PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO

DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE

 

KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA

 

Guerra Civil na França

 

Paris Não Podia Ser Defendida Sem o Armamento de Sua Classe Trabalhadora, Sem a Transformação Desta em um Eficaz Poder de Guerra

A Classe Trabalhadora Não Pode Simplesmente Apossar-se da Maquinaria Acabada do Estado, Movimentando-a a Favor de seus Próprios Objetivos

A Comuna de Paris Foi a Forma Determinada da “República Social” de 1848

Nada Poderia Ser Mais Estranho ao Espírito da Comuna do que a Substituição do Sufrágio Universal pela Investidura Hierárquica

A Comuna era essencialmente um Governo da Classe Trabalhadora,

a Forma Política Finalmente Descoberta sob a qual se Podia Realizar a Libertação Econômica do Trabalho:

Sim, meus Senhores, a Comuna Queria Abolir Esta Propriedade de Classe que Transforma o Trabalho de Muitos na Riqueza de Poucos        

 

KARL MARX[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução

 Emil Asturig von München, Dezembro de 2011

 

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(...) Em 4 de setembro de 1870, quando os trabalhadores de Paris proclamaram a República, aclamada, quase concomitantemente, em toda a França, sem uma única voz de dissenso, uma tramóia, organizada por advogados carreiristas, com Adolphe Thiers, na qualidade de homem de Estado, e Louis Trochu, como General, apossou-se do Hôtel de Ville (EvM.: prefeitura). Outrora, essas pessoas estavam penetradas de uma fé tão fantástica na missão de Paris de representar a França, em todas as épocas de crise histórica, que, para legitimar o seu título usurpado de governadores da França, pareceu-lhes suficiente exibir seus mandatos caducos de deputados de Paris

Em nosso segundo informe sobre a última guerra, cinco dias depois da ascensão dessas figuras, dissemo-lhes quem elas eram. E, entretanto, na tempestade do ataque de surpresa, com os verdadeiros dirigentes dos trabalhadores ainda nas prisões de Louis Bonaparte e com os prussianos já em marcha sobre Paris, essa cidade tolerou a tomada do poder do Estado, empreendida por essa gente, fazendo-o, porém, apenas sob a condição expressa de que esse poder do Estado servisse, única e exclusivamente, ao objetivo da defesa nacional.   

Porém, Paris não podia ser defendida sem o armamento de sua classe trabalhadora, sem a transformação desta em um eficaz poder de guerra, adestrando-se suas fileiras, por meio da própria guerra. Entretanto, Paris em armas era a revolução em armas. Uma vitória de Paris sobre os agressores prussianos teria representado uma vitória do trabalhador francês contra os capitalistas franceses e seus parasitas do Estado. Nessa clivagem, havida entre o dever nacional e o interesse de classe, o Governo da Defesa Nacional não hesitou nenhum momento sequer em transformar-se em um Governo da Traição Nacional.[2]   

 

 

(...) Na manhã de 18 de março de 1871, Paris foi despertada pelo clamor tempestuoso de "Viva a Comuna"! O que é a Comuna, essa esfinge que submete a razão burguesa a tão duras provas ? Em seu Manifesto de 18 de Março, o Comitê Central afirmou o seguinte : 

 

"Em meio às derrotas e à traição das classes dominantes, os proletários de Paris compreenderam que soou a hora em que têm de salvar a situação, tomando em suas próprias mãos a direção dos negócios públicos ... Entenderam que é seu dever supremo e seu Direito absoluto o de tornar a si mesmos senhores de seu próprio destino, assumindo o poder de Governo."  

 

Porém, a classe trabalhadora não pode simplesmente apossar-se da maquinaria acabada do Estado, movimentando-a a favor de seus próprios objetivos. O poder centralizado do Estado, com seus órgãos ubíquos  - exército permanente, polícia, burocracia, clero, magistratura -, órgãos criados em conformidade com o plano de uma divisão sistemática e hierárquica do trabalho, descende dos tempos da monarquia absoluta, onde serviam à sociedade burguesa nascente como poderosa arma em suas lutas contra o feudalismo.

Sem embargo, seu desenvolvimento permaneceu entravado por todo tipo de escombros medievais, prerrogativas senhorial-fundiárias e aristocráticas, privilégios locais, monopólios municipais e de corporações de ofício, constituições provinciais. A gigantesca vassoura da Revolução Francesa do século XVIII varreu todos essas ruínas dos tempos passados, limpando, assim, simultaneamente, o solo social dos últimos obstáculos que se situavam no caminho da superestrutura do moderno edifício do Estado.

Essa moderna construção estatal foi edificada sob o I Império, criado, por sua vez, pelas Guerras de Coalizão, travadas pela velha Europa semi-feudal contra a França moderna.     

Durante as formas de dominação subseqüentes, o Governo foi colocado sob controle parlamentar, i.e. sob o controle direto das classes possidentes. Por um lado, desenvolveu-se já em uma estufa de dívidas estatais colossais e impostos esmagadores, tornando-se, em razão da força de atração irresistente de seu poder oficial, suas receitas e sua distribuição de cargos, o pomo da discórdia das frações concorrentes e aventureiros das classes dominantes, sendo que, por outro lado, seu caráter político modificou-se, concomitantemente com as transformações econômicas da sociedade. Na mesma medida em que o progresso da indústria moderna desenvolveu, expandiu, aprofundou o antagonismo de classes, havido entre capital e trabalho, o poder do Estado adquiriu, cada vez mais, o caráter de um poder público para a repressão da classe trabalhadora, o caráter de uma máquina da dominação de classe. Depois de todas as revoluções que indicaram um progresso da luta de classes, emergiu, de modo cada vez mais ostensivo, o caráter puramente opressor do poder do Estado.[3]  

 

 

(...) A Comuna foi a antítese direta do Império. O brado de "República Social", com o qual o proletariado de Paris introduziu a Revolução de Fevereiro de 1848, expressou apenas a reinvindicação indeterminada de uma república que devia não apenas eliminar a forma monárquica da dominação de classe, senão ainda a própria dominação de classe. A Comuna foi a forma determinada dessa república.

Paris, o ponto central e sede do velho poder de Governo - simultaneamente o centro de gravidade social da classe trabalhadora francesa - , Paris havia-se levantado em armas contra a tentativa de Adolphe Thiers e de seus latifundiários aristocráticos de restaurar e eternizar esse velho poder de Governo que lhes fora transmitido pelo Império. Paris podia apenas resistir, pois que, em decorrência do assédio, havia-se livrado das Forças Armadas, colocando, no lugar destas, uma Guarda Nacional, formada, principalmente, por trabalhadores. Esse fato devia, agora, ser transformado em uma instituição duradoura. 

O Primeiro Decreto da Comuna foi, por isso, a repressão do exército permanente e sua substituição pelo povo armado.  

A Comuna formou-se a partir de conselhos municipais, eleitos por direito de sufrágio universal, nos diversos distritos de Paris. Esses conselhos eram responsáveis e revogáveis, a todo momento. Sua maioria era composta, naturalmente, por trabalhadores ou reconhecidos representantes da classe trabalhadora.

A Comuna não havia de ser uma corporação parlamentar, mas sim uma corporação de trabalho, executiva e legislativa, a um só tempo.                   

A polícia - até então a ferramenta do Governo do Estado - foi despida, imediatamente, de todas as suas atribuições políticas e transformada na ferramenta da Comuna, responsável e revogável, a qualquer tempo. O mesmo passou a ser válido para os servidores públicos de todas as outras divisões administrativas. Partindo dos membros da Comuna para baixo, o serviço público havia de ser realizado com pagamento de salário dos trabalhadores. Os títulos adquiridos e os honorários de representação dos altos dignatários do Estado desapareceram, juntamente com esses mesmos dignatários. Os cargos públicos deixaram de ser a propriedade privada dos testas-de-ferro do Governo Central. Não apenas a administração municipal, senão também toda a iniciativa, exercida até então pelo Estado, foi colocada nas mãos da Comuna

Eliminados o exército permanente e a polícia, instrumentos do poder material do velho Governo, a Comuna passou, imediatamente, a destruir a ferramenta de opressão espiritual, o poder dos padres. Decretou a dissolução e a desapropriação de todas as igrejas, visto que eram corporações proprietárias. Os padres foram reenviados ao recesso da vida privada, a fim de lá, em consonância com a imagem de seus predecessores, os apóstolos, alimentarem-se das esmolas de seus crentes.

Todas as instituições educacionais foram abertas gratuitamente ao povo e, concomitantemente, purificadas de todas as intromissões do Estado e da Igreja. Com isso, a formação escolar tornou-se não apenas para todos, senão ainda a própria Ciência foi libertada das cadeias, a ela impostas pelo preconceito de classes e pelo poder de Governo

As autoridades judiciárias perderam aquela independência aparente que apenas havia servido para mascarar sua subserviência a todos os Governos que se seguiram, em relação aos quais haviam, sucessivamente, tomado e quebrado o juramento de fidelidade. Além disso, tais quais todos os demais servidores públicos, as autoridades judiciárias passaram a dever ser eleitas, responsáveis e revogáveis, a qualquer tempo.         

Evidentemente, a Comuna de Paris devia servir de modelo a todos os grandes centros industriais da França. Logo que a ordem de coisas da Comuna foi introduzida em Paris e nos centros secundários, o velho governo centralizado havia de dar lugar, também nas províncias, ao auto-governo dos produtores

Em um breve esboço da organização nacional - a qual a Comuna não teve tempo de desenvolver - consta, expressamente, que a Comuna devia ser a forma política até mesmo do mais ínfimo vilarejo, havendo de, no campo, o exército permanente ser substituído por uma milícia popular, dotada do tempo de serviço extremamente curto.     

As comunidades rurais de cada distrito deviam administrar seus assuntos comuns por meio de uma Assembléia de Deputados, situada na cidade central do distrito, e essas assembléias distritais deviam, por sua vez, enviar deputados à Delegação Nacional, em Paris.  

Os deputados deviam ser revogáveis, a qualquer tempo, e ligados às instruções determinadas de seus eleitores. As poucas funções, apesar de importantes, que, então, ainda restavam para um Governo Central, não deviam ser suprimidas - como propositadamente tem sido falsificado -, mas sim transferidas a autoridades comunais, i.e. a autoridades rigorosamente responsáveis. A unidade da nação não devia ser rompida, senão, pelo contrário, organizada mediante a Constituição da Comuna. Devia tornar-se uma realidade através da aniquilação daquele poder do Estado que clamava ser a incorporação dessa unidade, querendo ser, porém, independente e superior em relação à nação, em cujo corpo nada mais era senão uma excrescência parasitária.        

Sendo necessário amputar os órgãos meramente repressores do velho poder de Governo, suas funções legítimas deviam ser arrancadas das mãos de um poder que reivindicava pairar acima da sociedade, para serem restituídas aos servidores responsáveis da sociedade.

Em vez de decidir uma vez a cada três ou seis anos quais membros da classe dominante deveriam representar e pisotear o povo no Parlamento, o sufrágio universal havia, agora, de servir ao povo constituído em comunas, tal qual o direito individual de voto serve a todo e qualquer outro empregador na busca de trabalhadores, supervisores e contadores, para realização de seus negócios. E sabe-se muito bem que as empresas, tais quais os indivíduos, sabem costumeiramente encontrar a pessoa certa para a realização de suas reais questões de negócios e, no caso de se equivocarem, sabem corrigir os seus erros com presteza. Por outro lado, nada poderia ser mais estranho ao espírito da Comuna do que a substituição do sufrágio universal pela investidura hierárquica.[4] 

 

 

(...) A organização da Comuna teria devolvido, em troca, ao corpo social todas as forças que, até então, vinham sendo absorvidas pela excrescência parasitária denominada "Estado", o qual se alimenta da sociedade, embaraçando o seu livre movimento. Através desse único fato teria posto em marcha o renascimento da França. A classe média das cidades provinciais entrevia na Comuna um intento de restauração da dominação que, sob Louis-Philippe I. d'Orléans, havia exercido sobre o campo e que, sob Louis Bonaparte, fora suplantado através da suposta dominação do campo sobre as cidades. Porém, na realidade, organização da Comuna colocaria os produtores do campo sob a direção intelectual das principais cidades dos distritos, assegurando-lhes ali, nas pessoas dos trabalhadores das cidades, os representantes naturais de seus interesses. A simples existência da Comuna implicava, como algo evidente, o auto-governo local, porém, agora, não mais como contrapeso ao poder do Estado, já então tornado supérfluo.[5]       

 

 

(...) A Comuna transformou em realiadde a palavra-chave de todas as revoluções burguesas, i.e. "Governo barato", ao suprimir ambas as maiores fontes de despesas : as forças armadas e o funcionarismo do Estado. A simples existência da Comuna pressupunha a inexistência da monarquia que, ao menos na Europa, é o peso morto regular e o disfarce indispensável da dominação de classe.  A Comuna proporcionou o fundamento de instituições realmente democráticas à República. Porém, nem "o Governo barato" nem a "verdadeira República" era o seu objetivo final. Ambos estes emergiram por si mesmos e paralelamente.

A multiplicidade das interpretações, às quais a Comuna foi submetida, e a variedade dos interesses, que nela se encontraram expressados, comprovam que era uma forma política inteiramente elástica, ao passo que todas as formas precedentes de Governo haviam sido essencialmente repressoras. Seu verdadeiro segredo era este: a Comuna era essencialmente um Governo da Classe Trabalhadora, o resultado da luta, travada entre a classe produtora e a classe apropriadora, a forma política finalmente descoberta sob a qual se podia realizar a libertação econômica do trabalho.       

Sem essa última condição, a organização da Comuna teria sido uma impossibilidade e um engano. A dominação política do produtor não pode existir ao lado da eternização de sua servidão social. Portanto, a Comuna havia de servir de alavanca, a fim de derrubar os fundamentos econômicos, sobre os quais se assenta a existência das classes e, com isso, da dominação de classe.

Trata-se de um fato estranho: apesar de todo esse grande falatório e da incomensurável literatura dos últimos sessenta (60) anos sobre a emancipação dos trabalhadores, mal os trabalhadores tomam, em algum lugar, as coisas em suas mãos, estrondeiam, imediatamente, mais uma vez, a fraseologia apologética dos porta-vozes da sociedade atual, com ambos os seus pólos : capital e escravidão assalariada (hoje ainda, o latifundiário é apenas o sócio submisso do capitalista), tal como se a sociedade capitalista vivesse ainda no estado de pura inocência virginal, estando todos os seus fundamento ainda subdesenvolvidos, todos auto-enganos, ainda velados, toda a sua realidade prostituída, ainda não desnudada!           

A Comuna, exclamam eles, quer suprimir a propriedade, o fundamento da civilização!

Sim, meus senhores, a Comuna queria abolir esta propriedade de classe que transforma o trabalho de muitos na riqueza de poucos. Aspirava à expropriação dos expropriadores.

Pretendia fazer da propriedade individual uma verdade, transformando os meios de produção, o solo da terra e o capital - hoje, sobretudo, meios a serviço do servilismo e da exploração do trabalho, em meras ferramentas do trabalho livre e associado.    

Porém, isso é o comunismo, é o comunismo "irrealizável"!

Ora, aquelas pessoas das classes dominantes que são bastante inteligentes para reconhecer a impossibilidade da continuidade do atual sistema – e, dessas pessoas, poucas há - erigiram-se em apóstolos incômodos e fanfarrões da produção cooperativa. 

Porém, se a produção cooperativa não deve permanecer sendo uma aparência e um engano vaidosos, se o sistema capitalista deve ser desbancado, se a totalidade das cooperativas deve regular a produção nacional, segundo um plano comum, colocando esta sob sua própria direção e pondo termo à constante anarquia e às recorrentes convulsões periódicas - destino inevitável da produção capitalista -, o que seria isso, meus senhores, senão o comunismo, o comunismo "realizável"?   

A classe trabalhadora não exigia nenhum milagre da Comuna. A classe trabalhadora não possui nenhuma utopia fixa e acabada, a ser introduzida mediante Decreto do Povo

Sabe que para conseguir sua própria libertação e, com esta, a forma superior de vida à qual aspira irresistivelmente a sociedade contemporânea, por meio de seu próprio desenvolvimento econômico, terá de passar por longas lutas, por toda uma série de processos históricos, mediante os quais tanto os seres humanos quanto as circunstâncias são inteiramente transformados.

A classe trabalhadora não tem nenhum ideal a ser realizado. Tem apenas de liberar os elementos da nova sociedade que já se desenvolveram no seio da sociedade burguesa em dissolução.

Plenamente consciente de sua missão histórica e dotada de heróica resolução para agir de modo digno dela, a classe trabalhadora pode contentar-se com o gracejar das objurgatórias grosseiras dos lacaios da imprensa e da proteção professoral dos doutrinários burgueses bem-intencionados que predicam seus lugares-comuns ignorantes e suas fantasias sectárias em tom oracular de infalibilidade científica.     

Quando a Comuna de Paris assumiu a direção da revolução em suas próprias mãos, quando os trabalhadores simples ousaram, pela primeira vez na história, a violar o privilégio do Governo de seus "superiores naturais", dos proprietários, realizando seu trabalho modesto, sob circunstâncias de inigualável dificuldade, de modo consciente e eficaz, efetuando-o por salários cujo máximo valor mal correspondia a um quinto (1/5) da soma que, segundo uma alta autoridade científica, o Professor Thomas Henry Huxley, é o salário mínimo de um secretário do Conselho de Instrução Pública de Londres, retorceu-se o velho mundo com convulsões de raiva, ao contemplar a bandeira vermelha, símbolo da República do Trabalho, oscilando sobre o Hôtel de Ville.       

E, no entanto, essa foi a primeira revolução na qual a classe trabalhadora foi reconhecida abertamente como a única classe que era ainda capaz de uma iniciativa social, reconhecida até mesmo pela grande massa da classe média parisiense - pequenos comerciantes, artesanatos, negociantes -, excluídos apenas os ricos capitalistas. 

A Comuna os havia salvado através da sábia eliminação daquela causa sempre recorrente de litígio no interior da classe média : a questão existente entre devedores e credores.

Essa mesma parte da classe média havia participado da repressão da Insurreição dos Trabalhadores de Junho de 1848 e, imediatamente a seguir, foi sacrificada, sem cerimônias, aos seus credores pela Assembléia Constituinte.  

Porém, essa não foi a única razão pela qual ela aderiu, agora, às fileiras dos trabalhadores.

Sentia que existia apenas uma escolha : a Comuna ou o Império, seja lá qual fosse o que existisse sob esse último nome. 

O Império havia economicamente arruinado essa classe média por sua dilapidação da riqueza pública, pelas imensas trapaças financeiras que promoveu, pelos seus apoios à centralização artificialmente acelerada do capital e pela desapropriação condicionada por essa centralização de uma grande parte da classe média. Oprimira-a politicamente, indignara-a, com suas orgias, moralmente, ofendera seu voltairianismo, através da entrega da educação dos filhos desta aos "frères ignorantins" (EvM.: freires ignorantes), escandalizou seu sentimento nacional de franceses, precipitando-os de cabeça em uma guerra que deixou apenas uma compensação para todas as devastações que causara : a aniquilação do Império.[6]    

 

 

(…) A civilização e a justiça da ordem burguesa emergem, com sua luz verdadeira e procelosa, tão logo os escravos dessa ordem rebelam-se contra seus senhores. 

Então, a civilização e a justiça apresentam-se como flagrante selvajeria e vingança sem lei. Cada nova crise na luta de classes, travada entre o apropriador e o produtor de riquezas, traz a público esse fato, de maneira escandalosa.

Até mesmo as atrocidades dos burgueses de junho de 1848 desaparecem diante das ignomínias indizíveis de 1871.

O heroísmo altruísta com o qual o povo de Paris - homens, mulheres e crianças - perseveraram, lutando, durante oito dias, após a invasão das tropas de Versalhes torna rútilo tanto a grandeza de sua causa quanto os atos infernais da soldadesca fazem coruscar o espírito inato daquela civilização cujos protagonistas e vingadores mercenários a configuram.

Com efeito, uma civilização gloriosa, cuja questão de vida e morte é esta: como se livrar dos montes de cadáveres que fez, depois de extintos os combates ![7]

 

 

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 



[1] Cf. MARX, KARL. Der Bürgerkrieg in Frankreich. Adresse des Generalrats der Internationalen Arbeiterassoziation(Guerra Civil na França. Informe do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores) (Abril e Maio de 1871), in : ibidem, Vol. 17, Berlim : Dietz, 1962, pp. 313 e s. Assinalo que o presente texto de Marx foi publicado, pela primeira vez,  em língua inglesa, em Londres, em forma de brochura. A seguir, em língua alemã,  no jornal “Der Volksstaat (O Estado do Povo)”, entre 28 de junho e 29 de julho de 1871 e, na forma de livro, na cidade de Leipzig, em 1871.

[2] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte I, Vol. 17, p. 319.

[3] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte III, Vol. 17, pp. 335 e s.

[4] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte III, Vol. 17, pp. 338 e s.

[5] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte III, Vol. 17, p. 341.

[6] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte III, Vol. 17, pp. 341 e s.

[7] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte IV, Vol. 17, p. 356.