PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO

DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE

 

KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA

 

Introdução à Crítica da Economia Política

 

O Concreto é Concreto Porque é a Síntese de Muitas Determinações, i.e. a Unidade do Diverso.

Por Intermédio do Pensamento, as Determinações Abstratas Conduzem à Reprodução do Concreto :

Hegel Inicia, Corretamente, a Filosofia do Direito com a Posse, Enquanto Relação Jurídica Mais Simples do Sujeito.

Porém, Não Existe Nenhuma Posse Antes da Família ou das Relações de Dominação e de Servidão Que São Relações Muito Mais Concretas.

Até Mesmo as Categorias Mais Abstratas São o Produto de Relações Históricas  e Possuem Plena Validade Apenas e no Interior dessas Relações.

Na Idade Média, o Próprio Capital Possui Caráter Proprietário-Fundiário.

Na Sociedade Burguesa, Trata-se do Inverso: O Capital é o Poder Econômico Que Tudo Domina.

Formas de Estado e de Consciência Relativamente às Relações de Produção e de Circulação. Relações Jurídicas. Relações de Família.

 

KARL MARX[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução

 Emil Asturig von München, Agosto de 2008

 

Para Palestras, Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque

Contatar  emilvonmuenchen@web.de

 

Voltar ao Índice Geral

http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm

 

 

 

 

(...) Tal como em geral em toda ciência social, histórica, deve-se sempre levar em consideração no movimento das categorias econômicas que, tanto na realidade quanto no cérebro, o sujeito – nesse caso, a moderna sociedade burguesa – encontra-se dado e que, por isso, as categorias expressam formas do ser, condições existenciais, freqüentemente apenas lados isolados dessa sociedade determinada, desse sujeito e que essa última, por consegüinte, também em sentido científico, de nenhuma forma começa apenas onde dela, enquanto tal, agora se passa a falar.

 

(...) Se contemplamos um dado país em sentido econômico-político, começamos com sua população, sua divisão em classes, cidade, campo, mar, os diferentes setores de produção, exportação e importação, produção e consumo anual, preços de mercadorias etc.

Parece ser o correto começar com o real e o concreto, com o pressuposto verdadeiro, i.e., p.ex., na Economia, com a população que constitui o fundamento e o sujeito de todo o ato de produção social.

No entanto, em uma apreciação mais detida, isso se revela como errado.

A população é uma abstração, se deixo de considerar, p. ex., as classes das quais ela se compõe.

As classes são, por sua vez, uma palavra vazia, se não conheço os elementos sobre os quais elas assentam, p. ex. o trabalho assalariado, o capital etc.

Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, o preço etc.

P.ex., o capital não é nada sem trabalho assalariado, valor, dinheiro, preço etc.

Portanto, se eu começasse com a população, tal proceder constituiria uma representação caótica do todo e, através de uma determinação mais particular, chegaria, analiticamente, cada vez mais, a conceitos mais simples.

Do concreto representado, chegaria aos abstratos cada vez mais tênues, até que acedesse às determinações mais simples.

A partir destas, deveria empreender, novamente, a viagem de retorno, até que chegasse, novamente, por fim, à população, desta feita, porém, não como em uma representação caótica de um todo, mas sim como rica totalidade de muitas determinações e relações.

 

O primeiro caminho é aquele historicamente adotado pela Economia, em seu surgimento.

Os economistas do século XVII, p. ex., começavam sempre com o todo vivo, a população, a nação, o Estado, vários Estados etc.

Terminavam, porém, sempre descobrindo algumas relações abstratas, gerais, tais quais a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc.

Tão logo eram mais ou menos fixados ou abstraídos esses momentos específicos, começavam os sistemas econômicos que ascendiam dos elementos mais simples – tais quais o trabalho, a divisão do trabalho, a necessidade, o valor de troca -, ao Estado, à troca entre as nações e ao mercado mundial.

Este constitui, manifestamente, o método científico correto.

O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, i.e. a unidade do diverso.

No pensamento, surge enquanto processo de síntese, enquanto resultado, não enquanto ponto de partida, ainda que constitua o verdadeiro ponto de partida e, por essa razão, também o ponto de partida da contemplação e da representação.

No primeiro caminho, a inteira representação foi evaporada em determinação abstrata.

No segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por intermédio do pensamento.

Hegel sucumbiu, por isso, à ilusão de conceber o real enquanto processo do pensamento que se sintetiza em si mesmo, aprofundando-se em si mesmo e movimentando-se por si mesmo, ao passo que o método de ascender do abstrato para o concreto é apenas o modo para o pensamento de apropriar-se do concreto, de o reproduzir enquanto espiritualmente concreto.

De nenhuma maneira, porém, esse é o processo de surgimento do concreto.

P.ex., a categoria econômica mais simples, digamos pois, o valor de troca, supõe a população – a população que produz em determinadas relações -, bem como certos tipos de sistemas de família ou de comunidade ou de Estado etc.

Esse processo não pode jamais existir como relação abstrata, unilateral, de um todo vivo, concreto, já dado.

Como categoria, o valor de troca possui, pelo contrário, uma existência ante-diluviana.

Por isso, para a consciência - e a consciência filosófica é dessa forma determinada -, para a consciência, pois, para a qual o pensamento conceitual é o homem real e, por essa razão, o mundo concebível enquanto tal é, em primeiro lugar, o mundo real, para ela surge, assim, o movimento das categorias como o ato real de produção - que apenas lamentavelmente recebe um impulso vindo de fora -, cujo resultado é o mundo.

E isso é apenas, porém, mais uma vez, uma tautologia - correta, na medida em que a totalidade concreta, enquanto totalidade do pensamento, enquanto concreto do pensamento, é, de fato, um produto do pensamento, do conceber,  porém, de nenhuma forma, do conceito que pensa além ou acima da contemplação e representação, que gera a si mesmo, mas sim constitui, pois, um produto do processamento da contemplação e da representação em conceitos.

 

(...) A totalidade, tal como surge no cérebro enquanto todo do pensamento, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível : um modo que é diferente da apropriação prático-espiritual, religiosa, artística, desse mundo.

Tanto antes como depois, o sujeito real continua a existir fora do cérebro, em sua autonomia, i.e. enquanto o cérebro se comporta apenas de modo especulativo, apenas de modo teórico.

Por essa razão, também no método teórico, o sujeito, a sociedade, devem ser contemplados sempre como pressuposto da representação.

 

Porém, não possuem essas categorias simples também uma existência histórica ou natural, independente, antes das categorias mais concretas?

Ça dépend (EvM.: Isso depende). P. ex., Hegel inicia, corretamente, a Filosofia do Direito com a posse, enquanto relação jurídica mais simples do sujeito.

Porém, não existe nenhuma posse antes da família ou das relações de dominação e de servidão, que são relações muito mais concretas.

Pelo contrário, seria correto afirmar que existem ainda famílias, complexos tribais, que apenas possuem, não possuindo propriedade.

A categoria mais simples surge, portanto, como relação de associações familiares ou tribais simples, em comparação com a propriedade.

Na sociedade de nível mais elevado, essa categoria aparece como relação mais simples de uma organização mais desenvolvida.

O substrato mais concreto, cuja relação é a posse, é, porém, sempre pressuposto.

Pode-se imaginar um selvagem individual que possui. Porém, nesse caso, a posse não constitui nenhuma relação jurídica.

Não é correto afirmar que a posse se desenvolveu, historicamente, rumo à família.

Pelo contrário, a posse pressupõe sempre essa "categoria jurídica mais concreta".

No entanto, poder-se-ia sempre concluir que as categorias simples são expressão de relações nas quais o concreto subdesenvolvido pode ter-se realizado, sem terem ainda colocado a relação ou a correlação  mais multifacetada que é expressada espiritualmente na categoria mais concreta, ao passo que o concreto mais desenvolvido comporta a mesma categoria enquanto uma relação subordinada.

 

O dinheiro pode existir e existiu, historicamente, antes que o capital tivese existido, antes que os bancos tivessem existido, antes que o trabalho assalariado tivesse existido etc.

Nesse sentido, pode-se, portanto, dizer que a categoria mais simples pode expressar as relações dominantes de uma totalidade mais subdesenvolvida ou as relações subordinadas de um todo mais desenvolvido que, historicamente, já possuíam existência, antes que a totalidade se desenvolvesse no sentido expressado em uma categoria concreta.

Nessa medida, o curso do pensamento abstrato que ascende do mais simples para o mais combinado corresponderia ao real processo histórico.[2]

 

 

Por outro lado, pode-se dizer que existem formas sociais muito desenvolvidas, porém, historicamente, imaturas, nas quais ocorrem as formas mais elevadas da Economia, p.ex., a cooperação, a divisão desenvolvida do trabalho etc., sem que exista qualquer forma de dinheiro, p.ex. no Perú.

 

Também junto às comunidades eslavas, não surge ou, então, pouco surge o dinheiro e a troca, que o condiciona, no interior das comunidades consideradas singularmente, mas sim emerge em sua fronteira, no tráfico com outras comunidades, pelo que é, em geral, equivocado pressupor a troca em meio da comunidade, enquanto elemento originariamente constituinte.

A troca surge, pelo contrário, inicialmente, muito mais na relação recíproca mantida entre as comunidades do que entre os membros de uma ou da mesma comunidade.

 

Além disso : ainda que o dinheiro desempenhe um papel desde muito cedo e por todos os lados, foi atribuído, porém, na Antigüidade, apenas unilateralmente a certas nações, às nações comerciantes, enquanto elemento dominante.

 

E, até mesmo na Antigüidade mais culta, junto aos gregos e romanos, seu pleno desenvolvimento - o qual é pressuposto na sociedade burguesa moderna - surge tão somente no período de sua dissolução.

Portanto, essa categoria inteiramente simples surge, em sua intensidade, em sentido histórico, apenas nas condições mais desenvolvidas da sociedade, i.e., de nenhuma maneira processando todas as relações econômicas.

P.ex., no Império Romano, no seu desenvolvimento mais avançado, o seu fundamento permaneceu sendo os impostos naturais e as prestações naturais.

O sistema pecuniário propriamente encontrou-se, ali, apenas inteiramente desenvolvido no exército.

Jamais atendeu, igualmente, a totalidade do trabalho.

 

Assim, ainda que a categoria mais simples possa ter existido, historicamente, antes da categoria mais concreta, poderá pertencer, em seu desenvolvimento plenamente intenso e abrangente, precisamente a uma forma combinada de sociedade, enquanto que a categoria mais concreta foi desenvolvida mais plenamente em uma forma de sociedade menos desenvolvida.

 

O trabalho parece ser uma categoria inteiramente simples.

Também a representação do mesmo nessa generalidade - enquanto trabalho em geral – é muito antiga.

Entretanto, em sentido econômico, nessa simplicidade, o "trabalho" é uma categoria tão moderna como as relações que produzem essa simples abstração.

O sistema monetário, p.ex., supõe a riqueza ainda totalmente objetiva, enquanto objeto fora de si, em dinheiro.

Em face desse ponto de vista, constituiu um grande progresso quando o sistema manufatureiro ou comercial colocou a fonte da riqueza do objeto na atividade subjetiva - o trabalho manufatureiro e comercial -concebendo, porém, ainda enquanto remunerável apenas essa atividade mesma, em sua limitação.

Em face desse sistema, situa-se o sistema fisiocrático, que supõe uma forma determinada de trabalho - a agricultura - enquanto a forma que cria riqueza, bem como o objeto mesmo, não mais na vestimenta de dinheiro, mas sim enquanto produto em geral, enquanto resultado geral do trabalho.

Esse produto, em conformidade com a limitação da atividade, surge ainda enquanto produto sempre determinado naturalmente, produto agrícola, produto da terra, par excellence.

Tratou-se de um monstruoso progresso de Adam Smith quando rejeitou toda a determinabilidade da atividade producente de riqueza, reconhecendo pura e simplesmente o trabalho : nem a manufatura, nem o trabalho comercial, nem o trabalho agrícola, senão tanto uns como outros. 

Nesse sentido, reconhecendo, com a generalidade abstrata da atividade criadora de riqueza, também a generalidade do objeto determinado enquanto riqueza, o produto em geral, ou, novamente, trabalho em geral, porém, como trabalho passado, objetivado.

Quão difícil e grandiosa foi essa transição, deduz-se do fato de que o próprio Adam Smith recaía, ainda novamente, de tempos em tempos, no sistema fisiocrático.  

Então, poderia parecer que, com isso, apenas haveria sido encontrada a expressão abstrata para a mais simples e mais primitiva relação na qual os homens surgem como producentes – seja qual for a forma de sociedade.Isso é, por um lado, correto. Por outro lado, porém, não o é.

A indiferença em relação a um determinado tipo de trabalho pressupõe uma totalidade muito desenvolvida de tipos reais de trabalho, entre os quais nenhum deles constitui mais aquele que domina todos os demais. Assim, as abstrações mais gerais, em seu conjunto, surgem apenas junto ao desenvolvimento concreto mais rico, em cujo contexto uma característica surge em comum a muitos fenômenos ou a todos eles.

Então, deixa-se de poder pensar apenas em uma forma específica.

Por outro lado, essa abstração do trabalho em geral não constitui apenas o resultado espiritual de uma totalidade concreta de trabalhos.

A indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos transitam, com facilidade, de um trabalho para o outro, sendo-lhes casual o tipo determinado de trabalho ocasional e, por isso, indiferente.

O trabalho transformou-se, aqui, não apenas em categoria, senão na realidade, em meio para a criação da riqueza em geral e, enquanto determinação, deixou de emergir juntamente com os indivíduos em uma particularidade.

Uma tal situação encontra-se, da maneira mais desenvolvida, na forma existencial mais moderna de sociedade burguesa, i.e. nos Estados Unidos da América.

Apenas aqui, pois, torna-se praticamente verdadeira a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”, trabalho sans phrase, o ponto de partida da economia moderna.

Portanto, a mais simples abstração que a economia moderna coloca na cumeeira, expressando a relação primitiva, válida para todas as formas de sociedade, parece ser, porém, apenas praticamente verdadeira nessa abstração enquanto categoria da sociedade mais moderna.

Poder-se-ia dizer que aquilo que surge nos Estados Unidos da América enquanto produto histórico – essa indiferença em relação ao trabalho determinado -, emerge, entre os russos, p.ex., enquanto uma predisposição que se desenvolve naturalmente.

Só que, em primeiro lugar, existe uma diferença dos demônios se bárbaros possuem a predisposição de serem empregados em todas as atividades ou se seres civilizados empregam-se a si mesmo em todas as atividades.

Além disso, no que diz respeito aos russos, a essa indiferença em relação a determinabilidade do trabalho corresponde, praticamente, o hábito tradicional de atrelarem-se firmemente a trabalhos inteiramente determinados, dos quais são expelidos apenas mediante influências externas.

 

 

(...) O exemplo do trabalho demonstra, contundentemente, como até mesmo as categorias mais abstratas, apesar de sua validade para todas as épocas – precisamente em virtude de sua abstração, porém na determinação dessa própria abstração -, são tanto o produto de relações históricas quanto possuem sua plena validade apenas e no interior dessas relações.

A sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida e a mais complexa da produção.

As categorias que expressam as suas relações, a compreensão de sua articulação, asseguram, por isso, ao mesmo tempo, uma visualização da organização e das relações de produção de todas as formas sociais perecidas, com cujas ruínas e elementos a sociedade burguesa se formou - restos dos quais, em parte ainda não superados, continuam ainda a ser nela arrastados, sendo que meras insinuações se desenvolveram em significados plenamente formados etc.

A anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco.

As indicações de elementos mais avançados nas espécies animais mais inferiores podem ser, pelo contrário, apenas compreendidas se o próprio elemento mais elevado já é conhecido.

A economia burguesa fornece, assim, a chave para a economia da Antigüidade etc.

Não o faz, porém, de nenhuma forma, à maneira dos economistas que obliteram todas as diferenças históricas, vendo em todas as formas sociais a forma social burguesa.

Pode-se compreender o tributo, os dízimos etc., conhecendo-se a renda fundiária.

Não se deve, entretanto, concebê-los como idênticos.

Além disso, como a própria sociedade burguesa é apenas uma forma antagônica do desenvolvimento, as relações das formas precedentes deverão ser nela encontradas, freqüentemente, apenas de maneira inteiramente atrofiada ou, até mesmo, travestida : p.ex. a propriedade comunal.

Por isso, se é verdade que as categorias da economia burguesa contêm uma verdade para todas as outras formas sociais, deve-se tomar isso apenas cum grano salis  (EvM.: com a necessária limitação).

Podem contê-las de forma desenvolvida, atrofiada, caricaturada etc., sempre, porém, com uma diferença essencial.             

O assim chamado desenvolvimento histórico assenta-se, em geral, sobre o fato de que a última forma contempla as formas passadas enquanto estágios que conduzem a ela mesma e, tendo-se em conta que esta é, raramente e apenas em condições plenamente determinadas, capaz de criticar a si própria, sempre conceberá de modo unilateral.[3]

 

 

Aqui, não estamos falando, naturalmente, daqueles períodos históricos que visualizam a si mesmo como um tempo de decadência.

A religião cristã foi capaz, pela primeira vez, de contribuir para a compreensão objetiva das mitologias antigas, apenas quando resultou acabada sua auto-crítica, em um determinado grau e, por assim dizer, dunamei (i.e. em conformidade com o possível).

Assim, a economia burguesa atingiu apenas a consciência acerca das economias feudal, antiga, oriental, quando iniciou-se a auto-crítica da sociedade burguesa.

No momento em que a economia burguesa não se identificou mais, pura e simplesmente, de modo mitológico, com o passado, equiparou-se sua crítica dirigida contra a economia precedente – nomeadamente à economia feudal, com a qual ainda tinha de lutar diretamente -, à crítica que o cristianismo dinamizou contra o paganismo ou àquela que o protestantismo impulsionou contra o catolicismo.

 

(...) Tal como, em geral, em toda ciência social, histórica, também no movimento das categorias econômicas, deve-se sempre recordar que o sujeito - aqui a moderna sociedade burguesa – encontra-se dado, tanto na realidade quanto no cérebro, sendo que, por isso, as categorias expressam formas do ser, condições existenciais, freqüentemente apenas aspectos singulares dessa sociedade determinada, desse sujeito.

E, por essa razão, também em sentido científico, a categoria não se inicia, de nenhuma forma, apenas ali onde dela se passa, então, a falar como tal.

Isso deve ser levado em conta porque fornece, desde logo, elementos decisivos para a organização do material.

Por ex., nada parece mais natural do que começar com a renda fundiária, com a propriedade fundiária, porque estas se  encontram ligadas à terra, à fonte de toda produção e de toda existência, bem como à primeira forma de produção de todas as sociedades, em certa medida consolidadas : i.e. a agricultura.

Porém, nada seria mais errado.

Em todas as formas sociais, é uma produção determinada que ordena a hierarquia e a influência de todas as demais, bem como de suas relações, e estas ordenam também todas as demais.

Trata-se de uma iluminação geral, na qual todas as demais cores encontram-se imersas, e que as modifica, em sua especificidade.

Trata-se, pois, de um éter particular que determina o peso específico de toda existência que sobre ele impende.

Por ex., no caso dos povos pastoris. (Meros povos de caçadores e de pescadores situam-se fora do ponto em que se inicia o desenvolvimento real).

Entre estes, surge determinada forma esporádica de agricultura.

A propriedade fundiária é determinada através dela. É uma propriedade comum, preservando, mais ou menos, essa forma, conforme o caso de esses povos se apegarem, mais ou menos, à sua tradição - tal como, p.ex., no caso da propriedade comunal dos eslavos.

Entre povos de agricultura assentada – esse assentamento dotado já de larga escala -, em que a agricultura predomina, tal qual entre os antigos e os feudais -, até mesmo a indústria e sua organização, bem como as formas de propriedade que a ela correspondem, possuem, mais ou menos, caráter proprietário-fundiário, sendo deste inteiramente dependente -  tal qual entre os velhos romanos ou tal como na Idade Média -, e imitam a organização do campo, na cidade e em suas próprias relações.

Na Idade Média, o próprio capital – na medida em que não seja puro capital monetário -, enquanto ferramenta artesanal tradicional etc. etc., possui esse caráter proprietário-fundiário. 

Na sociedade burguesa, trata-se do inverso.

A agricultura torna-se, cada vez mais, um mero setor industrial, sendo dominada, completamente, pelo capital.

O mesmo se passa com a renda fundiária.

Em todas as formas em que a propriedade fundiária domina, é a relação natural ainda predominante.

Naquelas em que domina o capital, o elemento criado socialmente, historicamente, surge como predominante.

A renda fundiária não pode ser entendida sem o capital.

O capital, porém, pode ser bem entendido sem a renda fundiária.

O capital é o poder econômico da sociedade burguesa que tudo domina.

Deve constituir tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada, sendo desenvolvido precedentemente à propriedade fundiária.

Depois de ambos terem sido particularmente considerados, deve ser contemplada sua inter-relação.

Portanto, seria inadequado e errado permitir-se que as categorias econômicas fossem apresentadas, sucessivamente, em uma série na qual foram, historicamente, determinantes.

Pelo contrário, sua ordem de sucessão é determinada pela relação mútua que possuem na sociedade burguesa moderna, sendo que essa relação é precisamente o inverso daquilo que surge como o aspecto natural dessas categorias ou do que corresponde à seqüência do desenvolvimento histórico.

Não se trata da relação que as relações econômicas assumem, historicamente, na ordem seqüencial das diversas formas de sociedade.

Tanto menos ainda de uma seqüência “no âmbito da idéia” (Proudhon)(uma representação nebulosa do movimento histórico).

Trata-se, isto sim, de sua articulação, existente no interior da sociedade burguesa moderna.[4]

 

 

(...) Ponto 4. Produção. Meios de Produção e Relações de Produção. Relações de Produção e Relações de Circulação.

 

Formas de Estado e de Consciência relativamente às Relações de Produção e de Circulação. Relações Jurídicas. Relações de Família. 

Nota bene : Em relação aos pontos a serem aqui mencionados, não devem ser esquecidos os seguintes :

...........................................................................................................................................................................

6. A relação desigual do desenvolvimento da produção material, p.ex. em relação à arte. Não se deve conceber, de modo algum, o conceito de progresso, na abstração costumeira.

Arte moderna etc. 

Essa desproporção não é ainda tão importante e difícil de conceber como no interior das próprias relações prático-sociais. P.ex. educação.

Relação dos Estados Unidos com a Europa.

O ponto propriamente complicado de ser aqui analizado é, porém, o de como as relações de produção surgem como relações jurídicas, com desenvolvimento desigual

Portanto, p.ex., a relação do Direito Privado Romano (no Direito Criminal e no Direito Público é menos o caso) para com a produção moderna.[5]

 

 

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 



[1] Cf. MARX, KARL. Einleitung zur Kritik der Politischen Ökonomie (Introdução à Crítica da Economia Política),(Agosto – Setembro de 1857), in : ibidem, Vol. 13, Berlim : Dietz, 1961, pp. 615 e s. Destaco que o presente texto de Marx foi publicado, pela primeira vez, apenas em 1903, nas páginas de “Die Neue Zeit (O Novo Tempo)”, semanário da Social-Democracia Alemã.

[2] Cf. IDEM. ibidem, Parte I : Produção, Consumo, Distribuição, Troca (Circulação), Nr. 3. O Método da Economia Política, Vol. 13, p. 633.

[3] Cf. IDEM, ibidem, p. 636.

[4] Cf. IDEM, ibidem, p. 637.

[5] Cf. IDEM. ibidem, Parte I : Produção, Consumo, Distribuição, Troca (Circulação),  Nr. 4. Produção. Meios de Produção e Relações de Produção. Relações de Produção e Relações de Circulação. Formas de Estado e de Consciência relativamente às Relações de Produção e de Circulação. Relações Jurídicas. Relações de Família, Vol. 13, p. 640.