FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO
SOCIALISMO CIENTÍFICO
PARA A LUTA DE EMANCIPAÇÃO PROLETÁRIA,
TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE
MUNDIAL
SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM
EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES
TEORIA CULTURAL
DO SOCIALISMO
GUSTAV RADBRUCH[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução Asturig Emil von München
Janeiro 2019 emilvonmuenchen@web.de
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Übersetzung ins Deutsche
Índice
1. Economia e Ideologia
2. O Pensamento Comunitário Socialista
Ideal Comunitário; Comunidade e Personalidade; Comunidade
e Nação; Ética Comunitária; Camaradagem;
Senso Comunitário; Prazer de Trabalhar
3. A Idéia Cultural do Socialismo
Cultura
Capitalista; o Naturalismo; Cultura de Transição ; Essência da Cultura Socialista ;
Juventude Trabalhadora ; Formação de Massas; Arte Socialista;
Socialismo
como Ciência e como Religião; Escola Socialista;
Cultura
Socialista e Individualista; Racionalismo e Irracionalismo.
4. A Crise da Democracia
Ideologia
Democrática e Sociologia Democrática; Democracia e Socialismo; A Idéia do
Estado do Estamento Profissional; Os Partidos na Democracia; Democracia e
Parlamentarismo;
Democracia
e Liderança; O Homem de Estado;
O
Funcionarismo.
5. Socialismo e Nação
6. Socialismo e Direito
Direito
do Trabalho e Direito Penal Segundo a Concepção Individualista e Segundo a
Concepção Socialista
7. A Concepção da Família do Socialismo
8. Socialismo e Religião
Moralidade
Cristã e Moralidade Socialista; Essência da Religião (Natureza, Ideal, Cultura,
Religião); Figuras da Religiosidade Socialista.
9. Goethe e nós mesmos
Economia e Ideologia
A
formulação de “considerações ideológicas” surgirá perante a apreciação dos
adeptos ortodoxos da concepção materialista da história como uma ociosa
aventura. Porém, as exposições exageradas dessa teoria despertam a impressão de
que a concepção econômica da história faria da ideologia - tal qual esta se apresenta no Direito, no
Estado, na arte, na ciência, na filosofia e na religião – uma expressão
puramente inelutável das relações econômicas respectivas, sem significado
próprio e sem autonomia, uma ilusão, que não cumpre cultivar, senão destruir,
mediante a exibição de suas causas econômicas.
O fato de
que este não é o sentido verdadeiro da teoria histórica da economia já foi
indicado freqüentemente. Já quando Karl Marx designa o ideal como “o
material transposto na cabeça humana” não pode essa “transposição” ser
entendida senão no sentido de que o material é implantado em novas formas
culturais, não deriváveis do fundamento material e, deste modo, transposto em
um novo modo existencial. E Friedrich
Engels acentuou, em uma de suas célebres cartas, que tanto Marx quanto
ele teriam “menosprezado esse lado formal em favor do lado conteudístico.”
De fato,
uma autonomia é colocada em operação, na medida em que o elemento material
repercute nas formas firmes que são dele independentes, em virtude das quais o
elemento ideológico, segundo as palavras de Engels, pode, agora, reincidir
sobre a “sua própria causa”.
Um exemplo
disso é oferecido pela ideologia da liberdade da burguesia em ascensão. A
liberdade, “referida” por ela, era tão somente um espaço de manobra do futuro
capital.
Esse
espaço de manobra foi, entretanto, implementado na “forma ideológica do
Direito”, isso significa, porém, a forma da igualdade e da generalidade da
Justiça.
E, assim,
da necessidade de liberdade do capital em gestação surgiu, na medida em que se
converteu em forma jurídica, a liberdade-cidadã, a liberdade igual para todos
e, por consegüinte, também, a liberdade de coalizão para a força de trabalho em
sua luta contra o capital. A ideologia repercute, novamente, de modo
transformador, sobre sua própria causa material, o poder da burguesia.
Porém,
não apenas as formas culturais, também os ideais culturais influenciam,
subitamente, tanto as relações econômicas de poder, a partir das quais
saltaram, quanto os movimentos políticos que servem para expressar essas
relações econômicas de poder.
Todo
movimento político é sociologicamente forçado a produzir uma ideologia.
Se também
um Partido fosse originariamente congregado tão somente pelo interesse de seus
adeptos, seria, desde logo, forçado a, no mínimo, fingir ser o seu interesse
particular postulado, ao mesmo tempo, no interesse do público em geral.
Essa
afirmação de servir, no interesse particular, concomitantemente, ao interesse
geral é a essência de toda e qualquer ideologia partidária.
Porém,
uma tal ideologia partidária pode ser, de início, nada mais do que a túnica encantadora
com a qual o interesse acoberta a sua nudez: com a inevitabilidade sociológica
tornar-se-á ela muito mais do que isso.
A
ideologia de um Partido dirige-se, em verdade, não apenas, de modo combativo,
contra o adversário, senão ainda, de modo publicitário, aos novos adeptos a
serem conquistados.
Em torno
de um núcleo duro de membros, ligado a esse Partido por um interesse, reúne-se
um círculo cada vez mais amplo de membros partidários, cuja filliação à
organização não é determinada pelo interesse, mas sim pela idéia do Partido que, por isso, insistem
na completa e conseqüente execução da idéia, também à custa do interesse, e,
deste modo, ata o Partido à idéia que, por sua vez, os amarrou ao Partido.
De uma
outra maneira ainda, a idéia supera o interesse. Também as correntes da luta
partidária têm de alargar, de modo cada vez mais amplo, o seu fronte de idéias,
para não ser ultrapassado.
A
competição entre os Partidos força cada um deles a possuirem uma visão
programática sobre todas as questões da vida pública, também sobre aquelas que
se encontram apenas em um contexto muito distante ou até mesmo em nenhum
contexto com o seu interesse originário.
Assim, um
programa partidário incorpora cada vez mais reivindicações que são apenas então
motivadas ideologicamente e não mais de modo sociológico.
Tal como
o desejo há de ser sempre o pai dos pensamento, assim também o interesse há de
ser a mãe da idéia: tais quais outras mães, também o interesse não consegue
impedir que suas filhas cresçam, tornem-se capazes e dirijam suas próprias
vidas.
No
momento em que o interesse se assenta sobre a idéia, entrega-se, por sua vez, à
lógica dessa idéia que, doravante, desenvolve-se segundo as suas próprias leis,
possivelmente até mesmo contra o interesse que a conclamou a seu serviço. O
interesse não pode servir-se da idéia, sem que, por sua vez, se torne servil à
idéia. O interesse, mesmo não o querendo, torna-se, com a necessidade
sociológica, o veículo da idéia.
E,
dest’arte, releva-se o materialismo histórico, no fim das contas, como uma
forma do idealismo, certamente não como uma forma do idealismo subjetivo de
motivos ideais, mas sim como um idealismo objetivo de idéias vitoriosas que
consegue forçar a estar a seu serviço motivos muito não ideais:
Tal como
afirmou Hegel:
“Denomina-se o estratagema da razão o fato de que faz
sobre si mesma repercutir por si mesmas as paixões.”
O
marxismo não nega, de nenhum modo, a sua descendência a partir de Hegel.
Por isso,
um movimento social pode ser entendido de um modo duplo: de um lado, de um modo
histórico-materialista, a partir dos interesses de classes, que se servem da
ideologia, d’outro lado, porém, e com igual razão, de modo
histórico-filosófico, a partir das idéias que, por sua vez, sabem forçar a
servir-lhes os interesses de classes, para que sejam executadas.
Ao lado
da explicação materialista, a
interpretação idealista da história pode levantar a pretensão a possuir o seu
lugar.
A relação
da economia para com a ideologia encontra sua contraposição exata e instrutiva
na relação da sexualidade para com o erotismo.
Poder-se-ia
demonstrar que todo o erotismo trata-se apenas de “sexualidade sublimada”.
Entretanto,
não se reconvertirá o erotismo em sexualidade, querendo-se renunciar ao véu
mágico que o erotismo tece em torno dos fatos toscos da sexualidade, abrindo-se
mão da formação que a sexualidade experimenta mediante o erotismo.
O jogo
das ideologias em torno da economia é como o jogo do erotismo com a
sexualidade. Em verdade, não apenas um jogo, senão também a realidade mais real
e efetiva.
O Pensamento Comunitário Socialista[2]
O Programa
de Erfurt denomina a sociedade socialista como o objetivo
necessariamente natural do desenvolvimento econômico.
Não se declara,
mas se pressupõe que o socialismo seja não apenas uma necessidade “natural”,
i.e. uma necessidade histórica, senão também uma necessidade moral.
Necessidade
histórica e necessidade moral fundem-se, segundo a maneira de Hegel,
em uma unidade inextricável.
“O
desenvolvimento do socialismo de utopia em ciência” – por Engels tanto louvado –
consistiu, efetivamente, no fato de que o inevitável subjetivismo de
fundamentação moral naufragou na objetividade de um prognóstico histórico.
Não mais
colocado sobre o terreno inestável de esperanças e desejos humanos, mas sim
fundado sobre o sólido fundamento de um cálculo comprovável e irrefutável,
demonstrado como um destino inexorável que tem de desencorajar toda e qualquer
resistência, fornecendo asas a todas as esperanças, é que o socialismo então
adquiriu a sua virulência agitadora deslumbrante.
Porém,
esse entrelaçamento de duas questões entre si separáveis trouxeram também
perigos consigo.
Não tendo
sido levantada autonomamente, a questão da necessidade moral do socialismo teve
de ser respondida apenas de modo levemente superficial mediante a pressuposição
incomprovada da apreciações generalizadas.
O Manifesto
Comunista desemboca na idéia de uma “associação, em que o livre
desenvolvimento de cada um é a condição o livre desenvolvimento de todos.”
O Programa
de Erfurt assinala como o sentido moral do socialismo a liberdade
e a igualdade, o máximo de bem estar e a mais
abrangente e harmônica perfeição.
Ambos
esses documentos declararam-se, então, no final das contas, favoráveis aos
valores que pertencem à vida do indivíduo, não ao todo social, fundando, assim, o programa econômico
socialista sobre uma visão de mundo inteiramente individualista.
De acordo
com isso, o socialismo aspira, por um outro sendeiro, o mesmo objetivo de
perfeição pessoal-individual que o individualismo da época capitalista, ao
considerar o seu ideal mais elevado.
Verifica-se
que também a formação de idéias socialista não pode substrair-se à
condicionalidade mediante as relações econômicas de poder que afirma a
concepção materialista da história para todo o espírito da época respectiva.
Precisamente
por isso, porém, surge, agora, preconizável, sob a influência de uma
constituição econômica, lentamente amadurecendo para o socialismo, também a
maturação de um visão de mundo essencialmente similar ao socialismo. E, de
fato, necessita-se apenas ser um pouco sensível para perceber o passo do novo
espírito da época que caminha, com solas silenciosas, em meio às massas, com
pisadas audíveis, em meio à juventude.
Palavras
tais quais “personalidade” e até mesmo “super-homem”, sobre as quais repousava
todo a grande emoção, do qual o tempo havia chegado, perderam, dia a dia, em
fulgor e colorido. Novas palavras ganham uma sonoridade cada vez mais profunda
e acolhedora, entre as quais, sobretudo, a palavra “comunidade”.[3]
Tal como
a sociologia socialista apresenta o indivíduo inserido, indissoluvelmente, na
comunidade, também a ideologia socialista pode procurar seu ideal de
personalidade não no além da comunidade.
Podendo
ser o objetivo final dos seres mortais ainda assim a personalidade, trata-se,
porém, aqui da personalidade não no sentido do super-homem, desprendido da
comunidade, senão a personalidade em comunidade.
Porém, a
comunidade permanece sendo mero sentimentalismo comunitário se não trata de
comunidade de uma causa comum, de um trabalho comum, de uma obra comum.
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE
- DIVERSIDADE J. M. SVERDLOV”
PARA
A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO CIENTÍFICO-SOCIALISTA
DAS
MASSAS OPRIMIDAS E SEUS ALIADOS POLÍTICOS
MOSCOU
- SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. Radbruch, Gustav.
Kulturlehre des Sozialismus, in: Schriften zur Zeit (Escritos para o Tempo), em
Colaboração com Gustav Radbruch, Karl Bröger, Hugo Sinzheimer, ed. August
Rathmann e Franz Osterroth, 2a. ed.,
ampliada e modificada, Berlim: J.H.W. Dietz Nachf., 1927, p. 7 e s.
[2] Aqui, podemos referir
uma série de escritos dotados de senso semelhante, sobretudo as obras de Hendrik
de Man, intituladas “Acerca da Psicologia do Socialismo” de 1926, “Os Intelectuais e o Socialismo”, de 1926, e
de Gertrud
Hermes, “O Perfil Espiritual dos Trabalhador Marxista” de 1926. Além
disso, cabe citar Eduard Heimann, “A Idéia Moral da Luta de Classes”, Carl
Mennicke, “O Socialismo como Movimento e Tarefa”, ambos de 1926, Albert
Kranold, “A Personalidade no Socialismo”, de 1923, “Coação e Liberdade
no Socialismo”, de 1925, “Sobre o Socialismo enquanto Idéia Moral”, incluida no
compêndio “Socialismo Vivo”. E, finalmente, o Caderno da Ação dos Jovens
Socialistas, editado por Walther G. Oschilweski, em julho de 1927. De modo
crítico sobre o tema, vide Karl Korn, “A Visão de Mundo do
Socialismo”, de 1927.
[3] Essa palavra obteve o
seu surgimento a partir da importante obra de Ferdinand Tönnies,
intitulada “Comunidade e Sociedade”, publicada em 1887, em primeira
edição.