FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO MARXISMO REVOLUCIONÁRIO

PARA A LUTA DE CLASSES PROLETÁRIA,

TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MUNDIAL

SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES

MARX E ENGELS EM SUA LUTA RESOLUTA CONTRA O SOCIALISMO DA “IGUALDADE SOCIAL” E DA “LIBERDADE HUMANA”:

CONTRA A DEFESA DE UM PROJETO DE IGUALITARISMO SOCIAL

 

“Eliminação de Todas as Desigualdades Sociais e Políticas” é Também uma Expressão Muito Censurável :

Sociedade Socialista como Reino da Igualdade

É Noção Francesa Unilateral Defendida pelas Precedentes Escolas Socialistas,

Devendo Agora Ser Superada   

 

FRIEDRICH ENGELS[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução  Emil Asturig von München

Publicação em Homenagem a Portau Schmidt von Köln

Outubro 2007 emilvonmuenchen@web.de

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Londres, 18/28 de março de 1875

 

Caro Bebel![2]

 

Recebi sua carta de 23 de fevereiro e alegro-me por saber que o Sr. está passando tão bem de saúde.

O Sr. me pergunta o que pensamos da história da unificação.[3]

 

Infelizmente, aconteceu conosco exatamente o mesmo que com o Sr.

Nem Wilhelm Liebknecht nem ninguém mais deu-nos qualquer tipo de informação e nós também apenas sabemos daquilo que se encontra nos jornais e, neles, não havia nada, até que, cerca de 8 dias atrás, chegou o Projeto de Programa.[4] 

 

(...)  “Eliminação de todas as desigualdades sociais e políticas”, em vez de “Supressão de todas as diferenças de classe”, é também uma expressão muito censurável.

De país para país, de província para província, até mesmo de lugar para lugar, existirá sempre uma certa desigualdade das condições de vida que poderá ser reduzida a um mínimo, porém jamais eliminada integralmente.

Os habitantes dos Alpes terão sempre outras condições de vida em relação às pessoas da planície.

A noção de sociedade socialista como reino da igualdade é uma noção francesa unilateral que se apóia na velha consigna de “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, noção essa justificada enquanto fase de desenvolvimento de seu tempo e lugar, mas que deveria ser agora superada, tal quais todas as unilateralidades das precedentes escolas socialistas.

Pois, essas unilateralidades criam apenas confusão mental, sendo que foram encontrados modos mais precisos de apresentação das coisas.

 

(...) Ao Wilhelm Liebknecht, escrevi apenas brevemente.[5]

     

Não o perdoo por não nos ter dito nem mesmo uma palavra sobre o negócio todo (ao passo que Ramm e outros pensam que ele disso nos teria precisamente participado) até que se tornou – digamos assim – tarde demais.

Em verdade, sempre fez isso – e, por isso, a extensa correspondência desagradável que tanto Marx quanto eu com ele tivemos.

Porém, dessa vez, é, de fato, realmente muito ruim e, decididamente, não colaboraremos com ele.[6]

 

Veja o que pode fazer para vir até aqui, no verão.

Evidentemente, o Sr. se hospedará em minha casa e, se fizer bom tempo, poderemos tomar banho de mar, alguns dias.

Isso lhe será realmente bem útil, depois de sua longa estadia na prisão.[7]

   

Mui cordialmente, 

F.E.

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an August Bebel in Zwickau (Carta a A. Bebel em Zwickau)(18 – 28 de Março de 1875), in : Karl Marx und Friedrich Engels Werke (Obras de Karl Marx e Friedrich Engels), Vol. 34, Berlim : Dietz, 1966, pp. 125 e s. A carta de Engels em apreço foi, apenas publicada, pela primeira vez, 36 anos depois de sua redação, em 1911, em apenso ao livro de BEBEL, AUGUST. Aus meinem Leben (Minha Vida)(1911), Vol. 2, 5. ed., Berlim : Dietz, 1978, pp. 419 e s. Destaco que, entre 22 e 27 de maio de 1875, teve lugar, na cidade de Gotha, a unificação do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), composto pelos eisenachianos, encabeçados por August Bebel e Wilhelm Liebknecht, e da Associação Geral  dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), composta pelos lassaleanos, dirigidos por Johann Baptist von Schweizer,  Wilhelm Hasenclever e Wilhelm Hasselmann. Desse modo, emergiu à cabeça da classe trabalhadora alemã um partido unificado dos trabalhadores. No Congresso de Coalizão de Gotha de 1875,  foi adotado um novo estatuto e um novo programa partidário. O Estatuto de Gotha correspondia, em linhas bem gerais, às experiências prático-organizativas do SDAP e aos princípios de organização, defendidos por Marx e Engels. Porém, o Programa de Gotha situava-se, notoriamente,  bem abaixo do nível de desenvolvimento do socialismo científico, já alcançado no Programa do SDAP, em 1869, porque elencava toda uma série de falsas formulações teóricas e políticas que faziam grandes concessões ao lassalleanismo. A despeito de saudar a perspectiva de unificação das forças proletárias da Alemanha, Marx criticou, duramente, o Projeto de Programa de Gotha em um ensaio específico. Vide MARX, KARL. Kritik des Gothaer Programms. Randglossen zum Programm der deutschen Arbeiterpartei (Crítica do Programa de Gotha. Glosas Marginais ao Programa do Partido Alemão dos Trabalhadores) (Abril e Maio de 1875), in : ibidem, Vol. 19, pp. 15 e s. Ao mesmo tempo, Engels pronunciou-se contra o Projeto de Programa de Gotha, em sua carta aqui traduzida para o vernáculo, a qual, em essência, corresponde inteiramente às concepções defendidas por Marx, em seu ensaio retro-mencionado. Nada obstante, destaco que o Projeto de Programa foi, finalmente, votado e aprovado pelo Congresso de Gotha de 1875, com pouquíssimas e inexpressivas modificações, em total desprezo às posições defendidas por Marx e Engels. A presente carta de Engels encontra-se em perfeita consonância com os posicionamentos de Marx, contida em sua obra retro-mencionada e exprime, em essência, a posição de ambos acerca da planejada unificação a ser contraída, em 1875, entre eisenachianos e lassalleanos. O pretexto mais direto para a elaboração da presente missiva foi a publicação, em 7 de março de 1875, do ”Projeto de Programa para o Futuro Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha”, nas páginas do “Der Volksstaat (O Estado Popular)”, órgão dos eisenachianos, e do “Neuer Social-Demokrat (Novo Social-Democrata)”, orgão dos lassalleanos.

[2] Assinalo que August Bebel (1840 – 1913) foi torneiro  mecânico e um dos mais importantes dirigentes do movimento operário alemão e internacional do século XIX e do início do século XX, bem como amigo pessoal de Marx e Engels. Em 1863, ajudou a fundar a “Verband Deutscher Arbeitervereine (Federação das Associações Alemãs dos Trabalhadores)”, a qual, a partir de 1867, presidiu. Desde 1866, foi membro da Associação Internacional dos Trabalhadores - Primeira Internacional, encabeçada por Marx e Engels. Em 1866, foi um dos principais fundadores do Partido Popular da Saxônia (SVP), de orientação radical-democrática, liberal de esquerda, em 1869, do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP) e, em 1875, do Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAPD). Finalmente, em 1890, juntamente com Wilhelm Liebknecht, foi responsável pela fundação do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD). Bebel foi deputado do Parlamento Imperial do Norte da Alemanha, entre 1867 e 1870, e, a seguir, entre 1871 e 1881, bem como entre 1883 e 1913, do Parlamento Imperial da Alemanha.

A luta interna contra a integração da Social-Democracia Alemã ao regime do Estado Prussiano possui seu dealbar sob a inflexível batuta ideológica de Marx e Engels contra a direção oportunista de August Bebel e Wilhelm Liebknecht, ao longo dos anos 70 do século XIX, no quadro de suas contudentes críticas a todos os Programas do SDAP/SAPD/SPD. Já mesmo no Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de 1875, cuja elaboração foi, em grande parte, inspirada intelectualmente pelos lassalleanos, sustentada enfaticamente por Eduard Bernstein, admitida politicamente, apesar de leves e ligeiras críticas, por August Bebel e Wilhelm Liebknecht – e rechaçada agudamente por Marx e Engels -, a Social-Democracia Alemã, rumando para a fusão dos eisenachianos e lassaleanos, não reivindicou absolutamente, em seu Congresso do Compromisso de Gotha, ocorrido entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática de Ditadura Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da experiência da Comuna de Paris - , mas sim postulou a edificação de um Estado Popular Livre, a ser introduzido em substituição do então existente Estado Prussiano, assentado este sobre a dominação de classe burguesa-capitalista. Sobre o Programa de Gotha de 1875, Engels assinalou, posteriormente, ainda o seguinte : “Wilhelm Liebknecht está naturalmente furioso, porque toda a crítica foi cunhada, especialmente, contra ele. Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselman, pariu esse programa podre. ...” Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Friedrich A. Sorge (Carta à F. A. Sorge) (11 de Fevereiro de 1891), in : ibidem, Vol. 38, pp. 30 e s. A seguir, entre 1878 e 1890, Marx e Engels lutaram para imprimir um perfil revolucionário à estratégia e tática de luta social-democrática, travada no quadro da Lei contra os Socialistas. A partir do início de 1890, August Bebel e Wilhelm Liebknecht passaram a demonstrar, então, tendências ostensivas de pretenderem intervir exclusivamente no quadro da legalidade burguesa. Engels combateu, implacavelmente, até ao dia de sua morte, a direção alegadamente “marxista” de August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl Kautsky, Eduard Bernstein e colaboradores que, na década de 90 do século XIX, seguiram imprimindo, enquanto “friedfertige Anbeter der Gesetzlichkeit quand même (EvM.: veneradores pacifistas da legalidade, sob todas as condições), uma orientação invarialvelmente pacifista e reformista ao Partido da Social-Democrarcia da Alemanha. Por isso, diversos artigos de Engels, produzidos nos últimos anos de sua vida, foram censurados ou simplesmente não publicados.  Em outubro de 1891, foi adotado o Programa de Erfurt do SPD o qual, apesar de representar um passo adiante em comparação com o Programa de Gotha de 1875 – por assentar-se, então, em linhas gerais, sobre concepções econômicas de Marx  -,  consolidou importantes concessões políticas, feitas pelos oportunistas, comandados por August Bebel, Wilhelm Liebknecht e Karl Kautsky, aos reformistas, acaudilhados, então, por Eduard Bernstein, um dos protagonistas do ”Revisionimus-Debatte(Debate sobre o Revisionismo)”, iniciado em 1896. Engels também criticou, detalhadamente, o Programa de Erfurt de 1891, destacando os principais aspectos tanto do reformismo quanto do oportunismo, nele acolhido e defendido pela II Internacional Socialista. Em especial, o Programa de Erfurt de 1891 ignorava, mais uma vez, inteiramente a reinvindicação de Ditadura Revolucionária do Proletariado, enquanto forma de transição à sociedade socialista sem classes. Os principais dirigentes do SPD impediram que a base do Partido e os trabalhadores alemães tivessem acesso à crítica formulada por Engels a esse programa, desprezando, completamente, seu conteúdo na formulação do texto programático final. Acerca do tema, vide ENGELS, FRIEDRICH. Zur Kritik des sozialdemokratischen Programmentwurfs 1891 (Crítica do Projeto do Programa Social-Democrático de 1891)(18 – 29 de Junho de 1891), in : ibidem,  Vol. 22, pp. 227 e s. Voltando sua atenção às resoluções do Programa de Erfurt, Karl Kautsky, à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia Alemã e da II Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892: “Uma tal derrubada (i.e. a derrubada do poder político pelo proletariado) pode assumir as formas mais variadas, conforme as relações sob as quais se executar. De nenhuma maneira, tem de necessariamente estar vinculada a atividades de violência e a derramento de sangue. Já existiram casos na história mundial em que as classes dominantes foram particulamente compreensivas – ou particularmente fracas e medrosas -, de modo que abdicaram voluntariamente em face de uma situação de coação.” Cf. KAUTSKY, KARL. Das Erfurter Programm(O Programa de Erfurt)(1892), Berlim : Dietz Verlag, 1919, p. 102. No mesmo sentido, Wilhelm Liebknecht, no quadro do Congresso de Erfurt, realizado em 1891, pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da temática em destaque: “O elemento revolucionário não se situa nos meios, mais sim no objetivo. A violência é, desde há séculos, um fator reacionário.” Cf. LIEBKNECHT, WILHELM. in : Protokoll des Erfurter Parteitages (Protocolo do Congresso de Erfurt), Berlim, 1891, p. 206. Wilhelm Liebknecht negava, além disso, a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo – admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras. Nesse sentido, vide IDEM. Zukunftstaatlisches (Coisas do Estado Futuro), in : Cosmopolis, Berlim, 1898, pp. 218 e 219.

Entre 14 de fevereiro e 6 de março de 1895, Engels redigiu sua “Introdução à Luta de Classes na França de 1848 a 1850 de Karl Marx”, a qual foi publicada no curso do mesmo ano, na cidade de Berlim. Depreende-se, entretanto, de uma carta de Richard Fischer, dirigida a Engels, em 6 de março de 1895, que a direção do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD) exigiu de Engels uma atenuação do tom linguístico-revolucionário, contido em sua referida “Introdução”. Na carta de resposta de Engels a Fischer, datada de 8 de março de 1895, verifica-se, além disso, que Engels contestou, detalhadamente, as preocupações que a direção do SPD levantava, elucidando, inequivocamente, sua posição jurídico-político-revolucionária. A crítica de Engels dirigia-se contra a atitude irresoluta da direção do SPD, encabeçada por August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Richard Fischer etc. – e sua pretensão de intervir exclusivamente no quadro da legalidade burguesa. Engels foi obrigado, entretanto, a fazer certas alterações léxicas e gramaticais em seu texto original, bem como eliminar, inteiramente, certas passagens, em que realçava a necessidade da luta armada do proletariado vindoura contra a burguesia. Baseados no texto dessa notável “Introdução”, alguns célebres dirigentes do SPD empreenderam, a seguir, a tentativa de deformar os posicionamentos de Engels, incluindo-o entre os adeptos da via pacífica “quand même (EvM.: custe o que custar)”, para a tomada do poder pela classe trabalhadora. Nesse sentido, em 30 de março de 1895, publicou-se, no “Vorwärts (Avante)”, um artigo editorial, intitulado “Wie man heute Revolutionen macht (Como se Fazem Revoluções Hoje)”, em que diversas citações, extraídas aleatoriamente da “Introdução” de Engels, produziam a falsa impressão de que Engels haver-se-ia tornado “ein friedfertiger Anbeter der Gesetzlichkeit quand même(EVM.: um venerador pacifista da legalidade, sob todas as condições)”. Logo depois da reedição da obra de Marx em questão, Engels exigiu, energicamente, que sua “Introdução” fosse publicada, na íntegra, na revista “Neue Zeit (O Novo Tempo)”. Sem embargo, o Nr. 27/28, 2 Vol. 13° Ano, 1894/95 dessa revista decidiu-se por publicar apenas a “Introdução” com as alterações e as supressões referidas que Engels fora forçado a efetuar, sob pressão da direção do SPD. Entretanto, a despeito destas, é efetivamente possível verificar que a “Introdução” em causa preserva, ainda assim, seu caráter revolucionário, pouco podendo prestar-se às degenerações de posições, contidas no artigo editorial do “Vorwärts(Avante)”, intitulado “Wie man heute Revolutionen macht (Como se Fazem Revoluções Hoje)”. Neste comenos, uma publicação integral da “Introdução” de Engels não teve em lugar, na Alemanha, antes de eliminado o perigo de promulgação de uma nova Lei contra os Socialistas. Para um exame integral do texto em apreço, vide ENGELS, FRIEDRICH. Einleitung zu Karl Marx’ Klassenkämpfe in Frankreich 1848 bis 1850(Introduçao à Luta de Classes na França de 1848 a 1850)(1895), in : ibidem, Vol. 27, pp. 509-527. Sobre o pano de fundo dos métodos utilizados pela corrente oportunista de Liebknecht, Bebel e Kautsky, visando ao impulsionamento de suas disputas políticas de outrora, dá-nos conta, precisamente, Engels, em 3 de abril de 1895, poucos meses antes de sua morte, em uma de suas cartas enviadas a Paul Lafargue, ao protestar contra as amputações literárias realizadas por Wilhelm Liebknecht em sua “Introdução” referida: “Wilhelm Liebknecht aplicou-me, agora mesmo, um golpe de mau gosto. Retirou de minha introdução aos ensaios de Marx sobre a França, de 1848 a 1850, tudo aquilo que lhe podia servir, para apoiar, a todo custo, a tática pacífica e refutadora da violência. Essa tática, adora pregá-la, desde algum tempo e particularmente nesse momento em que, em Berlim, estão sendo preparadas Leis de Exceção. Recomendo uma tática do gênero apenas e tão somente para a Alemanha de hoje, fazendo-o, ainda, com reservas consideráveis. Para a França, a Bélgica, a Itália e a Áustria, essa tática não é adequada, em seu conjunto, e, mesmo para a Alemanha, pode demonstrar-se inaplicável já no dia de amanhã.  Peço-lhe, portanto, que espere pelo artigo completo, antes de julgar – provavelmente este aparecerá no “Neue Zeit(Novo Tempo)”. Espero, de um dia para o outro, exemplares das brochuras. É lamentável

que Wilhelm Liebknecht veja apenas o preto e o branco. Para ele, as nuances não existem. Além disso, as coisas estão quentes na Alemanha, o que promete um fim de século grandioso. ...” Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Paul Lafargue in Le Perreux(Carta a P. Lafargue em Le Perreux)(3 de Abril de 1895), in : ibidem, Vol. 39, p. 458.

Após a morte de Engels, os dirigentes oportunistas e revisionistas do SPD propagandearam, de modo deformado, as posições engelsianas, constantes em sua “Introdução”, como forma de reforçar, até a exaustão, sua tática pacífica e refutadora da violência. Impediram, sistematicamente, que os trabalhadores e militantes de base tivessem acesso ao texto original e integral da “Introdução”. Calaram-se sobre o fato de haverem forçado Engels a operar certas modificações léxicas e gramaticais em seu texto, a fim de aliviar o seu tom revolucionário. Alegaram que, em sua “Introdução” – apregoada como seu definitivo “politiches Vermächtnis(legado político)” -  Engels haveria aderido ao reformismo e ao pacifismo, abdicando de suas posições revolucionárias precedentes. 

Falar-se do SPD, pura e simplesmente, como se fosse o “Partido de Engels” - sem destacar a luta travada por esse último contra o filistinismo do “livre pensar” -,  constitui um equívoco patente : caberia falar ou do Partido Social-Democrático da Alemanha (SDAP/SAPD/SPD) com que Marx e Engels colaboraram criticamente a partir da Inglaterra – pois, ambos haviam sido expulsos da Alemanha, logo após a Revolução de 1848 – 1849, tendo sido Marx forçado a tornar-se apátrida - ou do Partido que se opunha à orientação de Marx e Engels, em vez de falar, sem mais nem menos, do “Partido de Engels”. Cabe, em verdade, a Ernst Mandel e aos incorrigíveis adeptos e colaboradores do mandelismo, distribuídos pelos mais diversos partidos, sindicatos, institutos culturais e órgãos de imprensa da atualidade, defenderem - no estilo de Daniel Bensaïd - a tese arenosa de que o “Partido de Engels” se integrou ao imperialismo alemão, por permanecer em sua “velha e preservada tática”, finalmente antagonizada por Rosa Luxemburgo. Vide MANDEL, ERNST. Rosa Luxemburg und die deutsche Sozialdemokratie (Rosa Luxemburgo e a Social-Democracia Alemã) (Março de 1971), in: Ernst Mandel – Karl Mandel. Rosa Luxemburg Leben – Kampf – Tod (Vida – Luta – Morte), Frankfurt a.M. : isp – Verlag, Mai 1986, pp. 46 e s.  Por outro lado, cumpre destacar que a grandiosa e corajosa luta travada pela águia revolucionária do proletariado, Rosa Luxemburgo contra a direção social-reformista do Partido Social-Democrático Alemão (SPD), possuía como elementos de enfraquecimento a própria postura equivocada de Rosa Luxemburgo. Defendendo, por um lado, a derrubada de Wilhelm II, Rosa mantinha invariável sua posição que rejeitava abertamente o Direito de auto-determinação das nações oprimidas – contra a orientação de Marx e Engels -, propugnava uma teoria de acumulação do capital inteiramente revisionista – contra os posicionamentos de Marx e Engels -, postulava, nas lutas proletárias, uma defesa essencialmente democratista de direitos e liberdades fundamentais para todos os indivíduos e organizações sociais – contra a concepção de Marx e Engels  -, repudiava a teoria de Partido centralizado – contra a concepção de Marx e Engels -, o que, sem dúvida, favorecia estrategicamente, em grande parte, as posições do social-reformismo e do oportunismo organizativo da Social-Democracia Alemã. Entre os proletários revolucionários alemães desse período histórico encontraremos também aqueles que, não apenas defendendo a derrubada do Imperador Alemão, inclinavam-se também – ainda que intermediados por Karl Radek - a favor da defesa do modo de funcionamento e da linha geral internacionalista do Partido Bolchevique de Lenin. Reuniam-se em torno de Paul Fröhlich, Johan Knief e Julian Borchard e de seu trabalho surgiram também importantes sustentáculos, indispensáveis à fundação do Partido Comunista da Alemanha (Liga Spartakus), em fins de 1918 e início de 1919.                        

[3] Na missiva de Bebel, dirigida a Engels, aquele indagava o seguinte a este : “O que é, então, que o Sr. e Marx dizem acerca da questão da unificação? Não tenho nenhum julgamento completamente válido. Pois, encontro-me totalmente desinformado. Sei apenas o que noticiam os jornais. Estou ansioso por ver e ouvir como as coisas ficarão, quando for libertado, em 1° de abril.” Cf. BEBEL, AUGUST. Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(1875), passim: ibidem, Vol. 34, p. 569.   

[4] Com efeito, em 7 de março de 1875, havia surgido nas páginas do órgão do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), denominado „Der Volksstaat (O Estado Popular)“, e no órgão da Associação Geral  dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), de nome “Neuer Socialdemokrat (Novo Social-Democrata)”, uma conclamação, intitulada “Aos Social-Democratas da Alemanha!”, adotada pelos dirigentes de ambos os partidos em causa, na Pré-Conferência de Gotha de 14 e 15 de Fevereiro de 1875, tornando pública a convocação de um “Congresso dos Social-Democratas da Alemanha”. Juntamente com essa conclamação, foi publicado ainda um Projeto de Programa do Partido e um Estatuto que haviam sido debatidos, no quadro da pré-conferência em tela.

[5] Impende destacar que, a seguir, em 21 de abril de 1875, Wilhelm Liebknecht dirigiu-se, em carta, a Engels, afirmando o seguinte : “As deficiências do programa, para as quais o Sr. nos chama a atenção, são indiscutivelmente existentes e delas estávamos conscientes, desde o início. Entretanto, não puderam ser evitadas, na conferência, se não devéssemos romper as negociações de unificação. Os lassalleanos haviam tido, imediatamente antes, uma reunião de dirigentes e vieram munidos com mandato imperativo para o tratamento de certos pontos especificamente chocantes. Tivemos de fazer-lhes concessões tanto mais porque para nenhum de nós (como também para nenhum dos nossos outros) havia dúvida de que a unificação significa a morte do lassalleanismo.”  Cf. LIEBKNECHT, WILHELM. Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(21 de Abril de 1875), passim: ibidem, Vol. 34, p. 572.     

[6] Com efeito, importa destacar que August Bebel respondeu a Engels, em carta datada de 21 de setembro de 1875, assinalando, entre outras coisas, o seguinte : “Concordo, inteiramente, com a apreciação que o Sr. formulou sobre o Projeto de Programa, tal como também o comprovam as cartas que diriga a Bracke. Além disso, censurei, de modo enérgico, Wilhelm Liebknecht por sua complacência, porém, depois de ocorrida a infelicidade, cumpria arrancar o melhor possível da situação. O que decidiu o congresso foi o máximo que era possível alcançar.” Cf. BEBEL, AUGUST. Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(21 de Setembro de 1875), in: A. Bebel. Aus meinem Leben (Minha Vida)(1911), Vol. 2, 5. ed., Berlim : Dietz, 1978, p. 432.  Entretanto, é imperioso destacar que as alegações de Bebel sobre “concordar inteiramente” com Engels não podem absolutamente ser consideradas como minimamente verdadeiras. Pois, em consonância com suas posições inteiramente oportunistas, Bebel fez publicar, repetida e imodificadamente, em inúmeras edições, havidas até o ano de sua morte, sua célebre concepção sobre a necessidade de transformação do Estado de classe burguês em um Estado popular. Nesse sentido, Bebel afirmou, pela primeira vez, em sua obra dada ao público inicialmente em 1870, expressamente o seguinte : “Demonstrei com o Estado da atualidade é um Estado de classe, situado, especialmente, sob a dominação da burguesia, sendo que, portanto, não possui e nem possuirá os meios para apoiar a produção cooperada, empreendida através da organização de cooperativas de produção. Se a burguesia fizesse isso, se as classes dominantes o fizessem, agiriam contra o seu próprio interesse. Formariam na classe trabalhadora não apenas um concorrente, senão ainda um fator que tornaria, de modo geral, a burguesia, finalmente, impossível, deixando de existir sua dominação de classe. Isso seria, naturalmente, suicídio que não cometerá, espontaneamente, de nenhuma maneira. Disso resulta que a classe trabalhadora tem de conquistar o poder, o que seguramente pode fazer, porque a classe trabalhadora constitui a grande maioria e sua consigna não é apenas de liberdade, mas também de igualdade de direitos, incluindo, portanto, em si mesma a justiça. Nessa sede, quero, mais uma vez, expressamente assinalar que, pelos motivos já expostos inicialmente, não apenas entendo sob essa classe trabalhadora os trabalhadores assalariados, em estrito senso, senão também os artesãos e pequeno-camponeses, os trabalhadores intelectuais, os escritores, os professores das escolas populares, os servidores públicos de grau inferior, todos os que, sofrendo sob as condições atuais, possuem uma posição pouco - ou de nenhum modo – melhor do que a dos trabalhadores assalariados e, estando, talvez, algo melhor do que estes – tais qual o estamento dos artesãos e dos camponeses autônomos – tornam-se, irresistivel e impiedosamente, vítimas do moderno desenvolvimento. Assim, essas diversas classes formam, na realidade, a maioria esmagadora do povo e, como não se trata da repressão da minoria pela maioria, mas sim da igualdade de direitos e igualdade de posição de todos, não se pode, portanto, falar da dominação de uma classe ou de um estamento – seja mesmo da dominação da classe trabalhadora. Trata-se, pelo contrário, de uma sociedade tão democrática a que se aspira, tal qual jamais existiu sobre a face da terra. Reproduzi, detalhadamente, esse último ponto, porque a “Demokratische Korrespondenz (Correspondência Democrática” e todos os nossos inimigos referem algo como a dominação de classe ou estamental e porque, em suas questões, conseguem apenas imaginar, da maneira mais ingênua do mundo, a reorganização da sociedade, exigida pela Social-Democracia, como uma colcha de retalhos, operada sobre a sociedade burguesa de hoje. O Estado há de ser, portanto, transformado de um Estado, fundado sobre a dominação de classe, em um Estado Popular, em um Estado que não haja nenhum tipo de privilégios. E esse Estado deverá, a partir daí, permitir, com todos os meios e forças, colocados à sua disposição, o surgimento da produção cooperativa, no lugar das empresas privadas isoladas. Em um tal Estado, o ajudar a si mesmo é auxílio popular, o auxílio popular é auxílio, prestado pelo Estado, o ajudar a si mesmo e o auxílio do Estado são, portanto, idênticos. Um antagonismo não existe.” Cf. BEBEL, AUGUST.  Unsere Ziele. Ein Streit gegen die “Demokratische Korrespondenz” (Nossos Objetivos. Um Litígio contra a “Correspondência Democrática”)(Leipzig : Thiele, 1870), 3a. Ed., Leipzig : Verlag der Expedition d. Vollksstaat, 1872, pp. 14 e s. Vide, no mesmíssimo sentido, as repetidas e inalteradas edições dessa clássica obra de Bebel, ocorridas, como mínimo, repetidamente, em 1875 (Leipzig : Verlag der Genossenschaftsbuchdruckerei) 1886 (Hottingen – Zürich : Volksbuchhandlung), 1893 (Berlim : Vorwärts), 1906 (Berlim : Vorwärts), 1910 (Berlim : Vorwärts), 1913 (Belim : Buchhandlung Vorwärts).

[7] Destaco que August Bebel e Wilhelm Liebknecht foram condenados, em março de 1872, no quadro do Processo de Alta Traição de Leipzig, contra eles movido, a 2 (dois) anos de prisão em fortaleza, por causa de sua filiação à Associação Internacional dos Trabalhadores – Primeira Internacional e suas convicções social-democráticas. Em abril de 1872, em um Processo por Crime de Lesa-Majestade,  Bebel foi novamente condenado a 9 (nove) meses de prisão, resultado cassado seu mandato parlamentar. Assim, Wilhelm Liebknecht  foi libertado, então, em 15 de abril de 1874. August Bebel, apenas e, 1° de abril de 1875. Entretanto, Bebel não seguiu o convite de Engels e apenas dirigiu a este uma carta, assinalando o seguinte : “O Sr. gostaria que Liebknecht e eu fossemos ao seu encontro, em Londres, no curso do presente ano. Muito me agradaria fazer essa viagem e também a Liebknecht, seguramente. Porém, resulta-me impossível viajar, neste ano. Quando sair da prisão, não apenas o Partido vai-me sobrecarregar com mais convites para assembléias do que os dias do ano – isso é muito usual por aqui – e cada regional imagina possuir o direito de exigir-me uma visita, depois de tanto tempo ...” Cf. BEBEL, AUGUST. Brief an Friedrich Engels (Carta a F. Engels)(23 de Fevereiro de 1875), passim: ibidem, Vol. 34, p. 572.