A QUESTÃO DA NACIONALIZAÇÃO DO SOLO E DA TERRA

NO QUADRO DO MARXISMO REVOLUCIONÁRIO

 

Acerca da Nacionalização do Solo e da Terra

 

KARL MARX[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução

Asturig Emil von München e Castelnau Rochel von Gennevilliers

Setembro de 2005

emilvonmuenchen@web.de

 

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A propriedade do solo e da terra, essa fonte originária de toda a riqueza, tornou-se o grande problema de cuja solução depende o futuro da classe trabalhadora. 

Sem pretender discutir aqui todos os argumentos que são esgrimidos pelos defensores da propriedade privada do solo e da terra – i.e. por juristas, filósofos e economistas políticos – cumprirá apenas constatar, de início, que estes dissimulam o fato original da conquista, sob o manto do “Direito Natural”.   

Se a conquista gerou um Direito Natural de poucos, os muitos precisam apenas reunir forças suficientes, para adquirir o Direito Natural à Reconquista daquilo que lhes foi tomado. 

No curso da história, os conquistadores procuram conferir, por meio de leis, por eles mesmos promulgadas, um certo reconhecimento social ao seu Direito de Posse que emerge originariamente da violência. 

Por fim, aparece o filósofo e declara que essas leis contam com o consentimento geral da sociedade.

Se a propriedade privada do solo e da terra encontrasse realmente seu fundamento em semelhante consentimento geral, seria evidentemente abolida no momento em que não fosse mais reconhecida pela maioria de uma dada sociedade.

Deixando, entretanto, os assim denominados “Direitos” de propriedade de lado, verificamos que o desenvolvimento econômico da sociedade, o crescimento e a concentração da população, a necessidade do trabalho coletivo e organizado, assim como o maquinário e outras invenções, destinadas à agricultura - circunstâncias que forçam os agricultores capitalistas a recorrerem ao trabalho coletivo e organizado, buscando refúgio na maquinaria e em outras descobertas -, fazem da nacionalização do solo e da terra cada vez mais uma “necessidade social”,  ao passo que tornam impossível a emergência de qualquer gênero de palavreado vazio sobre os Direitos de propriedade.     

Mudanças ditadas por uma exigência social abrem, cedo ou tarde, o seu caminho.

Caso tenham-se tornado uma urgente necessidade da sociedade, têm de ser satisfeitas, sendo que a legislação será sempre forçada a elas se adaptar.

Do que precisamos é um crescimento diário da produção, cujas demandas não possam ser satisfeitas, na hipótese de ser permitido a uns poucos indivíduos regulá-las, a seu bel prazer e segundo os seus interesses privados, ou exaurir as forças do solo, por sua ignorância.

Todos os métodos modernos – tais quais a irrigação, a drenagem, a aplicação do arado a vapor, o tratamento químico etc. – deveriam ser, finalmente e de modo geral, introduzidos na agricultura.

Porém, os conhecimentos científicos que possuímos e os meios técnicos de cultivo da terra que dominamos, tais qual a maquinaria etc., não poderemos jamais os empregar exitosamente, se não cultivarmos uma parte do solo, em grande extensão.

Se o cultivo do solo em grande escala – até mesmo em sua forma capitalista atual que, reduz os produtores à condição de meros animais trabalhadores, vilificando-os desse modo – conduz a resultados que, vistos do ponto de vista econômico, são superiores àqueles do cultivo de superfícies pequenas e fragmentárias, não haveria esse cultivo, impulsionado em escala nacional, de conferir, sem qualquer margem de dúvida,  um enome impulso à produção ? 

As necessidades permanentemente crescentes da população, de um lado, e, d’outro, a perene elevação dos preços dos produtos agrícolas, fornecem a prova indiscutível de que a nacionalização do solo e da terra tornou-se uma “necessidade social”.

O retrocesso da produção agrícola, que possui a sua causa no mau uso individual, tornar-se-á impossível, tão logo o cultivo do solo for executado sob o controle, às expensas e em proveito da nação.        

Faz referência, freqüentemente, à França, porém, com suas relações camponesas de propriedade, esse país acha-se mais distante da nacionalização do solo e da terra do que a Inglaterra, com sua economia de latifundiários.

Na França, o solo e a terra são, em verdade, acessíveis a todos que podem comprá-los, porém, precisamente essa possibilidade levou à repartição do solo e da terra em pequenas parcelas, exploradas por pessoas que dispõem apenas de meios escassos e são preponderantemente dependentes do seu próprio trabalho corporal e do de sua família.

Essa forma de propriedade da terra, com seu cultivo de superfícies fragmentadas, exclui não apenas toda e qualquer aplicação de melhorias agronômicas modernas, senão ainda torna, concomitantemente, o próprio homem do campo um inimigo decidido de todo progresso social e, sobretudo, da nacionalização do solo e da terra. 

Agrilhoado ao solo, no qual deve empregar todas as suas forças vitais, a fim de obter um redimento proporcionalmente pequeno, forçado a ceder a maior parte de seus produtos ao Estado, na forma de impostos, à quadrilha dos juristas, na forma de custos judiciários, e aos usurários, na forma de juros, prostrado, devido ao inteiro desconhecimento  do movimento externo ao seu estreito campo de atividade, agarra-se o homem do campo, apesar de tudo isso, com amor cego, a seu pedacinho de chão e a seu Direito de Posse puramente nominal.

Por isso, o camponês francês foi metido coercitivamente em uma oposição altamente nefasta em face da classe trabalhadora industrial.

Precisamente porque as relações camponesas de propriedade constituem o maior obstáculo para a “nacionalização do solo e da terra”, não é certamente a França, em sua atual situação, o lugar em que devemos buscar a solução para esse grande problema.

A nacionalização do solo e seu arrendamento em pequenas parcelas, concedidas a pessoas individuais ou a cooperativas de trabalhadores, desencadearia entre estas, sob os auspícios de um Governo burguês, tão somente uma desenfreada concorrência, acarretando uma certa elevação da “renda”, e proporcionando, através disso, aos apropriadores novas possibilidades de viver à custa dos produtores.

No Congresso Internacional de Bruxelas de 1868, um de meus amigos, César de Paepe, assinalou o seguinte : 

 

“O veredito da ciência condenou a pequena propriedade privada à ruína, ao mesmo tempo em que a justiça a ela condenou a grande.

Resta, portanto, apenas uma alternativa : o solo deve tornar-se ou propriedade de associações agrícolas ou propriedade de toda a nação.

O futuro haverá de decidir essa questão.”

 

Quanto a mim, digo, pelo contrário, o seguinte : 

O futuro do movimento social haverá de decidir que o solo pode ser apenas propriedade nacional.              

Transmitir a terra a trabalhadores rurais associados significaria entregar a sociedade inteira a uma classe especial de produtores.

A nacionalização do solo e da terra acarretará uma completa mudança nas relações, havidas entre trabalho e capital e, finalmente, eliminará a produção capitalista em seu conjunto, quer na indústria, quer na agricultura.

Apenas então, desaparecerão as diferenças de classes e os privilégios, juntamente com a base econômica, a partir da qual emergem, transformando-se a sociedade em uma associação de produtores “livres”.

Viver do trabalho de outras pessoas, tornar-se-á uma questão do passado !

Então, não haverá nem um Governo e nem um Estado que existam eles próprios em oposição à sociedade !

Agricultura, mineração, indústria, em uma palavra : todos os segmentos da produção serão gradativamente organizados, do modo mais frutífero.

A centralização nacional dos meios de produção tornar-se-á a base natural de uma sociedade que se compõe de associações de produtores livres e dotados de igual posição, agindo conscientemente segundo um plano comum e racional.

Abarcando os interesses de toda a humanidade, esse é o objetivo a que aspira o grande movimento econômico do século XIX. 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cf. MARX, KARL HEINRICH. Über die Nationalisierung des Grund und Bodens (Acerca da Nacionalização do Solo e da Terra)(Março -Abril de 1868), in: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim : Dietz, 1961, Vol. 18, pp. 59 e s.