FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO
REVOLUCIONÁRIO
PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,
TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE
MUNDIAL
SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM
EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES
CARTA DE KARL MARX
a Ferdinand Lassalle
22 de Julho de 1861
KARL MARX[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução Emil Asturig von
München
Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von
Köln
Outubro 2007 emilvonmuenchen@web.de
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Londres,
22 de julho de 1861
Caro
Lassalle,[2]
Você
deve considerar meu prolongado silêncio a partir de diferentes “attenuating
circumstances (EvM.: circunstâncias atenuantes)”.
D’abord (EvM.: de início), ainda não consegui, até o presente
momento - sem embargo das mais positivas promessas que me foram feitas nesse
sentido -, colocar em ordem meus problemas financeiros e, assim, permitir
chegar às suas mãos as ₤ 10 restantes – situação que me é especialmente
desagradável.
Secundo
(EvM.: em segundo
lugar): desde várias semanas (melhor
dito, desde algumas dias), estou sofrendo de uma oftalmia asquerosa que me
perturba em todas as leituras e redações.
Inicialmente,
gostaria de lhe enviar um grande obrigado pelos seus esforços, despendidos na questão
relativa à reaquisição de minha cidadania perdida.
Conseguimos,
ao menos, comprometer o Governo Prussiano e desmarcarar,
inteiramente, a sua assim denominada anistia.
Creio
que a curiosa tentativa de assassinato, empreendida por Oskar Becker (nos jornais,
não está claro se ele é um homem russo ou um alemão), muito há de contribuir
para pôr um terrível fim à “Nova Era”.[3][4]
Li a Segunda
Parte de sua obra (quando queria começar com a Primeira Parte, foi
impedido por minha inflamação dos olhos) e essa leitura proporcionou-me um
imenso prazer.[5]
Comecei
com o Nr. II, porque o tema em causa me era mais conhecido, o que,
entretanto, não me embargará de contemplar, posteriormente, a questão em sua
totalidade.
Você
compreendeu mal, em certa medida, a glosa marginal, inteiramente breve, contida
em minha carta precedente - e,
provavelmente, a culpa tenha residido na minha maneira de expressão.
D’abord (EvM.: de início), não pretendia dizer com a expressão “Testierfreiheit
(EvM.: liberdade de testar)” a
liberdade de fazer um testamento, mas sim a liberdade de fazê-lo, desconsiderando completamente a
família.
Na Inglaterra,
o próprio testamento é muito antigo e não existe a menor dúvida de que os anglo-saxões
o receberam a partir da Ciência do Direito Romano.
Que os ingleses
contemplaram, já desde muito cedo, não o Intestat (EvM.: Direito de sucessão
legítima, i.e. sem a existência de testamento), mas sim o Testaterbrecht
(EvM.: Direito de sucessão
testamentário, i.e. fundado na existência de um testamento), como sendo a
situação normal, decorre do fato de que, na Alta Idade Média, quando
morria o pater familias ab instestato (EvM.: o pai de família, sem
deixar um testamento), transmitia-se à sua mulher e a seus filhos apenas
a legítima, i.e. a parte obrigatória, de acordo com as circunstâncias, sendo
que, porém, ⅓ ou ½ cabia à Igreja.
É que
os padres supunham que, se o pater familias houvesse feito um
testamento, haveria de destinar à Igreja um certo quantum, visando à
obtenção da salvação de sua alma.
Nesse
sentido, é, em geral, provável que os testamentos possuíam, na Idade
Média, uma conotação religiosa, sendo feitos no interesse do falecido e
não dos sobreviventes.
Porém,
a circunstância a que pretendia referir-me era a de que, depois da Revolução
de 1688, foram abolidas as restrições que eram impostas legalmente
ao testador, relacionadas até então com o Direito na sucessão familiar (não
me ocupo aqui, evidentemente, da propriedade feudal).
Não
resta a menor dúvida que isso correspondia à essência da livre concorrência
e à sociedade,
nela fundada.
Tampouco
resta dúvida que o Direito Romano foi mais ou menos modificado, tendo sido
apropriado pela sociedade moderna, porque a noção jurídica de que o sujeito
da livre concorrência possui de si mesmo corresponde àquela de pessoa
romana (sendo certo que, aqui, não pretendo absolutamente dedicar-me ao
ponto muito essencial de que a noção jurídica de determinadas relações de
propriedade - por mais que destas derivem – certamente não é e não pode
ser, por sua vez, com estas congruente).
Você
demonstrou que a recepção do testamento romano assentou-se, originaliter (EvM.:
originariamente), em um mal-entendido (e ainda nele se assenta, na medida em
que se considere o discernimento científico dos juristas).
Porém,
disso não decorre, absolutamente, que o testamento em sua forma moderna – seja lá por quais forem os mal-entendidos do
Direito
Romano com os quais os juristas modernos possam pretender,
corretamente, reconstruí-lo - trate-se do testamento romano mal entendido.
Caso
contrário, poderia ser dito que toda e qualquer conquista de um período
precedente, apropriada por um período posterior, tratar-se-ia de um passado mal
entendido.
É certo
que, p.ex., as três (3) unidades, tais quais os dramáticos franceses as
construíam teoricamente, sob os auspícios de Luís XIV, assentavam-se
no mau entendimento do drama grego (e do drama de Aristóteles,
enquanto expoente desse drama).
Por
outro lado, é igualmente certo que os dramáticos franceses entendiam os gregos precisamente
do modo que correspondia às suas próprias necessidades artísticas,
aferrando-se, por isso, ao assim denominado drama “clássico”, ainda
por muito tempo depois de André Dacier e outros terem
corretamente interpretado Aristóteles.
Do
mesmo modo, é certo que todas as Constituições modernas assentam-se,
em grande medida, na Constituição Inglesa mal-entendida
que, precisamente, adotam, essencialmente, aquilo que surge como decadência
da Constituição Inglesa – e, presentemente, existe ainda de modo
formal, apenas per abusum (EvM.: por abuso), na Inglaterra : p.ex. um
assim denominado Kabinett (EvM.: ministério).
A forma
mal entendida é, precisamente, a forma geral e utilizada, em um determinado
nível de desenvolvimento da sociedade, como general use (EvM.: uso
geral).
A
questão de saber se, p.ex., os ingleses, sem Roma, teriam ou não
teriam o seu testamento (o qual, a despeito da sua descendência direta do testamento
romano e de sua adaptação às formas romanas não é
o testamento romano), parece-me não suscitar preocupações.
Se,
agora, colocasse a questão de modo diferente, p.ex. do seguinte modo : não poderiam
os legados (mesmo porque o assim denominado testamento da atualidade torna, de
fato, o herdeiro principal apenas um Universallegatar <EvM.: legatário
universal>) ter surgido por si mesmos, a partir da sociedade
burguesa, mesmo sem referência à Roma ?
Ou, no
lugar dos legados, disposições patrimoniais escritas, de modo geral, advindas
da parte do defuncti (EvM.: defunto)?
Não me
parecem ainda estar provado que o testamento grego foi importado por Roma,
não obstante a probabilidade fale, entretanto, a favor disso.
Você
viu que a sentença, prolatada contra Louis Auguste Blanqui – uma das mais
ignominiosas que já se viu – foi confirmada em segunda instância.[6]
Agora,
estou curioso por saber o que é que o seu amigo de Bruxelas, Louis
Watteau, vai-me escrever a respeito.
Minha
esposa envia-lhe as melhores saudações
Seu
K.M.
Quanto
a Brockhaus,
refletirei sobre a questão, tão logo tenha terminado (EvM: a segunda parte da “Contribuição
à Crítica da Economia Política”).[7]
Até o
presente momento, jamais soltei de minhas mãos um um manuscrito à la chance
(EvM.: ao acaso).
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA
A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO
PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU
- SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. MARX, KARL. Brief
an Ferdinand Lassalle in Berlin (Carta a F. Lassalle em Berlim)(22 de Julho de
1861), in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke (Obras de Karl Marx e
Friedrich Engels), Vol. 30, Berlim : Dietz, 1964, pp. 613 e s.
[2] Assinalo que Ferdinand Lassalle (1825 – 1864) foi
filósofo, economista, jornalista, escritor, bem como um dos mais importantes
dirigentes da classe trabalhadora alemã, entre 1862 e 1864. No início de sua
vida pública, defendeu posições democratas pequeno-burguesas. No quadro da Revolução
de 1848 e 1849, interviu ativamente, tornando-se, desde então, amigo de
Marx
e Engels. Em 1862 e 1863, foi um dos principais dirigentes do movimento
operário alemão que aspirava a alcançar sua independência de classe e um dos
fundadores da Associação Geral dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV). Em
torno das idéias de Lassalle, surgiu, a partir de 1862, a corrente
ideológico-política denominada lassalleanismo, propugnadora do socialismo
reformista e pacifista alemão, em sua vertente específica de socialismo
do Estado. Enquanto principais reinvidicações programáticas, Lassalle
pregava, de modo praticamente exclusivo e infalível, o estabelecimento de cooperativas
de produção dos trabalhadores, impulsionadas com auxílios, prestados pelo Estado,
cujo poder passaria às mãos do povo trabalhador por meio de sufrágio direto,
igual e universal, derrubando-se a eterna “lei de bronze dos salários”,
alcançando-se o socialismo de maneira pacífica e gradual. O método de obter tal
perspectiva, incluía estratégias e táticas de colaboração de classes, bem como
a defesa da unificação da Alemanha sob o Governo de Otto von Bismarck e a
hegemonia do Estado Imperial Prussiano. Para Lassalle, a sociedade
burguesa asseguraria a todos os indivíduos desenvolvimento ilimitado de suas forças
produtivas, sendo que, portanto, a idéia moral do proletariado haveria
de ser apenas a obtenção da prestação de serviços úteis à comunidade e a
promoção de solidariedade e reciprocidade de interesses. Lassalle – à semelhança
de Hegel
– era de opinião que o Estado – enquanto “união dos indivíduos que aumenta um milhão
de vezes as forças individuais” – representava e incorporava toda a
expressão de Direito e justiça, razão por que seu objetivo do Estado haveria de
ser “a
educação e o desenvolvimento da liberdade na raça humana”. Sendo assim,
o Estado assimilaria, progressivamente, com seu desenvolvimento, a causa do
proletariado, de modo que a Revolução Proletária Socialista
seria inteiramente despicienda e desnecessária. Foi assassinado pelo Conde
von Racowitza, em um duelo, travado em 31 de agosto de 1864. Acerca do
tema, vide LASSALLE, FERDINAND. Das
System der erworbenen Rechte. Eine Versöhnung des positives Rechts und der
Rechtsphilosophie (O Sistema dos Direitos Adquiridos. Uma Conciliação do Direito
Positivo com a Filosofia do Direito)(1861), Leipzig : Brockhaus, 1880, pp. 3 e
s.; IDEM. Arbeiterprogramm. Über den
besondern Zusammenhang der gegenwärtigen Geschichtsperiode mit der Idee des
Arbeiterstandes (Programa dos Trabalhadores. Sobre o Contexto Especial do
Período Histórico Atual ante a Idéia do Estamento dos Trabalhadores)(Discurso -
12 de Abril de 1862), Zürich : Meyer und Zeller, 1863, pp. 1 e s.; IDEM. Über das Verfassungswesen (Sobre
o Sistema Constitucional)(Discurso – 16 de Abril de 1862), Hamburg : Europ.
Verl. Anst., 1993, pp. III e s.; IDEM.
Die Wissenschaft und die Arbeiter (A Ciência e os Trabalhadores)(16 de Janeiro
de 1863), Zürich : Meyer und Zeller, 1863, pp. 3 e s.; IDEM. Offenes Antwortschreiben an das Central-Comité zur Berufung
eines Allgemeinen Deutschen Arbeitercongresses zu Leipzig (Carta Aberta de
Resposta ao Comitê Central para Convocação de um Congresso Geral dos
Trabalhadores da Alemanha em Leipzig)(1° de Março de 1863), Zürich : Meyer und
Zeller, 1863, pp. 1 e s.; IDEM. Zur Arbeiterfrage (Acerca da
Questão dos Trabalhadores)(16 de Abril de 1863), Chicago : Ahrens, 1872, pp. 1
e s.; IDEM. Arbeiterlesebuch (Manual
de Leitura dos Trabalhadores)(17/19 de Maio de 1863), Frankfurt a.M. : Baist,
1863, pp. 3 e s.
[3] Impende destacar que, em 14 de julho de
1861, o estudante Oskar Becker empreendeu, em Baden-Baden, uma
tentativa de assassinato contra vida do Rei da Prússia, Wilhelm I. O
atentado fracassou.
[4] Destaco, por
outro lado, que, no início de sua regência, em outubro de 1858, o Príncipe
Prussiano Wilhelm – tornado Rei da Prússia em janeiro de 1861 –
proclamou a adoção de um curso liberal. Em novembro de 1858, demitiu todo os
ministros do Estado, comandados, então, pelo Ministro Presidente Otto
Theodor von Manteuffel, convocando um novo governo, composto de
aristocratas liberais moderados. A burguesia prussiana qualificou essa medida
como sendo o início de uma „Nova Era“. A nomeação e tomada de
posse do Chaceler de Ferro, Otto von Bismarck, em 8 de outubro de 1862,
pôs um termo, então, definitivamente à „Nova Era“.
[5] Marx refere-se aqui, evidentemente, à sua leitura da
obra jurídica de LASSALLE, FERDINAND.
Das System der erworbenen Rechte. Eine Versöhnung des positives Rechts und der
Rechtsphilosophie (O Sistema dos Direitos Adquiridos. Uma Conciliação do
Direito Positivo com a Filosofia do Direito)(1861), Leipzig : Brockhaus, 1880,
pp. 3 e s.
[6] Cumpre recordar que Blanqui, revolucionário francês, republicado
socialista e insurrecionalista-permanente, – condenado e encarcerado desde
1850, em razão dos eventos da Revolução Francesa de 1848 - havia sido libertado, com base na anistia
de 15 de agosto de 1859. Viveu, a seguir, até o início de 1861, em Londres,
de onde, então, retornou à Paris. Em março de 1861, foi novamente encarcerado
e, em 14 de abril, condenado, por ser dirigente de uma sociedade secreta, a
quatro (4) anos de cadeia e ao pagamento de 500 francos. De março a junho de
1861, Blanqui permaneceu na Prisão de Mazas, em Paris,
onde foi seviciado por policiais, a mando do Juiz de Instrução de seu
processo. Em seguida, teve de cumprir sua pena na Prisão St. Pelagie, em Paris.
Finalmente, em 1864, Blanqui conseguiu fugir e dirigiu-se
à Bruxelas, hospedando-se no domicílio de Louis Watteau.
[7] Vide, pelo contrário, a
primeira parte da obra em refência em MARX,
KARL. Zur Kritik der politischen Ökonomie (Contribuição à Crítica da
Economia Política), in: ibidem, Vol. 13, pp. 7 e s.