FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO SOCIALISMO CIENTÍFICO

PARA A LUTA DE EMANCIPAÇÃO PROLETÁRIA,

TRAVADA EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MUNDIAL

SEM EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, SEM EXPLORAÇÃO DE NAÇÕES POR NAÇÕES

 

SOCIALISMO DA DESESCRAVIZAÇÃO DA HUMANIDADE:

A HUMANIDADE COMO ELA É E COMO ELA DEVERIA SER

 

WILHELM WEITLING[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Asturig Emil von München

Abril 2019 emilvonmuenchen@web.de

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Os vocábulos República e Constituição,

tão belos quanto sejam,

sozinhos não bastam.

O povo pobre nada tem no estômago,

nada tem sobre o corpo

e tem sempre de atormentar-se.

Por isso, a próxima Revolução,

devendo-as melhorar,

há de ser uma Revolução Social.

 

 

 

(...)

 

Capítulo XI.

 

Se tais idéias forem implemantadas, encontrar-se-à, onde quer que seja, apenas irmãos e irmãs e, jamais, o inimigo.

A terceira geração da humanidade, vivendo em comunidade de bens, falará uma língua e será igual em hábitos, costumes e formação científica.

O artesão e o camponês serão, ao mesmo tempo, eruditos e o erudito será artesão e camponês.

Não se conhecerá apenas o próprio local de nascimento, senão ainda viajar-se-à por todas as zonas e regiões do mundo e, em todas as partes, será nosso lar.

A primeira geração fará ensinar, paralelamente à lingua popular, uma das já conhecidas línguas mortas ou uma nova língua, por ela mesma inventada, na qualidade de língua mundial, em todos os seus estabelecimentos de ensino.  

A segunda geração introduzirá essa língua mundial em todas as relações familiares e negociais.

E a terceira geração fará desaparecer todas as línguas nacionais mediante a admissão das crianças nos estabelecimentos de ensino, desde o seu nascimento.

E, então, haverá um pastor e um rebanho.

O que, hoje, é difícil, por causa dos muitos preconceitos, será fácil, na segunda geração que viverá em comunidade de bens, passando, então, a ser exigido, por necessidade, pela terceira geração.

Com a introdução da vacina contra a varíola, a maioria dos pais opuseram-se a esta, por ficarem preocupados de poderem lesar os seus filhos, colocando-a, assim, em descrédito. Hoje, opor-se-iam à proibição da vacina do mesmo modo que, outrora, opuseram-se à sua introdução.

Imaginem um ser humano que, à época do Imperador Augusto, tivesse inventado a pólvora e a agulha magnética, tendo-se convencido de seus efeitos mediante experimentos precedentes de vários anos. Este ser humano ter-se-ia dirigido a seu Ministro, mais ou mesmo com as seguintes palavras:

 

“Com essa insignificância, posso modificar a arte da guerra de Alexandre e de César.

Posso, com isso, fazer fortalezas saltarem pelos ares.

No espaço de uma hora, despedaçar cidades. Em um minuto, transformar Roma em uma montanha de entulho. Dizimar vossas legiões a três mil pés de distância.

Igualar os soldados mais débeis ao mais forte, levando relâmpago em um bolso da minha calça.

Por fim, posso, lançando mão desse instrumento, contido nessa pequenina caixa, resistir, em meio à escuridão, às tempestades e penhascos.

Posso dirigir um navio à noite, de modo seguro, tal como em um dia claro. E, onde quer que seja, sem divisar o céu e a terra, orientar rumo aos pontos cardeais.”

 

Depois desse discurso, os corifeus da Antiga Roma, tais quais Gaius Maecenas e Marcus Agrippa, haveriam de considerar o inventor um mero sonhador. E, no entanto, este nada teria prometido senão impactos muito prováveis que, hoje em dia, são de conhecimento até mesmo das crianças.

Toda nova invenção, toda verdade profundamente meditada, encontram, hoje, as mesmas dificuldades e a mesma contradição, porque se opôem a muitos interesses e preconceitos particulares. Porém, no fim das contas, acabam por penetrar através da escuridão, pois são filhas da luz.

Por isso, continuai a escavar, corajosamente, até a fonte que contém o deleitoso manancial no qual se hão de refrescar as futuras gerações.

Se conquistardes a primeira vitória, havendo despedaçado os velhos livros caducos do despotismo, da tirania e do egoísmo, haveis de atentar para a escolha de vossa nova Constituição.

Esta deve assemelhar-se não a uma estrada melhorada, cujas cavidades estão preenchidas com areia e pedras e na qual se viaja a cavalo, a pé ou com carros.

Aqui, desviam os carros, com todo o gosto, dos locais pedregosos e transitam pela mesma trilha dos pedestres. Estes vêem-se, então, freqüentemente, forçados a pisar na rugosa estrada pedregosa, se não querem afundar os pés nos excrementos retorcidos.       

A comunidade de bens é a solução de emancipação da humanidade.

Transforma, por assim dizer, a terra em paraíso, converte os deveres em direitos, eliminando uma série de crimes pela raiz. As abomináveis palavras: roubo, assassinato, avareza, furto, mendicância e muitas outras semelhantes envelheceram nas línguas das nações. Apenas os livros da história mundial esclarecerão ainda seus tristes significados, pelos quais nosso futuro gênero humano sentirá calafrios.

Porém, que esperança temos de instituir essa comunidade e como podemos lograr a alcançá-la?

Lançando mão da astúcia, da coragem e do amor ao próximo.

Sede, portanto, astutos como a serpente e tenros como as pombas.

Não vos amendontrais com aqueles que matam os corpos.

O amor ao próximo nos disponibiliza exércitos, com braços poderosos.

Nossa astúcia subtrai as armas aos nossos inimigos e a coragem utiliza todas as oportunidades para com elas combatê-lo.

Quem tem a coragem de sonegar o pagamento de impostos aos seus opressores e botar para fora os lacaios policiais e milicianos destes faz coisas tão gloriosas como aquele que derruba um tirano.

Quem, porém, para prorrogar a sua vida, edifica guilhotinas e penitenciárias para seus irmãos em troca de dinheiro de recompensa e indenizações dos tiranos, colocando as mãos, ociosamente, sobre o peito quando os estranguladores procuram por suas presas ou até mesmo lançando com indiferença o olhar sobre as vítimas arrastadas, é mais desprezível do que o lacaio policial e mais miserável do que o escravo mais deplorável. Os nomes desses covardes devem desaparecer da humanidade, pois não são dignos de que seus filhos honrem suas memórias.

Nossos inimigos superaram-nos sempre em inteligência e astúcia e, por isso, faltou sempre à nossa coragem as armas justas para, com elas, combatermo-los.

Porém, neles, não se pode encontrar nenhum resquício de amor ao próximo. Seus exércitos são completados com coação e estes já poderiam estar, com boa vontade, entre as nossas fileiras. 

Dai provas de vossa coragem e de vossa resolução, persistindo na luta por vossa convicção.

Escrevei em vossas bandeiras:

“Não queremos mais nem pobreza e nem opressão!”

Escolhei vosso dirigente vós mesmos e não procurais, nesse ato, pelos mais ricos e mais poderosos.

Vosso general não deve ter mais direito ao proveito dos bens de vida do que o mais jovem voluntário.

Ele deve ser o vosso pai, diante do inimigo, e vosso irmão, à mesa.   

Atentai para o fato de que a Suíça deve a sua liberdade a um camponês. A morte exige de todos o seu tributo e é melhor lançar-lhe a sua jovem vida nos pratos da balança de ferro em prol da libertação da humanidade do que entregá-la, por um pedacinho de pão, nas mãos do usurário e da exuberância que engordam com sua medula dos ossos, sugando-a e, depois, atirando-a à sarjeta, despreocupados com sua pobre existência miserável.  

Sagrados sejam, por três vezes, sagrados sejam, no intermundo e na posteridade, os nomes dos mártires que, sob a bandeira do amor fraternal, impregnaram a terra natal com seu sangue, selando a sua crença inabalável com sua morte. 

No local eleito, onde combateram, a humanidade libertada deve errigir um pedestal dos colunas ornamentais e dos canhões fundidos dos tiranos e sobre a plataforma deste o Deus Mamon, fundido em uma pirâmide, há transmitir à posteridade os nomes dos combatentes do próprio Deus Mamon e da violência brutal.

E, mais uma vez, sagrados sejam os nomes daqueles que perseverarem até o fim. Um igual monumento há de proclamar a sua glória às próximas gerações, neste belo lugar da terra. E estes serão os santuários da humanidade. De todas as regiões, hão elas de fluir para contemplar esses templos sagrados e renovar, diante deles, sua aliança de concórdia.

Assim, permiti que a prudência seja o vosso líder, a coragem, vosso escudo e vossas armas, e o amor ao próximo, vossa divisa. Pois, sob esses signos, havei de vencer.

Os espartanos viveram 500 anos em comunidade de bens. Não lhes faltou em prudência e coragem, sim, porém, em amor ao próximo. Não trabalhavam, senão forçavam os prisioneiros de guerra e divididos entre si a trabalharem para si. Desconheciam o provérbio: quem não trabalha, não come. E, por isso, a sua Constituição fracassou.

No século XVI, o horizonte político da Alemanha encontrava-se carregado por importantes ocorrências. Thomas Münzer, um pastor evangélico da Saxônia, pregava a comunidade de bens. Expulsou os ricos das cidades, aliciando um grande séquito.

Porém, faltou-lhe coragem. Quando o exército de seus inimigos avançavam contra ele, chamou a atenção de seus 30.000 combatentes que possuia acantonados para um arco-íris no céu. Anunciou-lhes o auspício dos anjos e os proibiu de combater. Foram esmagados, quase sem resistência.

O alfaiate Jan Beuckelszoon van Leiden instituiu, naquele mesmo tempo, a comunidade de bens, na cidade de Münster, na Vestfália.  Expulsou os ricos da cidade, permitindo-se ser aclamado o Rei do Globo Terrestre. Após o assédio de Münster, tendo seus caido por traição nas mãos de seus inimigos, conheceu uma morte cruel, incompatível com a de um mártir, posto que havia profanado a vernácula doutrina com sua ambição.

Entretanto, esses exemplos comprovam que mágicos encantos o ensinamento da comunidade de bens já outrora exercia sobre as massas, a despeito da imperfeição com a qual era apregoada.

Naquele mesmo século XVI, exércitos de camponeses insurretos assolavam a Suábia, a Francônia e a Áustria, provocados pela arrogância dos padres e dos próceres, opondo-se aos seus tiranos, cujos monastérios, castelos e burgos incineravam.

Mais uma vez, concomitantemente, um padre da Saxônia instigou as massas contra os abusos e chicanas do Papa e dos padres. Porém, não apenas fez vista grossa da tirania dos poderosos, senão ainda os estimulava, apoiando-os.

Ao Príncipe aconselhou de aplastar os camponeses como se fosse uma manada de gado e, todavia, as dez cosignas em favor das quais lutaram direitos e equüidade, não questionadas hoje por ninguém.

 

A Guerra Camponesa foi reprimida pelos Príncipes. Porém, a Reforma Protestante, caída sob a proteção destes, levou a que, para a sua vantagem, a unificação da Alemanha desaparecesse.  Se a Reforma Protestante houvesse marchado de braços dados com a Guerra Camponesa, permanecendo uma pura causa popular, ter-nos-íamos livrado de uma vez da tirania dos padres e dos poderosos e poupado as lamentações de todas as lágrimas e sangue do povo, vertidos desde então.

Quando ainda há o povo de lamentar? Em que província tremularão as bandeiras dos vingadores alemães?

Todos os corações batem impacientemente diante dos acontecimentos vindouros.

A Reforma Protestante estremeceu, outrora, tal qual um suave raio de luz, o mundo tenebroso.

Emergindo das trevas, o povo olhou, timidamente, em torno de si mesmo, para divisar a entrada do novo paraíso. Viu apenas, porém, espadas e coroas, cujo brilho sangrento causou dor aos seus olhos.

E seus cílios baixaram-se novamente para dormir um novo sono, semelhante ao anterior. Um jato fosco do evangélio ficou apenas em sua alma esperançosa.

Desde então, penetra ratejando, de tempos em tempos, a desarmonia, enviada ora de tiranos estrangeiros, ora de tiranos nativos, pelas fileiras dos adormentados, sacudindo as vítimas que quer conduzí-los ao matadouro.

Pobre povo enganado e bondoso!

Continue a dormir até que te invoque as trombetas e sinos dos temporais do Juizo Final.

Então, varra os homens de Wittenberg e de Roma que, para escárnio da tua nudez, apoiam os tronos e os sacos de dinheiro.

Então, a unidade há de cravar o estandarte do amor ao próximo em tuas terras, teus meninos hão de com ele voar até os cantos do mundo e o mundo tranformar-se-á em um jardim e humanidade, em uma família.

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE – DIVERSIDADE J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO CIENTÍFICO-SOCIALISTA

DAS MASSAS OPRIMIDAS E SEUS ALIADOS POLÍTICOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1] Cf. WEITLING, WILHELM. Die Menschheit wie sie ist und wie sie sein sollte (A Humanidade Como Ela é e Como Deveria Ser)(1838/1839), 2a. Edição, 1845, Bern: Jenni, Sohn, p. 48 e s.