PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
A Subversão da Ciência do Sr. Eugen Dühring
A Justiça Eterna Encontrou
sua Concretização na Justiça Burguesa,
A Igualdade Conduziu à
Igualdade Burguesa Perante a Lei,
A Propriedade Burguesa Foi Proclamada Como Um
dos Mais Essenciais dos Direitos do Homem
FRIEDRICH ENGELS[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Novembro de 2012
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
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Geral
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(…) Pelo seu conteúdo, o
socialismo moderno é, de início, o produto da
contemplação dos antagonismos de classes, existentes na sociedade
moderna entre proprietários e não-proprietários, trabalhadores assalariados e
burgueses, por um lado, e, por outro, da anarquia, dominante na produção.
Porém, em sua forma
teórica, surge, originariamente, como uma extensão mais avançada,
aparentemente mais conseqüente, dos princípios estabelecidos pelos grandes
iluministas franceses do século XVIII.[2]
Tal qual toda nova teoria,
teve, inicialmente, de vincular-se ao material intelectual préexistente,
por mais que suas raízes se encontrassem fincadas nos fatos econômicos.
Os grandes homens que, na França, clarificaram cabeças
para a revolução vindoura, interviram, eles próprios, de maneira extremamente
revolucionária.
Não reconheciam nenhuma
autoridade externa, fosse do gênero que fosse.
Religião, apreciação da
natureza, sociedade, ordem do Estado, tudo foi submetido à crítica mais
impiedosa.
Tudo deveria justificar sua
existência perante o tribunal da razão ou renunciar à sua própria
existência.
A
inteligência pensante foi empregada como único padrão de todas
as coisas.
Era o tempo em que - como
Hegel dizia - o mundo havia sido colocado de cabeça
para baixo.
Em primeiro lugar, no sentido
de que o cérebro humano e os princípios, localizados por meio do
pensamento, reivindicavam sua validade enquanto fundamento de todas as ações
humanas e de toda associação.
Depois, porém, também,
no sentido adicional, de que a realidade que contradizia a
esses princípios foi, na realidade, virada de cima para
baixo.
Todas as formas de sociedade e
de Estado, existentes até o presente, todas as velhas noções transmitidas foram
lançadas no depósito de ferro-velho, por serem consideradas como irracionais.
O mundo havia-se permitido
dirigir, até então, apenas por preconceitos.
Tudo o que havia passado nada
merecia senão piedade e desprezo.
Apenas então, surgira a
aurora.
Doravante, a superstição,
a injustiça, o privilégio e a opressão deveriam ser eliminados pela verdade
eterna, pela justiça eterna, pela justiça, fundada
na natureza, e pelos inalienáveis direitos do homem.
Sabemos, agora, que o reino
da razão nada mais é senão o reino idealizado da burguesia,
que a justiça eterna encontrou sua concretização na Justiça
Burguesa, que a igualdade conduziu à igualdade
burguesa perante a lei, que a propriedade burguesa foi
proclamada como um dos mais essenciais dos direitos do homem e
que o Estado da razão, o contrato social de Jean-Jacques
Rousseau, surgiu e pode apenas surgir como República
democrático-burguesa.[3]
Assim como todos os seus
precursores, os grandes pensadores do século XVIII não puderam tampouco ir além
dos limites que sua própria época lhes havia imposto.[4]
(...) Para um adepto da metafísica,
as coisas
e suas imagens mentais, os conceitos, são objetos de
investigação isolados, fixos, rígidos, dados de uma vez por todas, a serem
contemplados um após o outro e desacompanhadamente do outro.
Pensa, valendo-se de muitos
antagonismos, despidos de intermediação. Seu discurso soa do seguinte modo : “Sim,
sim, não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno” (EvM.: cf.
Evangelho Segundo Mateus, 5:37).
Para ele, uma coisa existe ou não existe : uma coisa também
não pode ser ela própria e, ao mesmo tempo, ser uma outra. O positivo e o
negativo excluem uma ao outro, de modo absoluto. Causa e efeito encontram-se,
igualmente, uma em relação à outra em rígida oposição.
Esse modo de pensar parece-nos, à primeira vista,
extremamente plausível porque é aquele do assim denominado bom senso. Porém, o
bom senso, apesar de ser um rapaz tão respeitável quanto o possa ser em seu
domínio caseiro de quatro paredes, vivencia aventuras inteiramente
espetaculares, logo que ousa penetrar no amplo mundo da investigação.
E, embora o modo de contemplação metafísico seja
justificado e até mesmo indispensável em domínios tão amplos, cuja extensão
varia conforme à natureza do objeto, colide sempre, cedo ou tarde, com um
limite, além do qual se torna unilateral, tacanho, abstrato, perdendo-se em
contradições insolúveis.
Pois, contemplando as coisas singulares, esquece-se da interconexão
destas, vislumbrando o seu ser, olvida-se de sua tranformação e perecimento,
observando o seu repouso, deslembra de seu movimento, pois que, diante de
tantas árvores, não pode ver a floresta.
Para os casos do quotidiano, sabemos e podemos, p.ex.,
afirmar com certeza se um animal está vivo ou não. Em uma investigação mais
detida, porém, descubrimos que isso se trata, às vezes, de uma questão
profundamente complicada, assim como bem o sabem os juristas que esgotaram,
em vão, as suas inteligências para descobrir um limite racional a partir do
qual a morte de uma criança no útero materno constitui um homicído. E,
igualmente, é impossível determinar o momento da morte, na medida em que a fisiologia
demonstra que a morte não é um acontecimento instantâneo, único, mas sim um
processo de longa duração.
Do mesmo modo, todo ser orgânico é, a cada momento,
ele próprio e não o é.
A todo momento, processa substâncias fornecidas de fora e
expele outras. A todo momento, morrem células de seu corpo e formam-se novas.
Segundo um período de tempo mais curto ou mais longo, a matéria de seu corpo é inteiramente renovada, através
de outros átomos de matéria, de modo que todo ser orgânico é permanentemente o mesmo
e, apesar disso, não é o mesmo.
Em uma contemplação mais detida, verificamos também que
ambos os pólos de um antagonismo, tais quais positivo e negativo, são,
do mesmo modo, tanto inseparáveis um do outro quanto contrapostos e que, a
despeito de toda sua contraposição, interpenetram-se, reciprocamente.
De igual sorte, verificamos que causa e efeito são noções
que apenas possuem validade enquanto tal quando se aplicam a um caso
específico, fundindo-se, porém, tão logo contemplemos o caso específico em sua
conexão com a totalidade do mundo, dissolvendo-se na concepção da interrelação
universal, na qual causas e efeitos mudam de lugar permanentemente : o que,
agora ou aqui é efeito, transforma-se a seguir ou ali em causa e
vice-versa.
Todos esses procedimentos e métodos do
pensamento não cabem nos limites do pensamento metafísico.
Pelo contrário, para a dialética
que concebe, essencialmente, as coisas e suas imagens conceituais em
sua interconexão, em seu encadeamento, em seu movimento, em seu surgimento e
perecimento, os procedimentos acima referidos constituem nada menos do que
confirmações de seu próprio modo de procedimento.
A natureza é a prova da dialética.
E, temos de reconhecer que as Ciências Naturais Modernas
forneceram a essa prova um material extremamente rico que se acumula diariamente,
tendo comprovado com isso que, na natureza, procede-se, em última
instância, de modo dialético e não metafísico. Porém, uma vez que podem
ser enumerados os cientistas naturais que, até o dia de hoje, aprenderam a pensar
dialeticamente, esclarece-se, a partir desse conflito, havido entre resultados
descobertos e modo de pensar convencional, a incomensurável confusão que domina
nas Ciências
Naturais teóricas e que leva ao desespero tanto professores como
estudantes, tanto escritores como leitores.[5]
(…) Do ponto de vista científico, todas as
definições são de valor insignificante.
A fim de sabermos realmente, de modo exaustivo, o que é a
vida, deveríamos percorrer todas as suas formas existenciais, da mais primitive
à mais complexa. Contudo, para o uso ordinário, tais definições são muito
cômodas e, em determinadas situações, bem convém não as dispensar. Podem,
também, não prejudicar, desde que não se esqueça de suas inevitáveis
deficiências.[6]
(...) Porém, pior ainda é a situação das verdades eternas no
terceiro grupo de ciências, as Ciências Históricas que investigam
as condições de vida dos seres humanos, as relações sociais, as formas
do Direito e do Estado, com sua superestrutura ideal de filosofia, religião,
a rte etc., em sua sucessão história e seu resultado atual.
Na natureza orgânica, ocupamo-nos, ao menos, é verdade, com uma seqüência
de desenvolvimento de fatos que se repetem no interior de fronteiras muito
amplas, de modo bastante regular, na medida em que nossa observação imediata seja
colocada em questão.
Desde de Aristóteles, as espécies dos organismos permaneceram, em linhas
gerais, as mesmas.
Pelo contrário, na história da sociedade, as repetições
dos estados constituem exceções – não a regra -, logo que ultrapassamos os
estados primitivos dos seres humanos, a assim denominada Idade da Pedra. E onde
ocorrem essas repetições, nunca têm lugar precisamente sob as mesmas
circunstâncias.
Esse é o caso da existência da propriedade originária comum sobre o solo,
em todos povos de cultura, bem como a ocorrência da forma de sua dissolução.
Por isso, encontramo-nos, no domínio da História da Humanidade,
ainda muito mais em atraso com nossa ciência do que no domínio da biologia.
Mais ainda : quando se chega a conhecer, excepcionalmente, a conexão
interna das formas sociais e políticas de existência de um período de
tempo, isso se dá, em regra, quando essas formas já, em parte, sobreviveram a
si mesmas, encontrando-se a caminho da decadência.
Portanto, o conhecimento é, aqui, essencialmente relativo, na medida em
que se limita à compreensão da interconexão e das conseqüências de certas
formas de Estado e de sociedade, existentes apenas em um determinado tempo e
para determinados povos, sendo transitórias, segundo sua natureza.
Portanto, quem empreender aqui uma caçada às verdades definitivas de última instância,
de verdades
autênticas, absolutamente imutáveis, pouco levará para casa, a não ser
trivialidades e lugares comuns do tipo mais irritante tais como, p. ex., que os
seres
humanos não podem, em geral, viver sem trabalho, que, até os dias de
hoje, dividiram-se, na maioria das vezes, em dominadores e dominados,
que Napoleão
morreu em 5 de maio de 1821 etc.
Ora, é, porém, estranho que, precisamente nesse domínio, as pretensas
verdades
eternas, as verdades definitivas de última instância etc., encontrem-nos da
maneira mais freqüente.
Que dois mais dois são quatro, que os pássaros possuem bico ou
coisa do gênero, apenas declarará serem verdades eternas aquele que age com
a intenção de deduzir, em geral, da existência destas o argumento de que,
também no domínio da História Humana, existem verdades
eternas, uma moral eterna, uma justiça
eterna etc., que reclamam validade e alcance semelhantes às noções e
aplicações da matemática.
Podemos, então, contar certamente com o fato de que esse mesmo amigo
da humanidade declarar-nos-á, na primeira oportunidade, que todos os
antigos fabricantes de verdades eternas são, mais ou menos,
asnos e charlatães, que estiveram todos aprisionados em seus erros e
fracassaram.
A presença do equívoco e da falibilidade destes estaria, porém, em
conformidade com uma lei natural, comprovando, assim, a
existência da verdade e da correção das posições de nosso amigo da humanidade e que
ele, o último profeta de nossos tempos, traria a verdade definitiva de última
instância, a moral eterna, a justiça eterna, já pronta
e acabada, dentro de sua mochila.
Isso tudo já ocorreu centenas e milhares de vezes, de modo que há que
apenas se admirar com o fato de ainda existirem homens suficientemente crédulos
para acreditar nisso não a partir de outros, senão a partir de si mesmos.
E, no entanto, vivenciamos aqui ainda, no mínimo, um desses tais profetas
que, de modo também inteiramente habitual, perde-se em cólera altamente moral
se outras pessoas negam que um indivíduo qualquer seja capaz de fornecer a verdade
definitiva de última instância.
Essa negação - e, até mesmo, a simples dúvida – seria, segundo ele, um
estado de debilidade, confusão promíscua, nulidade, ceticismo corrosivo, pior
do que o mero nihilismo, caos confuso e outras tantas coisas amáveis
semelhantes que por aí existem.
Tal como em todos os profetas, aqui não se investiga e não se examina de
modo crítico-científico, mas sim se troveja moralmente, sem mais nem menos.[7]
(...) Se já não fomos muito longe com a verdade e o erro, então tanto
menos com o bem e o mal.
Esse antagonismo movimenta-se, exclusivamente, no domínio moral, i.e. em um
domínio pertencente à História da Humanidade, estando as verdades
definitivas de última instância semeadas aqui, precisamente, de modo mais
escasso.
De povo para povo, de época para época, mudaram tanto as noções sobre o bem
e o mal que até mesmo, freqüentemente, vieram se contradizer umas à outras.
Porém, alguém poderá objetar que o bem não é o mal e o mal não é o bem
e que se o bem e o mal forem confundidos, acabará toda a moralidade e cada qual poderá
fazer ou deixar de fazer aquilo que lhe aprouver.
Essa é também a opinião do Sr. Dühring, despida de todas as
profecias de oráculo. Porém, a questão não se resolve assim tão facilmente.
Se isso ocorresse assim de modo tão fácil, não existiria nenhuma discussão
sobre o bem e o mal e todos saberiam o que é o bem e o mal.
Porém, qual é a situação de nossos dias ? Qual é a moral que nos é predicada hoje ?
Em primeiro lugar, existe a moral cristã-feudal, transmitida a
partir dos antigos tempos de crença e que se divide, por sua vez, essencialmente,
em moral
católica e moral protestante, não deixando de existir, adicionalmente,
subdivisões que vão desde a moral católico-jesuíta e protestante-ortodoxa
até a moral iluminista afrouxada.
Ao lado dessas, figura a moral burguesa moderna e, além disso,
junto a essas, a moral proletária do futuro, de modo que passado, presente e
futuro fornecem, apenas nos países mais avançados da Europa, três
grandes grupos de teorias morais, dotadas de vigência concomitante e
paralela.
Qual é, porém, a verdadeira ?
Nenhuma delas, em sentido de validade absoluta.
Porém, seguramente, a moral possuidora da maioria dos elementos que
prometem duração é a que representa, contemporaneamente, a transformação do
presente, i.e. a que representa o futuro, vale dizer, a moral proletária.
Porém, se vemos agora que as três classes da sociedade moderna,
i.e. a aristocracia feudal, a burguesia e o proletariado, possuem
cada qual sua moral particular, podemos disso tirar tão somente a conclusão
de que os seres humanos criam, consciente ou inconscientemente, suas concepções
éticas a partir, em última instância, das relações práticas nas
quais sua situação de classe encontra-se fundada – i.e. a partir das relações
econômicas, nas quais produzem e realizam suas trocas.
Sem embargo, nas três teorias morais acima referidas existe,
porém, algumas coisas comuns a todas as três : não seria isso, pelo menos, uma
parte da moral estabelecida de uma vez por todas ?
Essas teorias morais representam três diferentes níveis do mesmo
desenvolvimento histórico, possuindo, portanto, um plano de fundo
histórico comum e, já por isso mesmo, necessariamente muitas coisas em comum.
Mais ainda : para níveis de desenvolvimento econômicos iguais ou
aproximadamente iguais, as teorias morais têm, necessariamente, de coincidir,
em maior ou menor medida.
A partir do momento em que a propriedade privada sobre as coisas móveis
havia-se desenvolvido, o mandamento moral comum a todas as sociedades em que
valia a propriedade privada teve de ser : ”Não roubarás !”
Torna-se, com isso, esse mandamento um mandamento moral eterno ?
De modo algum.
Em um sociedade em que os motivos para roubar encontrem-se eliminados, em
que, portanto, no longo prazo, roubos poderão ser cometidos apenas, no máximo,
por doentes mentais, como é que não haveria de ser ironizado o pregador moral que quisesse, solenemente,
proclamar como verdadeira eterna o mandamento de "Não roubarás !”
Por consegüinte, repudiamos toda impertinência de pretender impor-nos
qualquer gênero de dogmática moral enquanto lei ética eterna, definitiva e, além disso,
imutável, sob o pretexto de que também o mundo moral teria os seus
princípios permanentes, situados acima da história e das diferenças, havidas entre
os povos.
Pelo contrário, afirmamos que todas as teorias morais existentes
até o presente são, em última instância, o produto da situação econômica de
cada uma das sociedades.
E, como a sociedade moveu-se até o presente em antagonismos de classes,
a moral foi sempre uma moral de classe : ou justificou a dominação e os interesses da
classe dominante ou, então, representou, logo que a classe oprimida
tornou-se poderosa, a revolta contra essa dominação e os
interesses futuros dos oprimidos.
Não há que duvidar, porém, que produziu-se, nesse contexto, em linhas
gerais, um progresso, seja para a moral, seja para todos os outros ramos do
conhecimento humano.
Porém, ainda não superamos a moral de classe.
Uma moral realmente humana, situada acima dos antagonismos de
classes e acima da recordação destes, será apenas possível em um nível de
sociedade que não apenas tenha superado o antagonismo de classes, senão ainda o
tenha esquecido no que concerne à prática da vida.
E,
agora, é de mensurar-se o egotismo do Senhor Dühring que levanta, do meio
da velha sociedade de classes, nas vésperas de uma revolução socialista, a
pretensão de impor à futura sociedade sem classes uma moral
eterna, independente do tempo e das transformações reais ! [8]
(...) E, assim, a aplicação do método matemático à história,
à moral
e ao Direito
deve-nos propiciar, também aqui, certeza matemática para a verdade dos
resultados alcançados, caracterizá-los como verdades autênticas, imutáveis.
Esse é apenas um outro emprego do velho querido método ideológico, além
disso também chamado de apriorístico : reconhecer as
propriedades de um objeto não a partir do próprio objeto, mas sim as deduzir, de modo comprobatório, a partir
do conceito
do objeto.
Em primeiro lugar, forma-se o conceito do objeto a partir do
objeto.
A seguir, gira-se o espeto, medindo-se o objeto pela sua imagem,
pelo
seu conceito.
Não é o conceito que se deve reger, agora, segundo o objeto, mas sim o
objeto, segundo o conceito.
Segundo o Sr. Dühring, os elementos mais simples, as últimas abstrações
às quais se pode alcançar, prestam serviço ao conceito, o que em nada altera a
coisa.
Esses elementos mais simples são, no melhor dos casos, de natureza
puramente conceitual.
A filosofia da realidade demonstra-se, portanto, também aqui como
pura
ideologia, como dedução da realidade não a partir de si mesma, mas sim
a partir da imaginação.
Se, agora, um tal ideólogo constrói a moral e o Direito a partir do
conceito ou dos assim chamados elementos mais simples "da sociedade" – em vez de o fazer a partir das relações
sociais reais dos seres humanos que o circundam -, que material existe,
então, à disposição para essa construção?
Evidentemente, um material de dois tipos :
1.
em primeiro
lugar, o resto exíguo do conteúdo real que se encontra ainda
possivelmente existente naquelas abstrações embasadoras e,
2.
em segundo lugar,
o conteúdo
que nosso ideólogo introduz, novamente, a partir de sua própria consciência.
E o que o Sr. Dühring encontra em sua consciência? Na sua maior parte, concepções
morais e jurídicas que são a expressão mais ou menos correspondente –
positiva ou negativa, defensora ou combatente – das relações sociais e
políticas em que vive.
Finalmente, além dessas noções, tomadas emprestado da literatura
relacionada com o tema em questão, possam talvez encontrar-se ainda, por
causalidade, caprichos imaginativos pessoais.
Nosso ideólogo pode torcer-se e revirar-se como queira, mas a realidade
histórica, que ele expulsa pela porta, entra novamente pela janela e, enquanto
acredita, estar esboçando uma doutrina moral e do Direito para
todos os mundos e para todos os tempos, formula, na realidade, uma imagem
distorcida, pois que arrancada de sua base real, e invertida , tal qual em um espelho
côncavo, das correntes conservadoras e revolucionárias de seu tempo.
Assim, o Sr. Dühring decompõe a sociedade em seus elementos mais simples
e, fazendo-o, descobre que a sociedade
mais simples é composta, no mínimo, por dois seres humanos.
Com esses dois seres humanos, opera-se, agora, de modo axiomático.
E, então, oferece-se, espontaneamente, o seguinte axioma moral fundamental
:
“Duas vontades
humanas são como tais inteiramente iguais uma à outra e uma delas não pode, de
início, exigir da outra absolutamente nada de positivo.”
Com
isso, fica “caracterizada a forma fundamental da justiça moral”.
E,
igualmente, a forma fundamental da justiça do Direito, pois :
“... para desenvolver os conceitos fundamentais do Direito, precisamos apenas da relação completamente simples e elementar,
mantida entre dois seres humanos.”
Alegar
que dois
seres humanos ou duas vontades humanas enquanto tais
são inteiramente
iguais uma à outra, não é apenas nenhum axioma, senão ainda configura,
até mesmo, um grande exagero.
De
início, dois seres humanos podem ser, enquanto tais, considerados como
diferentes, tendo em conta o seu sexo, e esse simples fato conduz-nos,
imediatamente, à conclusão – se nos ocuparmos, por um momento, com essa infantilidade
- de que os elementos mais simples da sociedade não são dois seres humanos do
sexo masculino, mas sim um homenzinho e uma mulherzinha que fundam uma família,
forma primeira e mais simples da socialização, destinada à produção.
Porém,
isso não convém, absolutamente, ao Sr. Dühring, pois, por um lado,
ambos precisam tornar-se iguais ao máximo, enquanto fundadores da sociedade, e,
por outro lado, mesmo o Sr. Dühring não seria capaz de
construir, a partir da família primitiva, a condição
de igualdade moral e jurídica do homem e da mulher.[9]
(...) Lamentavelmente, porém, se quisermos conceder honra à verdade,
devemos dizer que não foi o Sr. Dühring que descobriu esses dois
seres humanos. Eles são comuns a todo o século XVIII. Surgem já no Discurso
sobre a Desigualdade de Jean-Jacques Rousseau, em 1754, onde –
diga-se de passagem – é demonstrado, axiomaticamente, o contrário das
afirmações, formuladas pelo Sr. Dühring.[10]
Desempenham um papel central na economia política, desde Adam
Smith até David Ricardo. Porém, aqui, são, ao menos, desiguais quanto ao
aspecto de exercerem cada um deles um ofício diferente – na maioria das vezes,
o de caçador e de pescador -, trocando, reciprocamente, os seus produtos.
Durante todo o século XVIII, servem, também, sobretudo, de exemplo
meramente ilustrativo. A originalidade do Sr. Dühring reside no fato de elevar
esse método
exemplificativo à condição de método fundamental de toda a ciência social
e de critério
de todas as formações históricas.
Com efeito, não se poderia tornar mais simples a “concepção rigorosamente
científica sobre as coisas e o seres humanos”.
Para completar o axioma fundamental de que dois seres humanos e suas
respectivas vontades são inteiramente iguais entre si, não tendo nenhum
deles nada a ordenar ao outro, não podemos absolutamente valer-nos de dois
seres humanos quaisquer.
É necessário que sejam dois seres humanos tão libertados de toda
realidade, tão desprovidos de todas as relações nacionais, econômicas,
políticas, religiosas, existentes em nosso mundo, tão despojados de todas as
peculiaridades de pessoa e sexo que de um e de outro nada resta senão o mero
conceito de ser humano e, então, são, certamente, “inteiramente iguais”.
São, portanto, dois perfeitos fantasmas, evocados pelo mesmo Sr.
Dühring que encontra e denuncia alvoroços “espiritistas”, por todos
os lados.
Ambos esses espectros têm, naturalmente, de fazer tudo aquilo que é deles
exigido por aquele que os evocou e, precisamente por isso, todas as suas
produções artificiais são sumamente indiferentes em face do mundo restante.
Porém, penetremos um pouco mais na axiomática do Sr. Dühring.
Ambas as vontades não podem exigir abolutamente nada de positivo uma da
outra. Entretanto, se uma delas o fizer, impondo sua pretensão com violência,
surge, então, uma situação injusta e, nesse esquema fundamental, o Sr.
Dühring declara existir injustiça, violação, servidão, em suma : toda a
história condenável, existente até os nossos dias.
Ora, lançando mão precisamente dos dois seres humanos em questão, Jean-Jacques
Rousseau já havia, em seu escrito acima referido, comprovado
precisamente o contrário, i.e., que, entre esses dois seres humanos, “A”
não pode escravizar “B” através do emprego da violência, a não
ser que exponha “B” a uma tal situação em que este não possa prescindir de “A”.
Entretanto, para o Sr. Dühring, esta já seria uma
concepção excessivamente materialista.
Concebamos, então, essa mesma questão de um modo um pouco diferente:
Sozinhos em um ilha, dois náufragos contratam uma sociedade. Em sentido
formal, suas vontades são inteiramente iguais e isso é por ambos considerado
assim reconsiderado.
Porém, em sentido material, subsiste uma grande desigualdade.
“A” é um ser humano resoluto e enérgico, ao passo que “B” é indeciso,
indolente e preguiçoso.
“A” é astuto, “B” é retardado.
Cedo ou tarde, “A” acabará impondo sua vontade a “B”, em um primeiro
momento, por meio da persuasão, a seguir, devido ao hábito, mas regularmente de
modo espontâneo.
Respeitando-se as formas voluntárias ou impondo-se a vontade
por meio de coices, servidão permanece sempre sendo servidão.
A adesão voluntária à servidão percorreu toda a Idade Média, tendo sido
encontrada, na Alemanha, até depois da Guerra dos Trinta Anos.
Quando, na Prússia, depois das derrotas de 1806 e 1807, foi abolida a
servidão e, com ela, a obrigação de os senhores da nobreza feudal de velarem
por seus súditos, em casos de miséria, enfermidade e velhice, os camponeses
requereram ao rei para que sim os deixassem continuar a ser servos. Caso contrário quem haveria de
cuidar deles na miséria?
Portanto, o esquema dos dois seres humanos é “construído” tanto para a desigualdade
e a servidão quanto para a igualdade e a mútua assistência.
E como temos de aceitá-los como cabeças de família, sob pena de
perecerimento, verifica-se que, nesse esquema, já se encontra também prevista a
servidão hereditária.[11]
(...) Feitas essas considerações,
podemos interromper nossa exposição.
Não será necessário continuar ainda a
acompanhar o Sr. Dühring em sua gradual destruição de seu princípio da
igualdade, tão axiomaticamente estabelecido, bem como de sua soberania
genericamente humana etc.
É despiciendo contemplar o modo segundo
o qual edifica a sociedade, em verdade, com dois seres humanos do sexo
masculino, necessitando, porém, para a construção do Estado mais um
terceiro, pois que – para resumir a questão, de modo conciso – sem este não
poderiam ser adotadas decisões de maioria e, sem estas, i.e. sem também a
dominação da maioria sobre a minoria, seria impossível a existência de um
Estado qualquer
É também prescindível verificarmos como
o Sr.
Dühring se dirige, então, pouco a pouco, em águas tranqüilas, rumo à
construção de seu Estado socialitário do futuro, no qual teremos a honra de, em
uma bela manhã, irmos visitá-lo.[12]
(…) Se, porém, fomos capazes
de liquidar também o tratamento rasteiro e tolo que o Sr. Dühring elabora acerca
da noção
de igualdade, não liquidamos ainda essa própria noção que desempenha um
importante papel teórico, em particular desde Jean-Jacques Rousseau, adquirindo
um marcante significado prático-político, durante e desde a Grande
Revolução e, ainda hoje, um destacado sentido de agitação, no quadro do
movimento socialista de quase todos os países.
A verificação de seu conteúdo
científico determinará também seu valor para a agitação proletária.
A noção de que todos os seres
humanos, enquanto seres humanos, possuem algo em comum e que - na medida
em que baste esse traço em comum - são seres humanos iguais,
é evidentemente uma noção ancestral.
Porém, desta é inteiramente
diversa a reivindicação moderna de igualdade. Esta reside, sobretudo, em
deduzir, a partir daquela qualidade comum do ser humano, daquela igualdade
do ser humano enquanto ser humano, uma exigência de igual valor
político ou, então, social de todos os seres humanos ou
mesmo, no mínimo, de todos os cidadãos de um Estado ou, ainda, de todos os
membros de uma sociedade.
Até que se pudesse extrair
daquela noção original de relativa igualdade a conclusão relativa à igualdade
de direitos no Estado e na sociedade, até que pudesse surgir
essa conclusão até mesmo como algo natural e evidente, tiveram de
transcorrer séculos e séculos e séculos e séculos, de
fato, transcorreram.
Nas comunidades natural-primitivas mais antigas podia-se
falar, no máximo, de igualdade de direitos entre os membros da
comunidade.
Dela, mulheres, escravos,
estrangeiros estavam por si mesmos excluídos.
Junto aos gregos e
romanos, as desigualdades dos seres humanos tinham muito maior
importância do que qualquer igualdade que fosse.
Aos antigos,
surgiria necessariamente como algo insano a noção de
que gregos e bárbaros, homens livres
e escravos, cidadãos nacionais e habitantes
asilados, cidadãos romanos e súditos romanos (para usar uma expressão
abrangente) devessem ter uma pretensão a um igual status político.
Sob o Império Romano,
todas essas diferenças dissolveram-se, gradativamente, à exceção daquela
relativa a seres livres e escravos.
Com isso, surgiu para os seres
livres, no mínimo, aquela igualdade dos indivíduos privados,
sobre cujo fundamento desenvolveu-se o Direito Romano
- a elaboração mais completa do Direito fundado sobre a
propriedade privada, que conhecemos.
Porém, enquanto existiu o
antagonismo, havido entre seres livres e escravos, não se podia falar de conseqüências
jurídicas, extraídas da igualdade humana geral.
Recentemente, vimos tudo isso
ainda nos Estados Unidos escravistas da América do Norte.
O cristianismo conhecia apenas
uma igualdade de todos os seres humanos, a de todos
igualmente nascerem no pecado original, igualdade
essa que correspondia inteiramente ao seu caráter, enquanto
religião dos escravos e dos oprimidos.
À parte isso, reconhecia, no
máximo, a igualdade dos eleitos, acentuada, porém, apenas bem no
início.
Os vestígios de comunidade de
bens que também são encontrados, nos primeiros estágios da nova
religião, podem ser muito mais atribuídos à coesão, existente entre os
perseguidos, do que a reais concepções de igualdade.
Logo a seguir, a consolidação
do antagonismo, existente entre padres e laios, pôs um fim também a essa
apreciação de igualdade cristã.
A invasão da Europa
Ocidental pelos povos germanos eliminou, por século, todas as noções de
igualdade por meio da gradativa edificação de uma ordem hierárquica social e
política extremamente intrincada, até então jamais existente.
Ao mesmo tempo,
porém, essa invasão arrastou a Europa Ocidental e Central no
curso do movimento histórico, criando, pela primeira vez, um domínio cultural
compacto e, no interior deste, também pela vez primeira, um sistema
de Estados preponderamente nacionais que se
influenciavam reciprocamente, mantendo um ao outro em xeque.
Com isso, preparou o terreno
sobre o qual pudesse se falar, em um período mais tarde, de igualdade
humana e de direitos humanos.
Além disso, a Idade
Média Feudal desenvolveu, em seu seio, a classe que, em seu
desenvolvimento subseqüente, estava destinada a tornar-se a
portadora da reivindicação moderna de igualdade : a burguesia.
De início, ela própria, um
estamento feudal, havia desenvolvido, no interior da sociedade
feudal, a indústria predominante artesanal e a troca de produtos a
um nível relativamente alto, quando, em fins do século XV, as grandes
descobertas marítimas, abriram-lhe um novo caminho de maior amplitude.
O comércio extra-europeu,
praticado, até então, apenas entre a Itália e os países
do Oriente do Mediterrâneo, foi expandido, a seguir, até a América
e as Índias, sobrepujando, logo, em relevância, tanto a
troca, mantida entre os singulares países europeus entre si, quanto a
circulação interna, praticada em cada país separadamente.
O ouro e prata americanos
inundaram a Europa, penetrando, tais qual um elemento
desintegrador, todos as lacunas, fissuras e poros da sociedade
feudal.
A indústria artesanal já não
mais foi suficiente para satisfazer a demanda crescente.
Nas indústrias dirigentes dos
países mais adiantados, acabou sendo substituída pela manufatura.
Entretanto, à poderosa
revolução das condições econômicas de vida da sociedade não se seguiu,
absolutamente, de imediato, uma modificação correspondente de sua
articulação política.
A ordem do Estado permaneceu
sendo feudal, ao passo que a sociedade tornou-se, cada vez mais,
burguesa.
O comércio em grande escala,
i.e. em particular o comércio internacional e, mais ainda, o comércio
mundial exigia livres proprietários de
mercadorias, desimpedidos em seus movimentos, proprietários
esses que, enquanto tais, gozam de direitos iguais e trocam suas
mercadorias, sobre a base de um Direito que é igual para todos eles,
ao menos em cada lugar, considerado singularmente.
A transição do artesanato à
manufatura tem por pressuposto a existência de um número de trabalhadores
livres - livres, de um lado, das cadeias das corporações de ofício e, d'outro,
dos meios, com os quais podiam valorizar sua própria força de trabalho -
trabalhadores livres que podem contratar com o fabricante, por meio de aluguel
de sua força de trabaho, i.e. que se defrontam com este como contraentes,
dotados de direitos iguais.
E, finalmente, a igualdade
e o status de igualdade de todos os trabalhos humanos, porquanto
e na medidade em que são, em geral, trabalho humano, encontraram
sua expressão inconsciente, porém clarevidente, na Lei do
Valor da economia burguesa moderna, segundo a qual o valor de
uma mercadoria é medido pelo trabalho socialmente necessário nela contido.[13]
Porém, onde as relações
econômicas exigem liberdade e igualdade de direitos,
a ordem política impõe a elas, a passo e passo, restrições
corporativas e privilégios especiais.
Prerrogativas locais,
deveres diferenciados, leis excepcionais de todos os gêneros
atingiram, no comércio, não apenas os estrangeiros ou habitantes das colônias,
senão também, muito freqüentemente, categorias inteiras de próprios cidadãos
nacionais.
Privilégios corporativos
acumulavam-se, por todos os lados e sempre repetidamente, barrando o caminho do
desenvolvimento da manufatura.
Em nenhum
lugar, havia caminho livre e eram iguais as oportunidades dos
competidores burgueses.
E, no entanto, era essa
a reivindicação de caráter prioritário e cada vez mais urgente.
Logo que foi colocada na
ordem do dia pelo progresso econômico da sociedade, a reivindicação de
emancipação dos entraves feudais e de instituição da igualdade
jurídica mediante eliminação das desigualdades feudais, teve,
imediatamente, de adquirir uma maior dimensão.
Uma vez postulada no
interesse da indústria e do comércio, há de se exigir essa mesma igualdade
de direitos para a grande massa de camponeses que haviam
de entregar, gratuitamente, em todos os níveis de subordinação, partindo
da total servidão, a maior parte de seu tempo de trabalho, ao gracioso senhor
feudal e, além disso, pagar ainda inúmeros tributos a ele e
ao Estado.
Não se poderia simplesmente
deixar de exigir que também os privilégios feudais, a liberdade de
tributação da nobreza, as prerrogativas políticas dos estamentos,
considerados separadamente, não fossem abolidos.
E, tendo em conta que já não
mais se vivia em um império mundial - tal qual fora o Império Romano -,
senão em um sistema de Estados independentes que se relacionavam uns com
os outros, sob o mesmo pé de igualdade e
dotados aproximadamente do mesmo nível de desenvolvimento
econômico, resulta evidente que a reinvindicação em
causa teve de adquirir um caráter geral que
ultrapassava um Estado em particular e que liberdade
e igualdade tinham de ser proclamadas como direitos do homem.
E é característico do
caráter especificamente burguês desses direitos do homem o
fato de que a Constituição dos EUA - a primeira
que reconheceu os direitos do homem - confirmou, ao
mesmo tempo, a escravidão dos negros, existente na América : as
prerrogativas de classe foram proscritas, as prerrogativas raciais,
santificadas.[14]
Entretanto, como se sabe, a
partir do momento em que a burguesia se despiu do seu burguesismo feudal,
transformando-se seu estamento medieval em uma classe moderna, foi,
permanente e inevitavelmente, acompanhada de sua sombra, o proletariado.
E, do mesmo modo, as reivindicações
burguesas de igualdade passaram a ser acompanhadas das reivindicações
proletárias de igualdade.
A partir do momento em que a
reivindicação burguesa de abolição das prerrogativas de classes
foi levantada, surgiu, ao lado dela, a reinvindicação proletária de abolição
das próprias classes - de início, em forma religiosa, apoiando-se no cristianismo
primitivo, posteriormente, baseando-se nas próprias teorias
burguesas da igualdade.
Os proletários agarram as
palavras da burguesia : a igualdade deve ser não apenas aparente, não
apenas aplicada no domínio do Estado, senão ainda deve ser aplicada
realmente, no domínio social, econômico.
E, particularmente, desde que
a burguesia francesa colocou, a partir da Grande Revolução, a igualdade burguesa
no primeiro plano, respondeu-lhe o proletariado francês, golpe
por golpe, com a reivindicação de igualdade social, econômica
e a igualdade tornou-se o grito de guerra do proletariado francês.
Na boca do proletariado, a
reivindicação de igualdade possui, assim, um duplo significado.
1.
Ou é a reação natural
contra as gritantes desigualdades sociais, contra o contraste existente
entre ricos e pobres, senhores e servos, sobresaturados e
famintos - e esse é, especialmente, o caso em seus
primeiros momentos, p.ex. a Guerra Camponesa.
Como tal, a reivindicação
em causa é simplesmente expressão do instinto revolucionário, encontrando
nisso - e apenas nisso - a sua justificação.
2.
Ou, então, surge da reação
contra a reivindicação burguesa de igualdade, desta sacando,
porém, consignas amplas, mais ou menos corretas, servindo de
meio de agitação para instigar os trabalhadores contra os capitalistas com
as próprias declarações dos capitalistas.
Nesse caso, é
colocada e desaba com a própria igualdade burguesa.
Em ambos os casos, o conteúdo
real da reivindicação proletária de igualdade é a abolição
das classes.
Toda e qualquer reivindicação
que vai mais distante perde-se no absurdo.
Fornecemos alguns
exemplos disso e disso ainda encontraremos outros suficientemente, ao
atingirmos as fantasias sobre o futuro, formuladas pelo Sr. Dühring.
Com isso, a própria noção
de igualdade é, tanto em sua forma burguesa quanto em sua forma
proletária, um produto histórico para cuja produção
foram necessárias determinadas relações históricas que pressupuseram, elas
mesmas, por sua vez, uma longa história precedente.
Portanto, essa noção é tudo,
menos uma verdade eterna.
E, se, hoje, ela é evidente
para o grande público - em um ou em outro sentido -, se - tal como Marx afirma
- "possui já a firmeza de um preconceito popular",
não é por causa do efeito de sua verdade axiomática, mas sim devido
ao efeito da difusão geral e da persistente contemporaneidade das idéias
do século XVIII.[15]
Sendo assim, se o Sr.
Dühring é capaz de deixar, sem mais nem menos, os
seus dois homens célebres praticar a economia sobre o terreno da
igualdade, é porque isso surge de modo inteiramente natural perante o
preconceito popular. E, na realidade, o Sr. Dühring denomina sua
filosofia de "filosofia natural", porque
esta é derivada a partir de muitas coisas que a ele parecem muito
naturais. Por que razão lhe parecem naturais, isso é o que evidentemente não
questiona.[16]
(...)
Não se trata apenas do fato de que o Sr. Dühring ignora totalmente o único
Direito moderno, o Direito Francês: ele demonstra
igualmente que desconhece o único Direito germânico que se
desenvolveu até os nossos dias, estendendo-se por todos os cantos do mundo,
independentemente da autoridade da autoridade romana, i.e. o Direito
Inglês.
E
por que o faz?
O
faz porque afirma que o modo particular inglês de pensamento
jurídico “não resistiria,
certamente, em face da disciplina forjada sobre o solo alemão nos conceitos puros dos juristas clássicos
romanos.”
E,
além disso, declara o Sr. Dühring :
“O que pode
representar o mundo de língua inglesa, com seu amálgama linguístico pueril,
diante de nosso idioma puro e castiço?”
A
isso, podemos responder apenas com as palavras de Baruch Spinoza: Ignorantia
non est argumentum (EvM.: Ignorância não é argumento).
Diante
de todo o exposto, podemos chegar à conclusão de que os estudos mais
especializados do Sr. Dühring reduziram-se ao fato de que se aprofundou,
teoricamente, por três anos, no aprendizado do Corpus iuris civilis (EvM.:
Código de Direito Civil do Imperador Justiniano), e, praticamente, por mais
três, no tirocínio do nobre Direito Nacional Prussiano.
Trata-se,
por certo, de algo já inteiramente meritório e suficiente para um
respeitabilíssimo velho juiz prussiano de comarca ou para advogados.
Pretendendo-se,
porém, elaborar um Filosofia do Direito, válida para todos os mundos e para todos
os tempos, seria necessário, seguramente, ter um certo conhecimento das
instituições jurídicas, vigentes em nações como a França, a Inglaterra,
os EUA,
nações que desempenharam na história um papel inteiramente diverso do Direito
válido no recanto da Alemanha, onde floresce o Direito
Nacional Prussiano.[17]
(...)
Não é possível falar de moral e de Direito sem abordar a questão do assim
denominado livre arbítrio, a
questão da responsabilidade do ser humano, da relação existente entre
necessidade e liberdade.
No
que tange a essa questão, também a Filosofia da Realidade (EvM.:
filosofia de Dühring, denominada Sistema Natural ou Filosofia da Realidade)
possui não apenas uma, senão até mesmo duas soluções. ...
Segundo
ela, a liberdade consiste em que a perspicácia racional
estira o ser humano para a direita, enquanto os instintos irracionais
arrastam-no para a esquerda e, nesse paralelogramo de forças, opera-se o
movimento real que toma a direção diagonal.
Assim,
a liberdade
seria a linha média, havida entre a perspicácia e o instinto, entre o
entendimento e a irreflexão. O grau de liberdade poderia ser
aferido, empiricamente, em cada indivíduo, mediante uma “equação pessoal”, para
dizê-lo lançando mão de uma expressão da astronomia. ...
Ora,
Hegel
foi o primeiro que apresentou a relação, havida entre liberdade e
necessidade, de maneira correta.
Para
ele, a liberdade é ter visão da necessidade: “A necessidade é apenas cega,
enquanto não é compreendida.”
A
liberdade não reside na quimérica independência em relação às leis
da natureza, mas sim no conhecimento dessas leis e na possibilidade,
dada com isso, de as fazer atuar, segundo um plano, visando ao atingimento de
determinados fins.
Isso
é válido tanto no que concerne às leis da natureza exterior quanto no
que respeita àquelas que regulam a própria existência corporal e espiritual
do ser humano – duas classes de leis que podemos separar uma da outra,
quando muito, em nossa imaginação, não porém na realidade.
A
liberdade
de vontade significa, por isso, nada senão a capacidade de poder decidir com
conhecimento de causa.
Portanto,
quanto mais livre for o juízo de uma pessoa em relação a um determinado
problema, com tanto maior necessidade será determinado o conteúdo desse juízo,
ao passo que a insegurança que, fundada na ignorância, escolhe
aparentemente, de modo arbitrário, entre muitas possibilidades de decisão
diferentes e contraditórias, demonstra, precisamente desse modo, sua falta
de liberdade, demonstra o fato
de encontrar-se dominada pelo objeto que deveria precisamente dominar.
Assim,
a liberdade
consiste no domínio sobre nós mesmos e sobre a natureza exterior, fundado no
conhecimento das necessidades naturais.
É,
com isso, necessariamente, um produto do desenvolvimento histórico.
Os
primeiros seres humanos que se separaram do reino animal eram, em todos os
aspectos essenciais, tão pouco livres quanto as próprias bestas.
Porém,
todo
progresso no âmbito da cultura foi um passo dado rumo à liberdade.[18]
(...)
Se o Sr. Dühring, com sua dominação do ser humano pelo ser humano,
enquanto précondição da dominação da natureza pelo ser humano em geral,
pretende apenas dizer que nossa presente situação econômica em seu conjunto - o nível de
desenvolvimento hoje atingido pela agricultura e pela indústria - é o resultado
de uma história social que se desenrola em antagonismos de classe, em relações
de dominação e de servidão, então está dizendo algo que, desde o “Manifesto
Comunista”, tornou-se, há muito tempo, lugar comum.
Trata-se
precisamente de esclarecer o surgimento das classes e das relações de
dominação e se, para isso, o Sr. Dühring possui sempre apenas a
palavra “violência”, permanecemos no início, sem avançar um passo
adiante.
O
simples fato de que os dominados e os explorados são, em todos os tempos, muito
mais numerosos do que os dominadores e exploradores e que, portanto, a
violência real repousa nas mãos destes, basta para desvendar o despropósito de
toda a teoria da violência.
Portanto,
é necessário esclarecer ainda as relações de dominação e de servidão.
Estas
nasceram de duas formas.
Assim
como os seres humanos saem, originariamente, do mundo animal – considerado
em estrito senso -, ingressam na história ainda como semi-animais, incultos,
ainda impotentes diante das forças da natureza, ainda sem o conhecimento de
suas próprias forças. Por consegüinte, tão pobres como os animais e pouco
mais produtivos do que eles.
Predomina,
aqui, uma certa igualdade da condição de vida e, para os chefes de família,
também uma espécie de igualdade de posição social – no mínimo, uma ausência
de classes sociais que ainda perdura nas comunidades naturais,
agrícolas, dos posteriores povos dotados de cultura.
Em
todas essas comunidades, há, desde o início, certos interesses comuns cuja
preservação tem de ser transferida a indivíduos singulares, ainda que sob a
supervisão da coletividade : a decisão de litígios, a repressão das extrapolações,
praticadas por indivíduos, além dos limites justificados, a vigilância das
águas, em particular nos países tórridos e, finalmente, as funções religiosas,
no quadro do primitivismo selvático dessas condições.
Tais
funções públicas são encontradas nas comunidades primitivas de todos os tempos,
sejam nas mais antigas comunidades das marcas germânicas,
sejam ainda hoje na Índia.
Evidentemente,
encontram-se dotadas de um certo acabamento de poder e dos inícios de poder do
Estado.
Paulatinamente,
as suas forças produtivas crescem. A população mais densa cria, aqui,
interesses comuns, ali, interesses conflitantes, entre as comunidades
singulares, cujo agrupamento provoca, novamente, em grandes complexos, uma nova
divisão de trabalho, a criação de órgãos, visando à
preservação dos interesses comuns e defesa em face dos interesses
conflitantes.
Esses
órgãos que, diante de cada uma das comunidades singulares, possuem, já como representantes
dos interesses comuns do inteiro grupo, uma posição especial – em
determinadas circunstâncias até mesmo antagônica -, logo se autonomiza ainda mais,
em parte, por causa da hereditariedade quase óbvia da execução das funções
públicas, em um mundo em que tudo se passa naturalmente, em parte, devido à sua
indispensabilidade que se intensifica com a multiplicação dos conflitos,
havidos com outros grupos.
Não é
necessário que, aqui, examinemos como pôde, com o tempo, incrementar-se essa autonomização
das funções sociais em relação à sociedade, até passar a ser dominação
sobre a sociedade, como o servidor, nas suas origens, transformou-se,
paulatinamente, em um senhor dominador, onde as oportunidades foram favoráveis,
como, segundo as circunstâncias, esse senhor dominador, na qualidade seja
de déspota ou sátrapa oriental, seja de príncipe tribal grego, seja de chefe de
clã celta etc., surgiu, em que medida, durante essa sua transformação,
serviu-se, em última instância, da violência, como, enfim, as pessoas
dominadoras, especificamente consideradas, conjugaram-se em uma classe
dominante.
Aqui,
impende apenas verificar que a dominação política possuiu, por
todos os lados, como fundamento uma função pública de ordem social.
E a dominação
política apenas então perdurou, na medida em que cumpriu essa sua função
pública de ordem social. (...)
Porém, ao
lado da formação dessa classe, processou-se a formação de outra.
A divisão
natural do trabalho, ocorrida no interior da família agricultora permitiu, ao
ser atingido um certo nível de bem-estar, o acréscimo de uma ou mais forças de
trabalho alheias a essa família.
Esse foi
especialmente o caso observado em países em que a velha posse comunitária do solo
havia-se decomposto ou em que, então, pelo menos, o antigo cultivo coletivo
havia cedido lugar ao cultivo separado de parcelas de solo por
meio das famílias correspondentes.
A produção
encontrava-se já tão desenvolvida que a força de trabalho humano podia, então,
produzir mais do que era necessário à sua simples manutenção.
Existiam
já os meios para manter mais forças de trabalho, bem como aqueles para empregar
esse acréscimo. A força de trabalho adquiriu, assim, um valor.
Porém, a
própria comunidade e a associação a que pertencia não fornecia forças de
trabalho disponíveis e suplementárias.
Ao
contrário, a guerra as forneceu e a guerra é tão antiga como a existência
simultânea de vários grupos comunitários, atuando uns ao lado dos outros.
Até então,
não se sabia o que fazer com os prisioneiros de guerra. Eram, simplesmente,
assassinados e, mais do que isso, devorados.
Porém, no
nível da “situação econômica” então alcançado, esses prisioneiros de
guerra adquiriram um valor : deixaram, portanto, que vivessem e seu trabalho
tornou-se serviçal.
Assim, em
vez de dominar a situação econômica, a violência foi, pelo contrário,
empurrada, movendo-se em função da situação econômica.
Inventou-se
a escravidão.
Esta se
tornou logo em forma dominante da produção em todos os povos que se
desenvolveram para além do velho sistema de comunidade.
Converteu-se,
por fim, porém, em uma das causas principais de sua decadência.
Apenas a
escravidão tornou possível a divisão do trabalho em grande escala, mantida
entre agricultura e indústria, proporcionando, assim, o florescimento do mundo
antigo, a Grécia Clássica.
Sem
a escravidão, não teria existido o Estado grego, a arte
grega e a ciência grega.
Sem
escravidão, não teria existido o Império Romano.
Sem o
fundamento da civilização greco-romana, não teria existido, porém, a Europa
moderna.
Jamais
deveríamos esquecer que todo o nosso desenvolvimento econômico, político e
intelectual possui como pressuposto uma situação, na qual a escravidão era
tanto necessária quanto universalmente reconhecida.
Nesse
sentido, temos razão de dizer que, sem a escravidão antiga, não existiria
nenhum socialismo moderno.
É muito
fácil vociferar, no quadro de discursos vagos, contra a escravidão e coisas do
gênero, derramando uma cólera altamente moral sobre coisas vergonhosas
semelhantes.
Degraçadamente,
com isso, nada mais se diz do que todo mundo sabe, i.e. que essas instituições
da Antigüidade não mais correspondem às nossas atuais condições e
aos nossos sentimentos, por elas determinados.
Porém,
assim, não ficamos sabendo nenhuma coisa a mais sobre como essas instituições
surgiram, o porquê de terem existido e qual papel desempenharam na história.
E se
penetramos nessas questões, devemos dizer, por tão contraditório e tão herege
quanto possa parecer, que a introdução da escravidão foi um
grande progresso, sob as condições outrora existentes.
Com
efeito, é um fato que a humanidade começou na animalidade e
que, portanto, necessitou de meios bárbaros, quase animalescos, para sair da
barbárie.
Onde
subsistiram, as velhas comunidades antigas formam, desde séculos, o fundamento
da forma
de Estado mais grosseira, do despotismo oriental, desde a Índia
até à Rússia.
Apenas
onde se desintegraram, os povos progrediram por seus próprios meios,
consistindo seu próximo progresso econômico precisamente na elevação e
aperfeiçoamento da produção por meio do trabalho escravo.
Está claro
que, enquanto o trabalho humano era tão pouco produtivo, fornecia apenas pouco
excedente além dos meios de vida necessários.
O aumento
das forças produtivas, a expansão da circulação, o desenvolvimento
do Estado e do Direito, a instauração da arte e da ciência
foram apenas possíveis por meio de uma divisão de trabalho mais intensa que
teve de possuir como seu fundamento a grande divisão de trabalho, havida
entre as massas que realizavam o simples trabalho manual e os poucos
privilegiados que impulsionavam a direção dos trabalhos, o comércio, os
negócios de Estado e, posteriormente, desenvolveram a arte e da ciência.
A forma
mais simples e mais natural dessa divisão foi, precisamente, a escravidão.
No quadro
dos pressupostos históricos dos mundo antigo, especialmente do mundo grego, o
progresso rumo a uma sociedade, fundada nos antagonismos de classe, podia
apenas se realizar na forma da escravidão.
Mesmo para
os escravos, isso já foi um progresso. Os prisioneiros de guerra, recrutados a
partir das massas de escravos, conservavam, agora, ao menos a vida, ao passo
que, antes, eram assassinados ou, ainda antes, até mesmo assados.
Devemos
acrescentar, nesse passo, que todos os antagonismos históricos até então
existentes entre classes exploradoras e exploradas, dominantes e dominadas,
encontram seu esclarecimento nessa mesma produtividade relativamente
subdesenvolvida do trabalho humano.
Enquanto a
população realmente trabalhadora se encontra tão absorvida a ponto de que não lhe
sobra tempo algum para a realização dos assuntos comuns da sociedade – direção
dos trabalhos, negócios do Estado, assuntos jurídicos, arte, ciência etc., teve
de existir sempre uma classe especial que, liberada do trabalho real, realizou
essas questões.
Nisso,
nunca deixou de descarregar, para seu próprio benefício, cada vez mais encargos
de trabalho sobre os ombros das massas trabalhadoras.
Apenas o
colossal aumento das forças produtivas, alcançado pela grande indústria permite
dividir o trabalho entre todos os membros da sociedade, sem exceção, e, assim,
limitar o tempo de trabalho de cada um de tal modo que reste tempo livre para
que todos tomem parte nos assuntos gerais da sociedade, sejam de ordem teórica,
sejam de ordem prática.
Portanto,
apenas agora, tornou-se supérflua toda e qualquer classe dominante exploradora
e, até mesmo, converteu-se em um obstáculo ao desenvolvimento social.
E só
agora, portanto, será impiedosamente eliminada, por mais que se encontre na posse
do “poder imediato”.
Se, então,
o Sr. Dühring enruga o nariz sobre a Grécia Antiga, porque se
encontra fundada sobre a escravidão, pode reprovar aos gregos
pela mesma razão de não terem possuído máquinas a vapor e telégrafos elétricos.
E, quando
afirma, que nossa servidão assalariada moderna é apenas uma herança algo
transformada e suavizada da escravidão, não devendo ser explicada por si mesma
- i.e. a partir da leis econômicas da sociedade moderna -, significa que ou o trabalho
assalariado, tal qual a escravidão, são formas de servidão e de dominação
de classe – coisa que toda criança sabe -, ou, então, significa que
isso está errado.
Pois, com
a mesma razão, poderíamos dizer que o trabalho assalariado deve ser apenas
explicado como uma forma suavizada de antropofagia, a forma originária, agora
verificada por todos os lados, de utilização do inimigo vencido.
Diante
disso, resulta claro qual é o papel que a violência desempenha na história em
relação ao desenvolvimento econômico.
Em
primeiro lugar, todo poder político assenta-se,
originariamente, sobre a função
econômica, social, e aumenta, na medida em que, mediante dissolução
das comunidades primitivas, os membros da sociedade são transformados
em produtores privados, i.e. divorciando-se, cada vez mais, da condição
de administradores das funções sociais coletivas.
Em segundo
lugar, depois de que o poder político autonomizou-se em
relação à sociedade, transformando-se de servidor em dominador, pode atuar em
dois sentidos:
1.
Ou o poder político atua no sentido e na
direção do desenvolvimento econômico regular, inexistindo, nesse caso,
qualquer conflito entre ambos, hipótese em que o poder político acelera o
desenvolvimento econômico.
2.
Ou atua contra o desenvolvimento econômico, sucumbindo,
então, com poucas exceções, ao desenvolvimento econômico regular.
Essas poucas exceções são casos isolados de conquista, em
que os conquistadores mais brutais exterminaram ou expulsaram a população de um
país, mandando degradar ou devastar as forças produtivas, com as quais eles
nada souberam fazer.
Assim, fizeram os cristãos, ao conquistarem a Espanha
muçulmana, com a maior parte das obras de irrigação, sobre as quais se
haviam assentado a agricultura e a horticultura dos mouros.
Toda conquista, empreendida por um povo mais atrasado,
perturba, evidentemente, o desenvolvimento econômico, aniquilando inúmeras
forças produtivas.
Porém, na esmagadora maioria dos casos de conquista
duradoura, o conquistador mais primitivo tem de se adaptar à “situação
econômica” mais avançada, tal qual procede da conquista. O conquistador
é assimilado pelos conquistados, devendo, na maioria das vezes, adotar, até
mesmo, a língua deles.
Quando, porém – abstraindo-se os casos de conquista -, o poder
interno do Estado de um país entra em oposição com o seu
desenvolvimento econômico, tal como, até o presente momento, ocorreu, ao ser
alcançado determinado nível, praticamente com todo e qualquer poder político, a
luta terminou sempre com a derrubada do poder político.
Sem exceção e implacavelmente, o desenvolvimento
econômico abriu para si o caminho.
O último exemplo mais impressionante disso, já
mencionamos : a Grande Revoluçao Francesa.
Se a situação econômica e, com ela, a
estrutura econômica de um determinado país, dependessem, simplesmente, do poder
político – tal como afirma o Sr. Dühring -, seria absolutamente
impossível de entender porque Friedrich Wilhelm IV não pôde
conseguir, apesar de contar com o seu “exército magnífico”, enxertar, após
1848, corporações de ofício medievais e outras manias românticas nas
estradas-de-ferro, nas máquinas-a-vapor e na grande indústria de seu país que,
então, desenvolvia-se plenamente.
Ou mesmo entender porque o Imperador da Rússia - que
é ainda, certamente, mais poderoso -, não apenas não consegue pagar suas
dívidas, com também nem sequer é capaz de manter seu “poder”, sem permanentes
empréstimos, retirados da “situação econômica” da Europa
Ocidental.
Para o Sr. Dühring,
o poder é o mal absoluto.
Para ele, o primeiro ato de poder e violência é o pecado
original.
Toda sua exposição é um sermão de lamentos sobre a
contaminação efetuada por esse pecado original de toda a história da
humanidade, até os dias de hoje, uma choradeira sobre a falsificação
ignominiosa de todas as leis naturais e sociais, empreendida por esse poder diabólico, i.e. a violência.
Em Dühring, não se encontra nenhuma
palavra no sentido de que a violência desempenha, porém, ainda
um outro papel na história : um papel revolucionário.
Pois, segundo as palavras de Marx, a violência é a
parteira de toda velha sociedade que se encontra grávida de uma nova. É a
ferramenta com a qual o movimento social se impõe e se destroçam formas
políticas enrijecidas e fossilizadas.
Apenas com suspiros e gemidos, o Sr. Dühring admite a
possibilidade de que, para a derrubada da economia de exploração,
talvez seja necessária a violência.
Lamentavelmente!
Pois, para Dühring, todo o emprego de violência
desmoraliza aquele que dele lança mão.
E tudo isso tendo em conta o grande ascenso espiritual e
moral que sempre foi o resultado de toda revolução vitoriosa !
E isso também na Alemanha, onde um embate violento -
que o povo, em verdade, pode ser forçado a impulsionar - teria, pelo menos, a
vantagem de extirpar o servilismo, penetrado na consciência nacional, proveniente da humilhação sofrida na Guerra
dos Trinta Anos.
Essa mentalidade de pastor – insosso, insípido e
impotente – possui a pretensão de
impor-se no Partido mais revolucionário que a história veio a conhecer ?[19]
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Herrn Eugen Dühring's Umwälzung der Wissenschaft (A
Subversão da Ciência do Sr. Eugen Dühring) (Setembro 1876 – Junho 1878), in :
ibidem, Vol. 20, pp. 1- 303. Assinalo que a presente obra de Engels
foi publicada, pela primeira vez, na forma de artigos periódicos, entre 3 de
janeiro de 1877 e 7 de julho de 1878, no jornal “Avante”, órgão
jornalístico da Social-Democracia Alemã. Na forma de livro, surgiu, pela
primeira vez, igualmente em 1878, na cidade de Leipzig.
[2] Anoto,
por oportuno, que, no primeiro esboço de Engels, esse parágrafo
surgia com a seguinte redação : "Por
mais que o socialismo moderno
tenha surgido, em sua matéria, a partir da contemplação dos
antagonismos de classes, existentes na sociedade préexistente entre
proprietários e não-proprietários, trabalhadores e
exploradores, surge, porém, em sua forma teórica, de início, como uma
extensão mais conseqüente, mais avançada, dos princípios estabelecidos pelos
grandes iluministas franceses do século XVIII, tais quais os de seus primeiros
representantes. Entre estes, encontravam-se também Morelly e Mably.”
[3] Permito-me remeter
o leitor ao exame de ROUSSEAU, JEAN-JACQUES. Discours sur l'Origine et les Fondements de l'Inégalité Parmi les Hommes
(Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens)(1755), Paris : Aubier Montagne, 1973, pp. 3 e s.; IDEM. Du
Contrat Social, ou, Principes du Droit Politique (Sobre o Contrato Social
ou sobre os Princípios de Direito Político)Amsterdã,
1762, pp. 7 e s.
[4] Cf.
ENGELS, FRIEDRICH. ibidem, especialmente
Introdução. Capítulo I : Parte Geral, pp. 17 e s.
[5] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. ibidem,
especialmente Introdução, Capítulo I : Parte Geral,
pp. 22 e s.
[6] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte I: Filosofia, Capítulo VIII :
Filosofia Natural. Mundo Orgânico (Conclusão), p. 77.
[7] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo IX : Moral e Direito. Verdades Eternas, pp. 82 e s.
[8] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo IX : Moral e Direito. Verdades Eternas, pp. 86 e s.
[9] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo X : Moral e Direito. Igualdade, pp. 88 e s.
[10] Acerca do tema,
permito-me remeter o leitor à leitura de ROUSSEAU,
JEAN-JACQUES. Discours sur l’Origine et les Fondements de l’Inégalité Parmi
les Hommes (Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os
Homens), Amsterdam : Rey, 1755, pp. 3 e s.
[11] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo X : Moral e Direito. Igualdade, pp. 91 e s.
[12] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo X : Moral e Direito. Igualdade, pp. 95 e s.
[13] Nesse passo, Engels remete-nos à leitura de MARX,
KARL.
Das Kapital.
Bd. 1 (O Capital. Vol. 1), in : ibidem, Vol. 23, pp. 74 e s. No
quadro dessa sua exposição, Engels assinala ainda precisamente o
seguinte : „A dedução das noções modernas de igualdade, extraídas
das condições
econômicas da sociedade burguesa, foi, pela primeira vez, apresentada
por Marx, em "O Capital".“
[14] Acerca
do tema, permito-me remeter o leitor ao exame da AMERICAN
CONSTITUTION OF 1787. Anoto que Marx teve oportunidade de
realçar que Carta Magna em realce, ao proclamar,
oficialmente, os EUA como República
Federativa, foi o documento jurídico-fundamental burguês mais
progressivo do seu tempo. Já no século XIX,
representava, entretanto, a escravidão legalizada.
Nesse sentido, assinalou Marx, com precisão :
"A Constituição ... reconhece os escravos como propriedade e obriga o
governo da União a proteger essa propriedade." Cf. KARL, MARX. in :
ibidem, Vol. 19. p. 36.
[15] Sobre esse tema, vide MARX, KARL. Das Kapital.
Bd. 1 (O Capital. Vol. 1), in: ibidem, Vol. 23, p. 74
[16] Cf. IDEM. ibidem, Parte I: Filosofia, Capítulo X: Moral e Direito. Igualdade, Vol. 20. pp. 95 e
s.
[17] Cf. IDEM. ibidem,
Parte I: Filosofia, Capítulo XI: Moral e Direito. Liberdade e Necessidade, Vol.
20, pp. 102 e s.
[18] Cf. IDEM. ibidem,
Parte I: Filosofia, Capítulo XI: Moral e Direito. Liberdade e
Necessidade, Vol. 20, pp. 105 e s.
[19] Cf. IDEM. ibidem, Parte II: Economia
Política, Capítulo IV: Teoria da Violência (Conclusão), Vol. 20, pp. 165 e s.