PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado
Direitos Humanos e
Proletariado:
Liberdade de Celebração
Contratual,
Sociedade e Estado
FRIEDRICH ENGELS[1]
Concepção e Organização,
Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Dezembro de 2013
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Geral
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(...) Assim, ocorreu de a burguesia
emergente – particularmente a burguesia dos países protestantes, onde a situação
existente foi mais profundamente abalada, – ter reconhecido, cada vez mais,
também para o casamento, a liberdade de celebração contratual,
do modo acima descrito. O casamento permaneceu sendo casamento de classe,
porém, no interior da classe, foi concedido aos contratantes um certo grau de liberdade
de escolha.
No papel – tanto na teoria moral quanto
na narração poética – nada permaneceu mais inabalável senão a noção de que o casamento
é imoral, quando não se assenta sobre o amor físico recíproco e o
consentimento realmente livre dos cônjuges.
Em suma : o casamento, fundado no amor,
foi proclamado como direito do homem e, em verdade, não apenas como droit
de l’homme (EvM.: direito do homem), senão também, excepcionalmente,
como droit
de la femme (EvM.: direito da mulher).
Porém, esse direito do homem
diferenciou-se em um ponto de todos os demais assim chamados direitos
do homem :
Enquanto todos os demais direitos
do homem permaneceram, na prática, limitados à classe dominante, à
burguesia, atrofiaram-se tais direitos para a classe oprimida, o
proletariado, seja de modo direito ou indireto, preservando-se, aqui, novamente
a ironia da história.
Porém, a classe dominante, permanecendo
dominada pelas conhecidas influências econômicas, passou a
exibir, por isso mesmo, apenas em casos excepcionais, casamentos realmente contratados
livremente, ao passo que estes, junto à classe dominada, surgem como a
regra, tal como vimos anteriormente.[2]
(…) Acima, examinamos, detalhadamente, as três principais formas nas quais
o Estado se levanta sobre
as ruínas da organização gentílica.
Atenas fornece-nos a forma mais pura e clássica. Aqui, o Estado emerge direta e predominantemente das oposições
de classes que se desenvolvem
no interior da própria sociedade
gentílica.
Em Roma,
essa sociedade torna-se uma aristocracia
fechada, em meio a uma
plebe numerosa que, não possuindo direitos,
senão apenas deveres, situa-se externamente àquela.
A vitória da plebe faz saltar pelos
ares a antiga
organização gentílica, erigindo, sobre suas ruínas, o Estado, no qual a aristocracia gentílica e a plebe logo são inteiramente absorvidas.
Por fim, entre os vencedores
germânicos do Império
Romano, o Estado emerge diretamente da conquista de grandes territórios estrangeiros, para os quais a
organização gentílica não fornece nenhum
meio de dominação.
Porém, devido ao fato de que nem uma verdadeira luta
contra a antiga população nem uma avançada divisão do trabalho se encontram
ligados a essa conquista e, em virtude do fato de que o nível de
desenvolvimento econômico dos conquistados e o dos conquistadores são
praticamente os mesmos - permanecendo a base econômica da sociedade sendo,
portanto, a antiga -, a organização gentílica pode manter-se, ao longo de
séculos, na forma territorial inalterada, como organização fronteiriça, e
mesmo, por um certo tempo, rejuvenescer, em forma atenuada, nas posteriores
linhagens nobres e patrícias, bem como, efetivamente, nas estirpes camponesas,
tais quais as de Dithmarschen (EvM.: região do Estado de Schleswig-Holstein,
situado no norte da Alemanha).
Portanto, o Estado não é absolutamente um poder imposto
de fora à sociedade. Tampouco é a “realidade da idéia moral”, a “imagem
e a realidade da razão”, tal como Hegel o afirma.
O Estado é, muito mais, um produto da sociedade, surgido
em um nível determinado de desenvolvimento.
É a confissão de que essa sociedade envolveu-se em uma
contradição insolúvel, mantida consigo mesma, havendo-se cindido em
antagonismos irreconciliáveis, os quais é impotente para eliminar.
Porém, a
fim de que esses antagonismos, a fim de que essas
classes, dotadas de interesses
econômicos conflitantes, não se dilacerem, umas as outras, bem como a sociedade,
em uma luta
infrutífera, tornou-se necessário um poder, situado aparentemente acima da sociedade, voltado a abafar o conflito, devendo mantê-lo no interior dos limites da “ordem”.
E esse poder, oriundo da sociedade, colocando-se, porém, acima desta
e desta
cada vez mais se alienando, é o Estado.
Em
face da antiga organização gentílica, o Estado caracteriza-se,
em primeiro lugar, pela divisão
dos cidadãos membros, segundo o território.
As antigas corporações gentílicas, formadas e coligadas por laços sangüíneos,
tornaram-se – tal
como vimos – inadequadas, em grande parte porque pressupunham uma vinculação de seus membros a um território determinado, sendo que essa havia
deixado de existir, há muito tempo.
O território permaneceu ali
existindo, porém os seres humanos
haviam começado a se mover.
Portanto, a divisão
territorial foi adotada como ponto
de partida, levando a que os cidadãos
do Estado exercessem seus direitos e deveres públicos no local em que se domiciliavam, desconsiderando-se sua clã e seu tronco
gentílico.
Essa organização dos cidadãos membros, efetuada segundo a sua vinculação
à localidade, é comum a todos os Estados.
Por isso, parece-nos que essa organização
é natural.
Sem
embargo, vimos quantas lutas duras e prolongadas
foram necessárias, até que essa
organização pudesse ser imposta, em
Atenas e em Roma,
assumindo o lugar da antiga organização, fundada segundo o critério gentílico.
Em segundo lugar, o Estado
caracteriza-se pela instituição de um poder público que não
mais coincide, imediatamente,
com a população que se organiza a si própria
enquanto poder armado.
Esse poder público especial é necessário, porque uma organização armada atuando por si
mesma tornou-se impossível, desde a cisão de classes.
Os escravos também pertencem à população. Os noventa mil (90.000) cidadãos atenienses formam apenas uma
classe privilegiada, em face dos trezentos e sessenta cinco mil (365.000) escravos.
O exército
popular da Democracia Ateniense era um poder público aristocratico em face dos escravos e mantinha-os em xeque.
Porém, também para manter os cidadãos em
xeque, tornou-se necessária uma força policial
- tal como
ficou ditto acima.
Esse
poder público existe em todos
os Estados. Compõe-se não apenas
de seres humanos
armados, senão também de apêndices objetivos, prisões e instituições coercitivas de todos os tipos,
as quais não foram conhecidas
pelas sociedades gentílicas.
Pode ser muito insignificante e mesmo desaparecer em
sociedades com antagonismos de classes ainda subdesenvolvidos, situadas em
territórios ermos, tais quais, de modo temporária e local, nos EUA.
Porém, esse poder público se fortalece, na medida em que
se aguçam os antagonismos de classes, existentes no interior do Estado e na
proporção em que os Estados limítrofes se tornam maiores e mais populosos.
Basta que contemplemos a nossa Europa de hoje, onde a
luta de classes e a rivalidade de conquista impeliram o poder público a um pico
no qual ameaça engolir toda a sociedade e até mesmo o Estado.
A fim de manter esse poder público, as contribuições dos
cidadãos do Estado – os impostos – são imprescindíveis.
Estes permaneceram inteiramente desconhecidos à sociedade
gentílica.
Porém, hoje, sabemos o suficiente para tratarmos disto.
Com o avanço da civilização, também os impostos não
bastam mais.
O Estado saca títulos cambiais, com vencimento
postergado, contrai empréstimos, cria a dívida estatal.
Também a nossa velha Europa sabe cantar uma canção sobre
esse tema.
Na posse do poder público e do direito de arrecadação de
impostos, situam-se, agora, os funcionários públicos como órgãos
da sociedade acima da sociedade.
O respeito livre e espontâneo que foi prestado aos órgãos
da organização gentil não lhes basta, mesmo se dele pudessem gozar.
Titulares de um poder estranho à sociedade, são
respeitados por meio de leis de exceção, por força das quais
desfrutam de uma peculiar santidade e inviolabilidade.
O mais baixo servidor policial do Estado civilizado
possui mais “autoridade” do que quaisquer dos órgãos da sociedade
gentílica, considerados em seu conjunto, porém o príncipe mais poderoso e o
maior estadista pode invejar o respeito destrancado e inquestionável,
prestado ao mais humilde chefe gentílico.
Um se situa precisamente no meio da sociedade. Outro é
forçado a pretender apresentar algo, situado fora e acima dela.
Como o Estado surgiu da necessidade de colocar freios aos
antagonismos de classes, emergindo, porém, ao mesmo tempo, em meio ao conflito,
travado entre essas classes, é, portanto, em regra, o Estado da classe mais poderosa,
da classe economicamente dominante que, por seus meios, torna-se também
a classe politicamente dominante, obtendo, assim, novos meios para a repressão
e a exploração da classe oprimida.
Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o
Estado do proprietários de escravos para a repressão dos escravos, tal qual o Estado
feudal foi o órgão da nobreza para a repressão dos camponeses servos e
subjulgados, tal qual o Estado representativo moderno é a
ferramenta de exploração do trabalho assalariado pelo capital.
Ocorrem, porém, períodos excepcionais em que as classes
em pugna equilibram-se tão aproximadamente que o poder do Estado, na qualidade
de aparente intermediário, adquire, momentaneamente, uma certa autonomia em
relação a ambas.
Desse modo, a Monarquia Absoluta do século XVII e
XVIII serviu de balança entre a nobreza e a burguesia.
Destarte, o bonapartismo do I e particularmente do II Império
Francês serviu-se do proletariado contra a burguesia e da burguesia
contra o proletariado.
A mais nova aquisição desse gênero, na qual dominadores e
dominados surgem, igualmente, de maneira cômica, é o novo Império Alemão da Nação de
Bismarck.
Aqui, capitalistas e trabalhadores são jogados uns contra
os outros e, simetricamente, enganados, para o bem dos nobres latifundários
prussianos decadentes.
Além disso, na maioria dos Estados históricos, os direitos
concedidos aos seus cidadãos membros são escalonados em conformidade
com o patrimônio e, assim, declara-se diretamente que o Estado é uma
organização da classe proprietária para
a proteção a ser exercida contra os despojados de propriedade.
Isso já é válido para as classes atenienses e romanas.
Do mesmo modo, no Estado feudal-medieval, onde a
situação do poder político é articulada segundo a propriedade fundiária.
De modo similar, é assim também sob a égide do censo
eleitoral dos Estados representativos modernos.
Esse reconhecimento político da diferença de propriedade
não é, contudo, essencial.
Pelo contrário, ele indica um baixo nível de
desenvolvimento estatal. A forma suprema de Estado – a República Democrática –
que, em nossas relações modernas de sociedade, torna-se, mais ou menos, uma
inevitável necessidade, sendo a única forma de Estado na qual pode ser travada
a luta decisiva entre proletariado e burguesia : a República Democrática não
mais reconhece, oficialmente, nenhuma diferença de propriedade.
Nela, a riqueza exerce seu poder indiretamente, porém de
modo tanto mais seguro.
Por um lado, na forma da corrupção direta dos servidores
públicos – no que os EUA constituem um exemplo clássico
-, por outro lado, na forma da aliança, firmada entre o Governo e a bolsa
de valores, a qual se executa tão mais facilmente quanto mais as dívidas
do Estado se avolumam e as sociedades por ações concentram, em
suas mãos, não apenas o transporte, senão ainda a própria produção,
reencontrando, na bolsa de valores, o seu centro de gravidade.
Nisso, além dos EUA, a mais nova República
Francesa constitui um exemplo contundente e, também, a singela Suíça
prestou a sua contribuição, nesse domínio.
Porém, o fato de que, para essa aliança fraternal,
celebrada entre Governo e bolsa de valores, não é necessária nenhuma República
Democrática, comprovam-no, além da Inglaterra, o novo Império
Alemão, no qual não se pode dizer a quem mais favoreceu a introdução do
sufrágio
universal, se ao Sr. Bismarck ou ao Banco Bleichröder.
E, depois de tudo, a classe possidente domina,
diretamente, por meio do sufrágio universal.
Enquanto a classe oprimida – vale dizer, no nosso caso, o
proletariado
– não estiver maduro para sua auto-libertação, reconhecerá, em sua maioria, a
ordem social existente como a ordem unicamente possível e permanecerá sendo,
politicamente, o rabo da classe capitalista, sua ala na extrema esquerda.
Porém, na medida em que a classe oprimida ficar
amadurecida para sua auto-emancipação, na medida em que constituir como seu
próprio Partido, elegerá os seus próprios representantes e não aqueles dos
capitalistas.
O sufrágio universal é,
assim, o indicador da maturidade da classe dos trabalhadores. Mais do
que isso, não poderá e não o será jamais, no Estado da atualidade.
Porém, isso também já é o bastante.
No dia em que o termômetro do sufrágio universal
indicar o ponto de ebulição, existente entre os trabalhadores, estes saberão
tais quais os capitalistas em que situação se encontram.
Portanto, o Estado existiu, desde a eternidade até os
nossos dias.
Existiram sociedades que se arranjaram sem ele, que não
possuíram nenhuma noção sobre Estado e poder do Estado.
Em um determinado nível do desenvolvimento econômico,
necessariamente vinculado à cisão da sociedade em classes, o Estado tornou-se
uma necessidade, por meio dessa cisão.
Aproximamo-nos, agora, em passos rápidos, de um nível de
desenvolvimento da produção em que a existência dessas classes não apenas
deixou de ser uma necessidade, senão ainda se torna um obstáculo positivo.
Estas classes decairão de modo igualmente inevitável tal
quais, outrora, emergiram.
Com elas, decairá, inelutavelmente, o Estado.
A sociedade que reorganizará a produção sobre o fundamento
da associação live e igual dos produtores, empurrará toda
a máquina do Estado lá para onde será, então, o lugar desta : o museu
de velharias, juntamente com a roda de fiar e o machado de bronze.[3]
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Der
Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staats. Im Anschluß an Lewis H. Morgans Forschungen (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado - Em Conexão
com as Investigações
de Lewis H. Morgans)(Março - Maio de 1884), Capítulo II : Die Familie (A Família),
in : ibidem, Vol. 21, Berlim : Dietz,
1962, pp. 25 e s. Anotação de Emil Asturig von München: Destaco que a presente obra de
Engels foi publicada, pela primeira vez, em 1884, em Hottingen-
Zurique,
onde, outrora, situava-se a redação do „Social-Democrata“, órgão oficial da Social-Democracia Alemã.
[2] Cf. IDEM. ibidem, Capítulo II : Die Familie (A Família), in : ibidem, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, p. 81.
[3] Cf. IDEM. ibidem, Capítulo IX : Barbarei und Zivilisation (Barbárie e Civilização), in : ibidem, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 164 e s.