PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E
DA JUSTIÇA DE CLASSE
PEQUENOS ENSAIOS SOBRE MARXISMO E
DIREITO, SOCIEDADE E ESTADO NA REVOLUÇÃO
Revolução e Tribunal
ANATOLY V. LUNATCHARSKY[1]
(ANATOLY V. LUNACHARSKY)
Concepção e Organização, Compilação e
Tradução
Emil Asturig von München, Novembro de 2004
Para Palestras e Cursos sobre o Tema em
Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
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Uma sociedade não é
um inteiro unificado.
Existem classes com interesses
antagônicos e, pois, com mentalidades e consciências jurídicas diversas.
Essas classes
encontram-se lutando no seio da sociedade.
Por um lado, as
classes dominantes asseguram privilégios para si mesmas, por intermédio do
poder do Estado, e punem, em conformidade com suas próprias leis, aqueles que
atacam esses privilégios.
D’outro lado, as
classes dominantes infundem na consciência das pessoas uma crença de que sua
ordem judiciária é uma manifestação da “Justiça”, de que suas
instituições judiciárias constituem a base de toda e qualquer vida social,
sendo que toda e qualquer alteração ilegítima dessas instituições podem
provocar a destruição de toda a cultura.
Além de introduzir
uma ordem econômica superior, a nova classe no sistema capitalista, i.e. a
classe proletária, também promulga um Direito que se revela incomparavelmente
superior àquele Direito decadente, ossificado, do velho sistema : Direito
que serviu aos usurpadores e exploradores, enquanto cão de guarda.
Entretanto, na
medida em que essa nova classe é oprimida, na medida em que permanece ela sendo
vítima do Direito elaborado pelos senhores, encontra-se, evidentemente, privada
da oportunidade de formular sua própria consciência jurídica.
Ela não pode criar,
em um vácuo, seu próprio ideal acerca do tribunal e do Código de Direito.
Toda e qualquer
tentativa empreendida por um teórico socialista do Direito de esboçar,
antecipadamente, um projeto de código de Direito para o futuro sistema nada
representaria senão uma interessante ficção científica, tal como os romances de
Wallace e Bellami.
Evidentemente, tais
tentativas foram empreendidas.
Anton Menger, um talentoso
professor quase-burguês e quase-socialista, adquiriu toda uma reputação a
partir de tais intentos.
Todas essas
tentativas constituem, contudo, meramente um jogo teórico.
Cada classe cria o
seu Direito, de fato, apenas quando faz uso de seu poder, quando
conforma a realidade social segundo a sua própria imagem, i.e., por um lado, em
conformidade com seus interesses de classe fundamentais, e, por outro lado, em
conformidade com as condições existentes.
Porém, uma classe –
até mesmo uma classe que atingiu o poder político através dos meios de uma
ácida revolução – não é capaz de criar, imediatamente, um novo mundo.
De acordo com Marx,
esse mundo nasce recoberto por uma membrana da velha contextura social.
Isso não haveria de
ser interpretado de modo a significar que a classe revolucionária dever-se-ia
mover lenta e cerimoniosamente contra a velha ordem.
Sua tarefa é
destruir e criar.
A classe
revolucionária aporta uma nova consciência jurídica (i.e. o pressentimento de
novas formas e relações jurídicas) que corresponde às novas condições
econômicas criadas pela revolução.
Além disso, a classe
revolucionária aporta uma nova consciência jurídica, como também um novo
conceito acerca do bem e do mal.
A revolução, por si
mesma, é um fato de contraposição de um novo Direito ao velho Direito, um ato
de provação popular de massas, projetado sobre um sistema odioso de
privilégios.
A criação de um novo
Direito Civil e Criminal, de uma nova estrutura estatal, de novos
órgãos de poder - incluindo órgãos judiciários - fortalece a revolução e, ao
mesmo tempo, formula e materializa a nova consciência jurídica
revolucionária, que tem sido levada adiante pelos novos interesses de
classe e pelo novo planejamento econômico.
Em 25 de
Outubro, a maior das revoluções que o mundo conheceu foi executada.
Pela primeira vez,
as massas trabalhadoras não apenas venceram (isso já havia ocorrido
precedentemente).
Diferentemente de Março
de 1917, elas conservaram os frutos da vitória, em suas próprias mãos.
Poderia alguém
esperar que o proletariado e o campesinato, tendo realizado a revolução,
tendo-se tornado os senhores políticos e militares de nosso país, tolerariam os
velhos juízes e as velhas leis, tal como o fez o governo pseudo-revolucionário
de Kerensky ?
Poderia alguém
esperar que o novo mestre da situação, i.e. o povo trabalhador, toleraria as sentenças
burguesas que vem sendo proferidas no espírito do capitalismo e em nome de um
governo derrubado e destruído por esse povo trabalhador ?
Poderíamos esperar
que o povo trabalhador permitisse ao Senado Supremo do Tribunal elaborar
leis em nome do regime derrubado ?
A Revolução
foi realizada com o propósito de criar um novo Direito, abrindo a oportunidade
de uma nova consciência jurídica ser traduzida em realidade.
Essa é a razão pela
qual um povo vitorioso haveria de iniciar, imediatamente, a construção de novos
tribunais e de um novo código, edificando-os, na prática – de início, tateando
-, sendo guiado por sua consciência revolucionária, formulando,
porém, gradualmente, um novo Direito e cristalizando novas formas, refinadas e
intrépidas, de um verdadeiro tribunal popular.
Destruir o velho
tribunal – essa arma do nosso inimigo – e destruir os nossos grilhões : eis o
primeiro dever dos revolucionários.
O espírito
naturalmente combativo direciona-os para esse caminho.
A seguir, trata-se
de delinear os fundamentos do novo tribunal, mesmo que de um modo mais geral.
Em terceiro lugar,
cumpre atribuir as tarefas remanescentes à criatividade do povo revolucionário.
Tal como o fez o
mundo romano, a burguesia, que assentou raízes na sociedade feudal, posiciou-se,
firmemente, em favor do reconhecimento absoluto da propriedade privada.
Conseguintemente,
ela foi capaz de substituir o Direito do velho regime com o Direito
Romano disponível, tão somente ligeiramente adaptado às novas
condições.
O proletariado não pode
escolher esse sendeiro.
O movimento
proletário possui um caráter progressivo e não regressivo.
Não existe
precendente na história que sirva de base para um Direito Proletário.
Na medida em que, sob
a égide do capitalismo, o proletariado foi privado da oportunidade de
desenvolver sua criatividade jurídica, não possui agora outra escolha senão a
de aprender a maneira de pragmaticamente sentenciar e criar seu próprio Direito
Consuetudinário, deduzindo-o a partir das fontes do mesmo movimento
espiritual que conduziu o proletariado à revolução vitoriosa, refletindo esse
Direito seu caráter de classe, seu crescimento e seu significado, na vida
social.
Tendo abolido os
tribunais czaristas e burgueses, o Conselho dos Comissários do Povo
conclama o povo trabalhador da Rússia a rumar no sentido de tal
criatividade.
Deixemos os juristas
burgueses aleguem que isso que dissemos hoje e que a vontade popular fará
amanhã é inteiramente desconhecido, sendo, do ponto de vista judiciário,
monstruoso.
Tal fenômeno é
inadmissível apenas do ponto de vista de uma pseudo-ciência estagnante que
constitui o fundamento e a justificação artificial do Direito Desumano desses
senhores.
Até mesmo alguns
cientistas burgueses, honestos e talentosos, que tentaram fundamentar suas
teorias jurídicas nas autênticas ciências da biologia, da psicologia e da
sociologia, falaram em nossa língua sobre essa criatividade, muito tempo antes
de nossa revolução, tal como se a prevessem.
Conclamamos nossos
inimigos a lerem alguns poucos parágrafos dos escritos daqueles teóricos que
eles reconhecem como autoridades nesse campo, antes de começar a criticar-nos.
Esses parágrafos
soam como se houvessem sido escritos no dia de ontem e especificamente
redigidos em defesa do tipo de tribunais que somos forçados a criar, no quadro
das circunstâncias existentes.
Conclamamos, também,
nossos amigos a ouvir o que esses verdadeiros cientistas – ainda que não « bolcheviques »
- tem a dizer acerca da criação revolucionária do Direito.
Assim, Berolzheimer
discorre acerca de um Direito inteiramente novo que, embora apareça na
forma de uma exigência formulada em favor de nova Justiça, é levado adiante por um Quarto Estado
(Le Quatrième État, the Forth Estate).
Berolzheimer fala,
portanto, de um período de transição situado pela frente :
“no qual, em um
intenso conflito, encontrar-se-ão os últimos remanescentes do velho sistema, em
desaparecimento, e os primeiros elementos do novo sistema.”[2]
Menger realizou,
até mesmo, uma tentativa de formular esse Direito, que se encontra enraizado na
consciência da nova classe emergente e será materializado em um novo Estado
do Povo Trabalhador[3].
Também Jellinek,
um senhor professor, reconhece, muito plenamente, a existência de um
Direito que é engendrado no óvulo do Estado Burguês e que não é produzido por
meio de metódos jurídicos.
Exemplificativamente,
Jellinek refere-se a “normas” que funcionam
enquanto Direito Escrito, em nível social, ainda que não em nível
jurídico, a despeito do fato de não terem sido criadas, segundo uma ordem
formalmente legislativa[4].
Knapp, um
estudante do grande Feuerbach, concebeu, de modo inteiramente
distinto, a diferença entre Direito Novo, Direito Ainda Não Realizado
(sob cuja bandeira a nova classe realizaria a revolução, a fim de concretizar
esse Direito) e Direito Escrito, Direito Dominante.
Esse jurista escreve
o seguinte, referentemente à época revolucionária :
“O problema do Direito
é freqüentemente decidido nas batalhas revolucionárias das ruas ou nos
martírios de uma guerra mundial.
O Direito apela
sempre a um poder objetivo o qual, por si só, pode assegurar o Direito
Externo.”[5]
Esse é exatamente o problema com o qual nos confrontamos:
subseqüentemente à transferência do poder para as mãos de uma nova classe,
temos de transformar a
consciência jurídica interior em um Direito poderoso e jovem.
O Professor
Petrajitsky, de quem a ciência russa
oficial orgulha-se por ser considerado como uma das grandes autoridades na
Europa, descreveu, da maneira mais vivida, as relações existentes entre o Direito “Positivo”, i.e. o Direito Escrito, e o Direito “Intuitivo” das novas forças sociais, i.e. seu ideal de Justiça.
Citando Petrajitsky, temos que :
“ A existência simultânea e funcionante do Direito Positivo (Escrito) com o
Direito Intuitivo (i.e. com o ideal das novas classes) é apenas possível se
existir um acordo geral entre elas.
Se o desacordo atingir um certo grau, a desintegração do Direito Positivo
torna-se inevitável.
No caso de oposição, a desintegração é conduzida ao estágio de uma
revolução social.”[6]
Uma tal revolução
ocorreu em 25 de Outubro.
Situar-se-ia para
além dos limites da compreensão, se o Direito Positivo Burguês continuasse
a existir, por algum milagre, mesmo depois da Revolução –
especialmente na medida em que a essa última exsurgiu por força do veemente
desejo de destruir aquele Direito!
Petrajitsky descreve,
detalhadamente, como o novo ideal jurídico cresce, em meio às classes baixas …
, sob a influência das condições cambiantes.
Ele atesta que o senso de Justiça torna-se tanto mais insultado quando encontra oposição, posto que :
“… atinge um ódio fanático da ordem existente e de suas leis, culminando,
finalmente, em uma explosão : a Revolução.”[7]
Petrajitsky não se põe
aterrorizado em virtude dessas manifestações da nova consciência jurídica revolucionária popular, a qual, evidentemente, sempre acompanhará a Revolução Proletária :
“Ainda que sejam
repugnantes as guilhotinas da Revolução e a destruição dos centros de cultura,
elas constituem um resultado incontornável do senso popular insultado, uma
vingança espontânea voltada à supressão de direitos, i.e. formam a consciência
jurídico-interior do povo.”[8]
A conclusão é óbvia
:
O povo engendra um
novo Direito Intuitivo que reinvindica, em primeiro lugar,
visando à destruição de todos os órgãos do velho Direito, os quais são por eles
percebidos enquanto completas injustiças.
O Direito
Intuitivo (refletindo os interesses de classe das massas e
correspondendo à nova estrutura social emergente) pode ser claramente formulado
tão somente no processo de uma criatividade jurídica revolucionária
direta.
Essa é o Direito
da Revolução, especialmente das grandes revoluções que não possuem
precendentes.
Abaixo os tribunais múmias, com seus altares
do Direito morto !
Abaixo os juízes vampiros que estão prontos a
beber o sangue do ser vivo, sobre a cova fresca da dominação tirânica
capitalista !
Viva longa para o povo que cria um novo
Direito em seus tribunais, os quais estão aquecendo e fermentando, tal como
vinho novo !
Direito justo para todos !
Um Direito da grande fraternidade e da
igualdade do povo trabalhador !
______________________________________
BREVES REFERÊNCIAS
BIOGRÁFICAS DE
LUNATCHARSKY,
ANATOLY VASSILIEVITCH
por Emil Arthur von München
Anatoly Vassilievitch Lunatcharsky nasceu em
1875, na cidade de Poltava, na Ucrânia, no seio de uma família de
intelectuais. Seu pai foi funcionário do governo local.
Iniciou sua militância revolucionária em 1890
- quando tinha, então, 15 anos -, ao ingressar, durante o ginásio, em um círculo
de estudantes adeptos do terrorismo populista da “Narodnia Volia (A Vontade do
Povo), na cidade de Kiev.
A seguir, estudou Ciências Sociais, em Zurique,
na Suíça,
quando teve a oportunidade de estabelecer amizade com Rosa Luxemburg e Leo
Jogiches.
Homem de extensíssima cultura e magníficos
talentos retóricos, Lunatcharsky tornar-se-ia, nos anos a seguir, enquanto
revolucionário profissional e Estadista Soviético, um dos mais notáveis
escritores e críticos literários do movimento marxista revolucionário russo e,
para muitos, o segundo maior orador da Revolução Proletária de Outubro de 1917,
depois de Trotsky.
Ainda no estrangeiro, ingressou, em 1898, no Partido
Operário Social-Democrático Russo (POSDR), à época de seu primeiro
congresso fundacional.
Ao regressar à Rússia nesse mesmo ano,
foi, logo a seguir, aprisionado pela Polícia Secreta Czarista (Okhrana) e,
logo depois, condenado ao exílio na Sibéria, onde veio a conhecer Alexander
Bogdanov, um dos mais expressivos quadros revolucionários de então.
Após o II Congresso do POSDR de 1903, Lunatcharsky,
encontrando-se agora na emigração, aderiu, em 1904, por influência de Bogdanov,
à fração bolchevique, encabeçada por Lenin, e destacou-se, então, com um
dos principais representantes e articulistas – ao lado de Vorovsky e Olminsky - dos
jornais bolcheviques Vperiod (Avante) e Proletarii
(O Proletário), revelando-se, ao mesmo tempo, como um dos mais
expressivos contrabandistas de literatura ilegal para o interior da Rússia
Czarista.
Novamente na Rússia, participou
ativamente da Revolução de 1905 a 1907, auxiliando na edição do primeiro
jornal bolchevique legal em solo russo, a “Novaia Jizn(Nova Vida)”.
Derrotada definitivamente a revolução desses
anos no quadro do Golpe Reacionário de Stolypin, Lunatcharsky rompeu, em
1907, com o bolchevismo de Lênin e passou a defender posições
sectárias boicotistas-abstencionistas (otzovistas).
A seguir, encabeçou, juntamente com Maksim
Gorki, a fração dos construtores de deuses (bogostroitielis), inspirada pela
ideologia idealista-subjetivista de Ernst Mach e Richard Avenarius, propugnadora
da conciliação entre religião e marxismo, enquanto forma de “espiritualizar
a revolução”.
Dirigiu, então, em 1909, a Escola
Fracional de Capri e, a partir dela, de 1909 a 1912, a fração
avanteísta (vperiodista), juntamente com Bogdanov e Shantser, na
defesa messiânica e semi-visionária de uma assim denominada “Proletarskaia
Kul’tura (Proletkult – Cultura Proletária)”, produzida em condições
artificiais e manifestamente distantes da luta de classes real do proletariado.
Defendendo posições
mencheviques-internacionalistas nos primeiros meses da I Grande Guerra Mundial,
colaborou na edição do jornal “Nash Mir (Nosso Mundo)”, sob a
direção de Jules Martov.
Aderiu, porém, logo a seguir, à Organização
dos Unionistas Interdistritais Sociais-Democratas (Comitê Inter-Distrital),
encabeçada por Iurenev e Trotsky.
Logo após à Revolução Democrático-Burguesa de
Fevereiro de 1917, Lunatcharsky retornou à Rússia para militar
juntamente com os unionistas interdistritais.
Ingressou formalmente no Partido Bolchevique (POSDR –
Bolchevique), por ocasião de seu VI Congresso de Unificação, realizado
em Petrogrado,
entre 26 de julho e 3 de agosto, quando então se encontrava juntamente com Trotsky
nos cárceres do Governo Provisório Burguês-Latifundiário Russo, formado, à
época, também por mencheviques sociais-chaunistas.
Lunatcharsky cumpriu papel de
destaque como brilhante orador revolucionário e muito contribuiu para que
trabalhadores e soldados de Petrogrado fossem persuadidos a
impulsionarem a revolução até a sua mais plena vitória.
Não obstante, Lunatcharsky – juntamente com Kamenev, Zinoviev, Riazanov
e outros bolcheviques – tornou-se, em outubro de 1917, um dos declarados
opositores da arte proletária de insurreição armada para a destruição do Estado
Burguês e edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, sendo
que, logo após a Insurreição Socialista Vitoriosa, foi um dos antagonistas da
formação de um governo revolucionário exclusiva ou hegemonicamente bolchevique,
encabeçado por Lenin e Trotsky.
Tais posições políticas, não impediram
que, com a vitória da Revolução Proletária de Outubro de 1917, Lunatcharsky fosse
nomeado Comissário do Povo para a Cultura e Educação do Governo
de Lenin.
Demitiu-se, entretanto, logo a seguir,
provisoriamente, como forma de protesto contra os rumores de impiedosa
destruição da Igreja Vassily Blajenny pela artilharia dos bolcheviques
insurretos, na cidade de Moscou.
Reassumindo seu posto de Comissário do Povo, permaneceu,
até 1923, sob o Governo de Lenin, defendendo posições centristas, complacentes
e contraditórias no domínio da cultura e da instrução pública, em cujo domínio
concedeu, juntamente com Nikolai I. Bukharin, estimulante
simpatia à “Proletkult (Cultura Proletária)”, de Bogdanov e seus
prosélitos, contra expressas orientações de Lenin e Trotsky que
condenavam essa última por seu menoscabo de toda a herança cultural do passado
histórico da humanidade, seu colaboracionismo mantido entre jovens operários e
intelectuais burgueses e pequeno-burgueses e sua tentativa de criar um cultura
fantasticamente proletária, segregada da vida efetiva da luta de classes, na
medida em que se vinculava ao subjetivismo idealista de Ernst Mach e Richard
Avenarius.
À parte isso, Lunatcharsky contribuiu
ativamente, sob o Governo de Lenin, para a radical transformação do sistema
educional do Estado Soviético, impulsionou solidamente a campanha deflagrada
contra o analfabetismo das massas proletárias e camponesas (em 1917, cerca de
65% da população russa adulta era analfabeta, em 1929, ano em que foi
definitivamente afastado de suas funções, esse índice correspondia a
praticamente zero), introduziu novos métodos de fomento da arte e da ciência, bem
como ocupou-se com a criação das primeiras Universidades dos trabalhadores e
camponeses.
Acerca disso, Trotsky assinalou,
precisamente :
“Na
qualidade de Comissário do Povo para a Cultura e Educação, Lunatcharsky era insubstituível em suas relações com antigos
professores universitários e, em geral, com círculos pedagógicos que esperavam
convictamente dos « usurpadores ignorantes » a inteira destruição da ciência e
da arte.
Com
entusiasmo e sem dificuldade, Lunatcharsky
demonstrou a esse mundo fechado que os bolcheviques não apenas louvavam a
cultura, senão ainda que não estavam com ela desfamiliarizados.
Naqueles
dias, não existia nenhum sacerdote de cátedra que não abrisse amplamente a
boca, ao olhar aquele vândalo que lia em meia dúzia de línguas modernas e em
duas línguas clássicas, revelando-se, de passagem, inesperadamente, como uma
coluna de erudição multifacetada que, sem esforço, dava conta de uma boa dezena
de professores.”[9]
Nada obstante, em 1923, quando foi publicada
a primeira edição da célebre obra de Lunatcharsky, intitulada «
Silhuetas Revolucionárias », dedicada aos principais protagonistas da Revolução
de Outubro de 1917, um capítulo sobre Stalin não se encontrava
incluído
Em sua silhueta descritiva de Jakob
M. Sverdlov, constava apenas uma brevíssima referência a atuação de Stalin,
ao lado de Lenin e Zinoviev, nos eventos de julho de 1917.
Por essa razão, já nos anos a seguir, o seu
livro « Silhuetas Revolucionárias » foi retirado de circulação e Lunatcharsky
encontrou-se praticamente caído em desgraça.
Sem embargo, a partir de 1924, iniciou rápido
processo de capitulação à burocracia contra-revolucionária, consolidada, então,
nas mãos do triunvirato Stalin, Kamenev e Zinoviev.
Deslocado, a partir de 1927, para o exercício
de trabalhos diplomáticos e definitivamente afastado, em 1929, por Stalin
de suas funções de comissário, Lunatcharsky e Maksim Litvinov foram
nomeados, efemeramente, representantes da URSS burocratizada junto à Liga
das Nações.
Permanecendo como uma “figura estranha (Trotsky :
inorodnaia figura)” no interior do stalinismo contra-revolucionário, Lunatcharsky
foi nomeado, por fim, Embaixador da URSS em Madrid,
em 1933, quando faleceu ao dirigir-se ao empossamento de seu novo cargo
público.
Contemplando-se o conjunto de sua carreira
marxista-revolucionária, cabe destacar que Lunatcharsky é autor de amplíssima
produção literário-revolucionária que merece ser atentamente examinada pelos
marxistas revolucionários contemporâneos.
Em sua precisa descrição do perfil desse
revolucionário bolchevique, Trotsky, sem deixar de criticar
agudamente as tendências diletânticas, impressionistas, complacentes e
vacilantes do intelecto e do caráter de Lunatcharsky, destacou, porém, com
sua justíssima perspicácia histórico-dialética :
“Lunatcharsky encontrou-se ligado à
revolução e ao socialismo ao longo de 40 anos, i.e. ao longo de toda a sua vida
consciente.
Percorreu
prisões, exílios, emigrações, permanecendo um invariável marxista.
Através
desses longos anos, milhares e milhares de seus antigos companheiros,
militantes naquele seu mesmo círculo de inteligência aristocrática e burguesa,
desbandaram para o campo do nacionalismo
ucraniano, do liberalismo burguês ou da reação monárquica.
As idéias de
revolução não eram para Lunatcharsky
uma paixão da juventude : elas penetraram em seus nervos e vasos sangüíneos.
Isso é a
primeira coisa que há de se dizer sobre Lunatcharsky,
conduzido à sua sepultura.”[10]
*
* *
No que tange ao surgimento histórico do
presente ensaio jurídico de Lunatcharsky ora traduzido para a
língua portuguesa, anoto que, logo após à Revolução Proletária de Outubro de 1917,
foi-lhe conferida a tarefa de redigir, na qualidade de Comissário da Cultura e da
Educação do Governo de Lenin, um artigo literário voltado a justificar a
necessidade da criação de um novo Direito e uma nova Justiça
do Povo Explorado e Trabalhador, concebidos enquanto prerequisitos
indispensáveis à consolidação das novas conquistas revolucionárias.
Seu ensaio dirigiu-se, à época, de um lado,
contra a tendência de direita do novo Governo Soviético – manifestamente
favorável à preservação dos velhos tribunais burgueses-latifundiários
pré-revolucionários, a serem reaproveitados em sua forma fundamental pelas
novas forças revolucionárias – e, d’outro lado, contra as orientações
essencialmente anarquistas que se opunham à instituição de todo e qualquer
Direito e Justiça das classes exploradas e oprimidas, alegando serem estes
incompatíveis com os objetivos de uma autêntica revolução socialista.
O ensaio de Lunatscharky em destaque
veio a ser considerado por muitos juristas soviéticos como instrumento teórico
gerador de acordo entre as várias correntes dissidentes da orientação
revolucionária de Lênin no domínio do Direito e da Justiça, auxiliando, assim,
para o fomento da criação de novos Tribunais Populares Eletivos, i.e. Tribunais
Eletivos dos Trabalhadores, Soldados e Camponeses da Revolução de Outubro.
Ademais disso, as considerações jurídicas de Lunatcharsky
representaram, em sentido histórico-proletário, a primeira tentativa de
propugnação marxista de fundamentos doutrinários sobre o Direito e a Justiça,
válidos para o exercício da função judiciária dos novos tribunais.
Entretanto, o método de tributo teórico de Lunatcharsky
a preeminentes pensadores jurídico-burgueses como Jellinek, Berolzheimer e
Petrajitsky como forma de desenvolvimento de suas argumentações exigem
dos juristas marxistas-revolucionários contemporâneos um amplo debate, a fim de
bem poderem ser definidas as noções conceituaus e as tarefas revolucionárias a
serem impulsionadas no campo do Direito e da Justiça pelo proletariado
revolucionário e seus aliados oprimidos.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. LUNATCHARSKY, ANATOLY VASSILIEVITCH. Revolutsia i Sud
(Revolução e Tribunal), in : Pravda (A Verdade), Nr. 193, 1° de Dezembro de
1917.
[2] Cf. BEROLZHEIMER, FRITZ. System der Rechts- und
Wirtschaftsphilosophie (Sistema da Filosofia do Direito e da Economia), Vol. 2,
München, 1907, p. 483.
[3] Cf. MENGER, ANTON. Neue Staaslehre (Nova Doutrina do
Estado), Jena : G. Fischer, 1904, pp. 7 e s.
[4] Cf. JELLINEK, GEORG. Verfassungsänderung und
Verfassungswandlung (Alteração Constitucional e Mudança Constitucional), Berlin
: O. Häring , p. 3.
[5] Cf. KNAPP, THEODOR. Gesammelte
Beiträge zur Rechts- und Wirtschaftsgeschichte vornemlich des deutschen
Bauernstandes (Contribuições Reunidas sobre a História do Direito e da
Economia, especialmente sobre a História do Estamento Camponês Alemão),
Tübingen : H. Laupp, 1902, pp. 23 e s.
[6] Cf. PETRAJITSKY, LEV (PETRAZHITSKII, LEV). Teoriia Prava i
Gosudarstva v Svyazi s Teoriei Nravstvennostii (Teoria do Direito e Estado em
Conexão com a Teoria da Moral), Petersburg, 1909, pp. 7 e s.
[7] Cf. IDEM. ibidem, pp. 7 e s.
[8] Cf. IDEM. ibidem, pp. 7 e s.
[9] Cf. TROTSKY, LÉON D. Anatoly
Vassilievitch Lunatcharsky(01.01.1934), in : A. Lunatcharsky, K. Radek, L.
Trotsky. Siluety : Polititcheskie Portrety (Silhuetas. Retratos Políticos),
Moscou : Politizdat, 1991, pp. 369 e 370.
[10] Cf. IDEM. ibidem, p. 368.