
Neste comenos, uma publicação integral da “Introdução” de Engels não teve em
lugar, na Alemanha, antes de eliminado o perigo de promulgação de uma nova Lei
contra os Socialistas. Para um exame integral do texto em apreço, vide ENGELS, FRIEDRICH. Einleitung zu Karl
Marx’ Klassenkämpfe in Frankreich 1848 bis 1850(Introduçao à Luta de Classes na
França de 1848 a 1850)(1895), in : ibidem, Vol. 27, pp. 509-527. Sobre o pano
de fundo dos métodos utilizados pela corrente oportunista de Liebknecht,
Bebel e Kautsky, visando ao impulsionamento de suas disputas políticas
de outrora, dá-nos conta, precisamente, Engels, em 3 de abril de 1895,
poucos meses antes de sua morte, em uma de suas cartas enviadas a Paul
Lafargue, ao protestar contra as amputações literárias realizadas por Wilhelm
Liebknecht em sua “Introdução” referida: “Wilhelm
Liebknecht aplicou-me, agora mesmo, um golpe de mau gosto. Retirou de
minha introdução aos ensaios de Marx sobre a França, de 1848 a 1850,
tudo aquilo que lhe podia servir, para apoiar, a todo custo, a
tática pacífica e refutadora da violência. Essa tática, adora pregá-la,
desde algum tempo e particularmente nesse momento em que, em Berlim, estão
sendo preparadas Leis de Exceção. Recomendo uma tática do gênero apenas e tão
somente para a Alemanha de hoje, fazendo-o, ainda, com reservas consideráveis.
Para a França, a Bélgica, a Itália e a Áustria, essa tática não é adequada, em
seu conjunto, e, mesmo para a Alemanha, pode demonstrar-se inaplicável já no
dia de amanhã. Peço-lhe, portanto, que
espere pelo artigo completo, antes de julgar – provavelmente este aparecerá no “Neue
Zeit(Novo Tempo)”. Espero, de um dia para o outro, exemplares das
brochuras. É lamentável
que Wilhelm Liebknecht veja
apenas o preto e o branco. Para ele, as nuances não existem. Além disso, as
coisas estão quentes na Alemanha, o que promete um fim de século grandioso.
...” Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Paul Lafargue in Le
Perreux(Carta a P. Lafargue em Le Perreux)(3 de Abril de 1895), in : ibidem, Vol. 39, p. 458.
Após a morte de Engels,
os dirigentes oportunistas e revisionistas do SPD propagandearam, de modo
deformado, as posições engelsianas, constantes em sua “Introdução”, como forma
de reforçar, até a exaustão, sua tática pacífica e refutadora da violência.
Impediram, sistematicamente, que os trabalhadores e militantes de base tivessem
acesso ao texto original e integral da “Introdução”. Calaram-se sobre o
fato de haverem forçado Engels a operar certas modificações
léxicas e gramaticais em seu texto, a fim de aliviar o seu tom revolucionário.
Alegaram que, em sua “Introdução” – apregoada como seu
definitivo “politiches Vermächtnis(legado político)” - Engels haveria aderido ao reformismo
e ao pacifismo, abdicando de suas posições revolucionárias precedentes.
Falar-se do SPD,
pura e simplesmente, como se fosse o “Partido de Engels” - sem destacar a
luta travada por esse último contra o filistinismo do “livre pensar” -, constitui um equívoco patente : caberia falar
ou do Partido Social-Democrático da Alemanha (SDAP/SAPD/SPD) com que Marx
e Engels colaboraram criticamente a partir da Inglaterra – pois, ambos
haviam sido expulsos da Alemanha, logo após a Revolução
de 1848 – 1849, tendo sido Marx forçado a tornar-se apátrida -
ou do Partido que se opunha à orientação de Marx e Engels, em vez de
falar, sem mais nem menos, do “Partido de Engels”. Cabe, em verdade,
a Ernst
Mandel e aos incorrigíveis adeptos e colaboradores do mandelismo,
distribuídos pelos mais diversos partidos, sindicatos, institutos culturais e
órgãos de imprensa da atualidade, defenderem - no estilo de Daniel
Bensaïd - a tese arenosa de que o “Partido de Engels” se integrou ao
imperialismo alemão, por permanecer em sua “velha e preservada tática”,
finalmente antagonizada por Rosa Luxemburgo. Vide MANDEL, ERNST. Rosa Luxemburg und die
deutsche Sozialdemokratie (Rosa Luxemburgo e a Social-Democracia Alemã) (Março
de 1971), in: Ernst Mandel – Karl Mandel. Rosa Luxemburg Leben – Kampf – Tod
(Vida – Luta – Morte), Frankfurt a.M. : isp – Verlag, Mai 1986, pp. 46 e
s. Por outro lado, cumpre destacar que a
grandiosa e corajosa luta travada pela águia revolucionária do proletariado, Rosa
Luxemburgo contra a direção social-reformista do Partido Social-Democrático Alemão
(SPD), possuía como elementos de enfraquecimento a própria postura
equivocada de Rosa Luxemburgo. Defendendo, por um lado, a derrubada de Wilhelm
II, Rosa mantinha invariável sua posição que rejeitava abertamente o
Direito de auto-determinação das nações oprimidas – contra a orientação de Marx
e Engels -, propugnava uma teoria de acumulação do capital inteiramente
revisionista – contra os posicionamentos de Marx e Engels -,
postulava, nas lutas proletárias, uma defesa essencialmente democratista de
direitos e liberdades fundamentais para todos os indivíduos e organizações
sociais – contra a concepção de Marx e Engels -, repudiava a teoria de Partido
centralizado – contra a concepção de Marx e Engels -, o que, sem dúvida,
favorecia estrategicamente, em grande parte, as posições do social-reformismo e
do oportunismo organizativo da Social-Democracia Alemã. Entre os
proletários revolucionários alemães desse período histórico encontraremos
também aqueles que, não apenas defendendo a derrubada do Imperador Alemão,
inclinavam-se também – ainda que intermediados por Karl Radek - a favor da
defesa do modo de funcionamento e da linha geral internacionalista do Partido
Bolchevique de Lenin. Reuniam-se em torno de Paul Fröhlich, Johan Knief e
Julian Borchard e de seu trabalho surgiram também importantes
sustentáculos, indispensáveis à fundação do Partido Comunista da Alemanha
(Liga Spartakus), em fins de 1918 e início de 1919.
[3] Na missiva de Bebel, dirigida a Engels, aquele indagava o
seguinte a este : “O que é, então, que o Sr. e Marx dizem acerca da questão
da unificação? Não tenho nenhum julgamento completamente válido. Pois,
encontro-me totalmente desinformado. Sei apenas o que noticiam os jornais.
Estou ansioso por ver e ouvir como as coisas ficarão, quando for libertado, em
1° de abril.” Cf. BEBEL, AUGUST.
Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(1875), passim: ibidem, Vol. 34,
p. 569.
[4] Com efeito, em 7 de
março de 1875, havia surgido nas páginas do órgão do Partido Social-Democrático dos
Trabalhadores da Alemanha (SDAP), denominado „Der Volksstaat (O Estado
Popular)“, e no órgão da Associação Geral dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), de
nome “Neuer
Socialdemokrat (Novo Social-Democrata)”, uma conclamação, intitulada “Aos
Social-Democratas da Alemanha!”, adotada pelos dirigentes de ambos os
partidos em causa, na Pré-Conferência de Gotha de 14 e 15 de
Fevereiro de 1875, tornando pública a convocação de um “Congresso
dos Social-Democratas da Alemanha”. Juntamente com essa conclamação,
foi publicado ainda um Projeto de Programa do Partido e um Estatuto
que haviam sido debatidos, no quadro da pré-conferência em tela.
[5] Destaco, de passagem,
que o Programa de Eisenach foi adotado no Congresso de Fundação do Partido
Social-Democrata dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), entre 7 e 9 de
agosto de 1869, na cidade de Eisenach. Tanto o Programa
como o Estatuto do SDAP foram publicados, em 14 de agosto de 1869, nas
páginas da “Demokratisches Wochenblatt (Folha Semanal Democrática)”. Deste
congresso, participaram representantes de diversas associações operárias da
Alemanha, da Áustria e da Suíça. Os membros desse novo partido foram denominado
de
eisenachianos. O programa em referência foi, diretamente, redigido por August
Bebel, com a colaboração de Wilhelm Liebknecht, Wilhelm Bracke, August
Geib e outros dirigentes do movimento operário alemão que mantinham
relações políticas com Marx e Engels. Para a execução da
tarefa em realce, Bebel e seus colaboradores pautaram-se, naquele momento
histórico, nos princípios programáticos, contidos no Preâmbulo dos Estatutos da
Associação Internacional dos Trabalhadores – Primeira Internacional,
encabeçada por Marx e Engels. Sem
embargo de seus resquícios lassalleanos e democrático-vulgares, o Programa
de Eisenach impregnou-se de diversos princípios do marxismo revolucionário.
O Congresso
de Eisenach em referência aprovou a proposta de programa de Bebel
e colaboradores, com apenas pouquíssimas alterações. À sua época, o SDAP
obteve, assim, um programa que correspondia às exigências da luta de classes na
Alemanha de então, conferindo ao movimento operário alemão um rumo
essencialmente revolucionário. Desse modo, a classe trabalhadora alemã obteve,
pela primeira vez, uma partido revolucionário independente que se apoiava, em
linhas gerais, nos fundamentos do socialismo científico, em contraste com o
oportunismo declarado de matiz pequeno-burguês lassalleano, incorporado na Associação
Geral dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), fundada anos antes, em 23
de maio de 1863, na cidade de Leipzig.
[6] Engels refere-se, aqui, as
reinvidicações programáticas de Ferdinand Lassalle que pregava, de
modo exclusivo e infalível, o estabelecimento de cooperativas de produção dos
trabalhadores, impulsionadas com auxílios, prestados pelo Estado, cujo
poder passaria às mãos do povo trabalhador por meio de sufrágio direto, igual e
universal, derrubando-se a eterna “lei de bronze dos salários”,
alcançando-se o socialismo de maneira pacífica e gradual. O método de obter tal
perspectiva, incluía estratégias e táticas de colaboração de classes, bem como
a defesa da unificação da Alemanha sob o Governo de Otto von Bismarck e a
hegemonia do Estado Imperial Prussiano. Acerca do tema, vide LASSALLE, FERDINAND. Das System der
erworbenen Rechte. Eine Versöhnung des positives Rechts und der Rechtsphilosophie
(O Sistema dos Direitos Adquiridos. Uma Conciliação do Direito Positivo com a
Filosofia do Direito)(1861), Leipzig : Brockhaus, 1880, pp. 3 e s.; IDEM. Arbeiterprogramm. Über den
besondern Zusammenhang der gegenwärtigen Geschichtsperiode mit der Idee des
Arbeiterstandes (Programa dos Trabalhadores. Sobre o Contexto Especial do
Período Histórico Atual ante a Idéia do Estamento dos Trabalhadores)(Discurso -
12 de Abril de 1862), Zürich : Meyer und Zeller, 1863, pp. 1 e s.; IDEM. Über das Verfassungswesen (Sobre
o Sistema Constitucional)(Discurso – 16 de Abril de 1862), Hamburg : Europ.
Verl. Anst., 1993, pp. III e s.; IDEM.
Die Wissenschaft und die Arbeiter (A Ciência e os Trabalhadores)(16 de Janeiro
de 1863), Zürich : Meyer und Zeller, 1863, pp. 3 e s.; IDEM. Offenes Antwortschreiben an das Central-Comité zur Berufung
eines Allgemeinen Deutschen Arbeitercongresses zu Leipzig (Carta Aberta de
Resposta ao Comitê Central para Convocação de um Congresso Geral dos
Trabalhadores da Alemanha em Leipzig)(1° de Março de 1863), Zürich : Meyer und
Zeller, 1863, pp. 1 e s.; IDEM. Zur Arbeiterfrage (Acerca da
Questão dos Trabalhadores)(16 de Abril de 1863), Chicago : Ahrens, 1872, pp. 1
e s.; IDEM. Arbeiterlesebuch (Manual
de Leitura dos Trabalhadores)(17/19 de Maio de 1863), Frankfurt a.M. : Baist,
1863, pp. 3 e s.
[7] Anoto que o Projeto
de Programa de Gotha em realce, era composto, essencialmente, pelas 7
(sete) seguintes consignas políticas :
“O Partido dos Trabalhadores da Alemanha reivindica enquanto fundamento
liberal do Estado: 1. Direito eleitoral geral, direto e secreto para todos os
homens de mais 21 (vinte e um anos), em todas as eleições do Estado e das
comunidades. 2. Legislação direta, feita pelo povo, com direito de proposta e
de veto. 3. Serviço militar geral. Exército popular em vez de exército
profissional. Decisão sobre paz e guerra, adotada por representação popular. 4.
Supressão de todas as leis de exceção, especialmente das leis de imprensa,
associação e reunião. 5. Justiça popular. Administração gratuita da justiça. O
Partido dos Trabalhadores da Alemanha reivindica enquanto fundamento espiritual
e moral do Estado: 1. Educação popular geral e igual, efetuada pelo Estado.
Dever geral de comparecimento à escola. Ensino gratuito. 2. Liberdade de
ciência. Liberdade de consciência.
[8] Com efeito, na passagem
em realce, Engels refere-se à concepção de Estado, defendida por Bebel,
a partir de 1870. Segundo Bebel : “O Estado há de ser, portanto,
transformado de um Estado, fundado sobre a dominação de classe, em um Estado
Popular.” Cf. BEBEL, AUGUST. Unsere Ziele. Ein Streit gegen die
“Demokratische Korrespondenz” (Nossos Objetivos. Um Litígio contra a
“Correspondência Democrática”)(1870), 3a. Ed., Leipzig : Verlag der Expedition
d. Vollksstaat, 1872, p. 14. Anoto, por oportuno, que “Der Volksstaat (O Estado
Popular)” era também o nome do órgão de imprensa do Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), encabeçado por
August
Bebel e Wilhelm Liebknecht. Surgiu em 2 de outubro de 1869 e foi
editado até 29 de setembro de 1876, na cidade de Leipzig, de início, bisemanal,
e, a partir de julho de 1873, trisemanalmente. Ainda que, sob a direção direta
de Bebel
e Liebknecht o “Der Volksstaat (O Estado Popular)”difundiu
inúmeros equívocos e fraquezas teóricas,
foi ele um instrumento de grande importância para a divulgação de
concepções científico-socialistas revolucionárias. Marx e Engels foram
colaboradores do órgão de imprensa em realce, desde seu surgimento, apesar de
manterem uma posição sempre crítica em relação à sua direção e ao seu conteúdo,
o que, de certo modo, contribuiu para que este órgão promovesse uma linha geral
revolucionária. Foi intensamente perseguido pelo Estado Prussiano e seus
redatores encarcerados, por diversas vezes. Apesar de tudo, foi um dos melhores
órgãos europeus de imprensa proletária dos anos 70 do século XIX.
Ademais disso, destaco
que, em 12 de outubro de 1875, Engels escreveu, novamente, a Bebel,
assinalando que, por terem tanto os trabalhadores quanto seus adversários
políticos burgueses “interpretado comunistamente” o Projeto de Programa,
unicamente essa circunstância tornaria possível aos olhos de Marx
e dele mesmo não se separarem publicamente do Programa de Gotha de 1875.
Enquanto seus adversários políticos e os trabalhadores continuassem a ler as
posições de Marx e Engels no programa em realce, estaria justificado o fato
de não atacarem, de público, os princípios e cláusulas nele contido. Cf. ENGELS,
FRIEDRICH. Brief an August Bebel (Carta a A. Bebel)(12 de Outubro de 1875),
in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke (Obras de Karl Marx e Friedrich
Engels), Vol. 34, Berlim : Dietz, 1966, p. 159.
[10] Engels deve referir-se, aqui, evidentemente, ao escrito de BAKUNIN, MICHAIL. Gossudarstviennost i
Anarchia (Estatalidade e Anarquia)(1873), in : Sobrannie Sotchinienia i Pisem
(Obras Recolhidas e Cartas), Moscou : Izd. Vcessoiusnovo Obshtchestva, 1934,
pp. 11 e s. As acusações de Bakunin foram contestadas, à
saciedade, por MARX, KARL. Konspekt
von Bakunins Buch “Staatlichkeit und Anarchie” (Conspecto do Livro de Bakunin
“Estatalidade e Anarquia”)(1874 – 1875), in : ibidem, Vol. 18, pp. 597 e s.
[11] Destaco que o “Demokratisches Wochenblatt (Folha Democrática
Semanal)” foi uma produção literária, editada entre janeiro de 1868 e
setembro de 1869, em Leipzig, sob a direção de Wilhelm Liebknecht. A
partir de dezembro de 1868, tornou-se o porta-voz público da “Verband Deutscher Arbeitervereine
(Federação das Associações Alemãs dos Trabalhadores)”, de linhagem
democrático-pequeno-burguesa e encabeçada por August Bebel. De início,
manteve-se sob a influência do Partido Popular da Alemanha (DVP),
de caráter burguês. Esse partido, fundado em 1865 e composto por quadros
democrático-pequeno-burgueses – em parte também por representantes da burguesia
do sul da Alemanha -, posicionava-se contra a hegemonia da Prússia na Alemanha,
clamando por uma instituição democrática de uma ampla Alemanha
Federativa que incorporasse tanto a Prússia quanto a Áustria.
Em 1866, o DVP unificou-se com o Partido Popular da Saxônia (SVP),
dirigido por August Bebel e Wilhelm Liebknecht e preponderamente
composto por trabalhadores. Devido aos
esforços de Marx e Engels, tanto o “Demokratisches Wochenblatt (Folha Democrática
Semanal)” quanto o Partido Popular da Saxônia (SVP) passaram
a ser, gradativamente, um importante instrumento de luta contra o
lassalleanismo, a favor do socialismo e de uma Internacional dos Trabalhadores.
Cumpriram um papel de grande relevância também para a fundação do Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), em agosto de
1869. No Congresso de Gotha de 1875, o órgão central do
SDAP, passou, porém, a ser denominado “Der Volksstaat (O Estado
Popular)”.
[12] Assinalo que Wilhelm
Bracke havia-se dirigido, em carta, a Engels, em 25 de março de
1875, alegando o seguinte: “O programa apresentado para o Congresso de Unificação e
firmado por Wilhelm Liebknecht e August Geib, forçou-me à redação
destas linhas. Para mim, resulta impossível adotar esse programa e também Bebel
possui a mesma opinião.” Abordando, especificamente, a questão dos auxílios,
concedidos pelo Estado, Bracke destacou: “Obviamente, os
lassalleanos levantaram esse ponto como conditio sine qua non à unificação e
nossos representantes – entre eles Liebknecht e Geib – homologaram-no,
por amor à unificação. Para “concretizá-la”,
lançaram para trás sua convicção, a fim de concordarem com algo de cujo
erro estão persuadidos ... Porém, como Bebel parece estar decidido a
assumir a luta, sentir-me-ia, ao menos, forçado a apoiá-lo, em conformidade com
minhas energias. Antes, entretanto, gostaria de saber o que o Sr. e Marx
pensam sobre essa questão. Vossa experiência é mais madura, vossa visão, melhor
do que a minha.” Cf. BRACKE, WILHELM.
Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(25 de Março de 1875), passim:
ibidem, Vol. 34, p. 571.
[13] Anoto que, a seguir, em 24 de
maio de 1875, Hermann Ramm respondeu a Engels, assinalando o seguinte: “Sua
carta dirigida a mim circulou, tal como a carta de Marx dirigida a Bracke.
O Sr. Verá, a partir das negociações congressuais, que, de nossa parte,
estivemos inclinados a ter em consideração as suas intenções, bem como as de Marx,
o que, no congresso – sobre o qual Wilhelm Liebknecht escreve, nesse
momento, que tudo se passou de modo positivo -, foi muito mais fácil do que há
dois meses antes. ... Pelo contrário, outra coisa se dá no que concerne à nossa
relação, em sentido tático. Nesse domínio, não há nenhma dúvida que, se não tivéssemos
feito decisivas concessões, teria sido impossível aos Hasselmanns, mesmo com a
melhor da boa vontade, tornar agradável à sua associação o pensamento de
unificação, em razão de sua estreiteza intelectual que aqueles rapazes
impulsionaram, durante meia dúzia de anos.” Cf. RAMM, HERMANN. Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(24 de
Maio de 1875), passim : ibidem, Vol. 34, pp. 571 e 572.
[14] Impende destacar que, a
seguir, em 21 de abril de 1875, Wilhelm Liebknecht dirigiu-se, em
carta, a Engels, afirmando o seguinte : “As deficiências do programa,
para as quais o Sr. nos chama a atenção, são indiscutivelmente existentes e
delas estávamos conscientes, desde o início. Entretanto, não puderam ser
evitadas, na conferência, se não devéssemos romper as negociações de
unificação. Os lassalleanos haviam tido, imediatamente antes, uma reunião
de dirigentes e vieram munidos com mandato imperativo para o tratamento
de certos pontos especificamente chocantes. Tivemos de fazer-lhes concessões
tanto mais porque para nenhum de nós (como também para nenhum dos nossos
outros) havia dúvida de que a unificação significa a morte do
lassalleanismo.” Cf. LIEBKNECHT, WILHELM. Brief an Friedrich
Engels (Carta a F. Engels)(21 de Abril de 1875), passim: ibidem, Vol. 34, p.
572.
[15] Com efeito, importa
destacar que August Bebel respondeu a Engels, em carta datada de 21 de
setembro de 1875, assinalando, entre outras coisas, o seguinte : “Concordo,
inteiramente, com a apreciação que o Sr. formulou sobre o Projeto
de Programa, tal como também o comprovam as cartas que diriga a Bracke.
Além disso, censurei, de modo enérgico, Wilhelm Liebknecht por sua
complacência, porém, depois de ocorrida a infelicidade, cumpria arrancar o
melhor possível da situação. O que decidiu o congresso foi o máximo que era
possível alcançar.” Cf. BEBEL, AUGUST. Brief
an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(21 de Setembro de 1875), in: A. Bebel. Aus meinem Leben (Minha Vida)(1911), Vol. 2, 5. ed., Berlim
: Dietz, 1978, p. 432. Entretanto, é imperioso destacar que as alegações de Bebel sobre “concordar inteiramente”
com Engels
não podem absolutamente ser consideradas como minimamente verdadeiras. Pois, em
consonância com suas posições inteiramente oportunistas, Bebel fez publicar, repetida
e imodificadamente, em inúmeras edições, havidas até o ano de sua morte, sua
célebre concepção sobre a necessidade de transformação do Estado de classe burguês em
um Estado popular. Nesse sentido, Bebel afirmou, pela primeira vez, em
sua obra dada ao público inicialmente em 1870, expressamente o seguinte :
“Demonstrei com o Estado da atualidade é um Estado de classe,
situado, especialmente, sob a dominação da burguesia, sendo que, portanto, não
possui e nem possuirá os meios para apoiar a produção cooperada, empreendida
através da organização de cooperativas de produção. Se a burguesia fizesse
isso, se as classes dominantes o fizessem, agiriam contra o seu próprio
interesse. Formariam na classe trabalhadora não apenas um concorrente, senão
ainda um fator que tornaria, de modo geral, a burguesia, finalmente,
impossível, deixando de existir sua dominação de classe. Isso seria,
naturalmente, suicídio que não cometerá, espontaneamente, de nenhuma maneira.
Disso resulta que a classe trabalhadora tem de conquistar o poder, o que
seguramente pode fazer, porque a classe trabalhadora constitui a grande maioria
e sua consigna não é apenas de liberdade, mas também de igualdade de direitos,
incluindo, portanto, em si mesma a justiça. Nessa sede, quero, mais uma
vez, expressamente assinalar que, pelos motivos já expostos inicialmente, não
apenas entendo sob essa classe trabalhadora os trabalhadores assalariados, em
estrito senso, senão também os artesãos e pequeno-camponeses, os trabalhadores
intelectuais, os escritores, os professores das escolas populares, os
servidores públicos de grau inferior, todos os que, sofrendo sob as condições
atuais, possuem uma posição pouco - ou de nenhum modo – melhor do que a dos
trabalhadores assalariados e, estando, talvez, algo melhor do que estes – tais
qual o estamento dos artesãos e dos camponeses autônomos – tornam-se,
irresistivel e impiedosamente, vítimas do moderno desenvolvimento. Assim, essas
diversas classes formam, na realidade, a maioria esmagadora do povo e, como
não se trata da repressão da minoria pela maioria, mas sim da igualdade de
direitos e igualdade de posição de todos, não se pode, portanto, falar da
dominação de uma classe ou de um estamento – seja mesmo da dominação da classe
trabalhadora. Trata-se, pelo contrário, de uma sociedade tão
democrática a que se aspira, tal qual jamais existiu sobre a face da terra.
Reproduzi, detalhadamente, esse último ponto, porque a “Demokratische
Korrespondenz (Correspondência Democrática” e todos os nossos inimigos referem
algo como a dominação de classe ou estamental e porque, em suas questões,
conseguem apenas imaginar, da maneira mais ingênua do mundo, a reorganização da
sociedade, exigida pela Social-Democracia, como uma colcha de retalhos, operada
sobre a sociedade burguesa de hoje. O Estado há de ser, portanto, transformado
de um Estado, fundado sobre a dominação de classe, em um Estado Popular,
em um Estado que não haja nenhum tipo de privilégios. E esse Estado deverá, a
partir daí, permitir, com todos os meios e forças, colocados à sua disposição,
o surgimento da produção cooperativa, no lugar das empresas privadas isoladas.
Em um tal Estado, o ajudar a si mesmo é auxílio popular, o auxílio popular é
auxílio, prestado pelo Estado, o ajudar a si mesmo e o auxílio do Estado são,
portanto, idênticos. Um antagonismo não existe.” Cf. BEBEL, AUGUST. Unsere Ziele.
Ein Streit gegen die “Demokratische Korrespondenz” (Nossos Objetivos. Um
Litígio contra a “Correspondência Democrática”)(Leipzig : Thiele, 1870), 3a.
Ed., Leipzig : Verlag der Expedition d. Vollksstaat, 1872, pp. 14 e s. Vide, no
mesmíssimo sentido, as repetidas e inalteradas edições dessa clássica obra de
Bebel, ocorridas, como mínimo, repetidamente, em 1875 (Leipzig : Verlag
der Genossenschaftsbuchdruckerei) 1886 (Hottingen – Zürich :
Volksbuchhandlung), 1893 (Berlim : Vorwärts), 1906 (Berlim : Vorwärts), 1910
(Berlim : Vorwärts), 1913 (Belim : Buchhandlung Vorwärts).
[16] Destaco que August Bebel e Wilhelm
Liebknecht foram condenados, em março de 1872, no quadro do Processo
de Alta Traição de Leipzig, contra eles movido, a 2 (dois) anos de
prisão em fortaleza, por causa de sua filiação à Associação Internacional dos
Trabalhadores – Primeira Internacional e suas convicções
social-democráticas. Em abril de 1872, em um Processo por Crime de
Lesa-Majestade, Bebel
foi novamente condenado a 9 (nove) meses de prisão, resultado cassado seu
mandato parlamentar. Assim, Wilhelm Liebknecht foi libertado, então, em 15 de abril de 1874.
August
Bebel, apenas e, 1° de abril de 1875. Entretanto, Bebel não seguiu o
convite de Engels e apenas dirigiu a este uma carta, assinalando o
seguinte : “O Sr. gostaria que Liebknecht e eu fossemos ao seu
encontro, em Londres, no curso do presente ano. Muito me agradaria fazer
essa viagem e também a Liebknecht, seguramente. Porém,
resulta-me impossível viajar, neste ano. Quando sair da prisão, não apenas o
Partido vai-me sobrecarregar com mais convites para assembléias do que os dias
do ano – isso é muito usual por aqui – e cada regional imagina possuir o
direito de exigir-me uma visita, depois de tanto tempo ...” Cf. BEBEL, AUGUST. Brief an Friedrich
Engels (Carta a F. Engels)(23 de Fevereiro de 1875), passim: ibidem, Vol. 34,
p. 572.