PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
Debates acerca da Lei sobre
o Furto de Madeira (Parte IV) :
Estado e Direito
Denegridos Pelos Meios de Conveniência,
Motivos, Consequências e
Interesses
Emergentes da Visão
Bárbara do Mundo da Propriedade Privada
KARL MARX[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Agosto de 2006
Para Palestras, Cursos
e Publicações sobre o Tema em Destaque
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Geral
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O bom Sr.
Chefe de prefeitura deve assumir um encargo, dando execução a uma boa
ação, a fim de que o Sr. Proprietário de Floresta possa
cumprir seu dever em face da comunidade, sem incidir em custas.
Com o
mesmo Direito, o proprietário de floresta poderia fazer uso seja do chefe de
prefeitura seja do chefe superior de cozinha seja do chefe de adega.
Não se
trata de uma boa ação se o prefeito cuida da cozinha, assim que da adega de
seus administrados?
Já o
criminoso condenado não é nenhum administrado do prefeito : é um administrado do
superintendente da prisão.
Não
perde o prefeito precisamente os meios e a dignidade de sua posição quando,
enquanto presidente do município, faz-se um executor da municipalidade para
membros individuais, quando, enquanto prefeito, faz-se um mestre tarefeiro?
Não
resultam ofendidos os demais membros livres da municipalidade se seu trabalho
honrado, prestado em serviço da comunidade, rebaixa-se à condição de trabalho
penal, prestado a serviço de indivíduos, considerados particularmente?
Porém,
é despiciendo ter de revelar esses amontoados sofísticos.
O Sr.
Relator há de ser gentil e dizer-nos, ele mesmo, como pessoas universalmente
sábias, julgam frases humanas.
Leva o possuidor
de floresta a arengar o possuidor de hectares, da
seguinte forma :
« Quando
são cortadas algumas heras de centeio do possuidor de terras, diz, então, o
ladrão : “Eu não tenho nenhum pão para comer. Por isso, pego algumas heras da
grande quantidade que o Sr. possui.”, tal como diz o ladrão de madeira: “Não
tenho nenhuma madeira para queimar, por isso furto madeira.”
Os
possuidores de terras são protegidos pelo artigo 444 do Código Criminal que
estabelece uma pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de prisão por corte de heras.
Já o
proprietário de floresta não possui uma tutela tão poderosa.»
Nessa
última exclamação invejosa e maldosa do proprietário de floresta, reside uma
inteira profissão de fé:
- Sr.
Possuidor de hectares, por que é que o Sr. se comporta tão
magnanimamente quando se trata do meu interesse?
- Porque já se velou pelo teu
interesse.
Portanto,
que não existam ilusões!
A
magnanimidade não custa nada e nem traz alguma coisa consigo.
Assim, Sr.
Possuidor de hectares não ludibrie o Sr. Possuidor de floresta!
Por
conseguinte, Sr. Possuidor de floresta não ludibrie o Sr.
Prefeito!
Esse
único intermezzo (EvM.: breve intervalo de tempo) já
comprovaria quão pouco sentido podem ter as “belas ações” em
nosso debate, se o debate inteiro não comprovasse que razões morais e humanas
encontram, aqui, a sua sede tão somente enquanto frases.
Porém, o
interesse é avarento mesmo com as frases: descobre-as apenas quando são
necessárias, quando se tratam de conseqüências consideráveis.
Mas
então, o interesse torna-se eloqüente.
O sangue corre-lhe mais rápido. Já não depende, agora, até mesmo, de belas
ações – que, para ele, são rentosas e, para os outros, custosas - palavras
aduladoras, branduras carinhosas.
Tudo
isso, tudo isso é agora explorado para carimbar o contraventor de madeira tal
qual uma moeda circulante do proprietário de floresta, para dele se fazer um
contraventor de madeira lucrativo, de modo a poder-se, comodamente,
investir esse capital, dado que o contraventor de madeira tornou-se um
capital para o proprietário de floresta.
Não se
trata de abusar do prefeito para o bem do contraventor de madeira, senão de abusar
do contraventor de madeira para o bem do proprietário de floresta.
Que
destino estranho, que fato supreendente este de que, nos raros intervalos, em
que se menciona meramente um benefício problemático para o contraventor, seja
assegurado um benefício apodíctico para o Sr. Proprietário de floresta!
Eis
aqui mais um exemplo desses pontos incidentais!
O Relator
:
«A lei
francesa não conhece a comutação da pena de prisão em trabalho florestal.
Considero
essa comutação, porém, sábia e benéfica.
Pois, a
estadia na prisão não conduz sempre a uma melhoria, senão muito freqüentemente
a um pioramento do sentenciado.»
Antes,
quando de pessoas inocentes fez-se criminosos, um deputado assinalou, a
propósito dos recolhedores de madeira apanhada no chão, que, colocando-se estes
nas prisões, juntamente com os ladrões contumazes, haveriam as prisões de se
tornarem boas.
De
repente, os estabelecimentos correcionais metamorfosearam-se em
estabelecimentos corruptores, pois, nesse momento, é para o benéfico do
interesse do proprietário que as prisões sejam degradadas.
Por
melhoria dos criminosos, entende-se uma benfeitoria percentual que
os criminosos, em sua profissão dignificante, devem prestar ao proprietário de
floresta.
O
interesse não possui nenhuma memória, pois pensa apenas em si mesmo.
Pare
ele, a única questão
de importância é tratar de si mesmo, não esquecer de si
mesmo.
O interesse
não se ocupa, porém, com contradições, pois não cai em contradição consigo
mesmo.
É um
improvisador permanente, já que não possui nenhum sistema, senão
possui meios de conveniência.
Na
medida em que as razões humanas e jurídicas nada podem fazer senão :
« C’est
qu'au bal nous autres sots humains
Nous
appelons faire tapisserie »,
(EvM.:É
o que, no baile, nós, homens tolos,
chamamos
fazer florzinhas de parede).
Os
meios de conveniência surgem como os agentes mais dinâmicos no mecanismo
de argumentação do interesse.
Entre
esses meios de conveniência, destacamos dois que, constantemente,
reaparecem no presente debate e nele formam as principais categorias : os “bons
motivos” e as “conseqüências desvantajosas”.
Vemos
ora o Relator da Comissão Legislativa da Assembléia ora um outro
membro da Assembléia Estadual acobertar todas as disposições
ambígüas diante dos dardos da contradição com a placa dos bons motivos, sábios e sopesados.
Assistimos
a todas as conseqüências dos pontos de vista do Direito serem rejeitadas
através da referência às conseqüências desvantajosas e preocupantes.
Examinemos,
por um momento, esses amplos meios de conveniência, esses meios
de conveniência par excellence (EvM.: por excelência), esses
meios de conveniência para tudo e para ainda mais algumas coisas.
O
interesse sabe denegrir o Direito por meio da perspectiva vinculada às
conseqüências desvantajosas, por
meio de seus efeitos no mundo exterior.
Sabe
purificar o ilícito por meio de bons motivos e, portanto, por meio
do regresso à interioridade de seu mundo de pensamentos.
O
Direito produz más conseqüências no mundo exterior, entre os seres humanos
desonestos.
O
ilícito produz bons motivos, no seio do ser humano honesto que o decreta.
Porém,
ambos, i.e. os bons motivos e as conseqüências desvantajosas,
compartem a característica de que tratam das coisas não em relação a si mesmas,
tratam
do Direito não enquanto um objeto autônomo, mas sim direcionam a sua atenção,
partindo do Direito, ou para fora, no mundo exterior, ou, para dentro, em seu
próprio cérebro, manobrando, portanto, por detrás das costas do Direito.
O que
são conseqüências desvantajosas?
Toda
nossa apresentação comprova que não se pode entender, por isso, quais sejam as
conseqüências desvantajosas para o Estado, para a lei, para o acusado.
Pretendemos,
em alguns poucos traços, destacar a evidência de que por conseqüências desvantajosas não
se entende, além disso, a existência de nenhuma das conseqüências desvantajosas para
a segurança dos cidadãos.
Já
ouvimos dos próprios membros da Assembléia Estadual como a
disposição de que «cada um tem de comprovar de onde foi que obteve a
madeira» intervém de modo brutal e lesivo na vida dos cidadãos, expondo-os
a chicanas vexatórias.
Uma
outra disposição declara como ladrão todo e qualquer um, em cuja custódia
se encontre madeira roubada, ainda que um deputado declare o seguinte:
«Isso
pode ser perigoso para alguns homens corretos.
Nas
minhas redondezas, lançou-se, no pátio, madeira roubada para alguém,
punindo-se, então, o inocente.»
O § 66
pune todo e qualquer cidadão que compra uma vassouram que não seja vassoura
monopolizada, com pena de penitenciária de 4 (quatro) semanas a 2 (dois) anos.
Acerca disso, um deputado com mandato de município municipal formula a seguinte
glosa marginal :
«Esse
parágrafo ameaça, sem qualquer exceção, todos os moradores das circunscrições
de Elberfeld, Lennep e Solingen com pena de penitenciária.»
Por
fim, fez-se da supervisão e do gerenciamento da Polícia Florestal e de
Caça tanto um direito quanto um dever das Forças Armadas,
ainda que o artigo 9 do Ordenamento Jurídico Criminal conheça
apenas autoridades que se situem sob a supervisão dos procuradores do Estado,
i.e. as que possam ser processadas por estes, o que não é o caso quando se
tratam das Forças Armadas.
Ameaçam-se,
assim, seja a independência dos tribunais, seja a liberdade e a segurança dos
cidadãos.
Portanto,
está-se muito longe da concepção de que se tratariam, aqui, de conseqüências
desvantajosas para a segurança dos cidadãos, pois que esta é tratada
como uma circunstância dotada de conseqüências desvantajosas.
O que
são, então, conseqüências desvantajosas?
Desvantajoso
é o que é desvantajoso para o interesse do proprietário de floresta.
Por
conseguinte: se as conseqüências do Direito não são resultados do interesse do
proprietário, tratam-se de conseqüências desvantajosas.
E,
aqui, o interesse é perspicaz.
Se
antes não via o que mostravam os olhos naturais, vê agora até mesmo o que é
apenas passível de descobrir-se através do microscópio.
O mundo
inteiro é um espinho em seus olhos, um mundo de perigos,
precisamente porque não se trata do mundo de um interesse, senão de vários.
O
interesse privado considera-se como o objetivo final do mundo.
Assim,
se o Direito não realiza esse objetivo final, é esse Direito um Direito
anti-teleológico.
Um Direito
desvantajoso para o interesse privado é, portanto, um Direito de
conseqüências desvantajosas.
Haveriam,
pois, os bons motivos de serem melhores do que as conseqüências
desvantajosas?
O
interesse não pensa : calcula.
Os
motivos são os seus números : são uma incitação para suprimir as razões do
Direito e quem duvidaria que o
interesse privado possui muitas incitações para suprimí-las?
A
bondade dos motivos reside na maleabilidade casuística com a qual
sabe afastar a situação objetivamente fática, embalando a si mesmo e os outros
no engano de que não é necessário pensar as boas coisas, senão que, em face das
coisas ruins, basta o bom pensamento.
Retomando
nossa linha de raciocínio, apresentemos, de início, uma peça colateral para as
belas ações, recomendadas ao Sr. Prefeito:
« Uma redação
que altera o § 34 foi proposta pela Comissão Legislativa da Assembléia, da
seguinte maneira : Se a presença da autoridade de proteção que formulou a peça
da denúncia for requerida pelo acusado, deverá este depositar antecipadamente
os custos, nesse ato incorridos, junto ao Tribunal Florestal.»
O
Estado e o tribunal nada devem fazer gratuitamente no interesse do acusado.
Devem
fazer com que sejam pagos antecipadamente, com o que se dificulta, ostensiva e
antecipadamente, a acareação da autoridade de proteção denunciante com o
acusado.
Uma
bela ação! Apenas uma única bela ação!
Um
reino por uma bela ação!
Porém,
a única bela ação que é trazida como proposta deve ser executada pelo Sr.
Prefeito, em benefício do Sr. Proprietário de floresta.
O prefeito
é o representante das belas ações, delas é a expressão humanizada, sendo certo
que a série das belas ações foi exaurida e para sempre encerrada com o ônus que
se teve de impor, com sacrifício melancólico, ao prefeito.
Se o
Sr. Prefeito há de fazer mais do que seu dever, em prol do serviço do Estado e
do melhoramento ético-moral do criminoso, não deveriam os Srs. Proprietários de
floresta exigir, por graça desse mesmo benefício, menos do
que seu interesse exige?
Poder-se-ia
acreditar encontrar-se formulada a resposta a essa questão já na parte do
debate tratada até aqui.
Porém,
isso representaria um equívoco.
Dirijamo-nos,
agora, às disposições penais.
«Um
deputado do estamento honorífico dos cavaleiros considera que o proprietário
florestal estará ainda insuficientemente ressarcido, mesmo que se lhe caibam os
valores pecuniários da pena (fora a restituição do valor simples), os quais
não são freqüentemente passíveis de cobrança.»
Um
deputado com mandato de municípios assinala :
«As
disposições desse parágrafo (§ 15) podem conduzir às mais preocupantes
conseqüências.
O
proprietário de floresta receberá, desse modo, indenizações triplas, a
saber : o valor, a pena quádrupla, sêxtupla ou óctupla e
ainda um ressarcimento de danos especial
que, freqüentemente, é estimado de modo inteiramente arbitrário, sendo
muito mais o resultado de uma ficção do que da realidade.
De toda
forma, parece-me ser necessário ordenar que a indenização especial há de ser
exigida de antemão, imediatamente junto ao Trubunal Florestal e concedida na
setença florestal.
Pertence
à natureza da causa que a prova do dano possa ser especialmente fornecida e não
meramente fundamentada na peça de denúncia.»
Em
oposição a isso, foi esclarecido pelo Sr. Relator e por outro membro da Assembléia
Estadual como a mais-valia aqui mencionada poderia
emergir em diversos casos, indicados por eles.
O
parágrafo foi acolhido.
O crime
torna-se uma loteria na qual o proprietário de floresta pode, se a sorte o
permitir, arrancar ainda, até mesmo, lucro.
Pode
provocar mais-valia, porém pode-se também permitir que o proprietário de
floresta, que já recebe o valor simples, faça negócio com a pena
quádrupla, sêxtupla ou óctupla.
Caso
receba, entretanto, além do valor simples, ainda um ressarcimento de danos especial,
é a pena
quádrupla, sêxtupla ou óctupla um puro lucro.
Se um
membro do estamento honorífico dos cavaleiros acredita que os valores
pecuniários incidentes na pena não constituem nenhuma garantia
suficiente – visto que, freqüentemente, não seriam passíveis de cobrança –, não
se tornariam, porém, absolutamente passíveis de cobrança em virtude de deverem
ser cobrados, além deles, também ainda o valor e o ressarcimento de danos.
Incidentalmente,
veremos, aqui, como se consegue subtrair a essa impossibilidade de cobrança o
seu lado afiado.
O
proprietário de floresta teria podido assegurar melhor sua madeira do que na
forma aqui ocorrida, em que se transformou o crime em uma renda?
Tal
como um hábil general de campo, transforma o ataque desferido contra si em uma oportunidade
infalível de lucro exitoso, pois até mesmo a mais-valia
da madeira, uma fantasia econômica, transforma-se em uma substância,
mediante o furto.
Há de
se garantir ao proprietário de floresta não apenas sua madeira, senão ainda seu
negócio com madeira, enquanto que a homenagem confortante que concede a
seu
gerente de negócios, o Estado, consiste em não o pagar por seus
serviços.
Eis aí
uma idéia exemplar segundo a qual se converte a pena do criminoso de uma vitória
do Direito contra os atentados ao Direito em uma vitória do proveito próprio
contra os atentados ao proveito próprio.
Porém,
chamamos a atenção de nossos leitores particularmente para a disposição do §14,
uma disposição que nos obriga a abandonar o costume de considerar as leges
barbarorum (EvM.: as leis dos bárbaros) como sendo as
leis dos povos bárbaros.
A pena
nomeadamente enquanto tal, expressão da restauração do Direito - a ser
certamente diferenciada da restituição do valor e do ressarcimento
de danos - estes, expressões da
restauração da propriedade privada -, é tranformada de punição pública em
composição privada.
Os valores
pecuniários da pena fluem não para os cofres do Estado, senão para a
caixa privada do proprietário de floresta.
Em verdade,
um deputado com mandato dos municípios opina que :
«Isso
contraria à dignidade do Estado e aos princípios de uma boa administração da
Justiça Penal.»
Porém,
um deputado do estamento honorífico dos cavaleiros apela :
« ...
ao sentimento de Direito e de eqüidade da Assembléia para a proteção do
interesse do proprietário de floresta. »
Apela,
portanto, a um sentimento de Direito e eqüidade à parte.
Os
povos bárbaros mandam o acusado pagar uma determinada compensação (dinheiro
da expiação) por um determinado crime cometido.
O
conceito de punição pública surgiu, apenas, em oposição a essa concepção que
contempla no crime tão somente uma lesão ao indivíduo.
Porém,
há de se inventar ainda o povo e a teoria que sejam tão condescendentes a ponto
de reivindicarem para o indivíduo tanto a punição privada quanto
a punição pública.
Um tão
completo quid pro quo (EvM.: toma lá dá cá) deve ter enganado os
estamentos estaduais.
O
proprietário de floresta, que surge aqui legislando, confundiu, por um momento,
suas duas pessoas : ele mesmo, enquanto legislador, e ele mesmo, enquanto
proprietário de floresta.
Em um
momento, enquanto proprietário de floresta, levou a que fosse pago
por causa da madeira, ao passo que, em outro momento, enquanto legislador,
conduziu a que fosse pago por causa da atitude criminosa
do ladrão, dado que, de modo
inteiramente casual, o proprietário de floresta foi pago em ambas as vezes.
Portanto,
não nos encontramos mais diante do simples Droit des seigneurs (EvM.:
Direito Senhorial).
Atingimos,
através da época do Direito Público, a época do Duplo
Direito Patrimonial, i.e. a época do Direito Patrimonial Potenciado.
Os
proprietários patrimoniais valem-se do progresso do tempo, o qual é a refutação
de sua reivindicação, a fim de usurpar tanto a punição privada da
visão bárbara do mundo quanto a punição pública da
moderna visão do mundo.
Através
da restituição
do valor e, ainda mais, de um ressarcimento de danos especial,
deixou de existir qualquer relação entre o ladrão de madeira e o proprietário
de floresta, pois a lesão à madeira foi inteiramente suprimida.
Ambos,
proprietário e ladrão, retornam à integridade de sua situação antecedente.
O
proprietário de madeira foi apenas afetado pelo furto de madeira na medida em
que a madeira foi violada, não porém na medida em que o Direito foi lesado.
Apenas
o lado sensitivo do criminoso atinge o Direito. Porém, a essência criminosa da
ação não é o ataque à madeira material, senão o ataque à veia estatal da
madeira, o ataque ao Direito de propriedade enquanto tal, a
realização da atitude ilícita.
Possui
o proprietário de floresta pretensão privada à atitude jurídica do ladrão?
E em
que haveria de ser diferente a multiplicação da pena em casos de reincidência
de pena por atitude criminosa?
Ou pode
o proprietário de floresta possuir reivindicações privadas, onde não possui
pretensão privada alguma?
O
proprietário de floresta era o Estado em face do ladrão do madeira?
Não.
Porém, converte-se em Estado, após o furto de madeira.
A
madeira possui a estranha característica de, tão logo ser roubada, outogar a
seu proprietário qualidades estatais que antes não possuía.
Porém,
o proprietário de madeira pode apenas receber de volta aquilo que lhe foi
tomado.
Se o
Estado lhe for devolvido – e o Estado ser-lhe-á devolvido -, se a ele se
entregar, além do Direito Privado, o Direito do Estado
sobre o contraventor, é necessário que também o Estado seja roubado em seu
benefício, tornando-se o Estado sua propriedade privada.
Portanto,
o ladrão de madeira, tal como um segundo São Cristovão, levava
nas costas, em seus troncos roubados, o próprio Estado.
A
punição pública é a equalização do crime com a razão do Estado, sendo, por
isso, o Direito do Estado.
É,
porém, um Direito do Estado que este tão pouco pode ceder a
pessoas privadas quanto pode um indivíduo transferir a outro sua própria
consciência ético-moral.
Todo Direito
do Estado contra o criminoso é, ao mesmo tempo, um Direito do
Estado do criminoso.
A
relação deste mantida com o Estado não pode, mediante nenhuma interposição de
elos intermediários, transformar-se em uma relação sua mantida com pessoas
privadas.
Mesmo
que se quisesse permitir ao Estado renunciar aos seus direitos, permitir-lhe
que se suicidasse, seguiria sendo, porém, ainda assim, a renúncia de seus
deveres não apenas uma negligência, senão um crime.
Portanto,
o proprietário de floresta não pode, através do Estado, adquirir um Direito
Privado à punição pública nem tão pouco possuir, em si e
por si mesmo, qualquer tipo de Direito imaginável em relação a ela.
Se,
porém, em virtude da carência de pretensões jurídicas, faço de um ato criminoso
de um terceiro uma fonte autônoma de rendimentos para mim, não me torno, eu mesmo,
através disso, também um cúmplice desse ato?
Ou sou
menos seu cúmplice, porque a ele lhe compete a pena e a mim, o fruto do crime?
A culpa
não é atenuada se uma pessoa privada abusa de sua qualidade como legislador,
para arrogar-se direitos do Estado mediante crime comitido por terceiros.
O furto
de valores públicos, pertencentes ao Estado, o peculato, é um crime contra o
Estado.
E, pois
então, os valores pecuniários da pena não são valores públicos, pertencentes ao
Estado?
O
ladrão de madeira subtraiu madeira do proprietário de floresta, porém o proprietário
de floresta utilizou o ladrão de madeira para roubar o próprio Estado.
Quão
literalmente verdadeiro é isso, comprova-o o § 19, em cujo sítio não se
detiveram em exigir a pena pecuniária, senão ainda o corpo e a vida do
acusado.
Em
conformidade com o § 19, o contraventor de floresta é entregue nas mãos do
proprietário de floresta, mediante um trabalho florestal a ser
prestado em benefício deste, o que segundo um deputado com mandato de
municípios :
«...
pode conduzir às maiores inconveniências. Quero apenas chamar atenção para o
perigo desse modo de execução, no caso de pessoas pertencentes a sexos
diferentes.»
Um
deputado do estamento honorífico dos cavaleiros forneceu a seguinte contestação
eternamente memorável:
«... em
verdade, é tanto necessário quanto adequado, no âmbito da discussão de um
projeto de lei, analisar e estabelecer, de antemão, os seus princípios. Porém,
realizado isso por uma vez, não se pode retornar, novamente, à análise de cada
um dos parágrafos, considerados individualmente. »
Assim,
foi acolhido o parágrafo em referência, sem qualquer oposição.
Sois
tão hábeis para partirdes de maus princípios!
Haveis
de receber um título infalível de Direito para as más conseqüências.
Em verdade,
podeis opinar que a nulidade do princípio revela-se na anormalidade de suas
conseqüências, porém, se possuirdes cultura universal, havereis de ver que o
inteligente esgota, até as últimas conseqüências, aquilo que uma vez logrou
realizar.
Apenas
nos surpreende o fato de que o proprietário de floresta também não possa
aquecer o seu forno com os ladrões de floresta.
Visto
que a questão não gira em torno do Direito, mas sim em torno dos princípios a
partir dos quais a Assembléia Estadual preferiu partir, não
existe sequer um grão de areia no caminho dessas conseqüências.
Em
direta contradição com o dogma acima apresentado, uma breve retrospectiva
ensina-nos como havia de ter sido necessário discutir, em cada um dos
parágrafos, novamente, sobre os princípios e o modo segundo o qual uma
disposição normativa após a outra foi introduzida fraudulentamente,
através da votação de parágrafos mantidos aparentemente desconectados e em
longíngua distância uns dos outros, fazendo-se descarregar, depois da sub-repção
do primeiro, sobre todos os subseqüentes, também a aparência da
condição sob a qual apenas o primeiro era admissível.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1]Cf. MARX, KARL HEINRICH. Debatten über das Holzdiebstahlsgesetz. Von einen
Rheinländer (Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira. Por um Renano)(1°
de Novembro de 1842), in : Karl Marx & Friedrich Engels Werke (Obras
de Marx e Engels), Vol. 1, Berlim : Dietz, 1961, pp. 109 - 147. O
presente texto de Marx,
traduzido, agora, segundo tudo está a indicar, pela primeira vez, para a língua
portuguesa, foi publicado, originariamente, no jornal intitulado "Gazeta Renana", Nr.
305, de 1° de novembro de 1842.