FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO REVOLUCIONÁRIO

PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,

TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MUNDIAL

SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES

 

CARTA DE FRIEDRICH ENGELS

a Joseph Bloch

21 e 22 de Setembro de 1890

 

FRIEDRICH ENGELS[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução  Emil Asturig von München

Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von Köln

Outubro 2007 emilvonmuenchen@web.de

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Londres, 21 de setembro de 1890

 

Prezado Senhor,

 

Sua carta do dia 3 p.p. foi-me reenviada por Folkestone.

Tendo em conta, porém, que, onde me encontrava, não possuía em mãos o livro em questão (EvM.: o livro “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, de autoria do próprio Engels), não pude responder-lhe.

Regressando novamente à casa no dia 12, encontrei uma quantidade tão grande de trabalho urgente que, apenas hoje, estou podendo escrever-lhe algumas linhas.  

Digo isso como forma de esclarecer a postegarção, juntamente com o meu encarecido pedido de desculpas. (...)

 

Relativamente à segunda questão em causa, julgo da seguinte forma a primeira oração principal, pelo Sr. formulada : [2]

 

Segundo a concepção materialista da história, o momento em última instância determinante é, na história, a produção e a reprodução da vida real.

Mais do que isso nem Marx nem eu jamais afirmamos.

Se agora alguém vem a distorcer isso, no sentido de afirmar que o momento econômico é o unico determinante, transforma o princípio acima em uma frase vazia, abstrata, absurda.

A situação econômica é a base, porém os diversos momentos da superestrutura - formas políticas da luta de classes e seus resultados – Constituições, estabelecidas pela classe vitoriosa após a batalha vencida etc. – formas jurídicas e então, até mesmo, os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, concepções religiosas e seus desenvolvimentos subseqüentes em sistemas dogmáticos, exercem também seu efeito sobre o transcurso das lutas históricas e determinam, em muitos casos, a sua forma, de modo preponderante.

Trata-se de uma interação de todos esses momentos em que, finalmente, através de toda a infinita quantidade de acasos (i.e. de coisas e eventos, cujo contexto interno, formado por uns e outros, é tão vago ou indemonstrável que o podemos considerar como inexistente, desprezando-o), impõem-se o movimento econômico como algo necessário.

Caso contrário, a aplicação da teoria a um período histórico qualquer seria, certamente, mais fácil do que a resolução de uma simples equação de primeiro grau.

 

Somos nós mesmos que fazemos a nossa história, porém, antes de tudo, sob pressupostos e condições bem determinadas.

Entre estes, os de ordem econômica são, no fim das contas, os decisivos.

Porém, também os políticos etc., e, em verdade, até mesmo a própria tradição mística, existente nas cabeças dos seres humanos, desempenham um papel, ainda que não seja o decisivo.

O Estado prussiano surgiu e desenvolveu-se também por meio de causas históricas, em última instância, econômicas.

Porém, mal se poderia afirmar, sem descambar para a pendantice, que, entre os muitos pequenos Estados da Alemanha do Norte, precisamente Brandenburg estava determinado, por uma necessidade econômica e não também por outros momentos (sobretudo por seu envolvimento com a Polônia, devido à sua posse da Prússia, e também, através disto, com as relações político-internacionais que, certamente, são também decisivas para a formação do poder da Casa da Áustria), a tornar-se aquela grande potência, na qual se incorporaria a diferença econômica, linguística e, desde a Reforma, também religiosa, existente entre o norte e o sul.

Será difícil conseguir, sem passar por rídiculo, explicar, desde o ângulo econômico, a existência de cada uma dos pequenos Estados alemães da passado e do presente ou a origem da  mutação consonantal da língua alemã elevada, a qual ampliou a barreira geográfica, formada pelas montanhas dos Sudetos até o Taunus,  em uma fratura oficial, projetada através da Alemanha.

 

Porém, em segundo lugar, faz-se a história de tal sorte que o resultado final emerge sempre dos conflitos entre muitas vontades individuais, a partir de onde cada uma delas torna-se, novamente, o que é através de uma grande quantidade de condições particulares de vida.

São, portanto, forças incontáveis, que se entrecruzam umas com as outras, um grupo infinito de paralelogramas de forças, de onde emerge um resultado – o resultado histórico -, que pode ser considerado, mais uma vez, como o produto de um poder que atua como um todo, de modo inconsciente e involuntário.

Pois, o que cada um deseja é impedido por outra pessoa, sendo que a resultado é algo que ninguém desejou.

Assim, transcorre a história existente até o presente momento na forma de um processo natural, estando, essencialmente, também submetida às mesmas leis do movimento.

Entretanto, em virtude do fato de que as vontades singulares - cada uma das quais deseja aquilo a que impulsionam sua constituição física e as circunstâncias externas, em última instância, econômicas (quer se trate de suas próprias condições pessoais, quer das condições sócio-gerais) –  não atingem o que querem, mas sim confluem em uma média de conjunto, i.e. em uma resultante comum, daí não se pode concluir devam ser igualadas a zero.

Pelo contrário, cada uma contribui para a resultante, encontrando-se, nessa medida, nela incluída.

 

Além disso, gostaria de pedir-lhe para estudar essa teoria em suas fontes originais e não de segunda mão.

Esse estudo resultará, então, realmente muito mais fácil.

Marx pouco escreveu, onde essa teoria não desempenhasse um papel significativo.

Em particular, porém, a obra “O 18 Brumário de Napoleão Bonaparte” constitui um exemplo verdadeiramente excelente da sua aplicação.

Da mesma forma, encontram-se em “O Capital” diversas indicações.

Adicionalmente, permito-me remetê-lo aos meus escritos : “A Subversão da Ciência do Sr. E. Dühring” e “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã”, nos quais forneci a mais detalhada exposição do materialismo histórico que, pelo que saiba, existe.

Nós mesmos -  Marx e eu - devemos, em parte, ser considerados responsáveis pelo fato de que, às vezes, os mais jovens atribuem mais ênfase ao lado econômico do que a este compete.

Em face dos adversários, tínhamos de acentuar o princípio fundamental, por eles negado, e nem sempre existiram o tempo, o lugar e a oportunidade de fazer emergir, justamente, os demais momentos, atuantes na interação.

Porém, tão logo se tratava da apresentação de um período histórico, i.e. de uma aplicação prática, a questão se modificava, e nenhum equívoco era aqui possível.

Porém, ocorre, lamentavelmente, de modo muito freqüente, que se acredite haver compreendido plenamente uma teoria e poder manuseá-la sem maiores precauções, tão logo tenham sido apropriados os principais fundamentos, mesmo que nem sempre corretamente.

Essa censura não posso deixar de dirigir a muitos dos mais novos “marxistas”, sendo que coisas incríveis foram realizadas por aí nesse sentido. (…)

Esperando que os espantosos períodos complexos que me vieram ao fluir da pena, por causa da escassez de tempo, não lhe aterrorizem, subscrevo-me.

 

Do seu devotado,

Friedrich Engels

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Joseph Bloch in Könisberg (Carta a Joseph Bloch em Kalinigrado)(21 e 22 de Setembro de 1890), in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke (Obras de Karl Marx e Friedrich Engels), Vol. 37, Berlim : Dietz, 1967, pp. 462 e s. A presente carta de Engels, que serviu de resposta a carta a ele dirigida por Joseph Bloch, em 3 de setembro de 1890, foi publicada, pela primeira vez, na revista “Der Sozialistische Akademiker (O Acadêmico Socialista)”, Nr. 19, Ano 1, de 1° de outubro de 1891. Destaco, além disso, que Joseph Bloch (1871 – 1936) foi estudante da Faculdade de Matemática da Univerdade de Berlim, entre 1892 a 1897. De 1895 a 1897, atuou como redator da revista “Der Sozialistische Akademiker (O Acadêmico Socialista)” e, a partir de 1897, como redator dos “Sozialistische Monatshefte (Cadernos Mensais Socialistas)”, quando passou a defender posições nitidamente revisionistas do socialismo científico de Marx e Engels.                     

[2] Julgo oportuno, também, assinalar que a carta de Joseph Bloch, aqui em referência, dirigia a Friedrich Engels as duas seguintes questões : 1. Por que razão teriam ocorrido entre os gregos, de modo lícito, casamentos entre irmãos, mesmo depois da cessação da família de parentesco sangüineo?; 2. Em consonância com a concepção materialista da história, seriam tão somente as relações econômicas o momento determinante que, mesmo posteriormente, continuariam a atuar por si mesmas?