PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã
Direito e Materialismo
Dialético:
Vontades Individuais,
Vontades de Classes e
Vontade do Estado
Direito Romano:
Primeiro Direito Mundial
de uma Sociedade Produtora
de Mercadorias
FRIEDRICH ENGELS[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Dezembro de 2013
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
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Geral
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(...) Porém, são, sobretudo, três descobertas que impulsionaram para
adiante, com passos gigantescos, nosso conhecimento sobre a interconexão dos
processos naturais :
1. Em primeiro lugar, o descobrimento da célula enquanto
unidade, a partir de cuja multiplicação e diferenciação dos corpos se
desenvolvem todos os corpos das plantas e dos animais. Não apenas o
desenvolvimento e o crescimento de todos os organismos superiores, que se
reconhece processar em conformidade com uma única lei geral, senão também a
capacidade de transformação da célula, demonstram o caminho por meio do qual os
organismos podem modificam a sua espécie e, assim, percorrer um desenvolvimento
mais do que individual ;
2. Em segundo lugar, a transformação da energia que nos
demonstrou serem todas as assim denominadas forças atuantes, de início, na
natureza
inorgânica - a força mecânica e sua complementação,
a assim denominada energia potencial, o calor, a irradiação (luz ou calor
radiante), a eletricidade, o magnetismo, a energia química – nada senão
diferentes formas fenomênicas do movimento universal que passam de uma à
outra, em determinadas relações quantitativas, de tal sorte que para a
quantidade de uma, que desaparece, surge uma determinada quantidade de outra,
reduzindo-se, assim, todo o movimento da natureza a esse incessante processo de
transformação de uma em outra ;
3. Por fim, a comprovação, desenvolvida primeiramente por Charles
Darwin, de que a reserva que, hoje, nos circunda de produtos
orgânico-naturais – incluindo os seres humanos – é o resultado de um longo
processos de desenvolvimento, realizado a partir de poucos embriões originariamente
unicelulares e estes, por sua vez, surgidos, por via química, a partir
do protoplasma
ou do albúmen.
Graças a essas três descobertas e aos outros enormes progressos da Ciência
da Natureza, chegamos, agora, tão longe a ponto de poder demonstrar a interconexão,
existente entre os processos na natureza, não apenas em seus domínios
particulares, senão também aquela dos seus domínios particulares, mantida, de
modo geral, entre estes mesmos, sendo possível apresentar uma imagem abrangente
da interconexão
natural, em uma forma aproximadamente sistemática, por meio de fatos,
fornecidos pela própria ciência empírica da natureza.
Antes, a tarefa da assim chamada Filosofia da Natureza era a de
fornecer esse quadro geral. Esta podia apenas realizar semelhante tarefa,
substituindo as conexões reais, ainda desconhecidas, por conexões ideais e fantásticas,
complentando os fatos ausentes por imagens intelectuais que preenchiam as
lacunas reais da mera imaginação.
Nesse procedimento, a Filosofia da Natureza produziu
alguns pensamentos geniais, presentindo algumas descobertas, ocorridas apenas
posteriormente. Porém, promoveu também absurdos consideráveis, tal como não
poderia ser de outra maneira.
Hoje, quando necessitamos conceber os resultados da investigação natural
apenas de modo dialético, i.e. no sentido de sua própria interconexão, a fim
de que atinjamos um “Sistema da Natureza” suficiente para o nosso tempo, no qual o caráter
dialético dessa interconexão se impõe aos cérebros dos cientistas
naturais, educados de modo metafísico, até mesmo contra sua vontade,
hoje, encontra-se a Filosofia da Natureza inteiramente desbancada. Toda e qualquer
tentativa de revitalizá-la seria não apenas supérflua, senão ainda constituiria
um
retrocesso.
Porém, o que vale para a natureza que, com isso, é
reconhecida também como um processo de desenvolvimento histórico,
vale também para a história da sociedade, em todos os seus ramos, bem como para o
conjunto de todas as ciências que se ocupam com as coisas humanas (e divinas).
Também aqui, a Filosofia da História, a Filosofia do Direito, a Filosofia
da Religião etc. consistiram em que, no lugar da interconexão real, a
ser comprovada nos acontecimentos, colocou-se uma interconexão elaborada no
cérebro do filósofo.
A história em seu conjunto foi concebida em suas partes separadas enquanto
realização gradativa das idéias e, em verdade, naturalmente, sempre apenas das
idéias preferidas do próprio filósofo em causa.
Em conformidade com essa concepção, a história agiria de maneira
inconsciente, porém de maneira necessária, dirigindo-se para um certo objetivo
ideal que é determinado de antemão, tal como, p.ex., em Hegel, rumo à realização
de sua idéia absoluta. A direção irremovível rumo a essa idéia absoluta
formaria a conexão interna, existente nos acontecimentos históricos.
No lugar da interconexão real, ainda desconhecida, colocou-se, assim, um
novo destino misterioso – desconhecido ou avançando gradativamente até à
consciência.
Aqui, portanto - precisamente como no domínio da natureza -, era
imprescindível eliminar essas conexões elaboradas artificialmente,
por meio da verificação das conexões reais, tarefa essa que havia de
conduzir, finalmente, ao descobrimento das leis gerais de movimento que se impõem na
história da sociedade humana.
Ora, em um ponto, porém, a história do desenvolvimento da sociedade
revela-se, essencialmente, diferente da história do desenvolvimento da natureza.
Na natureza – na medida em que desconsideremos a reação dos seres humanos
sobre ela -, existem inúmeros agentes cegos e inconscientes que
agem uns em relação aos outros e, em cuja interrelação, faz-se valer a lei
geral.
De tudo que ocorre – seja a partir dos inúmeros acasos aparentes,
observáveis na superfície, seja a partir dos resultados derradeiros que
confirmam a regularidade, inerente a esses acasos -, nada se dá como objetivo
consciente e desejado.
Pelo contrário, na história da sociedade, os muitos atores são seres
humanos, dotados de consciência, atuando com ponderação ou paixão, rumo a objetivos
determinados. Nada ocorre, sem o propósito consciente, sem o objetivo
desejado.
Porém, essa diferença - tão importante quanto possa ser para a
investigação histórica, em particular, das épocas e eventos, considerados
singularmente – não pode em nada alterar o fato de que o curso da história é dominado
por leis gerais internas.
Pois, também aqui, aparentemente, o acaso domina na superfície, em
linhas gerais, apesar dos objetivos conscientemente desejados por
todos os indivíduos.
Apenas raramente, ocorre o que foi desejado. Na maioria dos casos, os
muitos objetivos pretendidos entrecruzam-se e colidem entre si ou esses
próprios objetivos são, de antemão, irrealizáveis ou os meios para o seu
atingimento são insuficientes.
Desse modo, as colisões, havidas entre as inúmeras vontades e ações
individuais, provocam, no domínio histórico, uma situação que é inteiramente
análoga àquela que domina na natureza inconsciente.
Os objetivos das ações são desejados, porém os resultados que
advêm realmente dessas ações não o são ou, quando aparentam, pelo contrário, corresponder, de início, ao
objetivo desejado, possuem, finalmente, conseqüências completamente distintas
daquelas pretendidas.
Os eventos históricos parecem, assim, em linhas gerais, ser também
dominados pelo acaso. Porém, ali na superfície, onde o acaso faz o seu jogo, é
sempre dominado por leis internas veladas e se trata apenas de descobrir essas leis.
Os seres humanos fazem a sua história, seja qual possa ser o
seu resultado, perseguindo cada qual seus
próprios objetivos, conscientemente desejados.
E a história é precisamente a resultante dessas muitas vontades que agem
em diferentes direções e de seus múltiplos efeitos sobre o mundo exterior.
Trata-se, então, de saber o que é que desejam os muitos indivíduos.
A vontade é determinada pela paixão ou pela ponderação. Porém, as
alavancas que, por sua vez, determinam diretamente a ponderação ou a paixão,
são de tipos muito diferentes.
Em parte, podem ser objetos exteriores, em parte,
motivos ideais, a ambição, “o entusiasmo pela verdade e pelo Direito”,
o ódio pessoal ou os caprichos puramente individuais de todos os gêneros.
Porém, por um lado, vimos que as muitas vontades individuais que atuam na
história produzem, na maioria das vezes, resultados inteiramente diferentes
daqueles desejados – e, de modo freqüente, precisamente opostos. Seus motivos
são, portanto, também, apenas de importância secundária para o resultado geral.
Por outro lado, pergunta-se :
·
quais forças
propulsoras situam-se, por sua vez, por detrás desses motivos?
·
quais causas
históricas se transformam em tais motivos, nos cérebros dos atores?
O velho materialismo jamais se colocou essas questões.
Sua concepção histórica – na medida em que possua uma qualquer – é, por
isso, também essencialmente pragmática : julga tudo segundo os motivos da ação,
divide os seres humanos que atuam na história em seres humanos nobres e ignóbeis,
descobrindo, então, como regra, que os nobres são enganados e os ignóbeis,
vitoriosos.
Para o velho materialismo, disso, decorre, então, que não há muitas coisas
edificantes a serem retiradas do estudo da história e, para nós, decorre que,
no domínio histórico, o velho materialismo é infiel consigo mesmo, pois que
considera as forças propulsoras ideais que nela atuam como causas derradeiras,
em vez de investigar o que se encontra por detrás delas, o que são as forças
propulsoras dessas forças propulsoras.
Sua inconseqüência não reside em que são reconhecidas forças propulsoras ideais,
senão no fato de que a investigação não é conduzida para além dessas forças,
até às suas causas dinamizadoras.
Pelo contrário, a Filosofia da História – tal como é
particularmente representada por Hegel – reconhece que os motivos
ostensivos - e também realmente atuantes – dos seres humanos que agem
na história não são, absolutamente, as últimas causas dos acontecimentos
históricos, que, por detrás desses motivos, situam-se outros poderes dinamizadores
que cumpre investigar.
Porém, essa Filosofia da História não procura esses poderes na própria
história : importa-os, muito mais, de fora, i.e. da ideologia filosófica,
para o interior da história. Em vez explicar a história da Grécia
Antiga a partir de sua própria conexão interna, Hegel afirma, p.ex., pura
e simplesmente, que esta nada mais é do que a elaboração das “formas
da bela individualidade”, a realização da “obra de arte” enquanto
tal. Nesse contexto, fala muitas coisas belas e profundas sobre os gregos
antigos, porém isso não impede que, hoje, não nos permitamos mais ser
alimentados com tal explicação que nada mais é senão um mero modo de
dizer.
Tratando-se, portanto, de investigar os poderes propulsores que
se situam, consciente ou inconscientemente – e, em verdade, muito
freqüentemente inconscientemente -, por detrás dos motivos dos seres humanos que
atuam na história, constituindo as efetivas forças propulsoras da
história, em última instância, não podemos, então, ocupar-nos tanto com os
motivos dos seres humanos, considerados individualmente – ainda que sejam
motivos tão colossais – mas sim com aqueles motivos que colocam em movimento
grandes massas, povos inteiros e, mais uma vez, em cada um dos povos, classes
inteiras do povo.
E também isso não deve ser feito em um único momento, em uma efêmera
incandescência, em um fogo de palha que rapidamente se desinflama, mas sim no
quadro de uma ação duradoura que resulta em uma grande transformação histórica.
O único caminho que pode nos conduzir aos vestígios das leis que dominam a
história, considerada em seu conjunto, bem como os períodos históricos e os
países, considerados singularmente, é o de averiguar as causas dinamizadoras que
aqui, enquanto motivos conscientes, refletem-se, clara ou obscuramente, direta
ou ideologicamente – até mesmo divinizadamente -, nos cérebros dos seres
humanos atuantes, bem como no cérebro de seus dirigentes – os assim denominados
grandes homens.
Todas as coisas que colocam os seres humanos em movimento têm de passar
pelo seu cérebro. Porém, a forma que assumirão nesse cérebro dependerá muito
das circunstâncias. Os trabalhadores não se reconciliaram, absolutamente, com a
fábrica capitalista, movida à máquina, mesmo que não mais simplesmente
despedacem as máquinas, tal como ainda o fizeram em 1848, na região do Reno.
Porém, em todos os períodos anteriores, enquanto a investigação dessas causas
dinamizadoras da história foi praticamente impossível – por causa das complexas
e acobertadas conexões, mantidas com seus efeitos -, nosso período
contemporâneo simplicou essa conexões a tal ponto que o enigma pôde ser
resolvido.
Desde a introdução da grande indústria – i.e., pelo menos,
desde da Paz Européia de 1815 – deixou de ser um segredo para todas as
pessoas da Inglaterra que, ali, toda a luta política girava em torno
das reivindicações
de dominação de duas classes, a saber : a aristocracia fundiária (landed
aristocracy) e a burguesia (middle class).
Na França, com a restauração da dinastia dos Bourbon, o
mesmo fato veio à consciência. Historiadores do período da Restauração, de Augustin
Thierry a François Guizot, de François-Auguste Mignet a Adolphe
Thiers, falam delas, por todos os lados, como a chave da compreensão da
história francesa, desde a Idade Média.
E, desde 1830, a classe trabalhadora, o proletariado foi reconhecido, em
ambos esses países, como a terceira classe que luta pela dominação.
As relações haviam-se simplificado tanto que seria necessário fechar deliberadamente
os olhos para não ver na luta, travada entre essas três grandes classes, no
conflito, havido entre seus interesses, a força propulsora da história moderna
– ao menos, nesses dois países mais desenvolvidos.[2]
(...) A burguesia e o proletariado surgiram ambos em conseqüência de uma mudança
das relações econômicas - dito mais precisamente - uma mudança do modo de produção.
A transição - de início, do artesanato corporativo à manufatura
e, então, da manufatura à grande indústria, dotada de propulsão a vapor e de
funcionamento à maquina - havia desenvolvido ambas essas classes.
Em um determinado nível de desenvolvimento, as novas forças de produção
postas em movimento pela burguesia - inicialmente, a divisão do trabalho e a unificação
de muitos trabalhadores parciais em uma manufatura completa -, bem como
as condições e as necessidades de troca, por estas desenvolvidas, tornaram-se irreconciliáveis
com a ordem de produção existente, historicamente transmitida e sacramentada mediante
lei, i.e. incompatíveis com os privilégios das corporações de ofício e outros
inúmeros privilégios de natureza pessoal e local da formação social feudal - privilégios esses que constituíam para os
estamentos não privilegiados tantos outros inúmeros obstáculos.
As forças de produção, representadas pela burguesia, rebeleram-se contra a
ordem de produção, representada pelos proprietários fundiários feudais e
os mestres
das corporações de ofício.
O resultado é conhecido : os entraves feudais foram destruídos,
gradativamente, na Inglaterra, e, de um só golpe, na França. Na Alemanha,
ainda não se terminou com isso.
Porém, assim como a manufatura entrou em conflito com a
ordem feudal, em um determinado nível de desenvolvimento, a grande
indústria entrou, já presentemente, em conflito com a ordem de produção
burguesa, colocada no lugar daquela.
Vinculada por essa ordem, pelos estreitos limites do modo de produção
capitalista, a grande indústria produz, por um lado, uma proletarização cada vez mais
crescente de toda a grande massa popular e, por outro, uma massa cada
vez mais ampla de produtos sem mercado.
Superprodução e miséria
em massa, uma sendo a causa da outra : eis a contradição absurda a que
ela conduz, exigindo necessariamente um desentrave das forças produtivas,
através de modificação do modo de produção.
Pelo menos na história moderna, comprova-se o fato de que todas
as lutas políticas são lutas de classes e todas
as lutas de emancipação de classes - apesar de sua forma
necessariamente política, pois cada luta de classes é uma luta política -,
transformam-se, finalmente, em emancipação econômica.
Portanto, aqui, pelo menos, o Estado, a ordem política, é o subordinado,
sendo a sociedade burguesa, o reino das relações econômicas, o elemento
decisivo.
A concepção tradicional, também por Hegel reverenciada, entrevia no
Estado o elemento determinante e, na sociedade burguesa, o elemento por ele
determinado.
A isso corresponde a aparência.
Assim como para o ser humano individual todas as forças propulsoras de
suas ações passam pelo seu cérebro, tendo de se transformar em motivos
de sua vontade, a fim de que seja levado a agir, também do mesmo modo todas
as necessidades da sociedade burguesa – independentemente da classe que esteja
dominando - têm de passar pela vontade do Estado, a fim
de adquirir validade geral, na forma de leis.
Esse é o lado formal da coisa que é evidente por si mesmo.
Pergunta-se apenas que conteúdo possui essa vontade meramente
formal – do indivíduo, tal como do Estado – e de onde vem esse conteúdo,
bem como por que se pretende precisamente uma certa coisa e não uma outra
qualquer.
Ao indagarmos isso, verificaremos que, na história moderna, a vontade
do Estado é, em seu conjunto, determinada pelas necessidades cambiantes
da sociedade burguesa, pela superioridade dessa ou daquela classe, em última
instância, pelo desenvolvimento das forças produtivas e das relações de troca.
Se, porém, já em nossa época moderna, com seus gigantescos meios de produção
e de circulação, o Estado não é um domínio autônomo, dotado de desenvolvimento
independente, devendo, pelo contrário, sua existência, tal qual seu
desenvolvimento, ser esclarecido, em última instância, a partir das condições
econômicas de vida da sociedade, deve isso, então, valer ainda muito mais para
todas as épocas precedentes, nas quais a produção da vida material dos seres
humanos ainda não era dinamizada com esses ricos meios de auxílio, nas quais a
necessidade dessa produção tinha de exercer, portanto, uma dominação ainda
maior sobre os seres humanos.
Sendo o Estado ainda hoje, na época da grande indústria e das estradas
de ferro, em linhas gerais, apenas o reflexo, em forma resumida, das
necessidades econômicas da classe que domina a produção, teve de ser,
então, isto que é, em grau ainda muito mais elevado, em uma época em que uma
geração dos seres humanos havia de empregar uma parte bem maior de seu tempo de
vida comum para a satisfação de suas necessidades materiais, i.e. era muito mais
dependente destas do que somos nós, nos dias de hoje.
A investigação da história das épocas precedentes, logo que se preocupa
seriamente com esse aspecto, confirma o exposto, em medida ainda muito mais abundante.
Porém, aqui, não se poderá, evidentemente, tratar disso.
Sendo o Estado e o Direito
do Estado determinados pelas relações econômicas, é-o também, obviamente,
o Direito
Privado que, a bem da verdade, apenas sanciona, em essência, as
relações econômicas normais, travadas entre os indivíduos e existentes sob
dadas circunstâncias. A forma na qual isso se processa pode, porém, ser muito
diferente.
Tal como ocorreu na Inglaterra, em
consonância com o inteiro desenvolvimento dessa nação, pode-se conservar, em
grande parte, as formas do velho Direito Feudal, conferindo-lhes um conteúdo
burguês, vale dizer, atribuir diretamente ao nome feudal um
sentido burguês.
Porém, pode-se também, tal como na Europa
continental-ocidental, fundamentar todas as relações jurídicas essenciais
dos simples possuidores de mercadorias - comprador e vendedor, credor e
devedor, contrato, obrigação etc. - com o primeiro Direito mundial de uma sociedade
produtora de mercadorias, o Direito Romano, dotado de insuperável
elaboração perspicaz.
Mesmo que, para proveito e piedade de uma sociedade ainda pequeno-burguesa
e semi-feudal, seja possível rebaixá-lo ao nível dessa sociedade, simplesmente
mediante a práxis judiciária - Direito comum -, ou tratá-lo, com o
auxílio de juristas pretensamente esclarecidos e moralizadores, em um código à
parte, correspondente a esse nível social, código esse que será, nessas
circunstâncias, em sentido jurídico, igualmente de má qualidade – caso do Direito
Fundiário Prussiano.
Ainda que, depois de uma grande revolução burguesa, possa ser elaborado, também
sobre o fundamento precisamente desse Direito Romano, um código tão
clássico da sociedade burguesa, tal qual o Code civil (EvM.: Código Civil) francês.
Se as prescrições jurídico-burguesas expressam, assim, apenas as
condições econômicas de vida da sociedade em forma jurídica, tal
fenômeno pode ocorrer, segundo as circustâncias, de uma boa ou má maneira.
No Estado, surge diante de nós o primeiro poder ideológico sobre o homem.
A sociedade cria para si mesma um órgão de preservação de seus interesses
comuns em face de ataques internos e externos. Esse órgão é o poder
do Estado.
Mal havendo surgido, esse órgão autonomiza-se em relação à
sociedade e, em verdade, tanto mais o faz quanto mais se torna um
órgão de uma determinada classe, exercendo diretamente a dominação dessa
classe.
A luta dos oprimidos contra a classe dominante torna-se necessariamente
uma luta
política, uma luta, de início, contra a dominação política
dessa classe.
A consciência da conexão dessa luta política com seu substrato
econômico torna-se obscura, podendo vir a desaparecer inteiramente.
Tal fenômeno ocorre quase sempre com os historiadores, ao passo que não se
dá inteiramente com os participantes.
Entre as velhas fontes sobre as lutas no interior da República Romana, diz-nos
apenas Apiano, clara e nitidamente, do que se tratava no final das
contas : tratava-se, em particular, da propriedade fundiária.
Porém, tornando-se um poder autônomo em relação à sociedade, o
Estado produz, de imediato, uma ideologia adicional.
Particularmente, entre os políticos profissionais, entre os
teóricos do Direito do Estado e os juristas do Direito Privado
desaparece, mais do que nunca, a sua conexão com os fatos econômicos.
Pois que, precisamente, em cada caso particular, os fatos
econômicos tem de assumir a forma de motivos jurídicos para
serem sancionados na forma da lei, tendo-se nisso, evidentemente, de
também considerar o conjunto do sistema de Direito já válido, deve a forma
jurídica, por isso mesmo, tudo significar e o conteúdo econômico, nada.
O Direito do Estado e o Direito Privado são tratados como
domínios autônomos, possuindo cada qual seu desenvolvimento histórico
independente, sendo ambos, em si mesmos, capazes de uma representação
sistemática, desta necessitando, mediante erradicação de todas as contradições
internas.
Ideologias ainda mais elevadas, i.e. ideologias que ainda mais se
distanciam do fundamento material, do fundamento econômico, assumem a
forma da filosofia e da religião.
Aqui, a conexão das noções com suas condições existenciais materiais
torna-se cada vez mais complexa, cada vez mais obscurecida por elos
intermediários. Porém, essa conexão existe.
Assim como toda a época do Renascimento, desde meados do século
XV, foi um produto essencial das cidades, i.e. da burguesia, o mesmo ocorreu
também com a filosofia, desde então renascida.
Seu conteúdo era, essencialmente, apenas a expressão filosófica das idéias
correspondentes ao desenvolvimento da pequena e média burguesia em burguesia.
Entre os ingleses e os franceses do século passado que, em múltiplos
aspectos, eram tanto econimistas políticos quanto filósofos, isso se passou
claramente.
Quanto ao que se deu com a Escola Hegeliana, já o demonstramos
acima.[3]
(...) Porém, essa concepção (EvM.: a
concepção marxista da história) põe um fim à filosofia, no domínio da história,
tal qual a concepção dialética da natureza torna tanto inútil quanto impossível toda a
filosofia da natureza.
Por todos os lados, já não se trata mais
de cogitar, no cérebro, os nexos contextuais, mas sim de descobrí-los nos fatos.
Para a
filosofia expulsa da natureza e da história, permanece apenas ainda o reino
do pensamento puro, na medida em que continue existindo : a doutrina
das leis do próprio processo de pensamento, a lógica e a dialética.[4]
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Ludwig Feuerbach und
der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie (Ludwig Feuerbach e o Fim da
Filosofia Clássica Alemã)(Início de 1886), especialmente Parte IV, in : ibidem,
Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 299 e s. Destaco que a presente obra de Engels foi publicada,
pela primeira vez, no na revista “Die
Neue Zeit (O Novo Tempo)”, semanário da Social-Democracia Alemã,
Caderno Nrs. 4 e 5 de 1886.
[2] Cf. IDEM. ibidem, especialmente
Parte IV : Marx, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 294 e s.
[3] Cf. IDEM. ibidem, especialmente
Parte IV : Marx, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 299 e s.
[4]
Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte IV : Marx, Vol. 21, Berlim
: Dietz, 1962, p. 306.