PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
Sobre Pierre-Joseph Proudhon. Carta a Johann Baptist von
Schweitzer
Responder o Que é a
Propriedade Envolve Abordar o Todo das Relações de Propriedade Não Apenas Segundo
Sua Expressão Jurídica,
Enquanto Relações de
Vontade, Mas Sim Abarcando-as Em Sua Conformação Real, i.e. Enquanto Relações
de Produção:
Proudhon Não Superou
Brissot, ao Afirmar Que “A Propriedade é
o Roubo”
No Melhor dos Casos, Disso
Resulta Apenas Que as Representações Jurídico-Burguesas de “Roubo” Aplicam-se
Também às Aquisições “Honestas”, Próprias do Burguês
Pois o “Roubo”, Enquanto
Violenta Transgressão da Propriedade, Pressupõe a Existência da Própria Propriedade
Ciência Criada Não A
Partir do Conhecimento Crítico do Movimento Histórico
KARL MARX[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Agosto de 2008
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
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Geral
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Londres, 24 de janeiro de 1865
Prezado Senhor !
Recebi ontem sua carta, na qual o Sr. exige de mim uma apreciação
detalhada sobre Proudhon.
A falta de tempo não me permite satisfazer seu desejo.
Além disso, não possuo aqui à mão nenhum dos escritos de Proudhon.
Porém, visando a demonstrar-lhe minha boa vontade, elaboro aqui um curto
esboço.
O Sr. poderá, então, recuperá-lo, completá-lo, negligenciá-lo, em suma,
fazer dele o que Sr. bem imaginar.
Já não me recordo mais do primeiro ensaio de Proudhon.
Seu trabalho acadêmico acerca da "Langue universelle (EvM.: Língua Universal)" demonstra como se aventura
ousadamente a tratar de problemas para cuja solução ainda lhe faltam os
primeiros conhecimentos prévios.
Sua primeira obra "Qu'est-ce que la propriété? (EvM.: O
Que é a Propriedade)" é, incondicionalmente, o seu melhor
trabalho.
Trata-se de uma obra que fez época, senão pelo seu novo conteúdo, então,
porém, pela sua forma nova e ousada de falar sobre coisas velhas. Nas obras dos
socialistas e comunistas franceses, conhecidas de Proudhon, a "propriété"
surgia não apenas criticada de diversas formas, senão ainda "abolida",
de maneira utópica.
Proudhon comporta-se, em
seu escrito, em face de Saint-Simon e Fourier mais ou menos
como Feuerbach,
em face de Hegel.
Comparado com Hegel, Feuerbach é pobre em todos os
sentidos. Entretanto, Feuerbach fez época, depois de Hegel,
porque salientou o tom em certos pontos desagradáveis para a consciência cristã
e importantes para o progresso da crítica, os quais Hegel
havia deixado em um místico clair-obscur (EvM.: claro-obscuro).
Se assim posso me exprimir, domina, naquele escrito de Proudhon,
ainda uma forte musculatura do estilo, sendo que considero esse estilo como o
principal mérito dessa obra.
Verifica-se que, mesmo ali onde o velho se reproduz, Proudhon descobre,
autonomamente, que, para ele mesmo, surgia como novo e valia como novo aquilo
que dizia.
Desconfiança desafiadora, questionando a "santidade" econômica,
paradoxismo
engenhoso, com o qual se escarnece o senso comum burguês, julgamento
dilacerante, ironia amarga, aqui e ali, enxergando penetrantemente, um sentimento
profundo e verdadeiro da revolta em face da infâmia do existente, sinceridade
revolucionária - por tudo isso "Qu'est-ce que la propriété ?"
eletrizou e proporcionou um grande impulso, já no momento de seu primeiro
aparecimento.
Na história rigorosamente científica da economia política, esse
mesmo escrito seria pouco digno de ser mencionado.
Porém, esses escritos sensacionais desempenham seu papel tanto nas ciências quanto
na literatura romântica.
Tome-se, p. ex., o escrito de Malthus acerca da "Population
(EvM.: População)".
Em sua primeira edição, nada representou senão um "sensational pamphlet (EvM.
: um pasquim, um panfleto sensacionalista)" e, além disso, um
plágio, do início ao fim.
E, entretanto, quanto impulso conferiu esse pasquim à espécie humana !
Se esse escrito de Proudhon se encontrasse diante de
mim, seria fácil comprovar, com alguns exemplos, sua maneira inédita. Nos
parágrafos que ele mesmo considera como os mais importantes, efetua uma cópia
do tratado de Kant acerca das antinomias - Kant era o único filósofo
alemão que Proudhon conhecia outrora, a partir de traduções - e produz a
forte impressão de que para ele, assim como para Kant, a resolução das
antinomias possui a validade de algo que pertence ao "além" do
entendimento humano, i.e. algo em relação a que seu próprio entendimento
permanece na penumbra.
Apesar de todos os aparentes assaltos ao céu, encontra-se, porém, já em "Qu'est-ce
que la propriété (O Que é a Propriedade?)" a contradição
consistente em que Proudhon critica, por um lado, a sociedade do ponto de vista e
com os olhos de um camponês parceleiro francês (posteriormente petit
bourgeois <EvM.: pequeno-burguês>), aplicando, por outro lado, o
critério que lhe foi transmitido pelos socialistas.
O aspecto insuficiente de seu escrito já havia sido indicado em seu
título.
A questão foi tão erroneamente colocada que não pôde ser corretamente
respondida.
As "relações de propriedade" antigas foram prostradas
pelas feudais, sendo que as feudais, pelas "burguesas".
A própria história teria exercido, assim, sua crítica às "relações
de propriedade" passadas.
Para Proudhon, a questão era propriamente a propriedade burguesa moderna
existente.
À questão de saber o que seria essa última, podia apenas ser respondida
mediante uma análise crítica da "Economia Política", que
envolve o todo dessas relações de propriedade não segundo sua expressão jurídica,
enquanto relações de vontade, mas sim abarcando-as em sua conformação real, i.e.
enquanto relações de produção.
Porém, na medida em que Proudhon
entrelaçou o conjunto dessas relações econômicas na representação jurídica,
denominada "a propriedade", "la propriété", não pôde
igualmente ir além da resposta que Brissot, com as mesmas palavras, em
um escrito semelhante, já havia fornecido, antes mesmo de 1789: "La
propriété, c'est le vol (EvM.: A propriedade é o roubo)".
No melhor dos casos, disso resulta apenas que as
representações jurídico-burguesas de "roubo" aplicam-se também
às aquisições "honestas", próprias do burguês.
Por outro lado, Proudhon se embaralha em todos os
tipos de quimeras, para ele mesmo obscuras, relacionadas com a
verdadeira propriedade burguesa, uma vez que o "roubo",
enquanto violenta transgressão da propriedade, pressupõe a existência da própria
propriedade.
Durante minha estadia em Paris, em 1844, travei relação
pessoal com Proudhon.
Menciono-a aqui, posto que sou culpado, em certa medida, pela "sophistication
(EvM.: refinamento)” de Proudhon,
tal como os ingleses denominam a falsificação de um artigo comercial.
Durante debates prolongados, freqüentemente atravessando noites a dentro,
infeccionei-o, para seu grande perjuízo, com o hegelianismo, o qual,
porém, não podia estudar sistematicamente, em virtude de seu desconhecimento da
língua alemã.
O que iniciei, foi continuado pelo Sr. Karl Grün, depois de minha
expulsão de Paris.
Esse último, enquanto professor de Filosofia Alemã, possuía ainda em
relação a mim a vantagem de que ele mesmo nada entendia acerca do tema.
Pouco antes do surgimento de sua segunda obra expressiva, "Philosophie
de la misère etc. (EvM.: Filosofia da Miséria etc.)", Proudhon
anunciou-me esse mesmo fato, em uma carta bem detalhada, em que deslizavam, entre outras,
as seguintes palavras :
"J'attends votre férule critique (EvM.:
Aguardo sua férula crítica)."
Entretanto, essa crítica surgiu-lhe, em breve, de uma tal maneira
(expressada através de meu escrito "Misère de la philosophie (EvM.: Miséria
da Filosofica etc.)", Paris, 1847), que provocou o fim de
nossa amizade para sempre.
Do que foi dito aqui, o Sr. percebe que apenas "Philosophie de la misère
ou Système des contradictions économiques (EvM.: Filosofia da Miséria ou
Sistema das Contradições Econômicas)" conteve, propriamente, a resposta
à questão : "Qu'est-ce que la propriété ? (EvM.: O que é a Propriedade ?)".[2]
De fato, apenas depois do surgimento desse escrito, Proudhon deu início aos
seus estudos econômicos.
Descobriu, então, que a questão por ele levantada não podia ser respondida
com uma invectiva, mas sim apenas
mediante a análise da "Economia Política"
moderna.
Ao mesmo tempo, Proudhon tentou apresentar o sistema
das categorias econômicas de modo dialético.
No lugar das insolucionáveis "antinomias" de Kant, havia
de surgir a "contradição" de Hegel, enquanto meio de
desenvolvimento.
Para a apreciação de sua obra de dois pesados volumes, devo-lhe remeter à minha
réplica.
Nela, demonstro, entre outras coisas, quão pouco Proudhon penetrou no
segredo da dialética científica, como, por outro lado, compartilha das ilusões
da filosofia especulativa, na medida em que desvirtua as categorias
econômicas em idéias eternas, preexistentes - em vez de as conceber enquanto expressões
teóricas de relações históricas de produção, correspondentes a um determinado
nível de desenvolvimento da produção material – e, assim, por esse
desvio, retorna, novamente, ao ponto de vista da economia burguesa.
Além disso, demonstro ainda como resulta ser extremamente escasso e, em
parte, até mesmo escolástico, o seu conhecimento da "Economia Política",
cuja crítica empreende, e como sai à caça de uma assim chamada "Ciência",
juntamente com os utopistas, através da qual deve ser conjecturada, a priori, uma fórmula para a "solução
da questão social", em vez de criar a ciência a partir do conhecimento
crítico do movimento histórico, um movimento que produz, por si mesmo,
as condições
materiais da emancipação.
Especificamente, meu escrito demonstra como Proudhon permanece na
escuridão, no equívoco e no meio do caminho no que concerne ao fundamento de
tudo, i.e. do valor de troca, deixando de contemplar, em verdade, a
interpretação utópica da teoria do valor de Ricardo para o fundamento
de uma nova ciência.
Acerca de seu ponto de vista, em geral, ajuizo, resumidamente, o seguinte
:
"Toda relação
econômica possui um lado bom e um lado mau.
Esse é o único
ponto em que o Sr. Proudhon não se
golpeia a si mesmo na cara.
O lado bom, vê-o
destacado pelos economistas, o lado mau, denunciado pelos socialistas.
Toma emprestado
dos economistas a necessidade das
relações eternas e dos socialistas, a ilusão segundo a qual a miséria pode apenas divisar a miséria
(em vez de nela divisar o lado revolucionário, destruidor, que
derrubará a velha sociedade).
Se os economistas afirmam que as relações atuais - as relações de produção burguesa - são
normais, dão a entender, com isso, que constituem relações nas quais a produção
da riqueza e o desenvolvimento das
forças produtivas realizam-se em conformidade com as leis naturais. Assim, essas relações são leis naturais, independentes
mesmo da influência do tempo. São leis
eternas que sempre devem reger a sociedade. Assim, existiu uma história,
sendo que, porém, não existe e não existirá mais nenhuma história.(p. 113 do
meu escrito).
O Sr. Proudhon concorda com ambos, na
medida em que procura apoiar-se na autoridade da ciência.
Para Proudhon, a ciência reduz-se à dimensão
anã de uma fórmula científica. É o homem à caça de fórmulas.
Em conformidade
com isso, o Sr. Proudhon adula a si
mesmo por ter produzido a crítica tanto da economia
política quanto do comunismo -
sendo que ele se situa profundamente entre ambos.
Entre os
economistas, porque, enquanto filósofo que possui à mão uma fórmula mágica,
acredita poder isentar-se de penetrar nos detalhes puramente econômicos.
Entre os
socialistas, porque não possui nem coragem suficiente nem suficiente
discernimento para elevar-se acima do
horizonte burguês - mesmo que apenas de modo especulativo ...
Pretende,
enquanto homem de ciência, pairar por cima dos burgueses e proletários.
O Sr. Proudhon é apenas o pequeno-burguês,
permanentemente lançado, para cá e para lá, entre o capital e o trabalho, entre
a economia política e o comunismo(pp. 119 e 120 de meu
escrito)."
Da mesma maneira severa, tal como o juízo acima formulado, devo, ainda
hoje, subscrever cada uma das minhas palavras.
Ao mesmo tempo, há de considerar que, à época em que declarei o livro de Proudhon
como o código do socialismo dos petit bourgeois (EvM.: dos
pequenos-burgueses), comprovando-o teoricamente, Proudhon era ainda
acusado pelos economistas políticos e pelos socialistas de heresia, enquanto
ultra-arquirevolucionário.
Por essa razão, também mais tarde, jamais concordei com a gritaria acerca
de sua "traição" à revolução.
Não foi culpa de Proudhon se foi, originariamente,
mal compreendido por outros e por si mesmo, não satisfazendo injustas
esperanças.
Na "Philosophie de la misère (EvM.: Filosofia da Miséria)" emergem,
muito desvantajosamente, todas as deficiências do modo de apresentação
proudhoniano, em contraste com "Qu'est-ce
que la propriété?(EvM.: O Que é a Propriedade)".[3]
Seu estilo é freqüentemente o que os franceses denominam de ampoulé
(EvM.: empolado).
Jargão especulativo grandiloqüente, devendo surgir como alemão filosófico,
surge regularmente onde lhe falta o aguçamento do entendimento gálico.
Um tom de gritaria mercantil, exaltando o próprio louvor – um tom de
renomismo, nomeadamente o sempre tão pouco edificante banho de salão e a falsa
ostentação de "Ciência" -,
ressoa, continuadamente, no ouvido de toda pessoa leitora.
Em vez da tepidez real, que os primeiros escritos irradiam, declama-se,
aqui, em certas passagens, sistematicamente, até um calor delirante. Além
disso, o agir do sábio autodidata, adversamente desajeitado, cujo orgulho,
crescido de modo natural encontra-se já fraturado para o pensamento original
autônomo, pretendendo, então, ter de expandir-se enquanto parvenu (EvM.: arrivista) da ciência, com a qual
não tem a ver e não a representa.
A seguir, a disposição do pequeno-burguês que ataca, de maneira
indecentemente brutal - nem de modo agudo, nem profundo, nem de modo
propriamente correto - um homem como Cabet, respeitável em razão de seu
posicionamento prático em relação ao proletariado francês, tratando, pelo
contrário, benevolamente, p.ex., um Dunoyer - em verdade um "Conselheiro
de Estado" -, apesar de todo o significado desse tal Dunoyer
residir na sinceridade cômica com que louvou, ao longo de três grossos volumes,
insuportavelmente tediosos, o rigorismo, caracterizado por Helvetius da seguinte
maneira :
"On veut que les malheureux soient parfaits.
(EvM.: Pretende-se que os infelizes sejam perfeitos.)"
A Revolução de Fevereiro de 1848 surgiu, de fato, de modo muito
incoveniente para Proudhon, uma vez que comprovara, just (EvM.: justamente) algumas semanas antes, de maneira irrefutável,
que "a
era das revoluções" havia decorrido para sempre.
Sua intervenção na Assembléia Nacional - demonstrando tão
pouca compreensão das relações então existentes - é merecedora de todo louvor.
Depois da Insurreição de Junho de 1848, tratou-se de um ato de grande
coragem.
Além disso, esse fato possuiu a conseqüência favorável de que o Sr.
Thiers, em seu discurso de réplica às propostas de Proudhon, publicado, a
seguir, como escrito especial, provou, para toda a Europa, sobre que
pedestal de catequismo infantil se situava esse pilar espiritual da burguesia
francesa.
Em face do Sr. Thiers, Proudhon inflamou-se, de fato, então, rumo a um
colosso de pecado ante-deluviano.
A descoberta de Proudhon do "crédit gratuit (EvM.:
crédito gratuito)" e do "Banque
du peuple (EvM.: Banco Popular)", que sobre aquele se baseia,
foram seus últimos "feitos" econômicos.
Em meu escrito "Para a Crítica da Economia Política", Caderno 1,
Berlim, 1859, pode ser encontrada a prova de que o fundamento teórico da
concepção de Proudhon emerge do desconhecimento dos primeiros elementos da "Economia
Política" burguesa, especialmente do desconhecimento da relação
das mercadorias para com o dinheiro, ao passo que a sua superestrutura
prática era mera reprodução de planos mais velhos e muito melhor elaborados.
É evidente e não resta a menor dúvida de que o sistema de crédito, tal
como, p.ex., no início do século XVIII e, posteriormente, mais uma vez, no
século XIX, serviu, inteiramente, para transferir a riqueza de uma classe à
outra e que pode servir, sob determinadas condições políticas e econômicas,
para acelerar a emancipação da classe trabalhadora.
Porém, conceber o capital portador de juros enquanto a
principal forma do capital e pretender fazer de uma aplicação especial do sistema
de crédito, i.e. da pretendida abolição dos juros, a base de
reconformação da sociedade, trata-se de uma fantasia extraordinariamente
pequeno-burguesa.
Além disso, essa fantasia pode ser, de fato, encontrada, por essa razão,
em meio ao pântano dos porta-vozes econômicos da pequena-burguesia inglesa do
século XVII.
A polêmica de Proudhon, travada contra Bastiat (1850), relativamente ao
capital portador de juros, situa-se profundamente bem mais abaixo da "Philosophie
de la misère (EvM.: Filosofia da Miséria)".
Proudhon consegue ser
espancado até mesmo por Bastiat e irrompe em brados, ali
onde seu adversário lhe aperta com violência.
Há poucos anos, Proudhon escreveu uma monografia de
concurso – creio que promovido pelo Governo de Lausanne – acerca dos “impostos”.
Nessa sede, extinguiu, também, o seu último indício de genialidade. Nada
restou senão o petit bourgeois tout pur (EvM.: o pequeno-burguês, totalmente
puro e simples).
No que concerne aos escritos políticos e filosóficos de Proudhon,
fato é que, em todos, surge o mesmo caráter plenamente contraditório,
ambivalente, tal como em seus trabalhos econômicos.
Nesse sentido, possuem apenas um valor francês local. Seus ataques
à religião, à Igreja etc. possuem, entretanto, um grande mérito local
em um tempo em que os socialistas franceses julgavam conveniente serem
superiores ao voltairianismo burguês, do século XVIII, e ao ateísmo
alemão, do século XIX, por meio da religião.
Se Pedro, o Grande, esmagou a barbárie russa mediante a barbárie, Proudhon
fez o melhor possível para derrotar a essência do fraseologismo francês através
de frases.
Seus escritos sobre o “Coup d’état (EvM.: Golpe de Estado)”,
em que faz a corte a Louis Bonaparte, aspirando torná-lo,
de fato, um legítimo representante aos olhos dos trabalhadores franceses, bem
como seu último escrito contra a Polônia, em que lança mão de um
cinismo cretino em honra do Czar, devem ser qualificados não
apenas como escritos ruins, senão ainda como vulgaridades, ainda que se tratem
de vulgaridades correspondentes ao ponto de vista pequeno-burguês.
Comparou-se, freqüentemente, Jean-Pierre Proudhon com Jean-Jacques
Rousseau. Nada poderia ser mais equivocado. Proudhon assemelha-se, muito
mais, a Nicolas Linguet, cuja “Théorie des loix civiles (EvM.: Teoria
das Leis Civis)” é, por sinal, um livro bastante genial.[4]
Proudhon tende, por natureza, à dialética. Porém, dado o fato zgbque jamais compreendeu realmente a dialética
científica, conduziu-a apenas à sofística.
Na realidade, esse fato está associado ao seu ponto de vista
pequeno-burguês. O pequeno-burguês é tal como o historiador Friedrich
von Raumer, composto de por um lado e por outro lado.
Assim, o é em seus interesses econômicos e, por consegüinte, em sua
política, em suas concepções acerca da religião, da ciência e da arte.
Assim, também, em sua moral. Assim, em everthing
(EvM.: tudo). Ele é a contradição ambulante. Nesse contexto, sendo um homem
espirituoso - tal qual o é Proudhon
-, logo aprenderia a jogar com suas próprias contradições e
elaborá-las,
conforme as circunstâncias, em paradoxos às vezes brilhantes, às vezes
escandalosos, barulhentos, marcantes.
Charlatanismo científico e acomodação
política são, sob esse ponto de vista, inseparáveis. Resta apenas ainda
um motivo impulsionador : a vaidade do sujeito, sendo certo que a questão passa
a ser então - tal como entre todos os vaidosos -, a busca pelo êxito do momento,
pela sensação
do dia. Assim, apaga-se, necessariamente, o simples tato moral que,
p. ex., manteve um Rousseau, sempre distante de um compromisso aparente com os
poderes existentes. Talvez a posteridade caracterizará a mais moderna fase da
cultura francesa, afirmando que Louis Bonaparte foi seu Napoleão
e Proudhon,
seu Rousseau-Voltaire.
O Sr. deverá, então, assumir a responsabilidade pelo fato de ter-me
onerado com o papel de juiz dos mortos, logo depois da morte desse homem[5].
Do seu inteiramente devotado
Karl Marx
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA
J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] Cf. MARX,
KARL. Über Pierre-Joseph Proudhon.
Brief an J. B. v. Schweitzer (Sobre P.-J. Proudhon. Carta à J. B. v.
Schweitzer)(24 de Janeiro de 1865), in : ibidem, Vol. 16, pp. 25 e s. Assinalo,
por oportuno, que a presenta carta de Marx foi, pela primeira vez,
publicada, em “Der Social-Demokrat (O Social-Democrata)”, Nrs. 16, 17 e 18,
de 1°, 3 e 5 de fevereiro de 1865.
[2] Sobre o tema, vide PROUDHON, PIERRE-JOSEPH. Système des
contradictions économiques, ou, Philosophie de la misère (Sistema de Contradições
Econômicas ou a Filosofia da Miséria), Paris : Chez Guillaumin et cie, 1846,
pp. 5 e s.
[3] Sobre o tema, vide IDEM. Ibidem, pp. 5 e s.
[4] Permito-me remeter o leitor à
leitura de LINGUET, SIMON NICOLAS HENRI.
Théorie des Loix Civiles ou Principes Fondamentaux de la Société (Teoria das
Leis Civis ou Princípios Fundamentais da Sociedade)(1767), Londres, 1774, 3
Vol., pp. 3 e s.
[5] Recorde-se, de passagem, que Pierre-Joseph
Proudhon faleceu, precisamente, em 19 de janeiro de 1865, em Paris, ano
em que Marx redigiu o presente texto em resposta à carta de Johann
Baptist von Schweitzer, um dos
principais dirigentes dos lassalleanos.