FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO REVOLUCIONÁRIO

PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,

TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MUNDIAL

SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES

 

Sobre o Indiferentismo Político

 

KARL MARX[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução  Emil Asturig von München

Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von Köln

Fevereiro 2008 emilvonmuenchen@web.de

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“A classe trabalhadora não se deve constituir em partido político. Não deve, sob nenhum pretexto, empreender uma ação política, pois que a luta contra o Estado é o reconhecimento do Estado e isso se encontra em contradição com os princípios eternos!

Os trabalhadores não devem fazer greves, pois, nelas, dissipam as suas forças, visando a alcançar um aumento de seus salários ou impedir a sua redução, reconhecendo assim, portanto, o sistema de trabalho assalariado, e isso está em contradição com os eternos princípios da emancipação da classe trabalhadora!

Se os trabalhadores se unem em sua luta política contra o Estado burguês, fazem-no apenas para obter concessões, celebrando, a seguir, compromissos, o que entra em contradição com os princípios eternos!

Por isso, é preciso almadiçoar todos os movimentos pacíficos, tais quais são impulsionados pelos trabalhadores ingleses e americanos, por mau hábito.

Os trabalhadores não devem dissipar as suas forças, lutando pela obtenção do limite legal da jornada de trabalho, pois isso significa celebrar acordos com os empresários que, então, podem ainda os explorar por 10 ou 12 horas, em vez de 14 ou 16.         

Do mesmo modo, não devem nem sequer se esforçar por obter a proibição legal do trabalho fabril das meninas que têm menos 10 anos de idade, pois, através disso, não se abole ainda a exploração dos meninos que têm menos de 10 anos.

Caso façam isso, assumem, pois, um novo compromisso, maculando, desse modo, a pureza dos princípios eternos!

Tanto menos ainda, os trabalhadores devem exigir – tal como ocorre na República dos EUA – que o Estado, cujo orçamento é inchado à custa da trabalhadora, deva ser obrigado a conceder às crianças dos trabalhadores formação escolar fundamental, pois esta não é nem sequer uma formação universal.    

É melhor que os trabalhadores não saibam ler, nem escrever e nem contar, do que receber aulas de um professor de uma escola do Estado.

É consideravelmente melhor que a ignorância e o trabalho quotidiano de 16 horas humilhem a classe trabalhadora do que resultem lesados os príncipios eternos!   

Quando a luta política da classe trabalhadora adquire formas violentas, quando os trabalhadores erigem a sua Ditadura Revolucionária, em vez da Ditadura da Burguesia, cometem, então, o terrível crime de violação dos princípios, porque, para satisfazer suas necessidade quotidianas, miseráveis e profanas, para quebrar a resistência da burguesia, conferem ao Estado uma forma revolucionária e transitória, em vez de baixar as armas, abolindo o próprio Estado.

Os trabalhadores não devem formar nenhum sindicato específico para cada uma das profissões, porque, assim, eternizam a divisão social do trabalho – tal qual existe na sociedade burguesa.

Essa divisão do trabalho que separa os trabalhadores é, em verdade, o fundamento real de sua escravidão.

Em uma palavra: os trabalhadores devem cruzar os braços, não desperdiçando seu tempo com movimentos econômicos e políticos.

Todos esses movimentos não lhes pode proporcionar nada senão resultados imediatos.

Como pessoas verdadeiramente religiosas, devem desprezar suas necessidades do dia-a-dia, proclamando em alta voz, inteiramente persuadida: “Nossa classe pode ser crucificada, podendo perecer a nossa raça, porém os princípios eternos hão de permanecer imaculados!” 

Como piedosos cristãos, devem acreditar nas palavras de seu padre, devem desprezar os bens desse mundo, aspirando apenas a irem para o paraíso.

Lendo-se liquidação social - a qual ocorrerá em um belo dia, em algum desses rincões do mundo, sendo realizado por ninguém sabe como e por quem - em vez de paraíso, constata-se que a mistificação é inteiramente a mesma.

Na espera dessa famosa liquidação social, a classe trabalhadora deve, portanto, comportar-se respeitavelmente – tal qual um rebanho de ovelhas bem tosadas -, deixando o Governo em paz, temendo a Polícia, respeitando as leis, apresentando-se, sem resmungar, como carne de canhão.

Em sua vida prática quotidiana, os trabalhadores devem ser os servos mais obedientes do Estado.

Porém, em seus corações, devem protestar, da maneira mais enérgica, contra sua existência, declarando-lhe seu profundo desprezo teórico através da compra e leitura de tratados literários sobre a supressão do Estado.

Porém, devem tomar cuidado para não oporem outro tipo de resistência à ordem capitalista que não sejam suas declamações sobre a sociedade do futuro, na qual deixará de existir esse regime odiado.”

 

Ninguém pode colocar em questão o fato de que, se os apóstolos do indiferentismo político tivessem-se declarado assim tão categoricamente, teriam sido mandados ao inferno pela classe trabalhadora, há muito tempo.

A classe trabalhadora teria considerado tudo isso uma ofensa, proferida por burgueses doutrinários e pervertidos representantes da nobreza que são tão estúpidos ou ingênuos a ponto de lhe negar a concessão de todo e qualquer meio de luta real.

Pois, todos esses meios de luta têm de ser subtraídos à atual sociedade, uma vez que as condições fatais dessa luta possuem a desgraça de não se adaptarem às fantasias idealistas que esses Doutores das Ciências Sociais erigiram à condição de divindades, sob os nomes de liberdade, autonomia e anarquia.                 

Contudo, o movimento da classe trabalhadora é, agora, tão forte que esses sectários filantrópicos não possuem mais a coragem de repetir as mesmas grandes verdades sobre a luta econômica que proclamaram, incessantemente, sobre a luta política.

São por demais covardes para também aplicar essas verdades às greves, às coalizões, aos sindicatos, às leis sobre o trabalho das mulheres e das crianças, sobre a limitação da jornada de trabalho etc., etc.

Vejamos, agora, em que medida se podem fundar sobre a boa tradição, a modéstia, a honestidade, os princípios eternos!

 

Os primeiros socialistas – Fourier, Owen, Saint-Simon etc. – tiveram de se limitar à elaboração de sonhos sobre a sociedade modelo do futuro, pois que as relações sociais ainda não estavam suficientemente desenvolvidas, para possibilitar à classe trabalhadora sua formação como partido político, sendo levados a condenar todas as tentativas, empreendidas pelos trabalhadores – tais quais greves, coalizões, ações políticas -, visando a melhorar em algo a sua situação.

Porém, se não possuímos nenhuma razão para repudiar esses patriarcas do socialismo – tampouco como os químicos modernos possuem o direito de rejeitar os seus pais, os alquimistas – temos, porém, de tomar o cuidado para não incidirmos nos seus erros que, se fossem por nós cometidos, seriam imperdoáveis.

 

Entretanto, mais tarde, em 1839, quando a luta econômica e política da classe trabalhadora da Inglaterra adquiriu um caráter já marcadamente intenso, John Francis Bray, um discípulo de Robert Owen e um daqueles que havia, muito antes de Pierre-Joseph Proudhon, descoberto o mutualismo, publicou um livro, intitulado “Labour’s wrongs and labour’s remedy (EvM.: Os maus do trabalho e o trabalho como meio de cura).”[2] 

 

Em um de seus capítulos sobre a ineficiência de todos os meios de cura que se pretendem alcançar através da luta atual, Bray formula uma crítica amarga, dirigida tanto contra os movimentos econômicos quanto contra os movimentos políticos dos trabalhadores ingleses.  

Condena o movimento político, as greves, a redução da jornada de trabalho, a regulação do trabalho fabril das mulheres e das crianças, porque, em seu parecer, tudo isso, em vez de nos conduzir para fora da atual situação social, tão somente nos acorrenta a ela, apenas aguçando ainda mais os seus antagonismos.

 

E, agora, passemos ao oráculo daqueles Doutores das Ciências Sociais, o Sr. Proudhon.

Enquanto o grande mestre Proudhon possuiu a coragem de declarar-se energicamente contra todos os movimentos econômicos (coalizões, greves etc.) que se encontravam em contradição com as teorias redentoras de seu mutualismo – ainda que reivindicasse a luta política da classe trabalhadora, em seus escritos e sua intervenção pessoal -, seus discípulos não ousam declarar-se, abertamente, contra o movimento.

Já em 1847, no momento em que surgiu a grande obra do mestre, intitulada "Philosophie de la misère ou Système des contradictions économiques (EvM.: Filosofia da Miséria ou Sistema das Contradições Econômicas)", refutei todos os seus sofismos, elaborados contra o movimento dos trabalhadores.[3]

 

Porém, em 1864, após a adoção da Lei Ollivier – uma lei que concedeu aos trabalhadores franceses o direito de coalizão, ainda que em medida muito limitada -, Proudhon voltou novamente ao mesmo tema, em seu livro, intitulado “De la capacité politique des classes ouvrières (Sobre a Capacidade Política das Classes Trabalhadoras)”, publicado poucos dias após a sua morte.[4]

 

Os ataques do mestre Proudhon apresentavam-se tão ao gosto da burguesia que o “The Times (Os Tempos)” concedeu a honra a Proudhon de traduzí-lo, em 1866, por ocasião da grande greve dos alfaites de Londres, para condenar os grevistas, com as próprias palavras de Proudhon.

Eis aqui alguns exemplos disso.

Os mineiros de Rive-de-Gier haviam entrado em greve.

Para chamá-los à razão, os soldados foram chamados.

Proudhon proclamou, então:

 

“As autoridades que mandaram atirar contra os mineiros de Rive-de-Gier encontravam-se em uma situação infeliz.

Porém, agiram como o velho Brutus quando teve de se decidir pelo amor à sua pátria ou pelo cumprimento de seu dever como cônsul. 

Teve de sacrificar seus filhos para salvar a República.

Brutus não hesitou e a posteridade não ousou amaldiçoá-lo por isso.”[5]    

 

Nenhum trabalhador se recordará de que um burguês jamais teria hesitado em sacrificar seus trabalhadores para salvar seus interesses.

Mas que tipos de Brutus são os burgueses !

 

“Não. Assim como não existe um direito de coalizão, tampouco existe um direito de fraudar e de roubar, do mesmo modo como não existe um direito de incesto e de adultério.[6]

 

Entretanto, cumpre dizer que certamente existe um direito à idiotice.

Que espécies de princípios eternos são esses, em cujo nome o mestre Proudhon atira seus anátemas de abracadabra?

 

Primeiro princípio eterno:

 

“O nível dos salários determina o preço das mercadorias.”

 

Até mesmo aqueles que não possuem nenhuma noção de Economia Política e não sabem que o grande economista burguês David Ricardo, em seu livro, surgido em 1817, com o título “Princípios da Economia Política”, refutou, de uma vez por todas, esse equívoco tradicional, conhecem o fato notável de que a indústria inglesa pode vender suas mercadorias a um preço mais baixo do que qualquer outro país, apesar de os salários na Inglaterra serem relativamente mais elevados do que qualquer outro país da Europa.          

 

Segundo princípio eterno:

 

“A lei que autoriza as coalizões é extremamente anti-jurídica, anti-econômica e contradiz toda sociedade e toda ordem.”

 

Em um palavra: “contradiz o direito econômico da livre concorrência.”

Se o mestre Proudhon fosse um pouco menos chauvin (EvM. chauvinista), ter-se-ia perguntado como é possível esclarecer que, há quarenta anos, foi promulgada, na Inglaterra, uma lei tão contrária ao direito econômico da livre concorrência e questionaria a si próprio sobre como pode ocorrer que essa lei contradiga tanto toda sociedade e toda ordem, na medida em que a indústria se desenvolve e, com ela, simultaneamente, a livre concorrência, para impor-se aos Estados burgueses como uma necessidade.

Talvez, então, Proudhon teria descoberto que esse Direito (com D maiúsculo) existe apenas nos manuais de economia, redigidos pelos irmãos ignorantes da Economia Política burguesa, naqueles mesmos livros que contêm também a pérola de que „a propriedade é o fruto do trabalho“, esquecendo sempre de acrescentar, porém, que é o fruto do trabalho dos outros.                               

 

Terceiro princípio eterno:

 

“Portanto, sob o pretexto de retirar a classe trabalhadora de uma assim denominada situação de humilhação social, será necessário começar a caluniar toda a classe dos burgueses : a classe dos senhores, dos empresários, dos proprietários de fábricas e burgueses.

Há de se conclamar a democracia dos trabalhadores a desprezar e a odiar esses indignos membros da classe média.

Há de se preferir à opressão legal a luta no comércio e na indústria, à polícia do Estado, o antagonismo de classe.”[7]

 

Para impedir que a classe trabalhadora saia de sua situação assim denominada de humilhação social, o mestre Proudhon execra as coalizões que estruturam a classe trabalhadora em classe que se posiciona de modo hostil em face da respeitável categoria dos senhores de fábrica, empresários, burgueses – categoria essa que, certamente, do mesmo modo que Proudhon, prefere a polícia do Estado ao antagonismo de classe.        

Para preservar essa classe respeitável dos inconvenientes, o bom Proudhon recomenda aos trabalhadores, até o advento da sociedade mutualista, a “liberdade ou a concorrência” que, “apesar de suas desvantagens”, constitui, seguramente, “nossa única garantia”.[8]

 

O mestre prega o indiferentismo no domínio econômico, para proteger a liberdade ou a concorrência burguesa, a “nossa única garantia”.

Os discípulos de Proudhon apregoam o indiferentismo no domínio político, para proteger a liberdade burguesa, a sua única garantia.        

Se, por um lado, os primeiros cristãos – que pregavam, igualmente, o indiferentismo político – careceram da mão forte de um imperador, para transformar de oprimidos em opressores, os modernos apóstolos do indiferentismo político, por outro lado, não acreditam absolutamente que seus próprios princípios eternos imponham-lhes a abstinência dos prazeres mundanos e dos privilégios passageiros da sociedade burguesa.

Nada obstante, devemos reconhecer que demonstram um estoicismo digno dos mártires do cristianismo quando se trata das jornadas de trabalho de 14 ou 16 horas que pesam sobre os ombros dos trabalhadores fabris. 

 

Londres, janeiro de 1873

Karl Marx

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1] Cf. MARX, KARL. Der politische Indifferentismus (O Indiferentismo Político)(Fins de 1872 – Janeiro de 1873), in : Marx & Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. 18, Berlim : Dietz, 1862, pp. 299 e s. Assinalo que o presente texto de Marx foi publicado, pela primeira vez, em lingual italiana, no “Almanacco Repubblicano per l’Anno 1874”. 

[2] Vide BRAY, JOHN FRANCIS.  Labour's Wrongs and Labour's Remedy, or, The Age of Might and the Age of Right (Os Maus do Trabalho e o Trabalho como Meio de Cura ou a Idade do Poder e a Idade do Direito), Leeds : D. Green, 1839, pp. 5 e s.

[3] Nesse sentido, vide em particular MARX, KARL. Das Elend der Philosophie. Antwort auf Proudhons “Philosophie des Elends” (A Miséria da Filosofia. Resposta à “Filosofia da Miséria” de Proudhon) (Dezembro de 1846 – Abril de 1847), especialmente Kapitel II : Die Metaphysik der politischen Ökonomie (Capítulo II : A Metafísica da Economia Política), § 5°. Strikes und Arbeiterkoalitionen (§5°. Greves e Coalizoes de Trabalhadores), in : ibidem, Vol.  4, pp. 63 – 182. A presente obra de Marx foi publicada, pela primeira vez, em língua alemã, apenas em 1885, na redação que lhe atribuíram Karl Kautsky e Eduard Bernstein. Essa primeira edição alemã foi, porém, examinada detidamente por Friedrich Engels que lhe forneceu, então, um prefácio inteiramente circunstanciado.  Sobre Proudhon, vide PROUDHON, PIERRE-JOSEPH. Système des contradictions économiques, ou, Philosophie de la misère (Sistema de Contradições Econômicas ou a Filosofia da Miséria), Paris : Chez Guillaumin et cie, 1846, pp. 5 e s. 

[4] Vide PROUDHON, PIERRE-JOSEPH. De la capacité politique des classes ouvrières (Sobre a Capacidade Política das Classes Trabalhadoras)(1864), Paris : Lacroix & Co, 1868, pp. 7 e s.

[5] Cf. IDEM. ibidem, p. 327.

[6] Cf. IDEM. ibidem, p. 333.

[7] Cf. IDEM. ibidem, p. 337 e 338.

[8] Cf. IDEM. ibidem, p. 334.