POSIÇÕES REVOLUCIONÁRIAS DE ROSA LUXEMBURG:
PARTIDO SPARTAKISTA, SOCIALISMO
DEMOCRÁTICO, GOVERNO DOS CONSELHOS DOS TRABALHADORES E SOCLDADOS
ROSA LUXEMBURGO, A REVOLUÇÃO
RUSSA DE 1917 E A REVOLUÇÃO ALEMÃ DE 1919
Assembléia Nacional
ou Governo dos Conselhos
dos Trabalhadores e
Soldados?
ROSA LUXEMBURG[1]
Concepção e Organização Portau Schmidt von
Köln
Compilação e Tradução Asturig Emil von
München
Março de 2000 emilvonmuenchen@web.de
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Assim soa o segundo ponto da ordem do dia da Assembléia
dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados do Império e, assim, está
colocada, na realidade, a questão cardeal da revolução, no presente momento[2].
Eis aí o seguinte dilema : ou Assembléia Nacional ou
todo o poder aos Conselhos de Trabalhadores e Soldados ; ou renúncia ao
socialismo ou a mais aguçada luta de classes, com todo o aparelhamento do
proletariado contra a burguesia.
Trata-se de um plano idílico este : o de concretizar o
socialismo por via parlamentar, através de resolução, tomada por maioria
simples !
É pena que essa fantasia azul da cor do céu, saída do
ninhozinho do cuco lá nas nuvens, não leve sequer em consideração a experiência
histórica da Revolução Burguesa, quanto menos a singularidade da Revolução
Proletária.
Como foram as coisas na Inglaterra ?
Ali, foi o berço do parlamentarismo burguês. Ali, logo no
início, o parlamentarismo desenvolveu-se, da maneira mais forte.
Em 1649, quando, na Inglaterra, soou a hora da Revolução
Burguesa Moderna, o Parlamento Inglês olhou
retrospectivamente para uma história que já possuía mais de trezentos
anos.
O Parlamento tornou-se, então, a
partir do primeiro momento da Revolução, o ponto de gravidade, o
reduto, o quartel general dessa última.
O célebre Longo Parlamento que disputou, no
seu próprio seio, todas as fases da Revolução Inglesa - desde a primeira
escaramuça, havida entre oposição e Poder da Coroa, até ao processo e à
execução de Carlos Stuart -, foi
uma ferramenta insuperável e submissa, nas mãos da burguesia ascendente.
E o qual foi o resultado disso ?
Esse mesmo Parlamento teve de criar para si um “Exército
Parlamentar” especial. Os generais do Parlamento, eleitos por
esse último, a partir de seu bojo, conduziram aquele exército aos campos de
batalha, a fim de, no quadro de uma Guerra Civil encarniçada e
sangüinolenta, golpear, mortalmente, o feudalismo, bem como o exército de “Cavaleiros”,
fiéis ao Rei.
O centro de gravidade espiritual encontrava-se não tanto
nos debates da Abadia de Westminister, mas sim nos campos de guerra de Marston-Moor
e Naseby. Não foi por meio dos reluzentes discursos
parlamentares, mas sim através da cavalaria camponesa, através dos Iron
Sides (SvK : cavalaria blindada) de Cromwell que resultou
decidido o destino da Revolução Inglesa.
E o seu percurso levava do Parlamento através da Guerra
Civil à segunda “Depuração” violenta do próprio Parlamento
e, finalmente, à Ditadura de Cromwell.
E na França ?
Ali, nasceu, pela primeira vez, a idéia de uma Assembléia
Nacional.
Foi uma genial inspiração histórico-mundial do instinto
de classe, quando Mirabeau e os outros declararam, em 1789 : os três “estados” que
até aquele momento haviam sempre estado separados - a nobreza, o clero e o “terceiro
estado” -, haveriam, doravante, de se reunir, conjuntamente, na
qualidade de Assembléia Nacional.
Foi precisamente
através da instituição das sessões conjuntas que essa assembléia se tornou um
instrumento da luta de classes da burguesia.
Contando com as fortes minorias de ambos os estados
superiores, o “terceiro estado”, i.e. a burguesia revolucionária, possuía,
de antemão, um compacta maioria na Assembléia Nacional.
E o qual foi o resultado, dessa vez ?
Os resultados foram a Vendéia, a emigração, a
traição dos generais, as maquinações do clero, a insurreição de cinqüenta
departamentos, enfim, as guerras de alianças na Europa Feudal, enquanto
único meio de assegurar a vitória da revolução, a Ditadura e – como seu
desfecho – a Dominação pelo Terror!
Assim, a maioria parlamentar pouco prestou para pelejar
até o fim, nas Revoluções burguesas.
E, entretanto, qual não foi a oposição que existiu entre
burguesia e feudalismo, mensurada segundo o abismo de vácuo que hoje se abriu
entre trabalho e capital !
Qual não foi a consciência de classe que existiu,
outrora, em ambos os lados de lutadores que reciprocamente atacaram suas
fortalezas, em 1649 ou em 1789, comparada com o ódio mortal e insaciável que
flameja, hoje, entre o proletariado e a classe dos capitalistas !
Não foi em vão que Karl Marx segurou sua lanterna
clarividente diante das molas propulsoras mais recônditas da engrenagem
econômica e política da sociedade burguesa.
Não foi por menos que iluminou o próprio fazer e o modo
de expressão da sociedade burguesa, penetrando até mesmo nas mais refinadas
mutações de seu sentir e pensar, enquanto emanações do grande fato fundamental,
consistente em que ela, tal qual um vampiro, mantém sua vida sugando o sangue
proletariado.
Não foi debalde que August Bebel, no encerramento de seu
brilhante discurso, pronunciado no Congresso de Dresden, proclamou :
“Sou e permaneço sendo o inimigo mortal da sociedade
burguesa !”[3]
Eis aí a última grande luta em que está em jogo o ser ou
não ser da exploração, um giro da história da humanidade, uma luta na qual não
pode existir nenhuma tergiversação, nenhum compromisso, nenhum perdão.
E essa última luta que supera, na imensidão de sua
tarefa, tudo aquilo que já existiu, deve realizar isto que nenhuma luta de
classes, nenhuma revolução, jamais realizou antes : dissolver a luta mortal,
travada entre dois mundos, em um doce murmúrio de batalhas
retórico-parlamentares e resoluções adotadas por maioria !
Também o parlamentarismo foi uma arena da luta de classes
para o proletariado, enquanto durou o sereno quotidiano da sociedade burguesa :
foi tribuna, a partir da qual as massas puderam reunir-se, em torno da bandeira
do socialismo, educando-se para a luta.
Hoje, encontramo-nos em meio da Revolução Proletária,
sendo, agora, imprescindível meter o machado na própria árvore da exploração
capitalista.
O parlamentarismo burguês – tal qual a dominação burguesa
de classe, cujo mais nobre objetivo político é por ele mesmo constituído –
decaiu de seu Direito existencial.
Presentemente, a luta de classes ingressa em sua forma
desataviada e flagrante.
Capital e trabalho nada mais têm a dizer. Devem apenas
agarrar um ao outro, em um abraço de ferro, e decidir, em uma luta final, quem
haverá de ser lançado ao chão.
O aforismo de Lassalle vale hoje ainda mais do que
antes : a ação revolucionária consiste sempre em enunciar aquilo que é.
E aquilo que é, significa : aqui, o trabalho – ali, o
capital !
Basta de hipocrisia sobre a negociação amigável, onde se
trata de vida ou morte. Basta de triunfos de comunidade de interesses, onde
apenas vale a regra de um para cá e o outro para lá.
O proletariado, enquanto classe constituída, deve
reunir todo o poder político nas suas mãos, claramente, abertamente,
sinceramente e, com clareza e sinceridade, poderosamente.
“Igualdade de Direitos Políticos, Democracia !” : sobre
isso, grandes e pequenos profetas da dominação burguesa de classe entoam-nos
cantilenas, há diversas e diversas décadas.
E, hoje, sobre “Igualdade de Direitos Políticos, Democracia
!”, os esbirros da burguesia, os Scheidemanns, repetem-lhes os sons
das melopeias, tais qual um eco.
Claro que sim : ela deve ser logo concretizada.
Pois, a consigna “Igualdade de Direitos Políticos” apenas
se tornará carne viva no momento em que a exploração econômica for erradicada,
da raiz à cumeeira.
A “Democracia”, i.e. o Poder
do Povo, começará a existir apenas quando o povo trabalhador tomar o
poder político.
É imprescindível efetuar, através de ações históricas, a
crítica prática das palavras usurpadas pelas classes burguesas, ao longo de um
século e meio.
É mister tornar verdadeira a consigna de “Liberté,
Egalité, Fraternité (SvK.:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade)” que foi, em 1789, pela primeira vez,
proclamada pela burguesia. Para isso, cumpre-nos suprimir a dominação de
classes exercida pela burguesia.
E, enquanto primeiro ato, destinado ao cumprimento dessa
ação redentora, importa registrar nos protocolos, diante de todo o mundo e dos
séculos da história mundial o seguinte : o que até o presente momento valeu
como Igualdade
de Direitos e Democracia - i.e. Parlamento, Assembléia Nacional, Cédula Eleitoral
Igual – foi nada mais do que mentiras e decepções !
Todo o poder nas mãos das massas trabalhadoras, enquanto
arma revolucionária, voltada ao destroçamento do capitalismo : apenas isso
constitui a verdadeira Igualdade de Direitos, apenas isso,
a verdadeira Democracia !
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE - DIVERSIDADE J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO CIENTÍFICO-SOCIALISTA
DAS MASSAS OPRIMIDAS E SEUS ALIADOS POLÍTICOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. LUXEMBURG, ROSA. Nationalversammlung
oder Räteregierung? (Assembléia Nacional ou Governo dos Conselhos de
Trabalhadores e Soldados?)(17.12.1918), in:
Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), Nr. 32, 17 de Dezembro de 1918. O
presente texto encontra-se também compilado e republicado em LUXEMBURG, ROSA. Gesammelte Werke
(Obras Recolhidas), Vol. 4. Berlim : Dietz, 1972, pp. 462 e s.
[2] Importa assinalar, de passagem, que o
assim formamelmente denominado Congresso Geral dos Conselhos de
Trabalhadores e Soldados da Alemanha reuniu-se entre os dias 16 e 21 de
dezembro de 1918, na cidade de Berlim. Os representantes da Social-Democracia
Alemã (SPD), dirigida por Philipp Scheidemann e Friedrich Ebert,
formavam a maioria desse congresso. Por isso, foram adotadas, em 19 de janeiro,
pelo congresso em tela resoluções em favor da convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte, legitimadora de um Estado Burguês – com a
expressa rejeição de um Governo dos Conselhos de Trabalhadores e
Soldados, concebido esse último, então, como Fundamento Constitucional de um
Estado Proletário, tal como
protagonizado seja pela ala majoritária de esquerda da Social-Democracia Alemã
Independente, dirigida, à época, por Ernst Däumig, seja
pela Liga
Spartakus, encabeçada por Liebknecht, Luxemburg, Mehring e Jogiches. O
congresso em refererência posicionou-se, além disso, em prol da eleição de um Conselho
Central dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados, dotado unicamente do
Direito de debater os projetos de lei, formulados pelo então existente Governo
Alemão de Frente Popular. Para uma apreciação histórica suplementar do
tema em causa, permito-me remeter o leitor interessado à leitura do artigo SCHMIDT VON KÖLN, PORTAU. Alemanha
1918-1919. Assembléia Nacional Constituinte Sela a Derrota da Revolução Alemã,
in: Marxismo Vivo, Nr. 5, Abril de 2002,
http://www.marxismalive.org/schmidt5port.html
[3] Destaco que, ipsis verbis, Bebel expressou-se, naquela ocasião, da forma seguinte : “Ich will der Todesfeind dieser bürgerlichen Gesellschaft und dieser Staatsordnung bleiben, um sie in ihren Existenzbedingungen zu untergraben, und sie, wenn ich kann, beseitigen.“ No vernáculo : “Quero ser o inimigo mortal dessa sociedade burguesa e dessa ordem estatal, para solapá-la em suas condições existenciais e para, se me for possível, aniquilá-la.” Cf. PROTOKOLL ÜBER DIE VERHANDLUNGEN DES PARTEITAGES DER SOZIALDEMOKRATISCHEN PARTEI DEUTSCHLANDS. Abgehalten zu Dresden vom 13. bis 20. September 1903 (Protocolo das Tratativas do Congresso do Partido Social-Democrático da Alemanha. Realizado em Dresden, entre 13 e 20 de setembro de 1903), Berlim : Dietz, 1903, p. 313.