PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
O Indiferentismo Político
Proudhon Execra as
Coalizões que Estruturam a Classe Trabalhadora em Classe,
Prefere a Polícia do
Estado ao Antagonismo de Classe
O Mestre Prega o
Indiferentismo No Domínio Econômico e Os Discípulos de Proudhon, o
Indiferentismo No Domínio Político,
Para Proteger a Liberdade
ou a Concorrência Burguesa
KARL MARX[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Dezembro de 2011
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
Voltar ao Índice
Geral
http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm
“A classe trabalhadora não se deve constituir em partido político. Não deve, sob nenhum pretexto, empreender uma
ação política, pois que a luta contra o Estado é o reconhecimento do Estado e isso se encontra em contradição com os
princípios eternos!
Os trabalhadores não devem fazer greves, pois, nelas, dissipam as suas
forças, visando a alcançar um aumento de seus salários ou impedir a sua redução,
reconhecendo assim, portanto, o sistema de trabalho assalariado, e isso
está em contradição com os eternos princípios da emancipação da classe
trabalhadora!
Se os trabalhadores se unem em sua luta política contra o Estado burguês,
fazem-no apenas para obter concessões,
celebrando, a seguir, compromissos, o que entra em
contradição com os princípios eternos!
Por isso, é preciso almadiçoar todos os movimentos pacíficos, tais quais são impulsionados pelos
trabalhadores ingleses e americanos, por mau hábito.
Os trabalhadores não devem dissipar as suas forças, lutando pela obtenção
do limite legal da jornada de trabalho, pois isso significa celebrar acordos com os empresários
que, então, podem ainda os explorar por 10 ou 12 horas, em vez de 14 ou
16.
Do mesmo modo, não devem nem sequer se esforçar por obter a proibição
legal do trabalho fabril das meninas que têm menos 10 anos de idade, pois,
através disso, não se abole ainda a exploração dos meninos que têm menos de 10
anos.
Caso façam isso, assumem, pois, um
novo compromisso, maculando, desse modo, a pureza dos princípios eternos!
Tanto menos ainda, os trabalhadores devem exigir – tal como ocorre na República dos EUA – que o Estado, cujo orçamento é inchado à custa da trabalhadora, deva ser obrigado a conceder às
crianças dos trabalhadores formação
escolar fundamental, pois esta não é nem sequer uma formação universal.
É melhor que os trabalhadores não saibam ler, nem escrever e nem contar, do
que receber aulas de um professor de uma
escola do Estado.
É consideravelmente melhor que a ignorância e o trabalho quotidiano de 16
horas humilhem a classe trabalhadora do que resultem lesados os príncipios
eternos!
Quando a luta política da classe trabalhadora adquire formas violentas,
quando os trabalhadores erigem a sua Ditadura
Revolucionária, em vez da Ditadura
da Burguesia, cometem, então, o terrível crime de violação dos princípios, porque, para satisfazer suas
necessidade quotidianas, miseráveis e profanas, para quebrar a resistência da
burguesia, conferem ao Estado uma forma
revolucionária e transitória, em vez de baixar as armas, abolindo o próprio Estado.
Os trabalhadores não devem formar nenhum sindicato específico para cada
uma das profissões, porque, assim, eternizam
a divisão social do trabalho – tal qual existe na sociedade burguesa.
Essa divisão do trabalho que separa os trabalhadores é, em verdade, o fundamento real de sua escravidão.
Em uma palavra: os trabalhadores devem cruzar os braços, não desperdiçando
seu tempo com movimentos econômicos e
políticos.
Todos esses movimentos não lhes pode proporcionar nada senão resultados
imediatos.
Como pessoas
verdadeiramente religiosas, devem desprezar
suas necessidades do dia-a-dia, proclamando em alta voz, inteiramente
persuadida: “Nossa classe pode ser crucificada, podendo perecer a nossa raça,
porém os princípios eternos hão de
permanecer imaculados!”
Como piedosos
cristãos, devem acreditar
nas palavras de seu padre, devem desprezar os bens desse mundo, aspirando
apenas a irem para o paraíso.
Lendo-se liquidação social - a
qual ocorrerá em um belo dia, em algum desses rincões do mundo, sendo realizado
por ninguém sabe como e por quem - em vez de paraíso, constata-se que a mistificação é inteiramente a mesma.
Na espera dessa
famosa liquidação social, a classe
trabalhadora deve, portanto, comportar-se respeitavelmente – tal qual um
rebanho de ovelhas bem tosadas -, deixando
o Governo em paz, temendo a Polícia, respeitando as leis, apresentando-se,
sem resmungar, como carne de canhão.
Em sua vida prática quotidiana, os trabalhadores devem ser os servos mais obedientes do Estado.
Porém, em seus
corações, devem protestar, da maneira mais
enérgica, contra sua existência, declarando-lhe seu profundo desprezo teórico
através da compra e leitura de tratados literários sobre a supressão do Estado.
Porém, devem tomar cuidado para não
oporem outro tipo de resistência à ordem capitalista que não sejam suas
declamações sobre a sociedade do futuro, na qual deixará de existir esse regime
odiado.”
Ninguém pode colocar em
questão o fato de que, se os apóstolos do indiferentismo político
tivessem-se declarado assim tão categoricamente, teriam sido mandados ao
inferno pela classe trabalhadora, há muito tempo.
A classe trabalhadora teria considerado
tudo isso uma ofensa, proferida por burgueses doutrinários e pervertidos
representantes da nobreza que são tão estúpidos ou ingênuos a ponto de lhe
negar a concessão de todo e qualquer meio de luta real.
Pois, todos esses meios de
luta têm de ser subtraídos à atual sociedade, uma vez que as condições fatais
dessa luta possuem a desgraça de não se adaptarem às fantasias idealistas que
esses Doutores das Ciências Sociais erigiram à condição de divindades,
sob os nomes de liberdade, autonomia e anarquia.
Contudo, o movimento da
classe trabalhadora é, agora, tão forte que esses sectários filantrópicos não
possuem mais a coragem de repetir as mesmas grandes verdades sobre
a luta econômica que proclamaram, incessantemente, sobre a luta política.
São por demais covardes para
também aplicar essas verdades às greves, às coalizões, aos sindicatos,
às leis
sobre o trabalho das mulheres e das crianças, sobre a limitação
da jornada de trabalho etc., etc.
Vejamos, agora, em que medida
se podem fundar sobre a boa tradição, a modéstia, a honestidade, os princípios
eternos!
Os primeiros socialistas – Fourier,
Owen, Saint-Simon etc. – tiveram de se limitar à elaboração de sonhos
sobre a sociedade modelo do futuro, pois
que as relações sociais ainda não estavam suficientemente desenvolvidas, para
possibilitar à classe trabalhadora sua formação como partido político, sendo
levados a condenar todas as tentativas, empreendidas pelos trabalhadores – tais
quais greves, coalizões, ações políticas -, visando a melhorar em
algo a sua situação.
Porém,
se não possuímos nenhuma razão para repudiar esses patriarcas do socialismo
– tampouco como os químicos modernos possuem o direito de rejeitar os seus pais,
os alquimistas
– temos, porém, de tomar o cuidado para não incidirmos nos seus erros que, se
fossem por nós cometidos, seriam imperdoáveis.
Entretanto,
mais tarde, em 1839, quando a luta econômica e política da classe trabalhadora
da Inglaterra
adquiriu um caráter já marcadamente intenso, John Francis Bray, um
discípulo de Robert Owen e um daqueles que havia, muito antes de Pierre-Joseph
Proudhon, descoberto o mutualismo, publicou um livro,
intitulado “Labour’s wrongs and labour’s remedy (EvM.: Os maus do trabalho e o
trabalho como meio de cura).”[2]
Em um
de seus capítulos sobre a ineficiência de todos os meios de cura que se pretendem
alcançar através da luta atual, Bray formula uma crítica amarga,
dirigida tanto contra os movimentos econômicos quanto contra os movimentos
políticos dos trabalhadores ingleses.
Condena
o movimento político, as greves, a redução da jornada de trabalho, a regulação
do trabalho fabril das mulheres e das crianças, porque, em seu parecer, tudo
isso, em vez de nos conduzir para fora da atual situação social, tão somente
nos acorrenta a ela, apenas aguçando ainda mais os seus antagonismos.
E,
agora, passemos ao oráculo daqueles Doutores das Ciências Sociais, o Sr.
Proudhon.
Enquanto
o grande mestre Proudhon possuiu a coragem de declarar-se energicamente contra
todos os movimentos econômicos (coalizões, greves etc.) que se
encontravam em contradição com as teorias redentoras de seu mutualismo
– ainda que reivindicasse a luta política da classe trabalhadora,
em
seus escritos e sua intervenção pessoal -, seus discípulos não ousam
declarar-se, abertamente, contra o movimento.
Já em
1847, no momento em que surgiu a grande obra do mestre, intitulada "Philosophie de la misère ou
Système des contradictions économiques (EvM.: Filosofia da Miséria ou
Sistema das Contradições Econômicas)", refutei
todos os seus sofismos, elaborados contra o movimento dos trabalhadores.[3]
Porém,
em 1864, após a adoção da Lei Ollivier – uma lei que concedeu
aos trabalhadores franceses o direito de coalizão, ainda que em
medida muito limitada -, Proudhon voltou novamente ao mesmo
tema, em seu livro, intitulado “De la capacité politique des classes
ouvrières (Sobre a Capacidade
Política das Classes Trabalhadoras)”, publicado poucos dias após a sua
morte.[4]
Os
ataques do mestre Proudhon apresentavam-se tão ao gosto da burguesia que o “The
Times (Os Tempos)” concedeu a honra a Proudhon de traduzí-lo,
em 1866, por ocasião da grande greve dos alfaites de Londres, para condenar os
grevistas, com as próprias palavras de Proudhon.
Eis
aqui alguns exemplos disso.
Os
mineiros de Rive-de-Gier haviam entrado em greve.
Para
chamá-los à razão, os soldados foram chamados.
Proudhon proclamou, então:
“As autoridades que mandaram atirar
contra os mineiros de Rive-de-Gier encontravam-se
em uma situação infeliz.
Porém, agiram como o velho Brutus quando teve de se decidir pelo
amor à sua pátria ou pelo cumprimento de seu dever como cônsul.
Teve de sacrificar seus filhos para
salvar a República.
Brutus não hesitou e a posteridade não ousou amaldiçoá-lo por isso.”[5]
Nenhum
trabalhador se recordará de que um burguês jamais teria hesitado em sacrificar
seus trabalhadores para salvar seus interesses.
Mas
que tipos de Brutus são os burgueses !
“Não. Assim como não existe um direito de coalizão, tampouco existe um
direito de fraudar e de roubar, do
mesmo modo como não existe um direito de
incesto e de adultério.”[6]
Entretanto,
cumpre dizer que certamente existe um direito à idiotice.
Que
espécies de princípios eternos são esses, em cujo nome o mestre Proudhon
atira seus anátemas de abracadabra?
Primeiro princípio eterno:
“O nível dos salários determina o preço das mercadorias.”
Até
mesmo aqueles que não possuem nenhuma noção de Economia Política e não
sabem que o grande economista burguês David Ricardo, em seu livro, surgido
em 1817, com o título “Princípios da Economia Política”,
refutou, de uma vez por todas, esse equívoco tradicional, conhecem o fato
notável de que a indústria inglesa pode vender suas mercadorias a um preço mais
baixo do que qualquer outro país, apesar de os salários na Inglaterra serem relativamente
mais elevados do que qualquer outro país da Europa.
Segundo princípio eterno:
“A lei que autoriza as coalizões é extremamente anti-jurídica,
anti-econômica e contradiz toda sociedade e toda ordem.”
Em um
palavra: “contradiz o direito econômico da livre concorrência.”
Se o
mestre Proudhon fosse um pouco menos chauvin (EvM.
chauvinista), ter-se-ia perguntado como é possível esclarecer que, há quarenta
anos, foi promulgada, na Inglaterra, uma lei tão contrária
ao direito econômico da livre concorrência e questionaria a si próprio
sobre como pode ocorrer que essa lei contradiga tanto toda sociedade e toda
ordem, na medida em que a indústria se desenvolve e, com ela,
simultaneamente, a livre concorrência, para impor-se aos Estados burgueses como
uma necessidade.
Talvez,
então, Proudhon teria descoberto que esse Direito (com D maiúsculo)
existe apenas nos manuais de economia, redigidos pelos irmãos ignorantes da Economia
Política burguesa, naqueles mesmos livros que contêm também a pérola de
que „a
propriedade é o fruto do trabalho“, esquecendo sempre de acrescentar,
porém, que é o fruto do trabalho dos outros.
Terceiro princípio eterno:
“Portanto, sob o pretexto de retirar a classe trabalhadora de uma assim denominada
situação de humilhação social, será necessário começar a caluniar toda a classe
dos burgueses : a classe dos senhores, dos empresários, dos proprietários de
fábricas e burgueses.
Há de se conclamar a democracia dos trabalhadores a desprezar e a odiar
esses indignos membros da classe média.
Há de se preferir à opressão legal a luta no comércio e na indústria, à
polícia do Estado, o antagonismo de classe.”[7]
Para
impedir que a classe trabalhadora saia de sua situação assim denominada de humilhação
social, o mestre Proudhon execra as coalizões que
estruturam a classe trabalhadora em classe que se posiciona de modo hostil em
face da respeitável categoria dos senhores de fábrica, empresários, burgueses
– categoria essa que, certamente, do mesmo modo que Proudhon,
prefere a polícia do Estado ao antagonismo de classe.
Para
preservar essa classe respeitável dos inconvenientes, o bom Proudhon
recomenda aos trabalhadores, até o advento da sociedade mutualista, a “liberdade
ou a concorrência” que, “apesar de suas desvantagens”,
constitui, seguramente, “nossa única garantia”.[8]
O
mestre prega o indiferentismo no domínio econômico, para proteger a
liberdade ou a concorrência burguesa, a “nossa única garantia”.
Os
discípulos de Proudhon apregoam o indiferentismo no domínio político,
para proteger a liberdade burguesa, a sua única garantia.
Se, por
um lado, os primeiros cristãos – que pregavam, igualmente, o indiferentismo
político – careceram da mão forte de um imperador, para transformar
de oprimidos em opressores, os modernos apóstolos do indiferentismo
político, por outro lado, não acreditam absolutamente que seus próprios
princípios eternos imponham-lhes a abstinência dos prazeres mundanos e dos
privilégios passageiros da sociedade burguesa.
Nada
obstante, devemos reconhecer que demonstram um estoicismo digno dos mártires
do cristianismo quando se trata das jornadas de trabalho de 14 ou 16
horas que pesam sobre os ombros dos trabalhadores fabris.
Londres, janeiro de 1873
Karl Marx
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] Cf. MARX,
KARL. Der politische Indifferentismus (O Indiferentismo Político)(Fins de
1872 – Janeiro de 1873), in : Marx & Engels Werke (Obras de Marx e Engels),
Vol. 18, Berlim : Dietz, 1862, pp. 299 e s. Assinalo que o presente texto de Marx
foi publicado, pela primeira vez, em lingual italiana, no “Almanacco Repubblicano per
l’Anno 1874”.
[2] Vide BRAY, JOHN FRANCIS. Labour's Wrongs and Labour's
Remedy, or, The Age of Might and the Age of Right (Os Maus do Trabalho e o
Trabalho como Meio de Cura ou a Idade do Poder e a Idade do Direito), Leeds :
D. Green, 1839, pp. 5 e s.
[3] Nesse sentido, vide em
particular MARX, KARL. Das Elend der
Philosophie. Antwort auf Proudhons “Philosophie des Elends” (A Miséria da
Filosofia. Resposta à “Filosofia da Miséria” de Proudhon) (Dezembro de 1846 –
Abril de 1847), especialmente Kapitel II : Die Metaphysik der politischen
Ökonomie (Capítulo II : A Metafísica da Economia Política), § 5°. Strikes und
Arbeiterkoalitionen (§5°. Greves e Coalizoes de Trabalhadores), in : ibidem,
Vol. 4, pp. 63 – 182. A presente obra de
Marx
foi publicada, pela primeira vez, em língua alemã, apenas em 1885, na redação
que lhe atribuíram Karl Kautsky e Eduard Bernstein. Essa primeira edição alemã
foi, porém, examinada detidamente por Friedrich Engels que lhe forneceu,
então, um prefácio inteiramente circunstanciado. Sobre Proudhon, vide PROUDHON, PIERRE-JOSEPH. Système des contradictions économiques,
ou, Philosophie de la misère (Sistema de Contradições Econômicas ou a Filosofia
da Miséria), Paris : Chez Guillaumin et cie, 1846, pp. 5 e s.
[4] Vide PROUDHON, PIERRE-JOSEPH. De la capacité politique des classes ouvrières
(Sobre a Capacidade Política das Classes Trabalhadoras)(1864), Paris : Lacroix
& Co, 1868, pp. 7 e s.
[5] Cf. IDEM. ibidem, p. 327.
[6] Cf. IDEM. ibidem, p. 333.
[7] Cf. IDEM. ibidem, p. 337 e 338.
[8] Cf. IDEM. ibidem, p. 334.