FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO
REVOLUCIONÁRIO
PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,
TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE
MUNDIAL
SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM
EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES
MARX E ENGELS EM SUA
LUTA RESOLUTA CONTRA O SOCIALISMO DA “IGUALDADE SOCIAL” E DA “LIBERDADE HUMANA”:
CONTRA A DEFESA DE UM
PROJETO DE IGUALITARISMO SOCIAL
Como Liquidar a Noção de Igualdade :
Igualdade Burguesa, Igualdade Social ou Igualdade Proletária ?
O Conteúdo Real da Reivindicação Proletária de Igualdade é a Abolição de
Classes
FRIEDRICH ENGELS[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução Emil Asturig von
München
Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von
Köln
Abril 2008 emilvonmuenchen@web.de
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(…) Se, porém, fomos capazes de liquidar também o
tratamento rasteiro e tolo que o Sr. Dühring elabora acerca da noção
de igualdade, não liquidamos ainda essa própria noção que desempenha um
importante papel teórico, em particular desde Jean-Jacques Rousseau,
adquirindo um marcante significado prático-político, durante e desde a Grande
Revolução e, ainda hoje, um destacado sentido de agitação, no quadro do
movimento socialista de quase todos os países.
A verificação de seu conteúdo científico
determinará também seu valor para a agitação proletária.
A noção de que todos os seres humanos, enquanto
seres humanos, possuem algo em comum e que - na medida em que baste esse
traço em comum - são seres humanos iguais, é evidentemente
uma noção ancestral.
Porém, desta é inteiramente diversa a reivindicação
moderna de igualdade. Esta reside, sobretudo, em deduzir, a partir daquela
qualidade comum do ser humano, daquela igualdade do ser humano enquanto
ser humano, uma exigência de igual valor político ou,
então, social de todos os seres humanos ou mesmo, no mínimo, de
todos os cidadãos de um Estado ou, ainda, de todos os membros de uma sociedade.
Até que se pudesse extrair daquela noção original
de relativa igualdade a conclusão relativa à igualdade de direitos
no Estado e na sociedade, até que pudesse surgir essa conclusão até
mesmo como algo natural e evidente, tiveram de transcorrer séculos e
séculos e séculos e séculos, de
fato, transcorreram.
Nas comunidades
natural-primitivas mais antigas podia-se falar, no máximo, de igualdade
de direitos entre os membros da comunidade.
Dela, mulheres, escravos, estrangeiros estavam por
si mesmos excluídos.
Junto aos gregos e romanos, as desigualdades
dos seres humanos tinham muito maior importância do que
qualquer igualdade que fosse.
Aos antigos, surgiria necessariamente como
algo insano a noção de que gregos e bárbaros, homens livres
e escravos, cidadãos nacionais e habitantes
asilados, cidadãos romanos e súditos romanos (para usar uma expressão
abrangente) devessem ter uma pretensão a um igual status político.
Sob o Império Romano, todas essas
diferenças dissolveram-se, gradativamente, à exceção daquela relativa a
seres livres e escravos.
Com isso, surgiu para os seres livres, no
mínimo, aquela igualdade dos indivíduos privados, sobre cujo
fundamento desenvolveu-se o Direito Romano - a elaboração
mais completa do Direito fundado sobre a propriedade
privada, que conhecemos.
Porém, enquanto existiu o antagonismo, havido entre
seres livres e escravos, não se podia falar de conseqüências jurídicas,
extraídas da igualdade humana geral.
Recentemente, vimos tudo isso ainda nos Estados
Unidos escravistas da América do Norte.
O cristianismo conhecia apenas uma
igualdade de todos os seres humanos, a de todos igualmente nascerem
no pecado original, igualdade
essa que correspondia inteiramente ao seu caráter, enquanto
religião dos escravos e dos oprimidos.
À parte isso, reconhecia, no máximo, a igualdade
dos eleitos, acentuada, porém, apenas bem no
início.
Os vestígios de comunidade de bens que
também são encontrados, nos primeiros estágios da nova
religião, podem ser muito mais atribuídos à coesão, existente entre os
perseguidos, do que a reais concepções de igualdade.
Logo a seguir, a consolidação do antagonismo,
existente entre padres e laios, pôs um fim também a essa apreciação de igualdade
cristã.
A invasão da Europa Ocidental pelos
povos germanos eliminou, por século, todas as noções de igualdade por meio da
gradativa edificação de uma ordem hierárquica social e
política extremamente intrincada, até então jamais existente.
Ao mesmo tempo, porém, essa invasão
arrastou a Europa Ocidental e Central no curso do movimento
histórico, criando, pela primeira vez, um domínio cultural compacto e, no
interior deste, também pela vez primeira, um sistema de
Estados preponderamente nacionais que se
influenciavam reciprocamente, mantendo um ao outro em xeque.
Com isso, preparou o terreno sobre o qual pudesse
se falar, em um período mais tarde, de igualdade humana e de direitos
humanos.
Além disso, a Idade Média Feudal
desenvolveu, em seu seio, a classe que, em seu desenvolvimento subseqüente, estava
destinada a tornar-se a portadora da reivindicação moderna de igualdade :
a burguesia.
De início, ela própria, um estamento
feudal, havia desenvolvido, no interior da sociedade feudal, a
indústria predominante artesanal e a troca de produtos a um
nível relativamente alto, quando, em fins do século XV, as grandes
descobertas marítimas, abriram-lhe um novo caminho de maior amplitude.
O comércio extra-europeu, praticado, até então,
apenas entre a Itália e os países do Oriente do
Mediterrâneo, foi expandido, a seguir, até a América e
as Índias, sobrepujando, logo, em relevância, tanto a
troca, mantida entre os singulares países europeus entre si, quanto a
circulação interna, praticada em cada país separadamente.
O ouro e prata americanos inundaram a Europa, penetrando,
tais qual um elemento desintegrador, todos as lacunas, fissuras e
poros da sociedade feudal.
A indústria artesanal já não mais foi suficiente
para satisfazer a demanda crescente.
Nas indústrias dirigentes dos países mais
adiantados, acabou sendo substituída pela manufatura.
Entretanto, à poderosa revolução das condições
econômicas de vida da sociedade não se seguiu, absolutamente, de imediato,
uma modificação correspondente de sua articulação política.
A ordem do Estado permaneceu sendo feudal, ao
passo que a sociedade tornou-se, cada vez mais, burguesa.
O comércio em grande escala, i.e. em
particular o comércio internacional e, mais ainda, o comércio mundial exigia livres
proprietários de mercadorias, desimpedidos em seus movimentos, proprietários
esses que, enquanto tais, gozam de direitos iguais e trocam suas
mercadorias, sobre a base de um Direito que é igual para todos eles,
ao menos em cada lugar, considerado singularmente.
A transição do artesanato à manufatura tem por
pressuposto a existência de um número de trabalhadores livres - livres, de um
lado, das cadeias das corporações de ofício e, d'outro, dos meios, com os
quais podiam valorizar sua própria força de trabalho - trabalhadores
livres que podem contratar com o fabricante, por meio de aluguel de sua força
de trabaho, i.e. que se defrontam com este como contraentes, dotados de direitos iguais.
E, finalmente, a igualdade e o status
de igualdade de todos os trabalhos humanos, porquanto e na
medidade em que são, em geral, trabalho humano, encontraram
sua expressão inconsciente, porém clarevidente, na Lei do
Valor da economia burguesa moderna, segundo a qual o valor de
uma mercadoria é medido pelo trabalho socialmente necessário nela contido.[2]
Porém, onde as relações econômicas exigem liberdade
e igualdade de direitos, a ordem política impõe a elas,
a passo e passo, restrições corporativas e privilégios
especiais.
Prerrogativas locais, deveres diferenciados,
leis excepcionais de todos os gêneros atingiram, no comércio, não
apenas os estrangeiros ou habitantes das colônias, senão também, muito
freqüentemente, categorias inteiras de próprios cidadãos nacionais.
Privilégios corporativos acumulavam-se, por todos os
lados e sempre repetidamente, barrando o caminho do desenvolvimento da
manufatura.
Em nenhum lugar, havia caminho livre e
eram iguais as oportunidades dos competidores burgueses.
E, no entanto, era essa a reivindicação
de caráter prioritário e cada vez mais urgente.
Logo que foi colocada na ordem do dia pelo
progresso econômico da sociedade, a reivindicação de
emancipação dos entraves feudais e de instituição da igualdade
jurídica mediante eliminação das desigualdades feudais, teve,
imediatamente, de adquirir uma maior dimensão.
Uma vez postulada no interesse da indústria e
do comércio, há de se exigir essa mesma igualdade de direitos
para a grande massa de camponeses que haviam de entregar, gratuitamente,
em todos os níveis de subordinação, partindo da total servidão, a maior parte
de seu tempo de trabalho, ao gracioso senhor feudal e, além disso,
pagar ainda inúmeros tributos a ele e ao
Estado.
Não se poderia simplesmente deixar de exigir
que também os privilégios feudais, a liberdade de tributação da
nobreza, as prerrogativas políticas dos estamentos,
considerados separadamente, não fossem abolidos.
E, tendo em conta que já não mais se vivia em um
império mundial - tal qual fora o Império Romano -,
senão em um sistema de Estados independentes que se relacionavam uns com
os outros, sob o mesmo pé de igualdade e
dotados aproximadamente do mesmo nível de desenvolvimento
econômico, resulta evidente que a reinvindicação em
causa teve de adquirir um caráter geral que
ultrapassava um Estado em particular e que liberdade
e igualdade tinham de ser proclamadas como direitos do homem.
E é característico do caráter
especificamente burguês desses direitos do homem o fato de
que a Constituição dos EUA - a primeira que reconheceu
os direitos do homem - confirmou, ao mesmo tempo, a
escravidão dos negros, existente na América : as prerrogativas
de classe foram proscritas, as prerrogativas raciais, santificadas.[3]
Entretanto, como se sabe, a partir do momento em
que a burguesia se despiu do seu burguesismo feudal,
transformando-se seu estamento medieval em uma classe moderna, foi,
permanente e inevitavelmente, acompanhada de sua sombra, o proletariado.
E, do mesmo modo, as reivindicações burguesas
de igualdade passaram a ser acompanhadas das reivindicações
proletárias de igualdade.
A partir do momento em que a reivindicação burguesa
de abolição das prerrogativas de classes foi levantada, surgiu,
ao lado dela, a reinvindicação proletária de abolição das próprias
classes - de início, em forma religiosa, apoiando-se no cristianismo
primitivo, posteriormente, baseando-se nas próprias teorias
burguesas da igualdade.
Os proletários agarram as palavras
da burguesia : a igualdade deve ser não apenas aparente, não
apenas aplicada no domínio do Estado, senão ainda deve ser aplicada
realmente, no domínio social, econômico.
E, particularmente, desde que a burguesia francesa
colocou, a partir da Grande Revolução, a igualdade burguesa
no primeiro plano, respondeu-lhe o proletariado francês, golpe
por golpe, com a reivindicação de igualdade social, econômica
e a igualdade tornou-se o grito de guerra do proletariado francês.
Na boca do proletariado, a reivindicação de igualdade
possui, assim, um duplo significado.
1.
Ou é a reação natural contra as gritantes desigualdades
sociais, contra o contraste existente entre ricos e
pobres, senhores e servos, sobresaturados e famintos -
e esse é, especialmente, o caso em seus primeiros momentos, p.ex. a Guerra
Camponesa.
Como tal, a reivindicação em causa é simplesmente
expressão do instinto revolucionário, encontrando nisso - e
apenas nisso - a sua justificação.
2.
Ou, então, surge da reação contra a reivindicação
burguesa de igualdade, desta sacando, porém, consignas amplas,
mais ou menos corretas, servindo de meio de agitação
para instigar os trabalhadores contra os capitalistas com as próprias
declarações dos capitalistas.
Nesse caso, é colocada e desaba com
a própria igualdade burguesa.
Em ambos os casos, o conteúdo real da reivindicação
proletária de igualdade é a abolição das classes.
Toda e qualquer reivindicação que vai mais distante
perde-se no absurdo.
Fornecemos alguns exemplos disso e disso ainda
encontraremos outros suficientemente, ao atingirmos as fantasias sobre o
futuro, formuladas pelo Sr. Dühring.
Com isso, a própria noção de igualdade
é, tanto em sua forma burguesa quanto em sua forma proletária, um
produto histórico para cuja produção foram necessárias
determinadas relações históricas que pressupuseram, elas mesmas, por sua
vez, uma longa história precedente.
Portanto, essa noção é tudo, menos uma verdade
eterna.
E, se, hoje, ela é evidente para o grande público -
em um ou em outro sentido -, se - tal como Marx afirma
- "possui já a firmeza de um preconceito popular",
não é por causa do efeito de sua verdade axiomática, mas sim devido
ao efeito da difusão geral e da persistente contemporaneidade das idéias
do século XVIII.[4]
Sendo assim, se o Sr. Dühring é
capaz de deixar, sem mais nem menos, os seus dois homens
célebres praticar a economia sobre o terreno da igualdade, é porque isso surge
de modo inteiramente natural perante o preconceito popular. E, na realidade, o
Sr. Dühring denomina sua filosofia de "filosofia
natural", porque esta é derivada a partir de muitas coisas
que a ele parecem muito naturais. Por que razão lhe parecem naturais, isso
é o que evidentemente não questiona. [5]
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA
A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO
PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU
- SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Herrn Eugen Dühring's Umwälzung der Wissenschaft
(A Subversao da Ciência do Sr. Eugen Dühring) (Setembro 1876 – Junho 1878), in :
ibidem, Vol. 20, pp. 1- 303. Assinalo que a presente obra de Engels
foi publicada, pela primeira vez, na forma de artigos periódicos, entre 3 de
janeiro de 1877 e 7 de julho de 1878, no jornal “Avante”, órgão
jornalístico da Social-Democracia Alemã. Na forma de livro, surgiu, pela
primeira vez, igualmente em 1878, na cidade de Leipzig.
[2] Nesse passo, Engels
remete-nos à leitura de MARX,
KARL. Das Kapital. Bd. 1 (O Capital. Vol.
1), in : ibidem, Vol. 23, pp. 74 e s. No quadro dessa sua exposição, Engels
assinala ainda precisamente o seguinte : „A dedução das noções
modernas de igualdade, extraídas das condições econômicas da sociedade
burguesa, foi, pela primeira vez, apresentada por Marx,
em "O Capital".“
[3] Acerca
do tema, permito-me remeter o leitor ao exame da AMERICAN CONSTITUTION OF
1787. Anoto que Marx teve oportunidade de realçar que Carta
Magna em realce, ao proclamar, oficialmente, os EUA
como República Federativa, foi o documento
jurídico-fundamental burguês mais progressivo do seu tempo. Já no século
XIX, representava, entretanto, a escravidão legalizada.
Nesse sentido, assinalou Marx, com precisão :
"A Constituição ... reconhece os escravos como propriedade e obriga o
governo da União a proteger essa propriedade." Cf. KARL, MARX. in :
ibidem, Vol. 19. p. 36.
[4] Sobre esse
tema, vide MARX, KARL. Das Kapital. Bd. 1 (O Capital. Vol.
1), in: ibidem, Vol. 23, p. 74
[5] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo X: Moral e Direito. Igualdade, Vol. 20. pp. 95 e s.