PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO

DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE

 

KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA

 

Sobre a Autoridade

 

Quem Diz Ação Combinada, Está Também Dizendo Organização. E, Então, É Possível Existir Organização Sem Autoridade?

Todos os Socialistas Concordam em que o Estado Político e, com ele, a Autoridade Política

Desaparecerão Como Decorrência da Próxima Revolução Social

Porém, os Anti-Autoritários Reivindicam Que o Estado Político-Autoritário Seja Suprimido De Um Só Golpe

Exigem Que o Primeiro Ato da Revolução Social Seja a Supressão da Autoridade:

Uma Revolução é Certamente a Coisa Mais Autoritária Que Existe

Teria a Comuna de Paris Existido Por Um Único Dia Apenas, Se Não Houvesse Feito Uso Dessa Autoridade do Povo Armado Contra a Burguesia?

 

FRIEDRICH ENGELS[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução

 Emil Asturig von München, Dezembro de 2011

 

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Nos últimos tempos, alguns socialistas desencadearam uma verdadeira cruzada contra o que denominam de princípio da autoridade.

Precisam apenas dizer que esse ou aquele ato é autoritário para condená-lo.  

Com esse procedimento sumário, realiza-se um tal abuso que se torna necessário apreciar o assunto um pouco mais de perto.

Autoridade quer dizer no sentido da palavra de que aqui estamos tratando tanto quanto: a imposição da vontade de uma outra pessoa sobre a nossa vontade.

A autoridade pressupõe, por outro lado, a subordinação.

Uma vez que essa duas palavras soam mal, sendo desagradável a relação que exprimem para a parte subordinada, trata-se da questão de saber se não existe um meio de resolver a questão de outro jeito, se, sob as atuais condições sociais, não podemos criar uma outra situação social, na qual essa autoridade não tenha mais nenhum sentido e, conseqüentemente, deva desaparecer.

Se examinarmos as relações econômicas – industriais e agrícolas – que formam o fundamento da atual sociedade burguesa, verificaremos que possuem a tendência de substituir, cada vez mais, a atividade isolada pela ação combinada dos indivíduos.   

No lugar das pequenas oficinas de produtores isolados, surgiu a indústria moderna, com grandes fábricas e grandes locais de trabalho, nos quais centenas de trabalhadores supervisionam máquinas complicadas, movidas a vapor.

Os veículos e vagões das grandes estradas foram substituídos por trens de ferroviais, tais quais o foram os pequenos barcos a remo e a vela pelos navios a vapor.

As máquinas e o vapor assenhoram-se, cada vez mais, da própria agricultura, na medida em que, no lugar dos pequenos proprietários colocam, lenta, porém seguramente, grandes capitalistas que cultivam, com o auxílio de trabalhadores assalariados, grandes áreas fundiárias.  

Por todos os lados, emerge a ação combinada, a complexidade de processos dependentes entre si, no lugar da atividade independente dos indivíduos.

Porém, quem diz ação combinada, está também dizendo organização.

E, então, é possível existir organização sem autoridade? 

Admitamos, por um momento, que uma revolução social destronasse os capitalistas, cuja autoridade dirige, hoje, a produção e a circulação das riquezas.

Para adotarmos bem o ponto de vista dos adeptos do anti-autoritarismo, continuemos a admitir que o solo e a terra, bem como os instrumentos de trabalho, tenham-se tornado propriedade coletiva dos trabalhadores que deles se servirão.

Desaparecerá, então, a autoridade ou apenas mudará de forma?

Vejamos essa questão:

 

Tomemos como exemplo a fiação do algodão.

O algodão deve percorrer, ao menos, seis operações consecutivas, antes de adquirir a forma do fio, operações essas que – em grande parte – têm lugar em diferentes salas.

Além disso, para manter as máquinas em movimento, são necessarios um engenheiro que supervisione as máquinas, movidas a vapor, os mecânicos, ocupados com as reparações dessas máquinas, e muitos trabalhadores sem qualificação que têm de transportar os produtos de uma sala para outra etc.

Todos esses trabalhadores, homens, mulheres e crianças, são obrigados a começar e terminar o seu trabalho em uma hora certa, estabelecida pela autoridade da força a vapor que não se preocupa absolutamente com a autonomia individual.

Portanto, é necessário que os trabalhadores entrem de acordo acerca das horas de trabalho.

Uma vez determinadas essas horas de trabalho, todos, sem nenhuma exceção, estão a elas subordinados.

Ademais disso, surgem, em cada uma das salas e a cada momento, questões envolvendo detalhes sobre o modo de produção, a repartição do material etc., questões essas que devem ser imediatamente resolvidas, caso não se pretenda paralisar a inteira produção, no mesmo momento.

Não importando o fato de que essas questões serem resolvidas com base na decisão de um delegado, colocado na direção de cada um dos ramos de trabalho, ou, caso isso não seja possível, por meio de resolução da maioria, sempre será imprescindível que a vontade de cada indivíduo se subordine.

Isso significa que as questões serão resolvidas de modo autoritário.      

O autômato mecânico de uma grande fábrica é muito mais déspota do que jamais o foram os pequenos capitalistas que empregam trabalhadores.

No mínimo, no que concerne às horas de trabalho, pode-se escrever sobre os portões de entrada das fábricas:

 

Lasciate ogni autonomia, voi che entrate! (EvM.: Abandonai toda e qualquer autonomia, vós que entrais!”) 

 

Se, com o auxílio da ciência e do espírito inventivo, o ser humano subjulgou as forças da natureza, estas, por sua vez, vingam-se dele, na medida em que as coloque a seu serviço.

Sujeitam-no a um verdadeiro despotismo, independente de toda e qualquer organização social.

Pretender abolir a autoridade na grande indústria, significa pretender suprimir a própria indústria, aniquilando a fiação a vapor, para voltar à roda de fiar.

 

Tomemos como outro exemplo as estradas de ferro.

Também aqui, a cooperação de um número infinito de indivíduos é inteiramente necessária : uma cooperação deve ocorrer em horas precisamente determinadas, a fim de que não venha a ocorrer uma desgraça.  

Nesse caso, igualmente, a primeira condição de funcionamento é uma vontade dominante que resolve todas as questões subordinadas, sendo essa vontade representada por um único delegado ou por um comitê, ao qual se atribua a execução das resoluções de uma maioria de interessados.     

Tanto em um caso como no outro, estamos tratando de uma autoridade completamente manifesta.

Mais ainda : o que ocorreria com o primeiro trem que partisse, se a autoridade dos funcionários ferroviários, exercida em relação aos senhores passageiros, fosse abolida?

 

Porém, a indispensabilidade de uma autoridade – e, em verdade, de uma autoridade imperiosa – emerge, da maneira mais clara, em um navio em alto mar.

Aqui, em um momento de perigo, a vida de todos depende do fato de todos obedecerem, imediata e absolutamente, à vontade de uma única pessoa.   

Toda vez que refiro argumentos do gênero aos mais selvagens adeptos do anti-autoritarismo, nada conseguem me responder senão o seguinte :

 

“Ah! É verdade. Porém, aqui não se trata de uma autoridade que conferimos aos delegados, mas sim de um encargo!”    

 

Esses senhores acreditam modificar as coisas, quando modificam os seus nomes.

É desse modo que esses profundos pensadores ficam caçoando do mundo.

 

Vimos, portanto, que, por um lado, uma certa autoridade, transferida seja lá da maneira que for, e, por outro lado, uma determinada subordinação são coisas impostas a nós mesmos, independentemente de toda e qualquer organização social, juntamente com as condições materiais, sob as quais produzimos e fazemos circular os produtos.

Por outro lado, vimos que as condições materiais de produção e de circulação são inevitavelmente ampliadas pela grande indústria e pela agricultura de grande escala, possuindo a tendência de alargar, cada vez mais, o campo dessa autoridade.

Por consegüinte, é absurdo falar do princípio da autoridade como se fosse absolutamente mal e do princípio da autonomia como se fosse absolutamente bom.  

Autoridade e autonomia são coisas relativas cujos domínios de aplicação variam, nas diferentes fases do desenvolvimento social.       

Se os autonomistas se contentassem em dizer que a organização social do futuro restringirá a autoridade, única e exclusivamente, àqueles limites nos quais as condições de produção tornarem-na inevitável, poderíamos, então, entrar em acordo.

Porém, são cegos para todos os fatos que tornam a autoridade necessária e se lançam contra a essa palavra.

Por que os anti-autoritários não se limitam a gritar contra a autoridade política e o Estado?

Todos os socialistas concordam em que o Estado político e, com ele, a autoridade política desaparecerão como decorrência da próxima revolução social e isso significa que as funções públicas perderão seu caráter político, transformando-se em simples funções administrativas que velarão pelos verdadeiros interesses sociais.

Porém, os anti-autoritários reivindicam que o Estado político-autoritário seja suprimido de um só golpe, ainda antes de serem aniquiladas as condições sociais que o fizeram surgir.

Exigem que o primeiro ato da revolução social seja a supressão da autoridade.

Por acaso esses senhores já viram uma revolução?

Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que existe.

É o ato mediante o qual uma parte da população impõe sua vontade a outra, por meio de fuzis, baionetas e canhões, i.e. através dos meios mais autoritários possíveis.

E o partido vitorioso, se não pretende haver combatido baldadamente, tem de tornar duradoura essa dominação através do terror que suas armas infundem aos reacionários.

Teria a Comuna de Paris existido por um único dias apenas, se não houvesse feito uso dessa autoridade do povo armado contra a burguesia? 

Portanto, de duas uma : ou os anti-autoritários não sabem o que dizem – e, nesse caso, semeiam apenas confusão – ou sabem mesmo o que dizem, caso em que cometem uma traição contra o movimento do proletariado.

Tanto em um caso como no outro, prestam um serviço  à reação.

 

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 



[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Von der Autorität (Sobre a Autoridade)(Outubro de 1872 -  Março de 1873), in : Marx & Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. 18, Berlim : Dietz, 1962, pp. 305 e s. Assinalo que o presente texto de Marx foi publicado, pela primeira vez, em lingual italiana, no “Almanacco Repubblicano per l’Anno 1874”.