FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO REVOLUCIONÁRIO

PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,

TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MUNDIAL

SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES

 

COMUNA DE PARIS E DITADURA DO PROLETARIADO :

Suas Correntes Políticas, Seus Decretos Econômicos,

Seu Sistema de Governo, Sua Forma Política

18 de Março de 1891

 

FRIEDRICH ENGELS[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução  Emil Asturig von München

Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von Köln

Fevereiro 2008 emilvonmuenchen@web.de

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Londres, no 20° Aniversário Solene da Comuna de Paris, 18 de março de 1891

 

Se contemplarmos, hoje, depois de 20 anos, a atividade e o significado histórico da Comuna de Paris de 1871, verificaremos que existem ainda alguns acréscimos a serem feitos à exposição (EvM.: de Karl Marx), contida em “Guerra Civil na França”.

Os membros da Comuna dividiram-se em uma maioria, os blanquistas, que predominaram no Comitê Central da Guarda Nacional, e uma minoria, os membros da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que compunham a escola socialista preponderantemente formada por adeptos dos proudhonistas. 

Os blanquistas eram, outrora, no quadro da grande massa, socialistas, dotados apenas de instinto proletário-revolucionário. Poucos apenas haviam atingido maior claridade principista, através de Édouard Vaillant que conhecia o socialismo científico alemão. Assim, é compreensível o fato de que, em sentido econômico, muita coisa deixou-se de fazer que, segundo nossa atual concepção, haveria de ser empreendida pela Comuna.

O mais difícil de ser compreendido foi, entretanto, o respeito sagrado com o qual se parou, respeitosamente, diante dos portões do Banco Central da França. Esse foi também um grave erro político. Esse banco, nas mãos da Comuna, seria mais valioso do que dez mil reféns.

Significaria a pressão de toda a burguesia francesa sobre o Governo de Versalhes, no interesse da paz com a Comuna.  

O que há, porém, de mais maravilhoso é o muito de correto que a Comuna fez, apesar de ter sido composta por blanquistas e proudhonistas. Evidentemente, os proudhonistas foram, em primeira linha, os responsáveis pelos Decretos Econômicos da Comuna, tanto pelos seus aspectos gloriosos quanto inglórios, tais como os blanquistas, por suas ações e omissões políticas. E, em ambos os casos, quis a ironia da história – tal como, de costume, quando doutrinadores assumem o timão do navio – que uns e outros fizessem o contrário daquilo que prescrevia sua doutrina de escola.

Proudhon,  o socialista do pequeno-camponês e do mestre artesão, odiava a associação, com uma ira convicta. Sobre ela, dizia que continha mais coisas ruins do que boas, sendo infrutífera, por sua própria natureza e, até mesmo, perniciosa pois que seria uma algema, agrilhoando a liberdade do trabalhador. Seria um puro dogma, improdutivo e pertubador, situada em contradição seja com a liberdade do trabalhador, seja com a economia do trabalho. Suas desvantagens aumentariam mais rapidamente do que suas vantagens. Em face desta, a concorrência, a divisão do trabalho, a propriedade privada, constituiriam forças econômicas. Apenas para os casos excepcionais da grande indústria e dos grandes corpos fabris – tais como Proudhon os denomina, p.ex. as estradas de ferro -, a associação dos trabalhadores possuiria o seu devido lugar. (vide Proudhon, Idée Générale de la Révolution « Idéia Geral da Revolução », Estudo Terceiro).

E, em 1871, na cidade de Paris – sede central do artesanato artístico -, a própria indústria de grande porte já havia tanto deixado de ser tanto uma exceção que, de longe, o Decreto mais importante da Comuna foi o que ordenou a organização da grande indústria e mesmo da manufatura, organização esta que se havia de assentar não apenas sobre a associação dos trabalhadores em cada uma das fábricas, senão ainda unificar todas essas cooperativas, no quadro de uma grande federação.

Em suma : uma organização que – tal qual Marx afirma, de modo inteiramente correto, em “Guerra Civil na França” – havia de conduzir, finalmente, ao comunismo, i.e. ao oposto direto daquilo lecionado na doutrina proudhonista.

Por isso, também a Comuna foi o túmulo da Escola Socialista de Proudhon.

Hoje, essa escola desapareceu dos círculos de trabalhadores franceses. Aqui, domina, presentemente, de modo incontestável, a teoria marxista, entre os possibilistas, não menos do que entre os “marxistas”. Apenas entre a burguesia “radical” existem ainda proudhonistas.

Nada de melhor ocorreu aos blanquistas. Educados na Escola da Conspiração, mantidos coesos pela disciplina férrea que a esta corresponde, partiam da concepção de que um número relativamente pequeno de homens decididos e bem organizados seria capaz de, em um certo momento favorável, não apenas assumir o timão do Estado, como também de, mediante a dinamização de grande e implacável energia, mantê-lo o tempo necessário, até que conseguissem arrastar a massa do povo para a revolução, a ser agrupada em torno do pequeno grupo dirigente. Para tanto, seria indispensável a mais severa e ditatorial centralização de todo o poder nas mãos do novo Governo Revolucionário.    

E o que fez a Comuna cuja maioria era composta precisamente por esses blanquistas ? Em todas as suas proclamações, dirigidas aos franceses da provícia, conclamou estes à formação de uma Federação Livre de Todas as Comunas Francesas com Paris, à formação de uma organização nacional que, pela primeira vez, devia ser criada verdadeiramente pela própria nação.

Precisamente o poder opressor do Governo Centralista, então existente - as forças armadas, a polícia política, a burocracia, criadas por Napoleão, em 1798, e que, desde então, foram assumidas por todos os novos governos como instrumentos bem-vindos, a serem utilizados contra seus adversários – precisamente esse poder havia de sucumbir, por todos os lados, tal como em Paris já havia sucumbido.

A Comuna teve de reconhecer, desde o início, o fato de que a classe trabalhadora, uma vez alcançada sua dominação, não podia continuar a governar com a velha máquina do Estado.

Teve de reconhecer que a classe trabalhadora para não perder novamente sua própria dominação, há pouco conquistada, devia eliminar, por um lado, toda a velha maquinaria de repressão – utilizada, até então, contra ela própria -, e, por outro lado, assegurar-se contra seus próprios deputados e funcionários públicos, na medida em que os declarasse, sem nenhuma exceção, revogáveis a qualquer tempo.

Em que consistia a particularidade característica do Estado até então existente ?

Para o atendimento de seus interesses comuns, a sociedade havia criado para si mesma órgãos próprios, originariamente mediante simples divisão do trabalho. Porém, esses órgãos, cujo ápice era o poder do Estado, converteram-se, com o tempo, de servidores da sociedade em senhores sobre a mesma, colocando-se a serviço de seus próprios interesses específicos. Tal como, p.ex., pode-se verificar não apenas na Monarquia Hereditária, senão igualmente na República Democrática. Em nenhum lugar, os “políticos” vieram a formar uma seção da nação mais apartada e poderosa do que precisamente nos EUA.

Nos EUA, cada qual dos grandes partidos, a quem incumbe o domínio, em sistema de rotação, é, ele próprio, sempre governado por pessoas que fazem da política um negócio, especulando com cadeiras nas assembléias legislativas da federação e dos Estados federados ou vivendo da agitação feita para seu partido e, após sua vitória, são recompensados com cargos. Sabe-se como os norte-americanos procuram, desde trinta (30) anos, livrar-se desse jugo que se tornou insuportável e como, apesar de tudo, afundam, cada vez mais profundamente, nesse pântano de corrupção.

Precisamente nos EUA, podemos ver, da melhor maneira, como se processa essa autonomização do poder do Estado em face da sociedade - em relação à qual, originariamente, foi determinado como simples ferramenta.  

Nos EUA, não existe nenhuma dinastia, nenhuma nobreza, nenhum exército permanente – à parte o punhado de homens para controle dos indígenas -, nenhuma burocracia com firme contratação e direitos de pensão.

E, sem embargo, temos, nos EUA, dois grandes bandos de especuladores políticos que, em sistema de rotação, apossam-se do poder do Estado e exploram, com os meios mais corruptos e para os objetivos mais corruptos.

A nação é impotente em face desses dois grandes conglomerados de políticos, aparentemente colocados a seu serviço, que, porém, na realidade, a dominam e a saqueiam.

Contra essa inevitável transformação do Estado e dos órgãos estatais de servidores da sociedade em senhores da sociedade, existente em todos os Estados até o presente momento, a Comuna empregou dois meios infalíveis.

Em primeiro lugar, ocupou todos os cargos administrativos, judiciários e educativos mediante eleições, fundadas no sufrágio universal dos participantes e, em verdade, na revogabilidade a todo tempo, exercida por esses mesmos participantes.

Em segundo lugar, pagou para todos os serviços apenas o salário que outros trabalhadores recebiam. O máximo salário que pagou, em todos os diferentes casos, foi de 6.000 francos.

Com isso, colocou-se um segura trava à caça de cargos e à ambição, mesmo sem os mandatos vinculados para delegados, eleitos para os corpos de representação, que ainda foram adicionados, abundantemente.

 Essa implosão do poder do Estado até então existente e sua substituição por um novo, verdadeiramente democrático, encontra-se detalhadamente descrita na terceira seção de “Guerra Civil na França”.

Porém, aqui foi necessário, mais uma vez, de maneira sucinta, abordar alguns traços desse poder, porque, precisamente na Alemanha, a supertição do Estado foi transferida da filosofia para a consciência geral da burguesia e mesmo de muitos trabalhadores.

Segundo a concepção filosófica, o Estado é “realização da idéia” ou, traduzido na lingua filosófica, o império de Deus sobre a terra, o terreno em que a verdade eterna e a justiça eterna realizam-se ou devem-se realizar.

Disso resulta, então, uma veneração supersticiosa do Estado e de tudo aquilo que com o Estado se relaciona, a qual tanto mais facilmente se apresenta, quando, desde os momentos mais tenros da infância, acostumou-se a imaginar que todos os negócios e interesses comuns da inteira sociedade não poderiam ser atendidos de outra forma senão da maneira como foram atendidos até o presente momento, i.e. mediante o Estado e suas autoridades bem designadas.

E já se acredita ter empreendido todo um passo poderosamente ousado, libertando-se da crença na Monaquia Hereditária e jurando-se a República Democrática.

Porém, na realidade, o Estado nada é senão uma máquina de repressão de uma classe por outra e, em verdade, na República Democrática não menos do que na Monarquia.

No melhor dos casos, é um mal, legado ao proletariado vitorioso na luta por sua dominação de classe e cujo pior aspecto não poderá deixar de circuncidar - tampouco como o fez a Comuna –, da maneira mais imediata possível, até que um gênero humano, crescido em novas condições sociais livres, seja capaz de desfazer-se de todo o traste do Estado.

Ultimamente, o filisteu alemão foi assaltado, mais uma vez, por um terror salutar com a expressão  : Ditadura do Proletariado.

Ora, pois bem, caros senhores, querem saber com o que se parece essa Ditadura? Olhem para a Comuna de Paris. 

Ela foi a Ditadura do Proletariado.

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1] Vide ENGELS, FRIEDRICH. Einleitung zu “Der Bürgerkrieg in Frankreich” von Karl Marx (Introdução `”Guerra Civil na França”de Karl Marx)(18 de Março de 1891), in : ibidem, Vol. 22, Berlim : Dietz, 1963, pp. 195 e s.