FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO
REVOLUCIONÁRIO
PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,
TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE
MUNDIAL
SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM
EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES
Sobre Pierre- Joseph Proudhon
KARL MARX[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução Emil Asturig von
München
Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von
Köln
Fevereiro 2008 emilvonmuenchen@web.de
Voltar ao Índice Geral http://www.scientific-socialism.de/FundamentosCartasMarxEngelsCapa.htm
*Londres, 24 de janeiro de 1865
Prezado Senhor !
Recebi ontem sua carta, na qual o Sr. exige de mim uma
apreciação detalhada sobre Proudhon.
A falta de tempo não me permite satisfazer seu desejo.
Além disso, não possuo aqui à mão nenhum dos escritos de Proudhon.
Porém, visando a demonstrar-lhe minha boa vontade, elaboro
aqui um curto esboço.
O Sr. poderá, então, recuperá-lo, completá-lo,
negligenciá-lo, em suma, fazer dele o que Sr. bem imaginar.
Já não me recordo mais do primeiro ensaio de Proudhon.
Seu trabalho acadêmico acerca da "Langue universelle (EvM.:
Língua Universal)" demonstra
como se aventura ousadamente a tratar de problemas para cuja solução ainda lhe
faltam os primeiros conhecimentos prévios.
Sua primeira obra "Qu'est-ce que la propriété? (EvM.: O
Que é a Propriedade)" é, incondicionalmente, o seu melhor
trabalho.
Trata-se de uma obra que fez época, senão pelo seu novo
conteúdo, então, porém, pela sua forma nova e ousada de falar sobre coisas
velhas. Nas obras dos socialistas e comunistas franceses, conhecidas de Proudhon,
a "propriété"
surgia não apenas criticada de diversas formas, senão ainda "abolida",
de maneira utópica.
Proudhon comporta-se, em seu escrito, em face de Saint-Simon
e Fourier
mais ou menos como Feuerbach, em face de Hegel.
Comparado com Hegel, Feuerbach é pobre em
todos os sentidos. Entretanto, Feuerbach fez época, depois de Hegel,
porque salientou o tom em certos pontos desagradáveis para a consciência cristã
e importantes para o progresso da crítica, os quais Hegel havia deixado em um
místico clair-obscur (EvM.: claro-obscuro).
Se assim posso me exprimir, domina, naquele escrito de Proudhon,
ainda uma forte musculatura do estilo, sendo que considero esse estilo como
sendo o principal mérito dessa obra.
Verifica-se que, mesmo ali onde o velho se reproduz, Proudhon
descobre, autonomamente, que, para ele mesmo, surgia como novo e valia como
novo aquilo que dizia.
Desconfiança desafiadora, questionando a "santidade"
econômica, paradoxismo engenhoso, com o qual se escarnece o senso comum
burguês, julgamento dilacerante, ironia amarga, aqui e ali, enxergando
penetrantemente, um sentimento profundo e verdadeiro da revolta em face da
infâmia do existente, sinceridade revolucionária - por tudo isso "Qu'est-ce
que la propriété ?" eletrizou e proporcionou um grande impulso, já
no momento de seu primeiro aparecimento.
Na história rigorosamente científica da economia política, esse
mesmo escrito seria pouco digno de ser mencionado.
Porém, esses escritos sensacionais desempenham seu papel
tanto nas ciências como na literatura romântica.
Tome-se, p. ex., o escrito de Malthus acerca da "Population
(EvM.: População)".
Em sua primeira edição, nada representou senão um "sensational
pamphlet (EvM. : um pasquim, um panfleto sensacionalista)" e, além
disso, um plágio, do início ao fim.
E, entretanto, quanto impulso conferiu esse pasquim à espécie
humana !
Se esse escrito de Proudhon se encontrasse diante de
mim, seria fácil comprovar, com alguns exemplos, sua maneira inédita. Nos
parágrafos que ele mesmo considera como os mais importantes, efetua uma cópia
do tratado de Kant acerca das antinomias - Kant era o único filósofo
alemão que Proudhon conhecia outrora, a partir de traduções - e produz a
forte impressão de que para ele, assim como para Kant, a resolução das antinomias
possui a validade de algo que pertence ao "além" do entendimento
humano, i.e. algo em relação a que seu próprio entendimento permanece na
penumbra.
Apesar de todos os aparentes assaltos ao céu, encontra-se,
porém, já em "Qu'est-ce que la propriété (O Que é a Propriedade?)" a
contradição consistente em que Proudhon critica, por um lado, a
sociedade do ponto de vista e com os olhos de um camponês parceleiro francês
(posteriormente petit bourgeois <EvM.: pequeno-burguês>), aplicando, por outro
lado, o critério que lhe foi transmitido pelos socialistas.
O aspecto insuficiente de seu escrito já havia sido indicado
em seu título.
A questão foi tão erroneamente colocada que não pôde ser
corretamente respondida.
As "relações de propriedade"
antigas foram prostradas pelas feudais, sendo que as feudais, pelas "burguesas".
A própria história teria exercido, assim, sua crítica às "relações
de propriedade" passadas.
Para Proudhon, a questão era propriamente
a propriedade
burguesa moderna existente.
À questão de saber o que seria essa última, podia apenas ser
respondida mediante uma análise crítica da "Economia Política", que
envolve o todo dessas relações de propriedade não segundo sua expressão jurídica,
enquanto relações de vontade, mas sim abarcando-as em sua conformação real, i.e.
enquanto relações de produção.
Porém, na medida em que Proudhon
entrelaçou o conjunto dessas relações econômicas na representação jurídica,
denominada "a propriedade", "la propriété", não pôde
igualmente ir além da resposta que Brissot, com as mesmas palavras, em
um escrito semelhante, já havia fornecido, antes mesmo de 1789: "La
propriété, c'est le vol (EvM.: A propriedade é o roubo)".
No melhor dos casos, disso resulta apenas que as
representações jurídico-burguesas de "roubo" aplicam-se também
às aquisições "honestas", próprias do burguês.
Por outro lado, Proudhon se embaralha em todos os
tipos de quimeras, para ele mesmo obscuras, relacionadas com a
verdadeira propriedade burguesa, uma vez que o "roubo", enquanto
violenta transgressão da propriedade, pressupõe a existência da própria
propriedade.
Durante minha estadia em Paris, em 1844, travei relação
pessoal com Proudhon.
Menciono-a aqui, posto que sou culpado, em certa medida, pela
"sophistication (EvM.: refinamento)” de Proudhon, tal como os ingleses denominam a falsificação de um
artigo comercial.
Durante debates prolongados, freqüentemente atravessando
noites a dentro, infeccionei-o, para seu grande perjuízo, com o hegelianismo,
o qual, porém, não podia estudar sistematicamente, em virtude de seu
desconhecimento da língua alemã.
O que iniciei, foi continuado pelo Sr. Karl Grün, depois de
minha expulsão de Paris.
Esse último, enquanto professor de Filosofia Alemã, possuía
ainda em relação a mim a vantagem de que ele mesmo nada entendia acerca do
tema.
Pouco antes do surgimento de sua segunda obra expressiva, "Philosophie
de la misère etc. (EvM.: Filosofia da Miséria etc.)", Proudhon
anunciou-me esse mesmo fato, em uma carta bem detalhada, em que deslizavam, entre outras,
as seguintes palavras : "J'attends votre férule critique (EvM.:
Aguardo sua férula crítica)."
Entretanto, essa crítica surgiu-lhe, em breve, de uma tal
maneira (expressada através de meu escrito "Misère de la philosophie (EvM.: Miséria
da Filosofica etc.)", Paris, 1847), que provocou o fim de
nossa amizade para sempre.
Do que foi dito aqui, o Sr. percebe que apenas "Philosophie
de la misère ou Système des contradictions économiques (EvM.: Filosofia da Miséria
ou Sistema das Contradições Econômicas)" conteve, propriamente, a
resposta à questão : "Qu'est-ce que la propriété ? (EvM.: O
que é a Propriedade ?)".
De fato, apenas depois do surgimento desse escrito, Proudhon
deu início aos seus estudos econômicos.
Descobriu, então, que a questão por ele levantada não podia
ser respondida com uma invectiva, mas
sim apenas mediante a análise da "Economia Política"
moderna.
Ao mesmo tempo, Proudhon tentou apresentar o sistema
das categorias econômicas de modo dialético.
No lugar das insolucionáveis "antinomias" de Kant, havia
de surgir a "contradição" de Hegel, enquanto meio de
desenvolvimento.
Para a apreciação de sua obra de dois pesados volumes,
devo-lhe remeter à minha réplica.
Nela, demonstro, entre outras coisas, quão pouco Proudhon
penetrou no segredo da dialética científica, como, por
outro lado, compartilha das ilusões da filosofia especulativa,
na medida em que desvirtua as categorias econômicas em idéias
eternas, preexistentes - em vez
de as conceber enquanto expressões teóricas de relações históricas
de produção, correspondentes a um determinado nível de
desenvolvimento da produção material – e, assim, por esse desvio,
retorna, novamente, ao ponto de vista da economia burguesa.
Além disso, demonstro ainda como resulta ser extremamente
escasso e, em parte, até mesmo escolástico, o seu conhecimento da "Economia
Política", cuja crítica empreende, e como sai à caça de uma assim
chamada "Ciência", juntamente com os utopistas, através da
qual deve ser conjecturada, a priori,
uma fórmula para a "solução da questão social", em vez de criar
a ciência a partir do conhecimento crítico do movimento histórico, um
movimento que produz, por si mesmo, as condições materiais da emancipação.
Especificamente, meu escrito demonstra como Proudhon
permanece na escuridão, no equívoco e no meio do caminho no que concerne ao
fundamento de tudo, i.e. do valor de troca, deixando de
contemplar, em verdade, a interpretação utópica da teoria do valor de Ricardo
para o fundamento de uma nova ciência.
Acerca de seu ponto de vista, em geral, ajuizo,
resumidamente, o seguinte :
"Toda relação econômica possui um
lado bom e um lado mau. Esse é o único ponto em que o Sr. Proudhon não se golpeia a si mesmo na cara.
O lado bom, vê-o destacado pelos
economistas, o lado mau, denunciado pelos socialistas. Toma emprestado dos
economistas a necessidade das relações
eternas e dos socialistas, a ilusão segundo a qual a miséria pode apenas divisar a miséria (em vez de nela
divisar o lado revolucionário, destruidor, que derrubará a velha sociedade).
Se os economistas afirmam que as relações atuais - as relações
de produção burguesa - são normais, dão a entender, com isso, que
constituem relações nas quais a produção da
riqueza e o desenvolvimento das forças produtivas realizam-se em
conformidade com as leis naturais.
Assim, essas relações são leis naturais,
independentes mesmo da influência do
tempo. São leis eternas que sempre
devem reger a sociedade. Assim, existiu uma história, sendo que, porém, não
existe e não existirá mais nenhuma história.(p. 113 do meu escrito).
O
Sr. Proudhon concorda com ambos, na medida em que procura apoiar-se na
autoridade da ciência. Para Proudhon,
a ciência reduz-se à dimensão anã de uma fórmula científica. É o homem à caça
de fórmulas. Em conformidade com isso, o Sr.
Proudhon adula a si mesmo por ter produzido a crítica tanto da economia política quanto do comunismo - sendo que ele se situa
profundamente entre ambos.Entre os economistas, porque, enquanto filósofo que
possui à mão uma fórmula mágica, acredita poder isentar-se de penetrar nos
detalhes puramente econômicos. Entre os socialistas, porque não possui nem
coragem suficiente nem suficiente discernimento para elevar-se acima do horizonte burguês - mesmo que apenas de modo
especulativo ...
Pretende, enquanto homem de ciência,
pairar por cima dos burgueses e proletários.
O Sr. Proudhon é apenas o
pequeno-burguês, permanentemente lançado, para cá e para lá, entre o capital e
o trabalho, entre a economia política e
o comunismo(pp. 119 e 120 de meu
escrito)."
Da mesma maneira severa, tal como o juízo acima formulado,
devo, ainda hoje, subscrever cada uma das minhas palavras.
Ao mesmo tempo, há de considerar que, à época em que declarei
o livro de Proudhon como sendo o código do socialismo dos petit bourgeois (EvM.:
dos pequenos-burgueses), comprovando-o teoricamente, Proudhon era ainda
acusado pelos economistas políticos e pelos socialistas de heresia, enquanto
ultra-arquirevolucionário.
Por essa razão, também mais tarde, jamais concordei com a
gritaria acerca de sua "traição" à revolução.
Não foi culpa de Proudhon se foi, originariamente,
mal compreendido por outros e por si mesmo, não satisfazendo injustas
esperanças.
Na "Philosophie de la misère (EvM.:
Filosofia da Miséria)" emergem, muito desvantajosamente, todas as
deficiências do modo de apresentação proudhoniano, em contraste com "Qu'est-ce que la propriété?(EvM.: O Que
é a Propriedade)".
Seu estilo é freqüentemente o que os franceses denominam de ampoulé
(EvM.: empolado).
Jargão especulativo grandiloqüente, devendo surgir como
alemão filosófico, surge regularmente onde lhe falta o aguçamento do
entendimento gálico.
Um tom de gritaria mercantil, exaltando o próprio louvor – um
tom de renomismo, nomeadamente o sempre tão pouco edificante banho de salão e a
falsa ostentação de "Ciência" -,
ressoa, continuadamente, no ouvido de toda pessoa leitora.
Em vez da tepidez real, que os primeiros escritos irradiam,
declama-se, aqui, em certas passagens, sistematicamente, até um calor
delirante. Além disso, o agir do sábio autodidata, adversamente desajeitado,
cujo orgulho, crescido de modo natural encontra-se já fraturado para o
pensamento original autônomo, pretendendo, então, ter de expandir-se enquanto parvenu
(EvM.: arrivista) da ciência,
com a qual não tem a ver e não a representa.
A seguir, a disposição do pequeno-burguês que ataca, de
maneira indecentemente brutal - nem de modo agudo, nem profundo, nem de modo
propriamente correto - um homem como Cabet, respeitável em razão de seu
posicionamento prático em relação ao proletariado francês, tratando, pelo
contrário, benevolamente, p.ex., um Dunoyer - em verdade um "Conselheiro
de Estado" -, apesar de todo o significado desse tal Dunoyer
residir na sinceridade cômica com que louvou, ao longo de três grossos volumes,
insuportavelmente tediosos, o rigorismo, caracterizado por Helvetius da seguinte
maneira : "On veut que les malheureux soient parfaits. (EvM.: Pretende-se que
os infelizes sejam perfeitos.)"
A Revolução de Fevereiro de 1848 surgiu, de fato, de modo muito
incoveniente para Proudhon, uma vez que comprovara, just (EvM.: justamente) algumas semanas antes, de maneira irrefutável,
que "a
era das revoluções" havia decorrido para sempre.
Sua intervenção na Assembléia Nacional - demonstrando
tão pouca compreensão das relações então existentes - é merecedora de todo
louvor.
Depois da Insurreição de Junho de 1848,
tratou-se de um ato de grande coragem.
Além disso, esse fato possuiu a conseqüência favorável de que
o Sr.
Thiers, em seu discurso de réplica às propostas de Proudhon, publicado, a
seguir, como escrito especial, provou, para toda a Europa, sobre que
pedestal de catequismo infantil se situava esse pilar espiritual da burguesia
francesa.
Em face do Sr. Thiers, Proudhon inflamou-se, de
fato, então, rumo a um colosso de pecado ante-deluviano.
A descoberta de Proudhon do "crédit gratuit (EvM.:
crédito gratuito)" e do "Banque
du peuple (EvM.: Banco Popular)", que sobre aquele se baseia,
foram seus últimos "feitos" econômicos.
Em meu escrito "Para a Crítica da Economia
Política", Caderno 1, Berlim, 1859, pode ser encontrada a prova de
que o fundamento teórico da concepção de Proudhon emerge do desconhecimento dos
primeiros elementos da "Economia Política" burguesa,
especialmente do desconhecimento da relação das mercadorias para com o dinheiro,
ao passo que a sua superestrutura prática era mera reprodução de planos mais
velhos e muito melhor elaborados.
É evidente e não resta a menor dúvida de que o sistema
de crédito, tal como, p.ex., no início do século XVIII e,
posteriormente, mais uma vez, no século XIX, serviu, inteiramente, para
transferir a riqueza de uma classe à outra e que pode servir, sob determinadas
condições políticas e econômicas, para acelerar a emancipação da classe
trabalhadora.
Porém, conceber o capital portador de juros enquanto a
principal forma do capital e pretender fazer de uma aplicação especial do sistema
de crédito, i.e. da pretendida abolição dos juros, a base de
reconformação da sociedade, trata-se de uma fantasia extraordinariamente
pequeno-burguesa.
Além disso, essa fantasia pode ser, de fato, encontrada, por
essa razão, em meio ao pântano dos porta-vozes econômicos da pequena-burguesia
inglesa do século XVII.
A polêmica de Proudhon, travada contra Bastiat
(1850), relativamente ao capital portador de juros, situa-se
profundamente bem mais abaixo da "Philosophie de la misère (EvM.:
Filosofia da Miséria)".
Proudhon consegue ser espancado até mesmo por Bastiat
e irrompe em brados, ali onde seu adversário lhe aperta com violência.
Há poucos anos, Proudhon escreveu uma monografia de
concurso – creio que promovido pelo Governo de Lausanne – acerca dos “impostos”.
Nessa sede, extinguiu, também, o seu último indício de
genialidade.
Nada restou senão o petit bourgeois tout pur (EvM.: o
pequeno-burguês, totalmente puro e simples).
No que concerne aos escritos políticos e filosóficos de Proudhon,
fato é que, em todos, surge o mesmo caráter plenamente contraditório,
ambivalente, tal como em seus trabalhos econômicos.
Nesse sentido, possuem apenas um valor francês local.
Seus ataques à religião, à Igreja etc.
possuem, entretanto, um grande mérito local em um tempo em que os socialistas
franceses julgavam conveniente serem superiores ao voltairianismo burguês,
do século XVIII, e ao ateísmo alemão, do século XIX, por
meio da religião.
Se Pedro, o Grande, esmagou a barbárie
russa mediante a barbárie, Proudhon fez o melhor possível para
derrotar a essência do fraseologismo francês através de frases.
Seus escritos sobre o “Coup d’état (EvM.: Golpe de Estado)”,
em que faz a corte a Louis Bonaparte, aspirando torná-lo,
de fato, um legítimo representante aos olhos dos trabalhadores franceses, bem
como seu último escrito contra a Polônia, em que lança mão de um
cinismo cretino em honra do Czar, devem ser qualificados não
apenas como escritos ruins, senão ainda como vulgaridades, ainda que se tratem
de vulgaridades correspondentes ao ponto de vista pequeno-burguês.
Comparou-se, freqüentemente, Jean-Pierre Proudhon com Jean-Jacques
Rousseau.
Nada poderia ser mais equivocado.
Proudhon assemelha-se, muito mais, a Nicolas Linguet, cuja “Théorie
des loix civiles (EvM.: Teoria das Leis Civis)” é, por sinal, um livro
bastante genial.[2]
Proudhon tende, por natureza, à dialética.
Porém, dado o fato que jamais compreendeu realmente a dialética
científica, conduziu-a apenas à sofística.
Na realidade, esse fato está associado ao seu ponto de vista
pequeno-burguês.
O pequeno-burguês é tal como o historiador Friedrich
von Raumer, composto de por um lado e por outro lado.
Assim, o é em seus interesses econômicos e, por consegüinte,
em sua política, em suas concepções acerca da religião, da ciência
e da arte.
Assim, também, em sua moral. Assim, em everthing
(EvM.: tudo). Ele é a contradição ambulante.
Nesse contexto, sendo um homem espirituoso - tal qual o é Proudhon -, logo
aprenderia a jogar com suas próprias contradições e elaborá-las, conforme as
circunstâncias, em paradoxos às vezes brilhantes, às vezes escandalosos,
barulhentos, marcantes.
Charlatanismo científico e acomodação política são,
sob esse ponto de vista, inseparáveis.
Resta apenas ainda um motivo impulsionador : a vaidade do
sujeito, sendo certo que a questão passa a ser então - tal como entre todos os
vaidosos -, a busca pelo êxito do momento, pela sensação do dia.
Assim, apaga-se, necessariamente, o simples tato moral que,
p. ex., manteve um Rousseau, sempre distante de um compromisso aparente com os poderes
existentes.
Talvez a posteridade caracterizará a mais moderna fase da
cultura francesa, afirmando que Louis Bonaparte foi seu Napoleão
e Proudhon,
seu Rousseau-Voltaire.
O Sr. deverá, então, assumir a responsabilidade pelo fato de
ter-me onerado com o papel de juiz dos mortos, logo depois da morte desse homem.[3]
Do seu inteiramente devotado
Karl Marx
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA
A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO
PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU
- SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. MARX, KARL. Über
Pierre-Joseph Proudhon. Brief an J. B. v. Schweitzer (Sobre P.-J. Proudhon.
Carta à J. B. v. Schweitzer)(24 de Janeiro de 1865), in : ibidem, Vol. 16, pp.
25 e ss. Assinalo, por oportuno, que a presenta carta de Marx foi, pela primeira
vez, publicada, em “Der Social-Demokrat (O Social-Democrata)”, Nrs. 16, 17 e 18,
de 1°, 3 e 5 de fevereiro de 1865.
[2] Permito-me remeter o
leitor à leitura de LINGUET, SIMON
NICOLAS HENRI. Théorie des Loix Civiles ou Principes Fondamentaux de la
Société (Teoria das Leis Civis ou Princípios Fundamentais da Sociedade)(1767),
Londres, 1774, 3 Vol., pp. 3 e s.
[3] Recorde-se, de passagem,
que Pierre-Joseph
Proudhon faleceu, precisamente, em 19 de janeiro de 1865, em Paris, ano
em que Marx redigiu o presente texto em resposta à carta de Johann
Baptist von Schweitzer, um dos
principais dirigentes dos lassalleanos.