PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
KARL MARX E FRIEDRICH
ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA
O Socialismo dos Juristas
Sobre os Direitos
Fundamentais Socialistas:
Todas as Noções Jurídicas,
Políticas, Filosóficas, Religiosas etc. dos Seres Humanos
São, Em Última Instância,
Derivadas das Suas Condições Econômicas Vitais,
De Seu Modo de Produzir e
Trocar Produtos
Direito Romano:
o Direito de uma Sociedade
Produtora de Mercadorias
FRIEDRICH ENGELS &
KARL KAUTSKY[1]
Concepção e
Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von
München, Dezembro de 2013
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
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Geral
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A visão de mundo da Idade
Média era essencialmente teológica.
A unidade do mundo europeu - que, de fato, não existia em relação ao seu
interior – foi produzida pelo cristianismo, em confronto com o exterior, contra
o inimigo geral sarraceno.
Essa síntese teológica não era
apenas produto da idéia : existia realmente, i.e. não só no papa,
seu centro focal monárquico, senão ainda, sobretudo, na Igreja, organizada, de
maneira feudal-hieráquica, que detinha uma poderosa autoridade no âmbito da
organização feudal, por ser a proprietária de cerca de um terço do solo de
todos
os países.
A Igreja com sua
propriedade feudal-fundiária era o vínculo real, existente entre os diversos
países, sendo que a organização feudal da Igreja fornecia à ordem
secular do Estado feudal a sua bendição religiosa. Além disso, o
clero era a única classe instruída. Era, portanto, evidente que o dogma
da Igreja representava o ponto de partida e a base de todo o
pensamento.
A Ciência do Direito, a Ciência
Natural e a Filosofia, tudo era determinado em conformidade com esse dogma,
não importando se o seu conteúdo se encontrasse de acordo com os ensinamentos
ou não.
Porém, no seio do feudalismo,
desenvolveu-se o poder da burguesia.
Uma nova classe interviu contra os proprietários
latifundiários.
Os habitantes das cidades
eram, sobretudo e exclusivamente, produtores de mercadorias e comerciantes, ao
passo que o modo de produção feudal assentava-se, essencialmente, sobre o consumo
próprio – realizado, em parte, pelos produtores, em parte, pelos
instituidores de impostos feudais – de produtos, gerados, no interior de
um círculo restrito.
A visão católica do mundo,
especificamente talhada para o feudalismo, não podia mais
satisfazer essa nova classe e suas condições de produção e de troca.
Apesar disso, também essa nova classe
permaneceu aprisionada, durante longo tempo, nos vínculos da teologia
omnipotente.
Desde o ponto de vista teológico,
todas as Reformas e as lutas que com estas se conectavam, conduzidas sob
a firma religiosa do século XIII ao XVII, nada foram senão tentativas
reiteradas da burguesia, dos plebeus citadinos e dos camponeses que, em ligação
com estes, haviam-se tornado rebeldes, de adaptar a velha visão teológica do mundo
às condições econômicas modificadas e à situação de vida da nova classe. Porém,
essas tentativas não obtiveram sucesso.
Pela última vez, a bandeira religiosa
adejou na Inglaterra do século XVII.
Pouco menos de 50 anos mais tarde,
surgiu, então, sem qualquer maquilagem, na França, a nova visão de mundo,
aquela que se deveria tornar a visão clássica do mundo da burguesia,
a visão
jurídica do mundo.
Esta foi a secularização da visão
teológica do mundo.
No lugar do dogma, do Direito
Divino, emergiram os Direitos Humanos, no lugar da Igreja,
o Estado.
As relações econômicas e sociais,
imaginadas, antes, como criadas pela Igreja e pelo dogma, por haverem
sido sancionadas pela Igreja, passaram a ser figuradas,
agora, como relações estabelecidas pelo Direito e criadas pelo Estado.
Devido ao fato de que a troca de
mercadorias, operada em escala social, gera, em sua mais plena formação,
complicadas relações contratuais bilaterais – particularmente por meio da concessão
de crédito e adiantamentos –, requerendo, com isso, regras
universalmente válidas que podem ser apenas instituídas pela
coletividade – i.e. normas de Direito, estabelecidas pelo Estado -, imagina-se, por
essa razão, que as normas jurídicas não emerjam dos fatos econômicos, mas sim
da positivação
formal, realizada pelo Estado.
E visto que a concorrência
é a forma fundamental de intercâmbio dos livres produtores de mercadorias, a grande igualizadora, tornou-se a igualdade perante a lei o principal grito
de guerra da burguesia.
O fato de que a luta dessa nova
classe emergente, travada contra os senhores feudais e a monarquia absoluta
que, outrora, a protegia, teve de ser tal qual toda e qualquer luta de classes,
uma luta
política, uma luta pela posse do Estado, havendo
de ser conduzida por reivindicações jurídicas, veio isto
contribuir para a consolidação da visão jurídica do mundo.
Porém, a burguesia produziu o seu
sósia negativo, o proletariado, e, com este, uma nova luta de classes que já
estourou, antes mesmo de a burguesia haver-se assenhorado inteiramente do poder
político.
Tal como a seu tempo, no quadro da
luta travada contra a nobreza, a burguesia teve de arrastar consigo, ainda por
algum tempo, aquela visão teológica do mundo, também o proletariado tomou,
inicialmente, de seu adversário a visão jurídica do mundo, procurando
nela por armas a serem utilizadas contra a própria burguesia.
As primeiras formações proletárias
partidárias – tais quais seus representantes teóricos – permaneceram,
inteiramente, sobre o “campo jurídico do Direito”, sendo
que apenas construíram para si um outro fundamento do Direito, diferente
daquele da burguesia.
Por um lado, a reivindicação de igualdade
foi ampliada no sentido de que a igualdade jurídica haveria de ser
completada pela igualdade social.
Por outro lado, a partir dos axiomas
de Adam
Smith de que o trabalho é a fonte de toda a riqueza, havendo, porém, de
o produto do trabalho ser dividido entre o trabalhador, o proprietário
fundiário e o capitalista, sacou-se a conclusão de que essa divisão seria injusta,
devendo ser ou suprimida ou então modificada, em prol dos trabalhadores.
O sentimento de que esse abandono da
questão ao mero “campo jurídico do Direito” não tornaria, absolutamente,
possível a eliminação das desgraças criadas pelo modo de produção
burguês-capitalista e, particularmente, da grande indústria moderna, levou a
que já os mais expressivos pensadores, existentes entre os antigos socialistas
– Saint-Simon,
Fourier
e Owen
-, abrissem mão completamente do domínio jurídico-político,
declarando todas as lutas políticas como infrutíferas.
Ambas
essas concepções eram igualmente insuficientes para expressar,
correspondemente, e sintetizar, plenamente, as aspirações de emancipação da
classe trabalhadora, criadas pela situação econômica.
A reivindicação
de igualdade não menos do que a reivindicação do fruto integral do trabalho
perderam-se em contradições insolúveis, logo que tiveram de ser formuladas,
juridicamente, em detalhes, deixando o cerne da questão, i.e. a reconformação
do modo de produção, de maneira mais ou menos intocada.
A rejeição
da luta política, promovida pelos grandes utopistas, foi, concomitantemente,
uma rejeição da luta de classes, i.e. do modo de atuação unicamente possível da
classe em cujo interesse intervinham.
Ambas
essas concepções abstraíram do pano de fundo histórico ao qual deviam sua
existência.
Ambas
apelaram ao sentimento : uma, ao sentimento do Direito, a outra, ao sentimento
da humanidade.
Ambas
revestiram suas reinvindicações com a forma de piedosos desejos dos quais não
se podia dizer a razão de deverem ser implementados justamente agora e não mil
anos mais tarde ou mais cedo.
Despojada
de toda propriedade sobre os meios de produção,
pela transformação do modo de produção feudal no modo de produção capitalista,
e sempre reconstituída, pelo mecanismo do modo de produção capitalista, nesse estado
hereditário de falta de propriedade, a classe trabalhadora não
pode expressar, exaustivamente, sua situação de vida por meio da
ilusão jurídica da burguesia.
Pode
apenas integralmente reconhecer por si mesma essa situação existencial se
contemplar, sem óculos juridicamente coloridos, as coisas em sua realidade.
Para
tanto, Marx prestou-lhe auxílio, com sua concepção materialista da
história, com a prova de que todas as noções jurídicas, políticas,
filosóficas, religiosas etc. dos seres humanos são, em última instância,
derivadas de suas condições econômicas vitais, de seu modo de produzir e trocar
produtos.
Com isso,
foi fornecida a visão que corresponde à situação de vida e de luta do
proletariado.
À falta
de propriedade dos trabalhadores podia apenas corresponder a falta
de ilusão em suas cabeças.
E essa visão
proletária do mundo encontra-se, agora, viajando pelo mundo à fora.
É
compreensível que continue a existir a luta, travada entre essas duas visões de
mundo, travada não somente entre proletariado e burguesia, senão
também entre trabalhadores que pensam livremente e trabalhadores ainda aprisionados
pela velha tradição.
No seu
conjunto, a velha concepção é aqui defendida pelos políticos tradicionais,
lançando mão dos argumentos correntes.
Porém,
existem também os assim chamados juristas científicos que fazem da Ciência
do Direito uma profissão privativa.
Até o
presente momento, esses Srs. haviam-se ilustremente refreado, ao se meterem com
o lado teórico do movimento dos trabalhadores.
Devemos,
portanto, agradecer, imensamente, se, finalmente, então, um autêntico Professor
de Direito, o Sr. Dr. Anton Menger, pretende
dignar-se a elucidar, de modo mais detalhadamente dogmático, a história
do socialismo, formulada desde o ponto de vista “jurídico-filosófico”.[2]
(...) De
onde surgem, então, os “burgueses” e as “classes
populares desapossadas” que, cada qual por si mesma, detém uma
Filosofia do Direito particular, correspondente à sua situação de classe ?
Surgem a
partir do Direito ou do desenvolvimento econômico ?
E será que
Marx
não nos diz senão que as concepções jurídicas das grandes classes
sociais, consideradas singularmente, orientam-se pela sua situação de classe de
cada momento ?[3]
(...) O
que os juristas do Império Romano em decadência tão formosamente
sistematizaram não foi o Direito Feudal, mas sim o Direito
Romano, o Direito de uma sociedade de produtores de mercadorias.
Segundo o
pressuposto do Sr. Menger, como a noção jurídica é a força propulsora da
história, coloca ele, nesse passo, aos juristas romanos a monstruosa
reivindicação de que deveriam ter fornecido, em vez do sistema de Direito da
sociedade romana então existente, precisamente o oposto, a saber : “uma imagem
clara, despida de toda exuberância”, de um estado social fantástico.
Eis aí,
portanto, a Filosofia do Direito do Sr. Menger, aplicada ao Direito
Romano !
Precisamente
horrenda é, porém, sua afirmação de que jamais as condições econômicas haviam
sido tão favoráveis para o socialismo como na época do Império Romano.
Os
socialistas queo Sr. Menger quer refutar entrevêem a garantia para o sucesso do
socialismo no próprio desenvolvimento da produção :
Por um
lado, a produção torna-se, cada vez mais, uma produção social, através
do desenvolvimento da grande indústria maquinal nas fábricas e na agricultura,
o que pressiona rumo à supressão das diferenças de classe e
à transferência
da produção mercantil, realizada nas indústrias privadas, à produção direta,
para a sociedade e mediante esta.
Por outro,
o modo de produção moderno gera a classe que adquire, em dimensão cada vez mais
maior, o poder e o interesse de executar, realmente, esse desenvolvimento, i.e.
um proletariado livre e trabalhador.
Agora,
compare-se com isso as condições existentes na Roma Imperial, onde não
se encontrava em questão a grande produção maquinal, nem na indústria e nem na
agricultura.
Certamente,
encontramos uma concentração no latifúndio, porém é necessário ser jurista
para considerar esta equivalente ao desenvolvimento do trabalho socialmente
industrializado, realizado nas grandes fábricas. ...
O
desenvolvimento da agricultura da época da Roma Imperial conduziu, por um lado,
à expansão da economia de pastagem sobre imensas distâncias e à depopulação do
campo, por outro lado, ao desmantelamento dos terrenos em pequenos
arrendamentos, entregues a colonos, i.e. às empresas anãs de pequenos
camponeses servos - precursores dos
ulteriores servos medievais -, i.e. a um modo de produção no qual o modo de
produção da Idade Média já se encontrava contido em seu embrião.
E, entre
outras coisas, já por essa razão, caro Sr. Menger, ao mundo romano
sucedeu “a ordem jurídica da Idade Média”.
Provavelmente,
grandes empresas agrícolas existiram, de modo temporário, em diversas
províncias, porém sem produção maquinal, com trabalhadores livres.
Tratava-se
da economia de plantação de larga escala, com escravos, bárbaros
das mais diversas nacionalidades que, freqüentemente, não se entendiam entre
si.
Em face
destes, encontravam-se os proletários livres, mas não
proletários trabalhadores, senão lúmpen-proletários.
Hoje, a
sociedade assenta-se, de modo cada vez mais crescente, sobre o trabalho
dos proletários que se tornam, mais e mais indispensáveis, para o
desenvolvimento desta.
Os lumpen-proletários
romanos eram parasitas, não apenas inúteis, mas até mesmo prejudiciais
para a sociedade e, por isso, sem enérgico poder de imposição.
Porém, aos
olhos do Sr. Menger, o modo de produção e o povo não parecem jamais terem
estado tão maduros para o socialismo como na época da Roma Imperial !
Percebe-se
assim qual é a vantagem que se possui, quando se descarta, ao máximo, os
“enfeites” econômicos.
Daremos de
presente ao Sr. Menger os Patronos da Igreja, já que silencia
onde as “críticas destes, movidas contra a situação da sociedade, podem-se
comparar com os melhores escritos socialistas da atualidade”.
Devemos
aos Patronos
da Igreja algumas informações interessantes sobre a sociedade
romana decadente, porém, em regra geral, não se dedicaram a uma crítica
desta sociedade, senão contentaram-se, simplesmente, em amaldiçoá-la e, em
verdade, com expressões de uma tal impetuosidade que, em relação a elas, a
linguagem mais violenta dos socialistas modernos e mesmo a vociferação dos
anarquistas aparentam ser serenas.[4]
(...) O
Sr. Professor dedica-se, então, a examinar o socialismo de modo
jurídico-filosófico, i.e. remetendo-o a algumas curtas fórmulas de Direito,
reenviando-o aos “Direitos Fundamentais” Socialistas, uma reedição dos Direitos
Humanos, feita para o século XIX. Tais Direitos Fundamentais possuem,
em verdade, apenas : “ínfima eficácia
prática”, são, porém, “no domínio
científico, dotados de utilidade”, enquanto “palavras-chaves”. (p. 5, 6).
Assim, já
atingimos um nível tão rebaixado que temos de apenas tratar ainda de “palavras-chaves”. O contexto histórico
e o conteúdo do poderoso movimento resultam gravemente eliminados, a fim de que
se ceda o lugar a uma mera “Filosofia do Direito”,
reduzindo-se, a seguir, essa filosofia do Direito a palavras-chaves que,
confessadamente, não valem, na prática, nenhum único centavo!
De fato, o
esforço vale mesmo a pena.
O Sr.
Professor descobre, então, que todo o socialismo se permite reduzir em três
dessas palavras-chaves, em três Direitos Fundamentais, a saber :
1.Direito
ao fruto integral do trabalho ;
2.
Direito à existência;
3.Direito
ao trabalho.
O direito
ao trabalho é apenas uma reivindicação provisória, “a
primeira fórmula desajeitada, na qual se resumem as reivindicações
revolucionárias do proletariado” (Marx), e, portanto, não pertence à questão aqui em exame.
Pelo contrário, esqueceu-se da reivindicação de igualdade
que dominou todo o socialismo revolucionário francês, de François Babeuf até Étienne
Cabet e Jean-Pierre Proudhon.
Porém, o Sr. Menger dificilmente poderá formular essa reivindicação, de
modo jurídico, apesar de que ou, talvez, precisamente porque é a reivindicação
mais jurídica de todas as mencionadas.
Restam como quintessência apenas os magros princípios 1 e 2 que, além
disso, se contradizem, coisa que o Sr. Menger divisa finalmente, à
página 27, o que, porém, de modo algum, impede que “todos os sistemas socialistas tenham, então, de se movimentar”.
(p. 6)
Sem embargo, é óbvio que o enquadramento forçado das mais diferentes
doutrinas socialistas dos mais distintos países no interior dessas “palavras-chaves” tem de falsear toda a
exposição.
A característica de cada uma das doutrinas singulares que, precisamente,
constitui seu significado histórico é, aqui, não apenas jogado de lado, como se
fosse algo secundário, senão ainda, pura e simplesmente, censurado, como se
fosse vulgarmente errado, pois que se desviaria da palavra-chave e a
contradiria. (...)
O direito do trabalhador ao fruto integral do trabalho, i.e. o
direito de cada trabalhador individual ao seu fruto especial do trabalho,
é, nessa definição, apenas doutrina proudhoniana.
Desta inteiramente distinta, é a reivindicação de que os meios de produção e os
produtos devem pertencer à totalidade dos trabalhadores.
Essa reivindicação é comunista e ultrapassa – tal como Menger
põe à vista, à página 48 – a reinvindicação Nr. 1, o que o coloca em um grande
embaraço.
Por isso, Menger necessita ora alojar os comunistas sob a reivindicação
Nr. 2, ora distender e revirar o Direito Fundamental Nr. 1 tão largamente até
que possa os situar sob os seus auspícios. Isso ocorre, de fato, à página 7.
Pressupõe-se, aqui, que, após a abolição da produção de mercadorias, esta
continuará existindo, apesar da abolição.
Ao Sr. Menger, parece inteiramente natural que, também em uma
sociedade socialista, sejam produzidos valores de troca, i.e. mercadorias
vendáveis, continuando a existir o preço do trabalho, vendendo-se,
pois, ainda, a força de trabalho como mercadoria.[5]
(...) A atual ordem social atribui ao proprietário fundiário e ao
capitalista um “direito” a uma parte – a maior parte – do produto produzido
pelo trabalhador.
O Direito Fundamental Nr. 1 afirma que esse direito é uma injustiça
e que pertenceria ao trabalhador o fruto integral do trabalho. Assim, o
problema todo relativo ao conteúdo do socialismo está encerrado, desde que o
Direito Fundamental Nr. 2 não seja colocado em questão.
Portanto, quem foi o primeiro a declarar que o Direito contemporâneo dos proprietários
da terra e de outros meios de produção a uma parte do fruto do trabalho
é uma injustiça, é o nosso grande homem, é o fundador do socialismo
“científico”!
E esses homens foram William
Godwin, Robert Hall e William Thompson.[6]
Após omitir todos os infinitos “enfeites” econômicos, Menger encontra em Marx
apenas essa mesma afirmação, considerada como atraso jurídico.
Por consegüinte, Marx teria copiado os velhos
ingleses e, particularmente, Thompson, calando-se, rigorosamente,
acerca de suas fontes.
A prova encontra-se aduzida.
Abandonamos toda e qualquer tentativa de esclarecer ao jurista tacanho que
Marx
não levanta, em nenhuma sede, a reivindicação de “direito ao fruto integral do
trabalho”, que, em seus escritos teóricos, não postula, absolutamente,
nenhuma reivindicação jurídica, seja da espécie que for.
Mesmo ao nosso jurista reluz uma remota noção disto, quando acusa Marx de,
em nenhum lugar, fornecer “uma exposição
exaustiva do direito ao fruto integral do trabalho.” (p. 98)
Nas investigações teóricas de Marx, o jurídico do Direito – o
qual reflete sempre apenas as condições econômicas de uma determinada sociedade
– surge contemplado tão somente de modo
inteiramente secundário.
Pelo contrário, em primeira linha, a justificação histórica possuem, para
épocas determinadas, as situações dadas, os modos de apropriação, as classes
sociais, e a investigação destas interessa a todos que vêem, em primeiro plano,
um curso de desenvolvimento interconexo – ainda que freqüentemente entrecruzado
-, não porém, tal qual visto no século XVIII, i.e. tal como uma misturada de
disparates e brutalidades.
Marx concebe a
inevitabilidade histórica, i.e. a justificação dos senhores escravistas da Antigüidade,
dos senhores feudais da Idade Média etc., enquanto alavanca
do desenvolvimento humano para um período histórico limitado.
Reconhece, com isso, também, a justificação histórica transitória da
exploração, da apropriação do produto do trabalho por outros.
Comprova, porém, concomitantemente, que essa justificação histórica deve,
agora, não apenas desaparecer, senão ainda que a permanência da exploração, em
qualquer forma que seja, em vez de promover o desenvolvimento social,
entrava-o, quotidianamente, cada vez mais, envolvendo-o em colisões, sempre mais
violentas.
E a tentativa do Sr. Menger de fazer entrar à força
essas investigações históricas memoráveis em seu comprimido leito
de Procusto jurídico, demonstra apenas sua própria inteira incapacidade
de compreender as coisas que ultrapassam o horizonte jurídico mais estreito.
Para Marx, seu Direito Fundamental Nr. 1 não existe absolutamente,
nessa formulação.[7]
(...) Portanto, o socialismo científico não
consistiria em descobrir um fato econômico - pois isso, segundo o Sr.
Menger, os economistas já teriam antes dele providenciado - mas sim consistiria, simplesmente, em que
declarariam esse fato econômico como ilegítimo.
Eis aí a opinião do Sr. Menger sobre a questão em
análise.
Se os socialistas tivessem, de fato, assim procedido, tão levianamente,
poderiam ter feito as malas há muito tempo, sendo que ficariam poupados do
opróbrio jurídico-filosófico do Sr. Menger.
Porém,
assim se dá, quando se tenta reduzir um movimento histórico-mundial a uma
palavra-chave jurídica que pode ser guardada no bolso do paletó.[8]
(...) Em seu
prefácio, o Sr. Menger declara que vislumbra, na “elaboração jurídica do
socialismo”, a “tarefa mais importante da Filosofia do
Direito de nosso tempo” :
“A resolução correta dessa tarefa
contribuirá, essencialmente, para que se efetue as mudanças indispensáveis de nossa ordem jurídica, por meio de uma reforma pacífica. Apenas quando as
idéias socialistas forem transformadas em sóbrios
conceitos jurídicos, habilitar-se-ão os práticos homens de Estado a
reconhecer em que vasta medida há de ser transformada a ordem jurídica vigente, no interesse das massas populares
sofredoras.”
O Sr.
Menger quer-se meter a empreender essa transformação por meio da exposição
do socialismo
enquanto sistema jurídico.
E a que conduz essa elaboração
jurídica do socialismo ?
Em sua anotação
final, o Sr. Menger destaca :
“Não há absolutamente nenhuma dúvida quanto
ao fato de que a construção de um sistema
jurídico, dominado inteiramente por essas idéias fundamentais de Direito (Direitos Fundamentais Nrs. 1 e 2),
pertence a um futuro longínguo.” (p. 163)
O que surge no
prefácio como a tarefa mais importante “de nosso tempo”, é remetido, na
conclusão, a um “futuro longínguo”.
“As necessárias modificações” (F.Engels :
da ordem
jurídica vigente) “ocorrerão por
meio de um longo desenvolvimento histórico, de modo semelhante a como a ordem
social de hoje tanto desagregou e destruiu o sistema feudal, no curso dos
séculos, até que, finalmente, só foi necessário um empurrão para o eliminar
inteiramente.” (p. 164)
Dito de modo muito
belo, porém onde é que fica aí a Filosofia do Direito, se o
“desenvolvimento histórico” da sociedade causa as necessárias modificações?
No prefácio, são os
juristas que prescrevem ao desenvolvimento social o seu caminho. Agora, quando
o jurista está sendo tomado por suas palavras, perde a coragem e balbuceia algo
sobre o desenvolvimento histórico que realiza tudo, por si mesmo.
“Ora, aspira o nosso desenvolvimento social
à realização do direito ao fruto integral do trabalho ou à realização do
direito ao trabalho?”
O Sr.
Menger declara desconhecer isso.
Desse modo
desdenhoso, abre mão, agora, de seus “Direitos Fundamentais” Socialistas.
Porém, se esses
Direitos Fundamentais não são capazes de atrair um cachorro para fora de uma
estufa em brasas, se não determinam e
realizam o desenvolvimento social, mas sim por ele determinados e realizados,
para que, então, esse esforço de reduzir todo o socialismo aos Direitos
Fundamentais ?
Para que, então, o
empenho de despir o socialismo de seus “enfeites” econômicos e históricos, se,
a seguir, temos de ficar sabendo que os “enfeites” constituem seu conteúdo real
?
Por que nos informa,
apenas na conclusão, que toda sua investigação não possui nenhuma finalidade,
visto que o objetivo do movimento socialista não pode ser reconhecido através da
transformação das idéias socialistas em sóbrios conceitos de Direito, mas sim
apenas através do estudo do desenvolvimento social e de suas causas propulsoras
?
A sabedoria do Sr.
Menger conduz, finalmente, a que declare qual direção seria adotada
pelo desenvolvimento social. Não o
podendo afirmar, uma coisa seria, porém, certa, aos seus olhos : “não se deve artificialmente aumentar os
achaques de nossa atual ordem social” (p. 166).
E, visando a
possibilitar da preservação adicional desses “achaques”, o Sr. Menger recomenda, então, o livre
comércio e a prevenção dos endividamentos suplementares
por parte do Estado e dos municípios !
Esses conselhos são
o resultado inteiramente palpável de sua Filosofia do Direito, que intervém
com tanto barulho e auto-glorificação !
É uma pena que o Sr.
Menger não nos revele o segredo de como os Estados modernos e os
municípios devam arranjar-se sem “contrair
dívidas estatais e municipais”.
Se possuir à mão
esse segredo, não o deveria guardar apenas para si mesmo : sua revelação
abrir-lhe-ia ainda mais rapidamente o caminho “para cima”, rumo a cadeira de
ministro do Estado, do que as suas produções “jurídico-filosóficas” o poderiam
fazer.
Sejá lá quais forem
os acolhimentos que essas suas produções podem encontrar na “doutrina
dominante”, acreditamos, de todo modo, poder assegurar que os socialistas
do presente e do futuro presentearão ao Sr. Menger o conjunto desses seus Direitos Fundamentais
ou renunciarão a toda e qualquer tentativa de debater sobre esse seu “fruto
integral do trabalho”.
Não queremos
dizer com isso que os socialistas renunciam a levantar determinadas
reivindicações jurídicas.
Sem estas, um ativo
partido socialista é impossível, tal qual todo e qualquer Partido
político.
As exigências
emergentes dos interesses comuns de uma classe podem apenas ser realizadas, na
medida em que essa classe conquiste o poder político, proporcionando às suas
reivindicações validade geral, na forma de leis.
Portanto,
toda classe lutadora tem de formular, em um programa, suas exigências na forma
de reivindicações jurídicas.
Porém, essas
exigências de toda e qualquer classe mudam, no curso das reconformações sociais
e políticas.
São diferentes, em
todos os países, segundo suas características e grau de seu desenvolvimento
social.
Por isso, também as reivindicações
jurídicas dos Partidos, considerados separadamente, não são, pois, a
todo momento e em cada nação, inteiramente iguais, apesar de toda concordância
em relação ao objetivo final.
Constituem um
elemento cambiante e são revisados, de tempos em tempos, tal como se pode
observar entre os partidos socialistas dos diferentes países.
Em tais revisões, as
relações factuais é que devem ser consideradas.
Pelo contrário,
ainda não ocorreu a nenhum partido socialista existente fazer de seu programa
uma Filosofia
do Direito e tal coisa não lhe ocorrerá, no futuro.
Pelo menos, aquilo
que o Sr. Menger realizou nesse campo pode apenas produzir efeitos
dissuasivos.
Eis aí o único
aspecto útil de seu livrinho.[9]
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E
INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS
OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH & KAUTSKY,
KARL. Juristen-Sozialismus (O Socialismo dos
Juristas) (Novembro – Dezembro de 1887), in : ibidem, Vol. 21, Berlim : Dietz,
1962, pp. 491 e s. Destaco que o presente texto de Engels – que contou com a redação final de Kautsky
– foi publicado, pela primeira vez, na revista “Die Neue Zeit (O Novo Tempo)”, semanário da Social-Democracia Alemã,
Caderno Nr. 2 de 1887.
[2] Anotação de Emil
Asturig von München: Acerca das concepções jurídicas de Anton
Menger, permito-me remeter ao leitor à leitura de MENGER VON WOLFENSGRÜN, ANTON. Das Recht auf den vollen
Arbeitsertrag in geschichtlicher Darstellung (O Direito ao Fruto Integral do
Trabalho em Exposição Histórica), Stuttgart-Berlim : J. G. Cotta, 1886, pp. X e
s.; IDEM. Das bürgerlische Recht und
die besitzlosen Volksklassen (O Direito Civil e as Classes Populares
Desapossadas), Tübingen : H. Laupp, 1890, pp. XII e s.; IDEM. Über die socialen Aufgaben der Rechtswissenschaft (Acerca das
Funções Sociais da Ciência do Direito), Wien-Leipzig : W. Braumüller, 1895, pp.
3 e s.; IDEM. Neue Sittenlehre (Nova
Doutrina dos Costumes), Jena : G. Fischer, 1905, pp. VIII e s.
[3] Cf. ENGELS, FRIEDRICH &
KAUTSKY, KARL. Juristen-Sozialismus (O Socialismo
dos Juristas) (Novembro – Dezembro de 1887), in : ibidem, Vol. 21, Berlim :
Dietz, 1962, p. 495.
[4] Cf. IDEM. ibidem,
Vol. 21, p. 496.
[5] Cf. IDEM. ibidem,
Vol. 21, p. 498.
[6] Anotação de Emil Asturig von München: Relativamente aos pensadores aqui referidos por Engels, vide, sobretudo,
GODWIN, WILLIAM. Enquiry Concerning Political Justice and its
Influence on Morals and Happiness (Investigação sobre a Justiça Política e sua Influência sobre a Moral e a Felicidade), Philadelphia: Bioren
and Madan, 1796, pp. 3 e s.; HALL,
ROBERT. The Advantages of Knowledge to the Lower Classes (As Vantagens do Conhecimento para as
Classes Inferiores), Londres:
W. Button, 1810, pp. 1 e s.; THOMPSON,
WILLIAM. An Inquiry into the
Principles of the Distribution of Wealth Most Conducive to Human Happiness,
Applied to the Newly Proposed System of Voluntary Equality of Wealth (Uma Investigação sobre os Princípios da Distribuição da Riqueza que Mais Conduzem
à Felicidade Humana, Aplicados
ao Sistema Recentemente Proposto de Eqüidade Voluntária da Riqueza), Londres :
Longman, Hurst Rees, Orme, Brown & Green, 1824,
pp. 7 e s.; IDEM. Labor Rewarded. The Claims of Labor and Capital Conciliated : or
How to Secure to Labor the Whole Products of its
Exertions (Trabalho Recompensado.
As Exigências do Trabalho e
do Capital Conciliadas : ou Como Assegurar
ao Trabalho os Inteiros Produtos
de seus Esforços), Londres : Hunt and Clarke, 1827, pp. 3 e s.
[7] Cf. IDEM. ibidem,
Vol. 21, p. 501.
[8] Cf. IDEM. ibidem,
Vol. 21, p. 502.
[9] Cf. ENGELS,
FRIEDRICH. Die Auswärtige Politik des russischen Zarentums (A Política Externa do Czarismo Russo)(Dezmebro de 1889
– Fevereiro de 1890), in : ibidem, Vol. 22, Berlim : Dietz, 1963, p. 280. Ressalto que o presente texto de Engels foi
publicado, pela primeira vez, no “Die Neue Zeit (O Novo
Tempo)”, semanário da Social-Democracia Alemã, Nr. 5, 8° Ano, Maio de 1890.