PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
Crítica ao Programa de Gotha
Glossas Marginais ao Programa do Partido Alemão dos
Trabalhadores
Distribuição Justa, Direito Igual, Direito
Burguês:
Em Uma Fase Mais Elevada da Sociedade
Comunista,
Depois de Ter Desaparecido a Subordinação
Servil dos Indivíduos à Divisão do Trabalho,
Depois de o Trabalho Ter-Se Tornado Não Apenas
Meio de Vida, Senão Ele Próprio a Primeira Necessidade de Vida,
Depois de Aumentadas as Forças Frodutivas,
Fluindo Todos os Manaciais da Riqueza Coletiva,
Tão Somente, Então, Poderá Ser Superado
Inteiramente o Estreito Horizonte do Direito Burguês,
Podendo a Sociedade Escrever em Sua Bandeira:
“De Cada Qual Segundo Suas
Capacidades,
A Cada Qual Segundo Suas
Necessidades!”
KARL MARX[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Março de 2012
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
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Geral
http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm
“Segundo
o Programa de Gotha : O trabalho é a
fonte de toda riqueza e de toda a cultura e,
como
o trabalho útil é apenas possível na sociedade e pela sociedade,
o
fruto do trabalho pertence integralmente, por Direito igual, a todos os membros da sociedade.”
(...) O que significa distribuição "justa" ? E,
por acaso, não afirmam os burgueses que a distribuição atual é "justa" ?
E, de fato, não é ela a única distribuição
"justa",
sobre a base do atual modo de produção ?
São as relações econômicas reguladas por conceitos jurídicos ?
Ou, pelo contrário, não são as relações
jurídicas que emergem a partir das relações econômicas ?
Não possuem também os socialistas sectários
as mais diversas noções acerca de distribuição "justa"?
Para saber o que é que se
deve entender, nessa ocasião, pela expressão frase "distribuição justa",
devemos ter em consideração o primeiro parágrafo (EvM.: do Programa de Gotha do Partido
Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, programa da fusão dos
eisenachianos com os lassalleanos), juntamente com esse último parágrafo.
Esse último pressupõe uma sociedade na qual "os meios de trabalho
são propriedade comum e o trabalho, em seu conjunto, regulado de modo
cooperativo" e, no primeiro parágrafo,
entrevemos que "o
fruto integral do trabalho pertence, pelo Direito igual, a todos os membros da
sociedade". "A todos os membros da sociedade"?
Também àqueles que não trabalham ? Onde é que vai parar, então, "o fruto integral
do trabalho"
?
É este atribuído apenas aos membros
trabalhadores da sociedade ?
Onde é que fica, então, o "Direito igual"
de todos os membros da sociedade ?
Porém, “todos os membros da sociedade”
e o “Direito
igual” são, evidentemente, apenas modos de falar.[2]
(...) No interior da sociedade cooperativa, fundada sobre a
propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocarão
seus produtos.
Tampouco, surgirá aqui o trabalho, transformado em
produtos, enquanto valor desses produtos, tal qual uma
qualidade objetiva, por eles possuída, uma vez que, agora – em oposição à sociedade
capitalista – os trabalhos individuais não mais
existirão, indiretamente, mas sim diretamente, como partes integrantes do trabalho
comum.
A palavra “produto do trabalho” – também, nos
dias de hoje, condenável, por causa de sua ambigüidade – perderá, assim, todo o
seu sentido.
Do que devemos tratar aqui é de uma sociedade comunista, não
como se desenvolveu sobre sua própria base, mas sim, inversamente, tal
como procederá, precisamente, da sociedade capitalista, i.e. estando
ainda afetada, em todas as suas relações, econômicas, consuetudinárias,
espirituais, pelas marcas de nascença da velha sociedade de cujas entranhas
emergerá.
De acordo com isso, o produtor individual receberá em
retorno – depois de efetuados os descontos – exatamente o que deu.
O que dará à sociedade, será o seu quantum de trabalho individual.
P. ex., a jornada de trabalho social é
composta pela soma das horas individuais de trabalho.
O tempo individual de trabalho do produtor individual é a
parte por ele prestada da jornada de trabalho social, é sua parte nisso.
Ele receberá da sociedade um título indicativo do fato
que, dessa e daquela forma, prestou tanto trabalho - depois de efetuado o
desconto de seu trabalho para o fundo comunitário – e retirará, com esse
título, do estoque social de meios de consumo, tanto quanto custa uma
igual quantidade de trabalho.
O mesmo quantum de trabalho que der à
sociedade em uma forma, receberá, de volta, em outra forma.
Dominará aqui, manifestamente, o mesmo princípio
que regula a troca de mercadorias, na medida em que se trata de troca
de equivalentes.
Conteúdo e
forma estarão modificados, porque, por um lado, sob as circunstâncias
modificadas, ninguém poderá dar nada senão seu trabalho e porque, por outro
lado, nada poderá passar para a propriedade do indivíduo, a não ser meios
individuais de consumo.
Porém, no que concerne à repartição destes entre os
produtores individuais, prevalecerá o mesmo princípio, tal como na troca
de equivalentes mercantis.
Trocar-se-á igual quantidade de trabalho, em uma forma,
contra igual quantidade de trabalho, em uma outra forma.
Por isso, o Direito igual continuará a ser,
aqui, – por princípio –, o Direito Burguês, muito embora
princípio e prática já não mais se agridirão, agarrando-se pelos cabelos,
enquanto que, na troca de mercadorias, a troca de equivalentes apenas existe em
média, não porém para o caso individual.
Apesar desse progresso, esse Direito igual continuará a estar carregado por uma limitação burguesa.
O Direito dos produtores será proporcional às suas prestações de
trabalho.
Nisso, a igualdade consiste em que se medirá segundo o mesmo
padrão de medida, segundo o trabalho.
Porém, ocorre que um é superior ao outro fisica ou espiritualmente, presta,
portanto, no mesmo intervalo de tempo, mais trabalho ou pode trabalhar, durante
mais tempo, sendo que o trabalho, para servir de padrão de medida,
deve ser determinado segundo a sua duração ou intensidade, caso contrário
deixa de ser padrão de medida.
Esse Direito igual será Direito desigual para trabalho desigual.
Esse Direito não conhecerá nenhuma distinção de classe, porque cada qual
será apenas trabalhador, tal quais os outros.
Porém, conhecerá, tacitamente, o talento individual desigual e, por
isso, a capacidade de prestação de trabalho dos trabalhadores, como privilégios
naturais.
Tratar-se-á, portanto, segundo seu conteúdo, de um Direito
da desigualdade, tal como o é todo Direito.
Segundo sua natureza, o Direito pode apenas existir, ao aplicar padrão igual de medida.
Porém, os indivíduos desiguais - e estes não seriam indivíduos diferentes
se não fossem desiguais - são, apenas, mensuráveis segundo um padrão
igual de medida, na medida em que se os coloque sob um ponto
de vista igual, tomando-os apenas a partir de um lado determinado,
p.ex., em dado caso, concebendo-os apenas como trabalhadores e nada mais neles se avistando,
deixando-se de ver tudo o mais que neles existe.
Além disso: um trabalhador é casado,
o outro não.
Um tem mais filhos, o outro não etc. etc.
Com prestação igual de trabalho e, por isso, com participação igual no fundo
social de consumo, receberá um, portanto, faticamente
mais, do que o outro.
Um será mais rico do que o outro etc.
A fim de evitar todas esses inconvenientes, o Direito teria de ser, ao invés
de igual, muito mais desigual.
Porém, esses inconvenientes serão inevitáveis, na primeira
fase da sociedade comunista, tal qual emergiu precisamente da sociedade
capitalista, depois de longas dores do parto.
O Direito não pode ser jamais mais elevado do que a formação econômica e
o desenvolvimento sócio-cultural, por ela condicionado.
Em uma fase mais elevada da sociedade comunista,
depois de ter desaparecido a subordinação servil dos indivíduos à divisão
do trabalho – com isso, também, o antagonismo existente entre trabalho espiritual
e corporal -, depois de o trabalho ter-se tornado não apenas meio de vida, senão
ele próprio a primeira necessidade de vida, depois de, com o desenvolvimento
omnilateral dos indivíduos, terem aumentado também suas forças
produtivas, fluindo, completamente, todos os mananciais da riqueza coletiva
–, tão somente, então, poderá ser superado inteiramente o estreito horizonte do Direito
Burguês, podendo a sociedade
escrever em sua bandeira :
Jeder nach seinen Fähigkeiten, jedem nach seinen
Bedürfnissen !
(De cada qual segundo suas capacidades, a cada qual
segundo suas necessidades!)”[3]
(...) A distribuição dos meios de consumo
que todas as vezes existe é apenas a conseqüência da distribuição das próprias
condições de produção.
O modo de produção capitalista, p.ex.,
assenta sobre o fato que as condições objetivas de produção são atribuídas aos
não trabalhadores, sob a forma da propriedade do capital e da propriedade
fundiária, enquanto que as massas são tão somente proprietárias de sua condição
pessoal de produção, de sua força de trabalho.
Estando, de tal modo, distribuídos os elementos da
produção, emerge, por si mesmo, a atual distribuição dos meios de consumo.
Ao serem as condições objetivas de produção propriedade
cooperativa dos trabalhadores, emergirá, do mesmo modo, uma
distribuição dos meios de consumo distinta da atual.
O socialismo vulgar (e, a partir dele,
uma parte da democracia) tomou dos economistas burgueses a idéia de tratar e
conceber a distribuição como algo independente do modo de produção e, por isso,
de apresentar o socialismo sobretudo como algo que gira em torno da
distribuição.
Depois que a relação real foi clarificada há muito tempo,
por que haveríamos novamente de marchar para trás ?[4]
(...)Desde a morte de Lassalle, abriu-se o
caminho, em nosso Partido, à compreensão científica de que o salário
não é o que parece ser, a saber : o valor
ou, ainda, o preço do trabalho, mas sim uma forma mascarada do valor ou,
então, do preço da força de trabalho.
Com isso, toda a concepção burguesa sobre o salário,
existente até o presente, bem como toda a crítica, existente até os dias de
hoje, dirigida contra essa mesma concepção burguesa, foram, de uma vez por
todas, lançadas por terra.
Resultou clarificado que o trabalhador assalariado
possui apenas a permissão de trabalhar pela sua própria vida, i.e. viver,
na medida em que trabalhe um certo tempo gratuitamente para o capitalista –
por isso, também, para os co-consumidores de mais-valia desse último.
Resultou esclarecido que todo o sistema capitalista de
produção gira em torno da exigência desse trabalho gratuito, por meio da
expansão da jornada de trabalho ou do desenvolvimento da produtividade, maior
distensão da força de trabalho etc.
E que, portanto, o sistema do trabalho assalariado é um sistema
de escravidão e, em verdade, de uma escravidão que se torna,
proporcionalmente, mais dura quanto mais se desenvolver as forças produtivas
sociais do trabalho, independentemente do fato de o trabalhador receber
um pagamento melhor ou pior.
E, depois de essa compreensão ter aberto caminho em nosso
Partido, retorna-se aos dogmas de Lassalle,embora se devesse saber,
hoje, que Lassalle não sabia o que era o salário, havendo, pelo
contrário, considerado a aparência da coisa como a essência, pois que seguia os passos dos economistas burgueses.
É como se, entre escravos - que, finalmente, descobriram
o segredo da escravidão, irrompendo em rebelião -, um desses escravos,
aprisionado por concepções obsoletas, escrevesse no Programa da Rebelião : a
escravidão tem de ser abolida, porque a alimentação dos escravos, no sistema do
escravismo, não pode ultrapassar um certo mínimo reduzido!
O simples fato de que os representantes do nosso Partido
foram capazes de cometer um atentado tão monstruoso contra a compreensão
difundida entre as massas do Partido não demonstra, por si mesmo, com que
leviandade sacrílega, com que inconsciência, puseram mãos à obra de redação do Programa
do Compromisso de Gotha![5]
“(…)
Segundo o Programa de Gotha : O Partido dos Trabalhadores da Alemanha
reivindica, para abrir caminho à solução
da questão social, a edificação de cooperativas de produção com auxílio do Estado, sob o controle
democrático do povo trabalhador. As cooperativas de produção serão criadas
para a indústria e a agricultura, na extensão em que
delas emergir a organização socialista do trabalho geral.”
Depois
da “lei
de bronze dos salários” de Lassalle, eis aí o remédio do
profeta!
„Abre-se
caminho“, de modo digno.
No lugar da luta de
classes existente, surge uma frase de jornalista – “a questão social”, para
cuja “solução”
se abre caminho.
Em vez de “surgir” do processo revolucionário
de transformação da sociedade, a “organização
socialista do trabalho geral” surge do “auxílio do Estado” que o Estado
concede às cooperativas de produção, as quais ele – e não os
trabalhadores – “cria”.
É digno da imaginação de Lassalle a idéia de que, com empréstimos do Estado, é possível
construir uma nova sociedade, do mesmo modo como se constrói uma nova estrada
ferroviária!
Por resíduos de vergonha, coloca-se “o
auxílio do Estado” – “sob o controle democrático do povo
trabalhador”.
Em primeiro lugar, “o povo trabalhador” na Alemanha é composto,
majoritariamente, por camponeses e não por proletários.
Em segundo lugar, “democrático” significa, em alemão, “volksherrschaftlich”
(EvM.: por dominação do povo.)
O que significa, porém, “o controle do povo trabalhador,
por dominação do povo”?
E, especialmente, junto a um povo de trabalhadores
que, através dessas reivindicações, por ele dirigidas ao Estado, declara sua
plena consciência de que não exerce a dominação e nem se encontra maduro para
exercê-la ! (…)
No que respeita, porém, às atuais sociedade
cooperativas, estas possuem apenas valor, na
medida em que sejam independentes, na medida em que sejam criações de
trabalhadores, não estando protegidas pelos governos e nem tuteladas pela
burguesia.[6]
(…) Passo, agora, à parte democrática (EvM.: do Programa de Gotha).
“Segundo o Programa de Gotha :
Consigna A. “Fundamento livre do Estado.””
De início, em
conformidade com o ponto II, o Partido Alemão dos Trabalhadores
aspira ao “Estado livre”.
Estado livre – o que quer
dizer isso ?
Fazer um um Estado
“livre”, não é absolutamente um objetivo dos trabalhadores que se
livraram da estreita mentalidade servil.
No Império Alemão, o „Estado“ é
quase tão “livre” quanto na Rússia.
A liberdade consiste em transformar o Estado
de um
órgão hierarquicamente superior à sociedade em um órgão inteiramente inferior a ela
e, também hoje, as formas do Estado são mais
ou menos livres, na medida em que restringem a “liberdade do Estado”.
O Partido Alemão dos Trabalhadores –
ao menos se adotar esse programa como seu – demonstrará como as idéias
socialistas nem sequer lhe penetraram profundamente a pele, tendo em
conta que, em vez de tratar a sociedade existente – e isso vale
para toda sociedade futura – como fundamento do Estado existente – ou
do Estado
futuro, no caso da sociedade futura – trata o Estado
muito mais como uma essência autônoma que possui seus próprios “fundamentos espirituais, éticos,
livres”.
E, pois bem !
Que abuso desenfreado é promovido pelo Programa
de Gotha com as palavras o “Estado atual”, a “sociedade
atual” e que má concepção ainda mais desordenada é por ele promovida
acerca do Estado ao qual direciona suas reinvindicações!
A “sociedade atual” é a sociedade
capitalista que existe em todos os países civilizados, estando mais ou
menos livre da adjunção medieval, mais ou menos modificada pelo desenvolvimento
particularmente histórico de todos os países, mais ou menos desenvolvida.
Pelo contrário, o “Estado atual” modifica-se com as
fronteiras do países.
No Império Alemão-Prussiano, é um
Estado que difere daquele existente na Suíça.
Na Inglaterra,
é um Estado que difere daquele existente nos Estados Unidos da América.
O „Estado atual“ é, portanto,
uma ficção.
Sem
embargo de sua multicolor diferenciação formal, os diferentes Estados dos
diferentes países civilizados possuem todos, porém, em comum o fato que se
posicionam sobre o terreno da moderna sociedade burguesa, apenas
mais ou menos desenvolvida, de maneira capitalista.
Por isso,
possuem também certos caracteres essenciais em comum.
Nesse sentido, pode-se falar de um “atual
caráter do Estado”, em oposição àquele do futuro, no qual sua raiz
atual, i.e. a sociedade burguesa, encontrar-se-á perecida.
Então, pergunta-se :
A que tranformação submeter-se-á o caráter do Estado,
em uma sociedade comunista?
Em outras palavras, quais funções sociais lá
permanecerão subsistentes, sendo análogas às atuais funções do Estado.
Essa questão
pode ser apenas respondida cientificamente e também não avançamos no problema,
nem um milímetro a mais, por meio de milhares de combinações, efetuadas entre
as palavras povo e Estado.
Entre a sociedade capitalista e sociedade comunista,
situa-se o período da transformação revolucionária de uma na
outra.
A
este corresponde também um período político de transição cujo Estado não
pode ser senão a Ditadura Revolucionária do Proletariado.
Ora, o Programa de Gotha não tem a ver nem
com este caráter do Estado, nem o caráter do Estado
futuro da sociedade comunista.
Suas reivindicações políticas nada contêm senão a litania
democrática, conhecida por todo o mundo : Direito
do Sufrágio Universal, Legislação Direta, Direito do Povo, Exército Popular
etc.
São um mero eco do Partido Popular burguês,
da Liga
pela Paz e pela Liberdade.[7]
São todas elas
reivindicações que, desde que não sejam exageradas em representações fantásticas,
encontram-se já realizadas.
Só que o Estado a que elas pertencem situa-se não no
interior das fronteiras do Império Alemão, mas na Suíça, nos EUA etc.
Esses tipos de “Estado do futuro” é Estado
atual, ainda que existam fora do “cadro” do Império Alemão.
Porém,
esqueceu-se de uma coisa.
Como o Partido Alemão dos Trabalhadores
declara, expressamente, que se movimenta no interior “do atual Estado nacional”,
i.e. de seu Estado, do Império Alemão-Prussiano – suas
reivindicações seriam também, certamente, de outro modo, em grande parte
absurdas, visto que só se reivindica aquilo que ainda não se tem -, não poderia
se esquecer da questão principal, vale dizer que todas aquelas belas coisinhas
assentam-se sobre o reconhecimento da assim chamada soberania popular, que,
por isso, apenas se encontram no lugar em uma República Democrática.
Uma vez que não se possui a coragem – e assim se faz
sabiamente, pois as relações exigem cautela – de exigir a República Democrática –
tal como o fizeram os Programas dos Trabalhadores Franceses
sob Louis-Philippe
e Louis-Napoleon
– não se deveria também recorrer ao subterfúgio nem honesto e nem digno de
reivindicar coisas - que apenas possuem sentido em uma República Democrática -de um Estado que nada é senão um despotismo
militar, policialmente tutelado, burocraticamente recoberto, enfeitado com
formas parlamentares, misturado com um suplemento feudal e, ao mesmo tempo,
influenciado pela burguesia, e, então, asseverar, ainda por cima, a esse Estado
que se imagina poder impor a ele coisas do gênero “por meios legais”.
Até mesmo a democracia vulgar que entreve na República
Democrática o Império Milenar
e não suspeita absolutamente que é, precisamente,
nessa última forma de Estado da sociedade burguesa
que se deve travar a derradeira luta de classes - até mesmo essa democracia
vulgar enxerga ainda montanhas muito mais acima do que esse tipo de democratismo,
situado no interior das fronteiras do policialmente permitido e do logicamente
proibido.
Na realidade, o fato de que se entende por “Estado”
a máquina de Governo ou o Estado, enquanto formador de um organismo
próprio, separado da sociedade, por meio da divisão do trabalho, já o
demonstram as seguintes palavras :
“O
Partido Alemão dos Trabalhadores reivindica um imposto de renda progressivo, como fundamento econômico do Estado.”
Os impostos são o fundamento econômico da maquinaria
do Governo e nada mais.
No Estado do futuro – que existe na
Suíça
–, essa reivindicação encontra-se bastante satisfeita.
O imposto de renda pressupõe as
diferentes fontes de renda das diferentes classes sociais, i.e. a sociedade
capitalista.
Nada é mais notável que o fato de que os reformadores
financistas da cidade de Liverpool – burgueses, encabeçados
por William
Gladstone – levantem a mesma reivindicação, tal
como é o caso do Programa de Gotha.
“Segundo o Programa de Gotha : Consigna B. “O Partido Alemão dos Trabalhadores reivindica, como fundamento
espiritual e ético do Estado:
1.
Educação popular fundamental, igual e universal, realizada
pelo Estado.
Obrigação universal de freqüência escolar.
Ensino gratuito.”
“Educação
popular fundamental igual”?
O que é que se imagina com essas palavras?
Acredita-se, por acaso, que, na
sociedade atual – e só dessa estamos tratando aqui – a educação possa ser igual
para
todas as classes?
Ou será que se reivindica que também as classes
superiores devam ser reduzidas ao mínimo de educação – i.e. à escola
popular fundamental – que é única compatível com as relações econômicas
não apenas dos trabalhadores assalariados, senão também dos camponeses?
“Obrigação
universal de freqüência escolar. Ensino gratuito.”
A primeira existe na Alemanha,
a segunda, na Suíça e nos EUA, para as escolas populares
fundamentais.
Se, em alguns Estados desses países, existem também instituições
“superiores” de ensino „gratuitas“, significa apenas faticamente que os
custos de educação das classes superiores são financiados, tirando-se do cofre
geral de impostos.
Além disso, o
mesmo vale para a reivindicação de “Justiça gratuita”, contida no item
A.5. do Programa de Gotha.
A Justiça
Criminal deve ser mantida gratuita, em todas as localidades.
A Justiça Civil gira, quase
exclusivamente, em torno de conflitos de propriedade, i.e. atinge, quase
exclusivamente, as classes proprietárias.
Devem estas conduzirem seus processos à custa do cofre
popular?
O parágrafo sobre as escolas haveria, no mínimo, de
reivindicar escolas técnicas - teóricas e práticas -, em conexão com a escola popular fundamental.
Inteiramente
censurável é uma “Educação popular … realizada pelo Estado”.
Determinar, mediante lei universal, os meios das
escolas populares fundamentais, a qualificação do corpo docente, os domínios de
ensino etc. e – tal como ocorre nos EUA – supervisionar, através de
inspetores do Estado, o cumprimento desses preceitos legais é uma coisa
completamente diferente da designação do Estado como educador do povo!
Sobretudo o Governo e a
Igreja
devem ser igualmente excluídos de toda e qualquer influência sobre a escola.
Ora,
particularmente no Império Alemão-Prussiano – e não se deveria recorrer ao podre
subterfúgio de se estar falando de um “Estado futuro”, pois vimos de que
circunstância realmente se trata -, o Estado carece, inversamente, de uma educação
muito rigorosa, realizada pelo povo.
Porém, todo o Programa de Gotha – a despeito de
sua inteira sonoridade democrática -, encontra-se, completamente, empestado da crença
servil da seita lassalleana acerca do Estado ou - o que não é melhor -
da crença
miraculosa da Democracia ou, mais do que isso, trata-se de um
compromisso, firmado entre esses dois tipos de crenças milagrosas, ambas
eqüidistantes do socialismo.
“Liberdade de
ciência.”
É o que
prescreve um parágrafo da Constituição Prussiana.
Por que,
então, aqui novamente?
“Liberdade de consciência !“
Se se pretendeu com isso, nesse momento de Guerra
Cultural, levar à mente do liberalismo sua velha palavra chave,
então poderia ter isso ocorrido apenas da seguinte forma :
todos podem satisfazer tanto sua necessidade religiosa como sua
necessidade corporal, sem que a polícia meta o nariz no meio.
Porém, o Partido dos Trabalhadores deveria,
pelo contrário, declarar, nessa ocasião, sua convicção de que a “liberdade
de consciência” burguesa nada é senão a tolerância de todas as espécies
possíveis de liberdade de consciência religiosa, sendo que ele se
esforça, muito mais, por libertar as consciências do fantasma
religioso.
Prefere-se,
porém, não ultrapassar o nível “burguês”.
Cheguei ao
fim, pois o apêndice que, agora, dá seqüência ao Programa de Gotha não
forma nenhuma parte integrante característica deste.
Por isso, devo
aqui expressar-me bem brevemente.
“Segundo o apêndice do Programa de Gotha : …
“2. Jornada normal de trabalho.“
Em nenhum outro país, o Partido dos Trabalhadores
limitou-se a uma semelhante reivindicação
indeterminada, senão fixou sempre a duração da jornada de trabalho que
considera normal, sob determinadas condições.
“3. Limitação do trabalho feminino e proibição do trabalho infantil.“
A regulamentação da jornada de trabalho deve incluir a
limitação do trabalho feminino, dispondo sobre a duração, as pausas etc. da
jornada de trabalho.
Caso contrário, pode apenas significar exclusão do
trabalho feminino dos ramos industriais que são
especialmente insalubres para o corpo feminino ou imorais para o sexo feminino.
Se se
pretendia dizer isso, era necessário dizê-lo.
“Proibição do trabalho infantil !“
Aqui, cumpria absolutamente
indicar o limite de idade.
A proibição geral do trabalho infantil
é incompatível com a existência da grande indústria e,
por isso, representa apenas um piedoso desejo.
Sua realização – caso fosse possível – seria
reacionária, porque a precoce vinculação do trabalho produtivo com
o ensino é um dos meios mais poderosos de transformação da sociedade atual,
uma vez regulamentada rigorosamente a jornada de trabalho, em conformidade com
os diferentes níveis de idade e regras adicionais de segurança, visando à
proteção das crianças.
“4. Supervisão
estatal da indústria domiciliar, oficinal e fabril.“
Em relação ao Estado Alemão-Prussiano, cumpria
reivindicar, especificamente, que os inspetores hão de ser destituíveis apenas
por via judiciária, sendo que todo e qualquer trabalhador há de poder
denunciá-los perante os tribunais, devido à violação de deveres.
Esses
inspetores devem pertencer à profissão dos médicos.
“5. Regulamentação do
trabalho prisional.”
Reivindicação
meticulosa em um programa geral dos trabalhadores.
Em todo caso, devia ter-se declarado, claramente, que
não se pretende, por temor de concorrência, permitir que os criminosos
comuns sejam tratados como bestas e substrair-lhes precisamente o
único meio de melhoria, a saber : o trabalho
produtivo. Isso
era o mínimo que se poderia esperar dos socialistas.
“6. Uma lei eficaz sobre responsabilidade.”
Cabia dizer o que é que se entende por uma lei
„eficaz“ sobre responsabilidade.
Dito de
passagem, omitiu-se, quando se falou da jornada de trabalho, a parte da legislação
fabril que se relaciona com as medidas de saúde e meios de proteção
contra o perigo etc. A lei sobre responsabilidade
produz efeitos apenas quando esses preceitos são transgredidos.
Em suma,
também esse apêndice é caracterizado por uma redação vacilante.
Dixi et salvavi animam meam (EvM.: Disse e salvei a
minha alma).[8]
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] MARX,
KARL. Kritik des Gothaer Programms. Randglossen zum Programm der deutschen
Arbeiterpartei (Crítica do Programa de Gotha. Glosas Marginais ao Programa do
Partido Alemão dos Trabalhadores) (Abril e Maio de 1875), in : ibidem, Vol. 19,
Berlim: Dietz, 1962, pp. 15 e s. Anoto
que o presente texto de Marx foi publicado, pela primeira
vez, em "Die Neue Zeit (O Novo Tempo)", Caderno Nr. 18, Vol.
1, 1890 - 1891.
[2] Cf. IDEM. ibidem,
Vol. 19, Capítulo I, p. 19.
[3] Cf.
IDEM. ibidem, Vol. 19, Capítulo I, pp. 19 e s.
[4] Cf. IDEM. ibidem, Vol. 19, Capítulo I, p. 22.
[5] Cf. IDEM. ibidem, Vol. 19, Capítulo II, p. 25.
[6] Cf. IDEM. ibidem, Vol. 19,
Capítulo III, pp. 26 e s.
[7] Anoto que o Partido Popular da
Alemanha (DVP), de caráter burguês, foi fundado em 1865 e composto por quadros democrático-pequeno-burgueses – em
parte também por representantes da burguesia do sul da Alemanha. Posicionava-se
contra a hegemonia da Prússia na Alemanha, clamando por
uma instituição democrática de uma ampla Alemanha Federativa que incorporasse
tanto a Prússia quanto a Áustria. Em 1866, o DVP unificou-se
com o Partido Popular da Saxônia (SVP), dirigido por August
Bebel e Wilhelm Liebknecht e preponderamente composto por
trabalhadores. Devido aos esforços de Marx
e Engels, tanto o “Demokratisches Wochenblatt (Folha Democrática
Semanal)” quanto o Partido Popular da Saxônia (SVP) passaram
a ser, gradativamente, um importante instrumento de luta contra o
lassalleanismo, a favor do socialismo e de uma Internacional dos Trabalhadores.
Cumpriram um papel de grande relevância também para a fundação do Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), em agosto de 1869.
No Congresso
de Gotha de 1875, o órgão central do SDAP, passou, porém, a
ser denominado “Der Volksstaat (O Estado Popular)”. Além disso, cumpre anotar
que a Liga pela Paz e pela Liberdade foi fundada, em 1867, por Émile
Acollas (1820 – 1891), professor francês de Direito, nascido em La
Châtre. Contou com o apoio expresso de Victor Hugo, John Stuart Mill,
Giuseppe Garibaldi, Louis Blanc, Elisée Reclus, Mikhail Bakunin e
tantos outros mais 10.000 aderentes. Acollas postulava que as assembléias
da Liga
pela Paz e pela Liberdade seriam, em verdade, “conferências revolucionárias”.
Defendia como programa político um federalismo decentralizado, mandatos
revogáveis para representantes eleitos, direito de livre associação,
distribuição equânime de bens e rendas, direito internacional enquanto
moralidade da consciência individual e das nações. Marx posiciou-se, porém,
contra qualquer adesão a essa liga, conclamando, oficialmente, a Associação
Internacional dos Trabalhadores a com ela não involver-se. Entretanto,
a eclosão da Guerra Franco-Prussiana, em 1870, levou a que a liga se
desaparecesse. Com a instalação da Comuna de Paris, Acollas foi nomeado decano da Faculdade
de Direito da Universidade de Paris. Sem embargo, jamais exerceu tal
função, a fim de esquivar-se a possíveis inculpações decorrentes da revolução.
Retornou, então, a Paris, apenas em 1871, quando organizou a Escola de Direito de Paris,
cujos mais ilustres alunos foram o republicano burguês-radical Georges
Clemenceau, Presidente do Conselho da República Francesa entre
1906-1909 e 1917-1920, denominado o “Pai da Vitória” na I Guerra
Mundial, e Nakae Chomin, o “Rousseau do Oriente”, um dos mais
renomandos militantes do Movimento dos Direitos Populares Japoneses.
[8] Cf. IDEM. ibidem, Vol. 19, Capítulo IV, pp. 27 e s.