PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA
JUSTIÇA DE CLASSE
CELEBÉRRIMOS E VARIADÍSSIMOS ADVERSÁRIOS
IDEOLÓGICOS DO MARXISMO REVOLUCIONÁRIO
NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DO
SOCIALISMO
O Problema e o Método do Materialismo
Histórico
de Karl Marx e Friedrich Engels
HANS KELSEN[1]
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução
Emil Asturig von München, Julho de 2006
Para Palestras e Cursos sobre o Tema em
Destaque
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No momento em que o poder político caiu nas mãos
do socialismo, em decorrência do colapso militar, ocorrido na Rússia,
na Alemanha, na Áustria e na Hungria,
levantou-se das profundezas desse sistema político, tão
ponderado e tão fundamentalmente prepararado, em sentido
científico, um grandioso problema que clama, de modo cada vez mais urgente, por
uma solução clara e inequívoca.
Não se trata de uma questão teórico-temporal ou polêmica, cuja resposta
satisfatória ainda permanece faltando para a expansão do edifício
doutrinário socialista, senão vem à baila uma questão de princípio,
cujo significado prático não pode ser absolutamente sobrestimado, pelo
fato de ter cindido tragicamente o Partido Socialista, logo após
o seu primeiro passo rumo ao poder.
Com efeito, está colocada a questão concernente à relação existente
entre socialismo e Estado.
O que está sujeito à dúvida é, assim, não apenas a
negação ou a afirmação fundamental do próprio Estado, senão ainda a
questão de saber se o Estado seria uma forma de organização definitiva ou
um simples fenômeno passageiro, bem como, sobretudo, a indagação relativa a qual
seria a forma de Estado e de governo adequada à ordem social socialista.
O fato de que esse problema, cuja solução parece constituir
o pressuposto mais importante para o trabalho positivo, a ser
realizado no dia posterior à conquista programática do poder
político, seja apenas colocado em discussão precisamente em um momento
mais crítico, possui sua razão última na particularidade do pensamento
socialista, orientado pela concepção materialista da história.
Se o programa político que o Partido Social-Democrático desenvolvera, visando
a travar a sua luta pelo poder político, no Estado contemporâneo, era tão
claro e determinado, permaneceu sendo tão obscuro e indeterminado tudo
aquilo que se relacionava com o "Zukunftsstaat (EvM. Estado do
Futuro)", i.e. com o tempo, existente após a conquista
do poder político pelo proletariado.
Toda tentativa de uma apresentação mais detalhada daquela situação
social, a favor da qual o Partido lutava com sucesso permanentemente crescente,
acabou sendo rejeitada, por ser incompatível com os princípios do Socialismo
"Científico" e, por consegüinte, por ser "utópica" .
É conhecida a declaração de Wilhelm Liebknecht,
contida no assim denominado "Zukunftsstaatdebatte (EvM. Debate
sobre o Estado do Futuro)" do Parlamento do Império Alemão,
de 1893 :
"O Estado do futuro é,
em alguns aspectos, um ideal, porém a ciência jamais teve nada a ver
com ele.
Nosso Partido, o Partido
Social-Democrático nunca acolheu em seu programa a utopia de um Estado do
futuro.
Pensamentos formulados a esse
respeito são elaborações fantasiosas e nada mais.
E a doutrina do Partido
Social-Democrático acredita-se forçada a assumir essa posição pela teoria
sustentada por Marx e Engels : a ordem social do socialismo não pode ser criada
com base em uma plano preconcebido, senão há de se desenvolver em conformidade
com as forças produtivas atuantes, a partir da sociedade capitalista.
Não é um ideal, a ser aspirado
a partir de motivos morais, mas sim o resultado naturalmente necessário de um
processo social que transcorre regularmente."[2]
Que singular mistura de um ponto de vista teórico-explicativo com um
prático-político.
Para uma sociologia que elucida os fenômenos sociais, pode ser
inteiramente correto e, até mesmo, evidente procurar demonstrar
um curso regular dos fenômenos, por ser, absolutamente, incapaz de
reconher uma certa situação, senão determinada de um
modo naturalmente necessário, na medida em que seu conhecimento efetua-se,
exclusiva e tão somente, nas formas da causalidade.
Assim procede ela, ainda que dúvidas principistas já se
oponham à ousadia de formulação de um previsão sobre aquilo que,
no futuro, tornar-se-á, partindo de uma declaração relativa àquilo que, no
passado, já se tornou, de modo naturalmente necessário, sobretudo em um
domínio, no qual os elementos determinantes não podem ser
facilmente ignorados, como é o caso do domínio da astronomia.
Porém, eis aí um sincretismo metodológico realmente trágico,
a mais radical obliteração dos limites, existentes entre realidade e
valor, se o político, quanto ao programa de seu querer e agir,
acalma-se com uma resposta sobre o objetivo de sua aspiração que
é apenas conferida à Ciência da Exegese, ao abordar a questão do ser e do
tornar-se.
Jamais a pergunta sobre o objetivo correto do agir pode ser respondida
mediante o conhecimento do que acontece e, talvez, presumivel e provavelmente,
acontecerá.
Trata-se de um acaso - e, em verdade, um acaso que haveria
de conduzir a um certo ceticismo em face da pesquisa
"científico-natural" - se o objetivo, postulado desde um ponto de
vista da valoração moral ou política, coincidisse, inteiramente, em sentido
conteudístico, com o resultado de um desenvolvimento futuro,
naturalmente necessário, considerado como tendo sido determinado de
modo causal, desde um ponto de vista do conhecimento da realidade.
Pode-se, de modo freqüente, observar-se que precisamente os valores
mais elevados dos seres humanos, existentes em sua ideologia, vestem
a roupagem da realidade, sendo que a aparência da contradição para
com o presente visível e tangível pode ser apenas
evitada deslocando-se a realidade afirmada para o passado ou para o
futuro.
No fundo, trata-se, aqui, apenas de uma questão do
temperamento, de uma visão pessimista ou otimista da vida.
Trata-se de saber se falamos de um ideal, de uma época de ouro, com as
palavras : "era uma vez", ou, então : "será uma vez".
Do mesmo modo como permanece aí algo de valioso e digno de ser
aspirado, ainda que sua realização haja de demonstrar-se impossível, resulta
indiferente para o valor e para a correção de um objetivo, se
sua concretização surge de modo inevitável.
A própria contemplação das mais fortes tendências de desenvolvimento
rumo a uma ordem social socialista - e quem poderia negá-las, quem poderia
fechar-se, porém, ao conhecimento de que também as forças
antagonistas estão em jogo e poderão surgir, ainda no futuro, forças
sociais imprevisíveis - é incapaz de justificar o socialismo enquanto
programa político, enquanto objetivo do querer e agir.
E também aquele querer e agir que se orienta em sua ideologia,
em consonância com princípios puramente morais, surge, do ponto de vista da
contemplação sociológico-científico-natural, como estando determinado, de
modo causal.
A teoria do socialismo emergiu em um tempo, em que a Ciência
da Natureza situava-se na cumeeira de suas conquistas.
Os métodos desta foram inteiramente
considerados como os métodos da ciência em geral e, até mesmo,
de toda a verdade e exatidão.
Daí se esclarece o fato - hoje já raramente aparente - de que um
sistema político, em cujo centro de gravidade erige-se um valor que se
opõe à realidade, tendo surgido a partir de uma revolta moral
contra a injustiça ignominiosa da ordem social capitalista ; de que um
movimento espiritual, cuja corrente impetuosa, constatemente
crescente, é alimentada por fontes profundamente morais, e cujos
fundadores - Marx e Engels - eram penetrados por um raro
sentido patético moral, surja sob a vestimenta de uma terminologia
"científica", i.e. científico-natural e, por consegüinte,
axiologicamente neutra.
Daí se esclarece, outrossim, que, a despeito da relutância
temeroso em face de todos os julgamentos de valor acerca do
estado de coisas do futuro, a ser pretendido, o qual, se possível,
evita-se designar como desejável ou, até mesmo, ideal, encontra-se a literatura
socialista embebida por uma crítica sem reservas e aniquiladora
do estado de coisas atual, ensopada por julgamento de valor
negativo, o qual não seria até mesmo concebível, sem um padrão de
valor positivo, ainda que pressuposto apenas de modo tácito.
Por isso, não se trata de uma contradição.
Trata-se apenas de uma explosão ocasional de uma terminologia que se
tornou despida de todo o conteúdo se, apesar do célebre dito de Karl
Marx : "A classe trabalhadora não possui nenhum ideal a
ser cumprido", (4) o mais fiel intérprete do marxismo, Karl
Kautsky, conclui seu capítulo acerca do "Zukunftsstaat
(Estado do Futuro)", contido em seu livro, intitulado "Das
Erfurter Program (O Programa de Erfurt)", com as seguintes
palavras comovidas :
"Feliz daquele que
decidir mobilizar suas forças na luta pela concretização desse magnífico
ideal."[3][4]
É ocioso ter de investigar, se a concepção do
desenvolvimento naturalmente necessário rumo ao socialismo mais fez
bem, em virtude da sólida convicção nela assentada do antigo cumprimento
da ânsia proletária do movimento político, do que mal, em razão do perigo da
passividade, relacionado com essa concepção.
Certo é que a "cientificidade" do
socialismo, contida em seus programa de ação, deixa aberta uma lacuna muito
sensível.
Antes de que assumisse a contemplação teórica do desenvolvimento
social, esta tornou necessário o trabalho criativo, relacionado com a
fundamentação do "Zukunfsstaat (Estado do Futuro)".
Hoje, os fatos obrigam o socialismo a reconhecer o valor do
Estado ou a repudiá-lo, por ser inútil, e, no primeiro caso, a decidir
entre as diversas possibilidades axiológicas que o Estado oferece.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. KELSEN, HANS. Das
Problem und die Methode im historischen Materialismus (O Problema e o Método do
Materialismo Histórico), in : Sozialismus und Staat. Eine Untersuchung der
politischen Theorie des Marxismus (Socialismo e Estado. Uma
Investigação sobre a Teoria Política do Marxismo), Leipzig : Verlag von
C.L. Hirschfeld, 1920, pp. 1 e s.
[2] Coteje-se, p.ex., a observação com a qual Engels
caracteriza a diferença, existente entre o socialismo
científico alemão e a doutrina de Proudhon. Segundo
Engels : "Proudhon, pelo contrário, levanta a
reinvindicação de a sociedade atual transformar-se não em consonância com
as leis de seu próprio desenvolvimento, mas sim de acordo com os
preceitos da Justiça ... Onde nós provamos, Proudhon faz
sermões e lamenta." Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Zur
Wohnugsfrage (Sobre a Questão da Habitação)(Junho de 1872 - Fevereiro de
1873), in : Sozialdemokratische Bibliothek, Vol. 13, p. 61. Aqui, Engels
condena, em verdade, o ponto de vista do dever ser de Proudhon.
Nada obstante, em seu escrito sobre "A Origem da Família, da Propriedade
e do Estado" (6.Aufl., 1894, p. 187), assinala Engels,
em conexão com a afirmação de que a civilização moderna atribui
a uma classe todos os direitos e à outra, todas as obrigações : "Porém,
isso não deve ser assim. O que é bom para a classe dominante, deve ser bom
para a inteira sociedade ... " O ideal de igualdade penetra,
pois, sempre repetidamente. Masaryk, em seu obra, intitulada "Die
philosophischen und soziologischen Grundlagen des Marxismus" (EvM.: Os
Fundamentos Filosóficos e Sociológicos do Marxismo), de
1899, alertou, de modo muito preciso, acerca da contradição,
existente entre o moralismo e o amoralismo do marxismo.
Anotações de Emil von
München ao texto de Hans Kelsen :
Assinalo ao leitor
interessado que, verbum pro verbo, a primeira passagem de Engels
aqui referida por Kelsen possui, porém, o seguinte teor :
"Uma descrição é uma coisa e uma exigência presunçosa é uma outra. E,
precisamente, nisso reside a diferença essencial, existente o Socialismo
Científico alemão e Proudhon. Nós descrevemos - e, apesar de Mülberger,
toda descrição real é, concomitantemente, um esclarecimento - as relações
econômicas, tais quais são e se desenvolvem, bem como fornecemos a
prova, estritamente econômica, de que seu desenvolvimento é, simultaneamente,
o desenvolvimento dos elementos da revolução social : o
desenvolvimento, de um lado, de uma classe, o proletariado, cujas
condições de vida conduzem-na, necessariamente, à revolução social e,
d'outro, o desenvolvimento de forças produtivas que, tendo crescido para
além dos limites da sociedade capitalista, há de necessariamente
explodí-los e que, ao mesmo tempo, oferece os meios para a eliminação das
diferenças de classes, de uma vez por todas, no interesse do próprio
progresso social. Proudhon, pelo contrário, levanta a consigna de a
sociedade atual transformar-se não em consonância com as leis de
seu próprio desenvolvimento econômico, mas sim de acordo com os
preceitos da Justiça (a "idéia do Direito" não
pertence a ele, mas a Mülberger). Onde nós provamos, Proudhon, e
com ele Mülberger, faz sermões e lamenta." Cf. ENGELS,
FRIEDRICH. Zur Wohnungsfrage (Sobre a Questão da Habitação), in : Marx und
Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. 18, Berlim : Dietz Verlag,
1973, pp. 272 e s.
Já a segunda passagem de Friedrich
Engels, referida por Hans Kelsen, dispõe, ad
verbum, do seguinte texto : "Uma vez que o fundamento
da civilização é a exploração de uma classe por outra, todo o seu
desenvolvimento movimenta-se em uma contradição permanente. Todo progresso da
produção é, ao mesmo tempo, um retrocesso na situação da classe oprimida,
i.e. da grande maioria. Todo e qualquer benefício, concedido
a uns, é necessariamente um mal para outros. Toda
nova libertação de uma classe é obrigatoriamente uma
nova opressão para a outra classe. A prova mais contundente
disso é fornecida pela introdução da maquinaria, cujos efeitos são, hoje,
mundialmente conhecidos. E se, entre os bárbaros, tal como vimos, a
diferença existente entre direitos e deveres podia ser obtida dificilmente, a civilização
torna clara a diferença e o antagonismo, existentes entre ambos, até mesmo
para a mais idiota dos seres, ao atribuir a uma classe praticamente
todos os direitos e a outra, pelo contrário, praticamente todos os
deveres. Porém, isso não deveria ser assim. O que é bom para a classe
dominante, há de ser bom para toda a sociedade, com a qual a classe dominante
se identifica. Portanto, quanto mais avança a civilização, tanto mais é forçada
a recobrir os males por ela necessariamente engendrados com o manto
do amor ao próximo, embelezá-los ou negá-los, em suma, é forçada a
introduzir uma hipocrisia convencional, desconhecida seja
em formas de sociedade antecedentes e, até mesmo, nos primeiros
estágios de civilização, a qual culmina, derradeiramente, na seguinte
declaração : a exploração da classe oprimida é impulsionada pela
classe exploradora, única e exclusivamente, no interesse da
própria classe explorada. E, se a classe explorada, não é capaz de
reconhecer isso, chegando, até mesmo, a rebelar-se, tal fato
nada é senão a mais vil das ingratidões, cometida contra seus benfeitores,
seus exploradores." Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Der Ursprung der
Familie, des Privateigentums und des Staats im Anschluß an Lewis H. Morgans
Forschungen (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em
Conexão com as Invertigações de Lewis H. Morgans)(Março - Maio de
1884), Cap. IX : Barbárie e Civilização, in : ibidem, Vol. 21, pp. 171 e
s.
Sobre a passagem, atribuída sem indicação de
fonte por Hans Kelsen a Wilhelm Liebknecht, vide LIEBKNECHT,
WILHELM. Zukunftsstaatsdebatte (Debate sobre o Estado do Futuro), in:
Der sozial-demokratische Zukunftsstaat (O Estado do Futuro Social-Democrático).
Verhandlungen des Deutschen Reichstages am 31. Januar, 3., 4., 6. und 7.
Februar 1897 (Debates do Parlamento Imperial Alemão de 31 de janeiro, 3,
4, 6 e 7 de fevereiro de 1897), Berlim, 1893, p. 123. Destaque-se que, no
quadro do debate referido, ao versar sobre a temática da Ditadura
Revolucionária do Proletariado enquanto Estado do futuro,
Wilhelm Liebknecht, um dos principais dirigentes ideológicos e
prático-políticos dos trabalhadores sociais-democratas
alemães, declarou-se, em verdade, ainda favorável à Ditadura do
Proletariado, concebendo-a, porém, restrita e exclusivamente no
quadro de uma função repressiva e destacou que : " ... a
fim de propiciar a realização da nova sociedade com suas novas
instituições, o proletariado .... tem de tornar seus
adversários inofensivos. Na Guerra Civil,
não possuímos, porém, situações de paz, ... temos, na verdade, como já
presentemente é o caso, algo como um guerra social. E, na Guerra Civil,
o governo tem de exercer a Ditadura, é forçado e obrigado a
praticar a Ditadura." Sendo assim, Wilhelm
Liebknecht recuara, claramente, já em 1893, de suas próprias
posições sobre a necessidade da Ditadura do Proletariado,
publicadas nos editoriais do jornal "Vorwärts (Adiante)", em
1891. Sem embargo, os pontos mais débeis do perfil socialista de Wilhelm
Liebknecht - que contrastam, gritantemente, com sua destacada atuação
marxista-revolucionária dos anos 60 e início dos 70 do século XIX
- devem ser localizados, nos últimos escritos de sua existência,
quando, p.ex. em 1899, teve ocasião de declarar : "As leis orgânicas,
segundo as quais o desenvolvimento do Estado e da sociedade se processa,
não permitem que sejam modificadas arbitrariamente e abrogadas -
tampouco ocorre quando se trata de leis, em consonância com
as quais um animal ou uma planta cresce e se desenvolve. Quem aí
intervier violentamente, poderá apenas pertubar e destruir, tal como
sempre foi o destino dos políticos de polícia. O que é que
esses amadores, que chamam a si mesmos "homens de Estado",
dizem-nos, a nós, sociais-democratas : não podemos fazer nada, apenas
destruir. Isso é, porém, apenas o reflexo de seu próprio tom e agir.
Existe, entretanto, entre os incontáveis males e pecados, de que somos por
eles acusados, um único que não tiraram de si mesmos. Para
acrescentar aos velhos exemplos um novo, penso apenas ainda na acusação que,
desde duas décadas, tornou-se um estereotipo : o de que a
Social-Democracia possuiria como objetivo a Ditadura do Proletariado. ...
O poder político a que aspira a Social-Democracia e pelo
qual ela lutará, seja lá o que fizerem os inimigos, não possui como
objetivo a construção de uma Ditadura do Proletariado, mas sim a
aniquilação da Ditadura da Burguesia. Tal como a
luta de classes que o proletariado impulsiona é apenas uma defesa em
face da luta de classes, impulsionada pela burguesia contra o
proletariado. Sua conclusão exitosa pelo proletariado será a abolição da
luta de classes, em todas as suas formas. Cf. LIEBKNECHT, WILHELM. Kein
Kompromiss - Kein Wahlbündnis (Nenhum Compromisso - Nenhuma Aliança
Eleitoral)(Agosto de 1899), especialmente Parte 1, in : Wilhelm
Liebknecht. Kleine politische Schriften (W. Liebknecht. Pequenos Escritos
Políticos), Frankfurt a.M., 1976, pp. 260 e s.
[3]Cf. KAUTSKY, KARL. Das Erfurter Programm in seinem grundsätzlichen
Theil (O Programa de Erfurt em sua Parte Fundamental), 7a. Edição, Stuttgart :
Dietz, 1906, p. 167.
[4] A frase acima foi extraída de "Der
Bürgerkrieg in Frankreich (A Guerra Civil na França)", 3a. Edição,
p. 50. A célebre passagem, muitíssimo citada, começa com as seguintes
palavras : "Ela não possui nenhuma utopia preconcebida a ser
introduzida por decreto do povo ..., não possui ideais a serem
concretizados." E ainda no mesmo respiro, no qual se
rejeita todo e qualquer ponto de vista valorativo, acentuando-se tão
somente a necessidade histórica, afirma Marx : "Plenamente
consciente de sua missão histórica e com a resolução heróica de agir,
sendo dela digna, a classe trabalhadora pode ..." E,
assim, também o próprio Marx recorre, finalmente, ao ideal
heróico.
Anotação de Emil von
München ao texto de Hans Kelsen :
Assinalo ao leitor
interessado que, verbo ad verbum, a passagem de Marx,
extraída de "A Guerra Civil na França", acima referida
por Kelsen, possui, entretanto, o seguinte teor : "A
classe trabalhadora não exigiu nenhum milagre da Comuna. Ela não
possui nenhuma utopia preconcebida a ser introduzida por decreto do povo. Sabe
que, a fim de elaborar sua própria emancipação e, juntamente com ela,
aquela forma superior de vida, rumo a qual tende a presente sociedade irresistivelmente
por seu próprio desenvolvimento econômico, haverá de atravessar
longas lutas, toda uma série de processos hístóricos, através dos quais
serão transformados inteiramente tanto os seres humanos quanto as
circunstâncias. Não possui ideais a serem concretizados, senão tem
de apenas liberar os elementos da nova sociedade que já se desenvolveram,
no seio da sociedade burguesa em decomposição. Plenamente
consciente de sua missão histórica e com a resolução heróica de agir,
sendo dela digna, a classe trabalhadora pode conformar-se com o
sorrir ante às grosseiras objurgatórias, lançadas pelos lacaios da
imprensa, e ao mecenato erudito didático dos doutrinários
burgueses bem intencionados, que derramam, em pregações, seus lugares
comuns ignorantes e seus caprichos sectários, em tom oracular de
infalibilidade científica." Cf. MARX, KARL. Der
Bürgerkrieg in Frankreich. Adresse des Generalrats der Internationalen
Arbeiterassoziation (A Guerra Civil na França. Manifesto do Conselho Geral
da Associação Internacional dos Trabalhadores)(Abril - Maio de 1871), in
: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. 17, Berlim : Dietz
Verlag, 1973, p. 343.