PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO

DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE

 

KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA

 

 

Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira (Parte IV) :

 

Estado e Direito Denegridos Pelos Meios de Conveniência,

Motivos, Consequências e Interesses

Emergentes da Visão Bárbara do Mundo da Propriedade Privada

 

KARL MARX[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução

 Emil Asturig von München, Agosto de 2006

 

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O bom Sr. Chefe de prefeitura deve assumir um encargo, dando execução a uma boa ação, a fim de que o Sr. Proprietário de Floresta possa cumprir seu dever em face da comunidade, sem incidir em custas.

Com o mesmo Direito, o proprietário de floresta poderia fazer uso seja do chefe de prefeitura seja do chefe superior de cozinha seja do chefe de adega.

Não se trata de uma boa ação se o prefeito cuida da cozinha, assim que da adega de seus administrados?   

Já o criminoso condenado não é nenhum administrado do prefeito : é um administrado do superintendente da prisão.

Não perde o prefeito precisamente os meios e a dignidade de sua posição quando, enquanto presidente do município, faz-se um executor da municipalidade para membros individuais, quando, enquanto prefeito, faz-se um mestre tarefeiro?

Não resultam ofendidos os demais membros livres da municipalidade se seu trabalho honrado, prestado em serviço da comunidade, rebaixa-se à condição de trabalho penal, prestado a serviço de indivíduos, considerados particularmente? 

Porém, é despiciendo ter de revelar esses amontoados sofísticos.

O Sr. Relator há de ser gentil e dizer-nos, ele mesmo, como pessoas universalmente sábias, julgam frases humanas.

Leva o possuidor de floresta a arengar o possuidor de hectares, da seguinte forma :

 

« Quando são cortadas algumas heras de centeio do possuidor de terras, diz, então, o ladrão : “Eu não tenho nenhum pão para comer. Por isso, pego algumas heras da grande quantidade que o Sr. possui.”, tal como diz o ladrão de madeira: “Não tenho nenhuma madeira para queimar, por isso furto madeira.”

Os possuidores de terras são protegidos pelo artigo 444 do Código Criminal que estabelece uma pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de prisão por corte de heras.

Já o proprietário de floresta não possui uma tutela tão poderosa.»    

     

Nessa última exclamação invejosa e maldosa do proprietário de floresta, reside uma inteira profissão de fé:

 

- Sr. Possuidor de hectares, por que é que o Sr. se comporta tão magnanimamente quando se trata do meu interesse?

 

                          - Porque já se velou pelo teu interesse.

 

Portanto, que não existam ilusões!

A magnanimidade não custa nada e nem traz alguma coisa consigo.

Assim, Sr. Possuidor de hectares não ludibrie o Sr. Possuidor de floresta!

Por conseguinte, Sr. Possuidor de floresta não ludibrie o Sr. Prefeito!

Esse único intermezzo (EvM.: breve intervalo de tempo) já comprovaria quão pouco sentido podem ter as “belas ações” em nosso debate, se o debate inteiro não comprovasse que razões morais e humanas encontram, aqui, a sua sede tão somente enquanto frases.

 

Porém, o interesse é avarento mesmo com as frases: descobre-as apenas quando são necessárias, quando se tratam de conseqüências consideráveis.

Mas então, o interesse torna-se eloqüente. O sangue corre-lhe mais rápido. Já não depende, agora, até mesmo, de belas ações – que, para ele, são rentosas e, para os outros, custosas - palavras aduladoras, branduras carinhosas.

Tudo isso, tudo isso é agora explorado para carimbar o contraventor de madeira tal qual uma moeda circulante do proprietário de floresta, para dele se fazer um contraventor de madeira lucrativo, de modo a poder-se, comodamente, investir esse capital, dado que o contraventor de madeira tornou-se um capital para o proprietário de floresta.

Não se trata de abusar do prefeito para o bem do contraventor de madeira, senão de abusar do contraventor de madeira para o bem do proprietário de floresta.

Que destino estranho, que fato supreendente este de que, nos raros intervalos, em que se menciona meramente um benefício problemático para o contraventor, seja assegurado um benefício apodíctico para o Sr. Proprietário de floresta!

Eis aqui mais um exemplo desses pontos incidentais!

O Relator :

        

«A lei francesa não conhece a comutação da pena de prisão em trabalho florestal.

Considero essa comutação, porém, sábia e benéfica.

Pois, a estadia na prisão não conduz sempre a uma melhoria, senão muito freqüentemente a um pioramento do sentenciado.» 

 

Antes, quando de pessoas inocentes fez-se criminosos, um deputado assinalou, a propósito dos recolhedores de madeira apanhada no chão, que, colocando-se estes nas prisões, juntamente com os ladrões contumazes, haveriam as prisões de se tornarem boas. 

De repente, os estabelecimentos correcionais metamorfosearam-se em estabelecimentos corruptores, pois, nesse momento, é para o benéfico do interesse do proprietário que as prisões sejam degradadas.

Por melhoria dos criminosos, entende-se uma benfeitoria percentual que os criminosos, em sua profissão dignificante, devem prestar ao proprietário de floresta.

 

O interesse não possui nenhuma memória, pois pensa apenas em si mesmo.

Pare ele, a única questão de importância é tratar de si mesmo, não esquecer de si mesmo.   

O interesse não se ocupa, porém, com contradições, pois não cai em contradição consigo mesmo.

É um improvisador permanente, já que não possui nenhum sistema, senão possui meios de conveniência.

Na medida em que as razões humanas e jurídicas nada podem fazer senão :

 

« C’est qu'au bal nous autres sots humains

Nous appelons faire tapisserie »,

(EvM.:É o que, no baile, nós, homens tolos,

chamamos fazer florzinhas de parede).

  

 

Os meios de conveniência surgem como os agentes mais dinâmicos no mecanismo de argumentação do interesse.

Entre esses meios de conveniência, destacamos dois que, constantemente, reaparecem no presente debate e nele formam as principais categorias : os “bons motivos” e as “conseqüências desvantajosas”.

Vemos ora o Relator da Comissão Legislativa da Assembléia ora um outro membro da Assembléia Estadual acobertar todas as disposições ambígüas diante dos dardos da contradição com a placa dos bons motivos, sábios e sopesados.

Assistimos a todas as conseqüências dos pontos de vista do Direito serem rejeitadas através da referência às conseqüências desvantajosas e preocupantes.

Examinemos, por um momento, esses amplos meios de conveniência, esses meios de conveniência par excellence (EvM.: por excelência), esses meios de conveniência para tudo e para ainda mais algumas coisas.     

 

O interesse sabe denegrir o Direito por meio da perspectiva vinculada às conseqüências desvantajosas, por meio de seus efeitos no mundo exterior. 

Sabe purificar o ilícito por meio de bons motivos e, portanto, por meio do regresso à interioridade de seu mundo de pensamentos.

O Direito produz más conseqüências no mundo exterior, entre os seres humanos desonestos.

O ilícito produz bons motivos, no seio do ser humano honesto que o decreta.

 

Porém, ambos, i.e. os bons motivos e as conseqüências desvantajosas, compartem a característica de que tratam das coisas não em relação a si mesmas, tratam do Direito não enquanto um objeto autônomo, mas sim direcionam a sua atenção, partindo do Direito, ou para fora, no mundo exterior, ou, para dentro, em seu próprio cérebro, manobrando, portanto, por detrás das costas do Direito.

O que são conseqüências desvantajosas?

 

Toda nossa apresentação comprova que não se pode entender, por isso, quais sejam as conseqüências desvantajosas para o Estado, para a lei, para o acusado.

Pretendemos, em alguns poucos traços, destacar a evidência de que por conseqüências desvantajosas não se entende, além disso, a existência de nenhuma das conseqüências desvantajosas para a segurança dos cidadãos.

Já ouvimos dos próprios membros da Assembléia Estadual como a disposição de que «cada um tem de comprovar de onde foi que obteve a madeira» intervém de modo brutal e lesivo na vida dos cidadãos, expondo-os a chicanas vexatórias.

Uma outra disposição declara como ladrão todo e qualquer um, em cuja custódia se encontre madeira roubada, ainda que um deputado declare o seguinte:

 

«Isso pode ser perigoso para alguns homens corretos.

Nas minhas redondezas, lançou-se, no pátio, madeira roubada para alguém, punindo-se, então, o inocente.»

 

O § 66 pune todo e qualquer cidadão que compra uma vassouram que não seja vassoura monopolizada, com pena de penitenciária de 4 (quatro) semanas a 2 (dois) anos. Acerca disso, um deputado com mandato de município municipal formula a seguinte glosa marginal :

   

«Esse parágrafo ameaça, sem qualquer exceção, todos os moradores das circunscrições de Elberfeld, Lennep e Solingen com pena de penitenciária.»

 

Por fim, fez-se da supervisão e do gerenciamento da Polícia Florestal e de Caça tanto um direito quanto um dever das Forças Armadas, ainda que o artigo 9 do Ordenamento Jurídico Criminal conheça apenas autoridades que se situem sob a supervisão dos procuradores do Estado, i.e. as que possam ser processadas por estes, o que não é o caso quando se tratam das Forças Armadas.   

Ameaçam-se, assim, seja a independência dos tribunais, seja a liberdade e a segurança dos cidadãos.

 

Portanto, está-se muito longe da concepção de que se tratariam, aqui, de conseqüências desvantajosas para a segurança dos cidadãos, pois que esta é tratada como uma circunstância dotada de conseqüências desvantajosas.

 

O que são, então, conseqüências desvantajosas?

Desvantajoso é o que é desvantajoso para o interesse do proprietário de floresta.

Por conseguinte: se as conseqüências do Direito não são resultados do interesse do proprietário, tratam-se de conseqüências desvantajosas.

 

E, aqui, o interesse é perspicaz.

Se antes não via o que mostravam os olhos naturais, vê agora até mesmo o que é apenas passível de descobrir-se através do microscópio.

O mundo inteiro é um espinho em seus olhos, um mundo de perigos, precisamente porque não se trata do mundo de um interesse, senão de vários.

 

O interesse privado considera-se como o objetivo final do mundo.

Assim, se o Direito não realiza esse objetivo final, é esse Direito um Direito anti-teleológico.

Um Direito desvantajoso para o interesse privado é, portanto, um Direito de conseqüências desvantajosas.

 

Haveriam, pois, os bons motivos de serem melhores do que as conseqüências desvantajosas?

 

O interesse não pensa : calcula.

Os motivos são os seus números : são uma incitação para suprimir as razões do Direito e quem duvidaria que o interesse privado possui muitas incitações para suprimí-las?

A bondade dos motivos reside na maleabilidade casuística com a qual sabe afastar a situação objetivamente fática, embalando a si mesmo e os outros no engano de que não é necessário pensar as boas coisas, senão que, em face das coisas ruins, basta o bom pensamento.

Retomando nossa linha de raciocínio, apresentemos, de início, uma peça colateral para as belas ações, recomendadas ao Sr. Prefeito:    

 

« Uma redação que altera o § 34 foi proposta pela Comissão Legislativa da Assembléia, da seguinte maneira : Se a presença da autoridade de proteção que formulou a peça da denúncia for requerida pelo acusado, deverá este depositar antecipadamente os custos, nesse ato incorridos, junto ao Tribunal Florestal.»    

 

O Estado e o tribunal nada devem fazer gratuitamente no interesse do acusado.

Devem fazer com que sejam pagos antecipadamente, com o que se dificulta, ostensiva e antecipadamente, a acareação da autoridade de proteção denunciante com o acusado.

Uma bela ação! Apenas uma única bela ação!

Um reino por uma bela ação!

Porém, a única bela ação que é trazida como proposta deve ser executada pelo Sr. Prefeito, em benefício do Sr. Proprietário de floresta.

O prefeito é o representante das belas ações, delas é a expressão humanizada, sendo certo que a série das belas ações foi exaurida e para sempre encerrada com o ônus que se teve de impor, com sacrifício melancólico, ao prefeito.

Se o Sr. Prefeito há de fazer mais do que seu dever, em prol do serviço do Estado e do melhoramento ético-moral do criminoso, não deveriam os Srs. Proprietários de floresta exigir, por graça desse mesmo benefício, menos do que seu interesse exige?

Poder-se-ia acreditar encontrar-se formulada a resposta a essa questão já na parte do debate tratada até aqui.

Porém, isso representaria um equívoco.

Dirijamo-nos, agora, às disposições penais.

 

«Um deputado do estamento honorífico dos cavaleiros considera que o proprietário florestal estará ainda insuficientemente ressarcido, mesmo que se lhe caibam os valores pecuniários da pena (fora a restituição do valor simples), os quais não são freqüentemente passíveis de cobrança.»  

 

Um deputado com mandato de municípios assinala :

 

«As disposições desse parágrafo (§ 15) podem conduzir às mais preocupantes conseqüências.

O proprietário de floresta receberá, desse modo, indenizações triplas, a saber : o valor, a pena quádrupla, sêxtupla ou óctupla e ainda um ressarcimento de danos especial que, freqüentemente, é estimado de modo inteiramente arbitrário, sendo muito mais o resultado de uma ficção do que da realidade.

De toda forma, parece-me ser necessário ordenar que a indenização especial há de ser exigida de antemão, imediatamente junto ao Trubunal Florestal e concedida na setença florestal.

Pertence à natureza da causa que a prova do dano possa ser especialmente fornecida e não meramente fundamentada na peça de denúncia.» 

   

Em oposição a isso, foi esclarecido pelo Sr. Relator e por outro membro da Assembléia Estadual como a mais-valia aqui mencionada poderia emergir em diversos casos, indicados por eles.

O parágrafo foi acolhido.

O crime torna-se uma loteria na qual o proprietário de floresta pode, se a sorte o permitir, arrancar ainda, até mesmo, lucro.

Pode provocar mais-valia, porém pode-se também permitir que o proprietário de floresta, que já recebe o valor simples, faça negócio com a pena quádrupla, sêxtupla ou óctupla.

Caso receba, entretanto, além do valor simples, ainda um ressarcimento de danos especial, é a pena quádrupla, sêxtupla ou óctupla um puro lucro.  

Se um membro do estamento honorífico dos cavaleiros acredita que os valores pecuniários incidentes na pena não constituem nenhuma garantia suficiente – visto que, freqüentemente, não seriam passíveis de cobrança –, não se tornariam, porém, absolutamente passíveis de cobrança em virtude de deverem ser cobrados, além deles, também ainda o valor e o ressarcimento de danos.

Incidentalmente, veremos, aqui, como se consegue subtrair a essa impossibilidade de cobrança o seu lado afiado.

 

O proprietário de floresta teria podido assegurar melhor sua madeira do que na forma aqui ocorrida, em que se transformou o crime em uma renda?

Tal como um hábil general de campo, transforma o ataque desferido contra si em uma oportunidade infalível de lucro exitoso, pois até mesmo a mais-valia da madeira, uma fantasia econômica, transforma-se em uma substância, mediante o furto.

Há de se garantir ao proprietário de floresta não apenas sua madeira, senão ainda seu negócio com madeira, enquanto que a homenagem confortante que concede a seu gerente de negócios, o Estado, consiste em não o pagar por seus serviços.

Eis aí uma idéia exemplar segundo a qual se converte a pena do criminoso de uma vitória do Direito contra os atentados ao Direito em uma vitória do proveito próprio contra os atentados ao proveito próprio.

 

Porém, chamamos a atenção de nossos leitores particularmente para a disposição do §14, uma disposição que nos obriga a abandonar o costume de considerar as leges barbarorum (EvM.: as leis dos bárbaros) como sendo as leis dos povos bárbaros.  

A pena nomeadamente enquanto tal, expressão da restauração do Direito - a ser certamente diferenciada da restituição do valor e do ressarcimento de danos  - estes, expressões da restauração da propriedade privada -, é tranformada de punição pública em composição privada.

Os valores pecuniários da pena fluem não para os cofres do Estado, senão para a caixa privada do proprietário de floresta.

Em verdade, um deputado com mandato dos municípios opina que :

 

«Isso contraria à dignidade do Estado e aos princípios de uma boa administração da Justiça Penal.»

    

Porém, um deputado do estamento honorífico dos cavaleiros apela :

 

« ... ao sentimento de Direito e de eqüidade da Assembléia para a proteção do interesse do proprietário de floresta. »  

 

Apela, portanto, a um sentimento de Direito e eqüidade à parte.

Os povos bárbaros mandam o acusado pagar uma determinada compensação (dinheiro da expiação) por um determinado crime cometido.

O conceito de punição pública surgiu, apenas, em oposição a essa concepção que contempla no crime tão somente uma lesão ao indivíduo.

Porém, há de se inventar ainda o povo e a teoria que sejam tão condescendentes a ponto de reivindicarem para o indivíduo tanto a punição privada quanto a punição pública.

Um tão completo quid pro quo (EvM.: toma lá dá cá) deve ter enganado os estamentos estaduais.

O proprietário de floresta, que surge aqui legislando, confundiu, por um momento, suas duas pessoas : ele mesmo, enquanto legislador, e ele mesmo, enquanto proprietário de floresta.

Em um momento, enquanto proprietário de floresta, levou a que fosse pago por causa da madeira, ao passo que, em outro momento, enquanto legislador, conduziu a que fosse pago por causa da atitude criminosa do ladrão, dado que, de modo inteiramente casual, o proprietário de floresta foi pago em ambas as vezes.

Portanto, não nos encontramos mais diante do simples Droit des seigneurs (EvM.: Direito Senhorial).

Atingimos, através da época do Direito Público, a época do Duplo Direito Patrimonial, i.e. a época do Direito Patrimonial Potenciado. 

Os proprietários patrimoniais valem-se do progresso do tempo, o qual é a refutação de sua reivindicação, a fim de usurpar tanto a punição privada da visão bárbara do mundo quanto a punição pública da moderna visão do mundo.  

Através da restituição do valor e, ainda mais, de um ressarcimento de danos especial, deixou de existir qualquer relação entre o ladrão de madeira e o proprietário de floresta, pois a lesão à madeira foi inteiramente suprimida.

Ambos, proprietário e ladrão, retornam à integridade de sua situação antecedente.

O proprietário de madeira foi apenas afetado pelo furto de madeira na medida em que a madeira foi violada, não porém na medida em que o Direito foi lesado.

Apenas o lado sensitivo do criminoso atinge o Direito. Porém, a essência criminosa da ação não é o ataque à madeira material, senão o ataque à veia estatal da madeira, o ataque ao Direito de propriedade enquanto tal, a realização da atitude ilícita.

 

Possui o proprietário de floresta pretensão privada à atitude jurídica do ladrão?

E em que haveria de ser diferente a multiplicação da pena em casos de reincidência de pena por atitude criminosa?  

Ou pode o proprietário de floresta possuir reivindicações privadas, onde não possui pretensão privada alguma?

O proprietário de floresta era o Estado em face do ladrão do madeira?

Não. Porém, converte-se em Estado, após o furto de madeira.   

A madeira possui a estranha característica de, tão logo ser roubada, outogar a seu proprietário qualidades estatais que antes não possuía.

 

Porém, o proprietário de madeira pode apenas receber de volta aquilo que lhe foi tomado.

Se o Estado lhe for devolvido – e o Estado ser-lhe-á devolvido -, se a ele se entregar, além do Direito Privado, o Direito do Estado sobre o contraventor, é necessário que também o Estado seja roubado em seu benefício, tornando-se o Estado sua propriedade privada.

Portanto, o ladrão de madeira, tal como um segundo São Cristovão, levava nas costas, em seus troncos roubados, o próprio Estado.

A punição pública é a equalização do crime com a razão do Estado, sendo, por isso, o Direito do Estado.

É, porém, um Direito do Estado que este tão pouco pode ceder a pessoas privadas quanto pode um indivíduo transferir a outro sua própria consciência ético-moral.

 

Todo Direito do Estado contra o criminoso é, ao mesmo tempo, um Direito do Estado do criminoso.

A relação deste mantida com o Estado não pode, mediante nenhuma interposição de elos intermediários, transformar-se em uma relação sua mantida com pessoas privadas.

Mesmo que se quisesse permitir ao Estado renunciar aos seus direitos, permitir-lhe que se suicidasse, seguiria sendo, porém, ainda assim, a renúncia de seus deveres não apenas uma negligência, senão um crime.

Portanto, o proprietário de floresta não pode, através do Estado, adquirir um Direito Privado à punição pública nem tão pouco possuir, em si e por si mesmo, qualquer tipo de Direito imaginável em relação a ela.

Se, porém, em virtude da carência de pretensões jurídicas, faço de um ato criminoso de um terceiro uma fonte autônoma de rendimentos para mim, não me torno, eu mesmo, através disso, também um cúmplice desse ato?

Ou sou menos seu cúmplice, porque a ele lhe compete a pena e a mim, o fruto do crime?

A culpa não é atenuada se uma pessoa privada abusa de sua qualidade como legislador, para arrogar-se direitos do Estado mediante crime comitido por terceiros.

O furto de valores públicos, pertencentes ao Estado, o peculato, é um crime contra o Estado.

E, pois então, os valores pecuniários da pena não são valores públicos, pertencentes ao Estado?

O ladrão de madeira subtraiu madeira do proprietário de floresta, porém o proprietário de floresta utilizou o ladrão de madeira para roubar o próprio Estado.

Quão literalmente verdadeiro é isso, comprova-o o § 19, em cujo sítio não se detiveram em exigir a pena pecuniária, senão ainda o corpo e a vida do acusado.

Em conformidade com o § 19, o contraventor de floresta é entregue nas mãos do proprietário de floresta, mediante um trabalho florestal a ser prestado em benefício deste, o que segundo um deputado com mandato de municípios :

 

«... pode conduzir às maiores inconveniências. Quero apenas chamar atenção para o perigo desse modo de execução, no caso de pessoas pertencentes a sexos diferentes.»   

 

Um deputado do estamento honorífico dos cavaleiros forneceu a seguinte contestação eternamente memorável:

 

«... em verdade, é tanto necessário quanto adequado, no âmbito da discussão de um projeto de lei, analisar e estabelecer, de antemão, os seus princípios. Porém, realizado isso por uma vez, não se pode retornar, novamente, à análise de cada um dos parágrafos, considerados individualmente. » 

 

Assim, foi acolhido o parágrafo em referência, sem qualquer oposição.

Sois tão hábeis para partirdes de maus princípios!

Haveis de receber um título infalível de Direito para as más conseqüências.

Em verdade, podeis opinar que a nulidade do princípio revela-se na anormalidade de suas conseqüências, porém, se possuirdes cultura universal, havereis de ver que o inteligente esgota, até as últimas conseqüências, aquilo que uma vez logrou realizar.

Apenas nos surpreende o fato de que o proprietário de floresta também não possa aquecer o seu forno com os ladrões de floresta.

Visto que a questão não gira em torno do Direito, mas sim em torno dos princípios a partir dos quais a Assembléia Estadual preferiu partir, não existe sequer um grão de areia no caminho dessas conseqüências.

Em direta contradição com o dogma acima apresentado, uma breve retrospectiva ensina-nos como havia de ter sido necessário discutir, em cada um dos parágrafos, novamente, sobre os princípios e o modo segundo o qual uma disposição normativa após a outra foi introduzida fraudulentamente, através da votação de parágrafos mantidos aparentemente desconectados e em longíngua distância uns dos outros, fazendo-se descarregar, depois da sub-repção do primeiro, sobre todos os subseqüentes, também a aparência da condição sob a qual apenas o primeiro era admissível.

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1]Cf. MARX, KARL HEINRICH. Debatten über das Holzdiebstahlsgesetz. Von einen Rheinländer (Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira. Por um Renano)(1° de Novembro de 1842), in : Karl Marx & Friedrich Engels Werke (Obras de Marx e  Engels), Vol. 1, Berlim : Dietz, 1961, pp. 109 - 147. O presente texto de Marx, traduzido, agora, segundo tudo está a indicar, pela primeira vez, para a língua portuguesa, foi publicado, originariamente, no jornal intitulado "Gazeta Renana", Nr. 305, de 1° de novembro de 1842.