O ALVOROÇO DO

“BLOCO HISTÓRICO TROTSKYSTA-GRAMSCIANO”

DO PO / PTS / MAS / MTS / CS

À LUZ DOS ELEMENTOS POLÍTICO-ESTRATÉGICOS

DA LUTA REVOLUCIONÁRIA DA ARGENTINA DE 2001-2002

 

 

Texto de autoria

Portau Schmidt von Köln

 

A Enfermidade Gramsciana

no Movimento Trotskysta Contemporâneo

e nas Lutas de Emancipação do Proletariado

Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky 

O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana

de Atualização, Correção

e Superação do Marxismo

(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)

 

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“A Assembléia Republicana constitui, inegavelmente, um organismo do Estado Burguês.

O que são, pelo contrário, os Comitês Operários e Camponeses ?

É evidente que, de alguma forma, são um equivalente dos Sovietes de Operários e Camponeses ...

Como é possível, nessas condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do Estado Burguês –

tenha como base organismos do Estado Proletário.”

Cf. TROTSKY, LEÓN DAVIDOVITCH BRONSTEIN.  Scritti sull’Italia (1921-1938), Roma : Controcorrente, 1999, p. 184.

 

Prosseguindo a presente investigação, perguntar-se-ia, então : mas, teriam também as lutas revolucionárias do século XX confirmado a concepção marxista-revolucionária do mundo?

Foi nos idos da turbulenta alvorada do século XX, porém, que se estruturou um núcleo “ácido” de marxistas revolucionários proletários, em território europeu, o qual, sofregamente interessado em “mover-se em direção da classe trabalhadora” e progressivamente em amadurecimento revolucionário -  não, porém, sem alguns pontos movediços e arenosos –, entendeu a necessidade imperiosa de e logrou contribuir para preservar-se a doutrina proletário-emancipadora mais genuína, fundada em uma concepção rigorosamente dialético-materialista, contra os ensaios “desapiedados e frívolos” dos revisores e corretores do pensamento de Marx e Engels de sua época :

 

“Nós, marxistas, entendemos sob o conceito de Estado não meramente uma organização de seres humanos que se encontram ligados pela descendência, pela nacionalidade ou pelo local de residência.

Em nossa concepção, o Estado pressupõe, antes de tudo, o fato de que, no interior das organizações de seres humanos, existem diversas camadas que possuem interesses distintos.

No conceito de Estado, já está incluído o conceito de Justiça de Classe. ...

Poder-se-ia perguntar : por que a maioria não se apropria, simplesmente, da posse da minoria ?

Porém, sabemos que, em certos períodos da história, é necessário – e, até mesmo, é uma lei natural – o fato de que uma maioria seja governada pela minoria, no interesse continuado desenvolvimento da humanidade.

Assim, também o capitalismo foi algo inteiramente útil para o continuado progresso da humanidade, não tendo sido, pois, criado por uma invenção demoníaca de homens maliciosos, senão surgiu como uma necessidade do desenvolvimento econômico.

E apenas sobre suas ruínas podemos continuar a construir.”[1]    

 

Em face das alegativas de celebrizados revisores, amargamente críticos das concepções insculpidas no Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels – entre os quais, destaca-se, ostensiva e implacavelmente, James Petras -, alegativas essas lançadas enquanto suposta alternativa para “mover-se em direção da classe trabalhadora” ... -, em face de argumentos de que os movimentos adotam uma série de reinvindicações e alternativas programáticas – o que é positivo e importante – porém, “falta-lhes uma compreensão teórica da natureza da evolução do sistema imperial” ... -, em face das instâncias de homens “frívolos e desapiedados”, imunizados, genialmente, de todo “sentimentalismo filistino”, de que uma das questões que ainda restaria por solucionar-se seria “a desunião dos movimentos urbanos e rurais ...”, posto que os movimentos existentes juntos, se estivessem unificados em um só movimento coerente, estariam mais próximos de “disputar o poder estatal”[2] ... -, a acidez dos “marxistas”, envelhecidos, porém vivificados, nas páginas de 1848, contestava, argutamente, o velado pano de fundo deshistoricizado de tais objeções, fundando-se em sua larga experiência fática de lutas fracionais impiedosas, deflagradas corajosamente contra todos os revisores, glosadores, remendadores, corretores e pretensos atualizadores “da verve de Marx e Engels e de sua celebraçao acrítica do potencial revolucionário do desenvolvimento das forças de produção”:

 

“«Já não reconheço mais nenhum Partido. Reconheço apenas alemães. » - essa sentença enganosa foi colocada no início da Guerra Mundial ...

« Já não reconhecemos mais diferentes Partidos Socialistas. Reconhecemos apenas socialistas », assim soa essa sentença no final da Guerra Mundial.

A bandeira de uma nova Paz Civil encontra-se eriçada ...

E, novamente, aí estão em disputa os que gritam mais alto, os Scheidemann e consortes ...

Porém, nem toda “unidade” fortalece.

A unidade entre o fogo e a água apaga o fogo e volatiza a água.

A unidade entre o lobo e o cordeiro entrega o cordeiro ao lobo para ser devorado.

A unidade entre o proletariado e as classes dominantes sacrifica o proletariado

A unidade com traidores significa derrota ...

Podemos nos unificar com aqueles que não são senão representantes dos exploradores caplitalistas, vestidos de socialistas?

Podemos e estamos autorizados a ligar-nos a eles, sem nos tornarmos culpados por seus golpes ? ...

As massas trabalhadoras são os executores da revolução social.

A consciência clara, o conhecimento claro de suas tarefas históricas, a vontade clara de seu cumprimento são as qualidades sem as quais elas não podem realizar sua obra ....

Apenas a partir da crítica mais implacável, pode surgir a claridade.

Apenas a partir da claridade, pode surgir a unidade.

Apenas a partir da unidade na ideologia, no objetivo e na vontade, pode surgir a força de criação de um novo mundo do socialismo.”[3]

    

Nesse cenário de profundas disputas ideológicas e partidárias, procurando, desesperadamente, fundar-se na defesa aguerrida e heróica das concepções fundamentais de Marx e Engels – expostas ao tufão das epidemias sociais-revisionistas e centristas-oportunistas de construção das “novas teorias da ação revolucionária” -, como forma de mover-se em direção da classe trabalhadora, em sentido efetivamente socialista-revolucionário – e não filo-oportunista -, preocupados, sim, em reunir, solidamente, os homens que manejariam as armas para assestar um golpe efetivamente mortal ao capitalismo – não o fazendo com contemporização de dualidade de poderes das classes sociais inconciliavelmente antagônicas -, com vistas a ser materialmente possível a edificação de uma República Socialista Livre da Alemanha, viram-se forçados os revolucionários marxistas do proletariado alemão a enfrentar a voracidade da tempestade insurrecional dos anos 1918 e 1919.

Essa Unwetter, esse thunderstorm, foi marcado pelos mais perversos estratagemas colocados em prática por um Estado burguês-imperialista e seus colaboradores, vestidos em trajes socialistas, na luta desesperada contra o massacre e o extermínio, sem trégua e sem armistício, do movimento socialista-revolucionário, proletário e internacionalista, mais poderoso que a Europa continental havia, até então, conhecido.

O cenário para essa degola selvagem encontrava o seu palco de exibição nas ruelas e nos becos, nas avenidas e nos prédios, nos emaranhados de pedra e de cimento, das mais importantes cidades de um dos principais bastiões do imperialismo capitalista do início do século XX : o II Império da  Alemanha.

 

“Uma dificuldade que possui a direção da luta de rua é condicionada pelo caráter da cidade, por seu plano urbanístico e por suas características arquitetônicas.

Para os que não estão familiarizados com a cidade, surge essa última como um gigantesco amontoado de pedras de construções e prédios irregularmente imbricados, tal como um labirinto de ruas, ruelas, praças etc., no interior das quais torna-se inconcebível quaisquer tipos de ações planejadas de luta e onde tudo tem de permanecer reservado à improvisação, ao poder do acaso.”[4]

 

Se o Deus Marte, sedento de sangue, lograsse derrotar, devastadoramente e no menor espaço de tempo, o ascenso revolucionário proletário dos focos de combate indômitos, entrincheirados nas cidades altamente industrializadas do país de trânsito por excelência para o Leste Europeu, muitas melhores chances possuiria uma ofensiva contra-revolucionária imperialista arrasadora, deflagrada contra a Federação das Repúblicas Socialistas Soviéticas da Rússia, comandada, desimpedidamente, pelos Exércitos Brancos de diversos Estados burgueses-imperialistas, em colaboração até mesmo com os Freikorps da Alemanha :        

 

“Esse dia, em que aqui se reuni o I Congresso dos Conselhos dos Trabalhadores e Soldados, possui significado histórico.

A primeira tarefa do Congresso é a de proteger a revolução, derrotando a contra-revolução. ...

Momentaneamente, não temos, na Alemanha, uma República Socialista, mas sim uma República Capitalista.

A República Socialista deve ser instaurada apenas pelo proletariado, mediante a luta contra o Governo atual que se tornou o portador do capitalismo.

Exigimos do Congresso que ele tome em suas mãos o inteiro poder político, visando à implementação do socialismo, não transferindo seu poder a uma Assembléia Nacional, que não representaria o órgão da revolução.

Exigimos do Congresso dos Conselhos que ele estenda a mão aos nossos irmãos russos, conclamando os delegados da Rússia a aqui comparecerem.

Queremos a Revolução Mundial e a unificação dos proletários de todos os países, consagrada entre Conselhos de Trabalhadores e Soldados.”[5]

   

Eis a orientação política, brilhantemente sintetizada e energicamente defendida, em discurso público, por Karl Liebknecht, perante as massas berlinenses que se acotovelavam nas ruas da cidade, no dia 16 de Dezembro de 1918, data da abertura dos trabalhos do I Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados da Alemanha, a partir da Sacada do Edifício da Assembléia Estadual, em face da disjuntiva que postulámos como sub-título da presente investigação : Assembléia Nacional  Constituinte, apoiada em órgãos de poder proletário, rumo ao Socialismo Democrático ou órgãos de poder proletário, na construção da Ditadura Revolucionária Democrático-Proletária, visando à instituição de uma sociedade socialista, sem classes e sem Estado.    

Acerca do significado efetivamente social-colaboracionista da consigna de Assembléia Nacional Constituinte, sustentada sobre órgãos de poder proletário, Karl Liebknecht ainda teve oportunidade de ressaltar, em 15 de janeiro de 1919, no último dia de vida de suas espetaculares lutas proletário-marxistas[6], já inteiramente acificado por sua sólida e brilhante defesa dos mais legítimos interesses do proletariado mundial, em sua luta inconciliável pela derrubada violenta da exploração e da dominação burguesa-imperialista, em prol da tomada militarmente orquestrada de todo o poder de Estado em mãos proletárias :

 

“ « Ataque geral contra Spartakus ! Abaixo os spartakistas ! », uivam através dos becos. « Agarrem, torturem, apunhalem, transpassem, atropelem, fritem os spartakistas na gordura !»

Horrores estão sendo perpetrados que obscurecem aquelas barbaridades belgas, empreendidas pelas tropas alemãs.

«Spartakus está derrotado », clamam, com júbilo, do prédio dos Correios até o do “Vorwärts (Avante) (obs.: prédio esse o do órgão jornalístico da Social-Democracia Alemã (SPD)” .

« Spartakus está derrotado » !

E os sabres, e os revólveres e as carabinas da velha polícia germânica, reconstituída, juntamente com o desarmamento dos trabalhadores revolucionários, selarão sua derrota. « Spartakus está derrotado » !

Sob as baionetas do Coronel Reinhard, sob as metralhadoras e canhões do General Lüttwitz, devem ser realizadas as eleições da Assembléia Nacional – um plebiscito para o Napoleão Ebert. « Spartakus está derrotado» !

Sim, Senhor ! Os trabalhadores revolucionários de Berlim foram batidos !

Sim, Senhor ! Massacrados às centenas como bestas !

Sim, Senhor ! Lançados no cárcere, estão várias centenas de seus mais fiéis !

Sim Senhor ! Foram batidos.

Posto que foram abandonados pelos marinheiros, pelos soldados, pelas tropas de segurança, pelas guardas populares, com cujo auxílio eles haviam contado firmemente.

E suas forças foram paralisadas, mediante a irresolução e a fraqueza de sua direção.

E a monstruosa torrente de lama contra-revolucionária das partes atrasadas da população e das classes possuidoras dragaram-nos.

Sim, Senhor, foram batidos. E havia de ser um mandamento histórico que fossem batidos. Pois, o tempo ainda não estava maduro.

E, sem embargo – a luta foi inevitável.

Pois, entregar, sem combate, a Central de Polícia, esse palácio da revolução, a Eugen Ernst e a Hirsch, seria uma derrota degradante.

A luta estava imposta ao proletariado pelos bandos de Ebert e, de modo elementar, o proletariado gritou a partir das massas de Berlim – superando todas as dúvidas e ponderações.

Sim, Senhor ! Os trabalhadores revolucionários de Berlim foram batidos.

E os Ebert-Scheidemann-Noske venceram.

Venceram, pois o generalato, a burocracia, os latifundiários, de pele e osso, os padres e os sacos de dinheiro e tudo que é atrasado, limitado, sectário, estava do lados deles. E venceram com tiros, bombas de gás e morteiros.

Porém, há derrotas que são vitórias. E há vitórias que são mais implacáveis que as derrotas. Os vencidos da semana sangrenta de janeiro impuseram-se gloriosamente. Eles disputaram por grandes coisas : pela linha mais preciosa da humanidade sofredora, pela redenção espiritual e material das massas famintas, derramaram seu sangue sagrado que, desse modo, foi santificado.

E das gotas desse sangue, dessas sementes de dragão para as vitórias de hoje, ressurgirão as vinganças dos caídos, de cada fibra dilacerada, novos lutadores da elevada causa que é eterna e imperecível, tal como o firmamento.

Os derrotados de hoje serão os vencedores de amanhã ...

Ainda não está encerrado o caminho de Gólgata da classe trabalhadora alemã, porém o dia da emancipação aproxima-se. O dia do Tribunal dos Ebert-Scheidemann-Noske e dos poderosos capitalistas, os quais ainda hoje escondem-se atrás daqueles. As ondas dos acontecimentos batem na altura dos céus : estamos acostumados  a ser lançados da cumeeira ao abismo.

Porém, nosso navio segue seu curso direto, firme  e orgulhoso, rumo ao seu objetivo. E se ainda, então, vamos viver quando isso for alcançado ? 

Vivamos nosso programa !  Ele dominará o mundo da humanidade emancipada.

Apesar de tudo !”[7]

 

Sem embargo, na grandiosa história de luta em prol do socialismo sobre o solo da Alemanha de todos os tempos, esse lendário e relevantíssimo congresso proletário que insinuava irromper suas portas à instauração de uma República Socialista, fundada pelos revolucionários alemães, tomando todo poder político em suas mãos, não transferindo nenhum átomo de suas atribuições jurídico-políticas a uma Assembléia Nacional Constituinte, deflagrando, pelo contrário, uma luta encarniçada contra o Governo Provisório de Coalizão, formado no quadro de negociações eminentemente burocráticas e ilegítimas travadas entre o Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD), representado por Ebert, Scheidemann e Landsberg, e pelo Partido Social-Democrático Independente da Alemanha (USPD), encabeçado por Kautsky, Haase e Bernstein, esse congresso de trabalhadores e soldados haveria de avalizar precisamente a fórmula antagônica às posições defendidas aguçadamente pelo mais intrépido e ousado dirigente revolucionário-marxista do proletariado alemão desses dias : por 400 votos a 50, a posição favorável à e a convocação imediata de eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte, a realizar-se em 19 de janeiro de 1918, bem como por 344 votos a 98, a rejeição categórica da convocação imediata de um novo Congresso dos Conselhos[8].

 

“Art. 165. Os trabalhadores e empregados devem atuar, em comunidade com os empresários, e com igualdade de Direitos, na regulação das condições salariais e de trabalho, bem como no desenvolvimento econômico conjunto das forças produtivas.

As organizações de ambos os lados e seus acordos serão reconhecidos para a implementação de seus interesses sociais e econômicos, os trabalhadores e empregados manterão representações legais nos Conselhos de Trabalhadores de Fábrica, bem como em Conselhos Distritais de Trabalhadores de Fábrica, organizados segundo o domínio da economia, e em um Conselho de Trabalhadores do Império.

Os Conselhos de Trabalhadores Distritais e o Conselho de Trabalhadores do Império intervêm visando ao cumprimento das atividades econômicas conjuntas e à atuação na execução das Leis de Socialização, conjuntamente com as representações dos empresários e demais círculos populares participantes, em Conselhos Econômicos Distritais e em um Conselho Econômico Imperial.

Os Conselhos Econômicos Distritais e o Conselho Econômico Imperial devem ser conformados de modo que todos os grupos profissionais importantes sejam neles respectivamente representados, em seu significado econômico e social.

Os projetos de lei político-sociais e econômicos de significado fundamental devem ser apresentados pelo Governo do Império, antes de sua introdução, ao Conselho Econômico do Império para parecer.

O Conselho Econômico do Império tem o Direito de requerer, ele mesmo, tais projetos de lei.

Caso o Governo Federal não lhes autorize, deve, apesar disso, apresentar tais projetos ao Parlamento do Império, com a exposição de seu ponto de vista.

O Conselho Econômico do Império pode mandar representar o projeto mediante um de seus membros, diante do Parlamento do Império. Podem ser transferidos aos Conselhos de Trabalhadores e da Economia atribuições de controle e de administração, nos domínios que lhe forem repassados.

Regular a construção e as tarefas dos Conselhos de Trabalhadores e da Economia, bem como sua relação para com outras corporações sociais auto-administrativas, é matéria que pertence exclusivamente ao Império.”

 

“Art. 181. O povo alemão resolveu e decidiu essa Constituição através da Assembléia Nacional.

Ela entra em vigor no dia de sua promulgação.”[9]

 

Eis aí, nesses dois artigos normativos da Constituiçao de Weimar, promulgada, a seguir, no dia 11 de agosto de 1919 – há praticamente oito meses depois do discurso público de Karl Liebknecht retro-referido -, até onde pôde chegar a expressão mais elevada do mais disforme mostrengo político, produto do mais desbragado conciliacionismo de poderes de classes, protagonizado pelos dualistas-colaboracionistas, que a história contemporânea de todo o mundo burguês-capitalista teve a oportunidade de conhecer.

Esse prodígio resultante da defesa preambular de uma orientação política de Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, escorada sobre e legitimada por órgãos de luta de massas, tais como conselhos (verbi gratia : assembléias) de trabalhadores e soldados piqueteiros, fortalecidos através de greves gerais e de massas, encontra-se plasmado, no documento constitucional acima citado, mediante a força vinculante de normas jurídico-positivas consagradoras de um suposto “Socialismo Democrático”, edificado após o fim da I Guerra Imperialista Mundial, no quadro da República de Weimar, por obra e arte da Social-Democracia Alemã (SPD), dirigida, então, por Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann, em conluio com seus mais legítimos aliados políticos, entre os quais se descataram Karl Kautsky, Rudolf Hilferding e Eduard Bernstein.

Da investigação desse tema histórico-político, dedicar-nos-emos, mais adiante, no curso do presente estudo. 

Entretanto, cumpre assinalar, desde logo, à guisa de introdução, que os fenômenos históricos, avançando tal como uma espiral cronológica, não dogmaticamente delineada, de antemão, por seus diversos protagonistas sociais e políticos, reproduzem, reiteradamente, também outros Quasímodos democrático-socialistas, outros atentados teóricos, políticos e históricos perpetrados contra a longa e encarniçada, acirrada e sangrenta, luta de libertação do proletariado explorado e de seus aliados socialmente oprimidos.

Foi, assim, que Antonio Gramsci, ao colocar de cabeça para baixo a concepção dialético-materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, em seus fundamentos mais essenciais, desfigurou-a, distorceu-a, deturpou-a, deformou-a, do modo mais completo e radical, sobretudo por menosprezar e renegar, desde seu prisma de análise idealista-subjetivista, a importância decisiva e cardeal da imprescindibilidade da violência revolucionária do proletariado hegemônico em sua missão histórica de despedaçar o Estado Burguês e edificar a Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla e historicamente superior Soberania proletária[10][10][10].

Já tivemos a oportunidade de assinalar, alhures, que a concepção de hegemonia do proletariado de Gramsci encontrou sua mais eminente consagração nas Teses de Lyon do Partido Comunista Italiano(PCI), redigidas em janeiro de 1926, enquanto produto da obra intelectual conjunta de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti (Ercoli).

Tais teses nada mais fizeram senão ratificar a validade da famosa palavra de ordem anti-monárquica, de natureza supostamente democrático-intermediária, que já ordenava toda a intervenção do PCI, desde o assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti, em 1924 : Assembléia Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses ou, por assim dizer, em Assembléias Operárias e Camponesas.

Gramsci e Togliatti alegaram, à época, conceber esses comitês operários e camponeses como instrumentos de mobilização das massas e embriões de sovietes em face da ditatura fascista de Benito Mussolini[11].

Extraordinariamente atento ao tema, Trotsky teve a oportunidade de assinalar, entretanto, já mesmo em novembro de 1929 :

 

“No que concerne à direção oficial do Partido Italiano, não tive a oportunidade de observá-la senão a partir do Executivo da Internacional, na pessoa de Ercoli (i.e. Palmiro Togliatti).

Dotado de uma espírito de adaptação e de um bom palavreado, Ercoli é adequado (não se poderia dizer melhor) para os discursos de um procurador ou de um advogado, acerca de um tema de encomenda e, de modo geral, para executar ordens. ...

A propósito, não é Ercoli que tenta adaptar à Itália a idéia de “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses”, sob a forma de uma palavra de ordem de assembléia constituinte, apoiada sobre uma assembléia operária e camponesa.

Nas questões acerca da URSS, da Revolução Chinesa, da Greve Geral da Inglaterra, da Revolução da Polônia e da luta contra o fascismo italiano, Ercoli, como também outros dirigentes de formação burocrática, adota, inevitavelmente, uma posição oportunista para, depois, eventualmente, a seguir, retificá-la, mediante aventuras de ultra-esquerda.

Parece que, atualmente, trata-se precisamente da estação do ano dessas aventuras.” [12]

 

Em maio de 1930, regressando ao mesmo tema, Trotsky, então, observou, incisivamente, fornecendo um ensinamento histórico inolvidável para as futuras gerações de marxistas-revolucionários :

 

A Assembléia Republicana constitui, inegavelmente, um organismo do Estado Burguês.

O que são, pelo contrário, os Comitês Operários e Camponeses ?

É evidente que, de alguma forma, são um equivalente dos Sovietes de Operários e Camponeses. ...

Como é possível, nessas condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do Estado Burguês – tenha como base organismos do Estado Proletário.[13]

 

Nesse mesmo sentido, é igualmente indispensável ter-se sempre presente, a forma segundo a qual Lenin sintetizou sua concepção acerca da problemática da consigna de Assembléia Nacional Constituinte, quando se a pretende unificar, fundar, apoiar em órgãos de poder proletário, tal como exsurge das Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de 4 de março de 1919 :

 

“A mais completa bancarrota dos socialistas que se reuniram em Berna (obs.: Lenin refere-se aqui aos socialistas da Internacional Amarela, Kautsky, Hilferding, Martov, Longuet, Turati, Branting etc.), sua mais completa incompreensão para a nova, i.e. para a Soberania proletária, pode ser atestada no seguinte :

Em 10 de fevereiro de 1919, Branting declarou encerrada a Conferência Internacional da Internacional Amarela, em Berna.

Em 11 de fevereiro de 1919, seus participantes publicaram, em Berlim, no jornal “A Liberdade” um apelo do Partido dos “Independentes” ao proletariado.

Nesse apelo aceita-se o caráter burguês do governo Scheidemann, acusa-se-o de querer eliminar os Conselhos (Räte), que são chamados de portadores e guardiães (Träger und Schützer) da revolução, e formula-se a proposta de legalizar os Conselhos (Räte), conferindo-se-lhes Direitos de Estado, dando-se-lhes o Direito de Impugnação contra as decisões da Assembléia Nacional, com o efeito de ter de decidir um plebiscito nacional.

Uma tal proposta desmascara a total falência ideológica dos teóricos que defendem a democracia e não entenderam seu caráter burguês.

A tentativa ridícula de unificar o Sistema dos Conselhos, i.e. a Ditadura do Proletariado, com a Assembléia Nacional, i.e. a Ditadura da Burguesia, desvenda, definitivamente, às forças incessantemente crescentes da nova Soberania proletária, tanto a pobreza de espírito dos Socialistas Amarelos e dos Sociais-Democrátas e sua essência politicamente reacionário-pequeno-burguesa quanto suas concessões medrosas(p. 479)...

Nos primeiros oito meses da Revolução Russa foi por demais discutida a questão da organização dos Sovietes.

Para os trabalhadores não estava claro no que consistiria o novo sistema e se seria possível fazer dos Conselhos um aparelho de Estado.

Procedemos em nossa revolução de modo prático e não teórico.

A questão da Constituinte, p.ex., não a havíamos colocado, teoricamente, antes.

Não havíamos dito que não reconhecíamos a Assembléia Constituinte.

Apenas depois, i.e. depois de que as organizações soviéticas se espalharam por todo o país e conquistaram o poder político, apenas então ocupamo-nos de desbaratar a Constituinte(p. 486).[14]

 

Na cadeia dos mais contraditórios portentos histórico-políticos, está cumprindo, porém, ao Partido Obrero (PO), encabeçado por Jorge Altamira, Pablo Rieznik  e Osvaldo Coggiola – esse último o corifeu trotskysta-gramsciano da América Latina - e aos seus aliados universalmente democráticos do PTS, do MAS, do MTS, da CS e seus seguidores[15], protagonizarem a atualização temporal consistente em tentar adaptar à Argentina dos Cacerolazos, nos primeiros anos da alvorada do século XXI, em meio à tempestade de um imenso “Argentinazo”, a concepção social-colaboracionista e idealista-gramsciana de defender – como forma de contemporização de poderes antagônicos de classes sociais – a instituição de uma Assembleía Constituinte, apoiada sobre Assembléias Nacionais Piqueteiras e Populares, enquanto órgãos de luta de massa e da greve geral.

Desta feita, entretanto, o Partido Obrero (PO) julgou acertado empreender, além de tudo, uma grande inovação histórica, situada no campo da mais extrema deformação da tradição marxista-revolucionária : a secularmente conhecida e típica consigna de conciliação dos paradoxos dialéticos em destaque, reivindicadora de um status supostamente democrático-intermediário transicional, haveria de ser postulada e defendida, ostensivamente, mesmo em um contexto de luta dirigido para a derrubada não de uma ordem monárquico-imperial ou manifestamente fascista, mas sim de um regime democrático-burguês.

A inovação estrambótica da orientação dualista-contemporizadora em tela reinvidica constituir-se, portanto, em patrimônio original e intransferível do Partido Obrero (PO), no marco de sua revisão do marxismo-revolucionário, desde a perspectiva das lentes dos óculos do social-conciliacionismo dos organismos de poder das classes sociais antagônicas, no sentido mais próprio do gramscismo subjetivista.

O percurso que “elevou” Jorge Altamira ao “trotskysmo gramscista” já procuramos desvendar aos leitores, em outra sede, e tal fenômeno extraordinário de manifesta involução ideológica – a despeito de possuir sua profunda importância para o atual processo revolucionário em curso na Argentina – não será, porém, objeto central da presente investigação[16].   

Assinale-se, apenas, que, tanto em sua intervenção oral no II Fórum Social Mundial de Porto Alegre, como nas mais diversas publicações jornalísticas das “Tapas de Prensa Obrera”, surgidas já segundo a temperatura do levante das massas argentinas de dezembro de 2001, exprimiu-se, fática e documentalmente, o Partido Obrero (PO) defendendo, ostensivamente, a malsinada orientação político-estratégica dualista-contemporizadora, social-colaboracionista, acima referida, consistente em tentar conciliar as atividades de um órgão supremo de um Estado Burguês com organismos revolucionários marcadamente proletários :

 

     “Que se vayan todos”, ya es consigna nacional.

     Por una Asamblea Constituyente libre y soberana.

     Por el desarrollo de las Asambleas nacionales piqueteras y populares,

     como órganos de una lucha de masa y de la huelga general.”[17] 

 

Eis o que clama, perante os sete céus, a mais nova edição de Prensa Obrera, de 28 de fevereiro de 2002.

No editoral do mesmo periódico, o artigo Qué debaten las assembleas populares exprime-se, ainda mais detalhadamente, acerca da questão, ao desvendar a atual estratégia estaferma, “trotskysta –gramsciana” ébria, do Partido Obrero (PO)  :

 

“Asamblea Constituyente

 

La Asamblea Interbarrial aprobó por unanimidad la consigna de Asamblea Constituyente. A partir de ese momento el debate sobre el alcance de esta consigna está lejos de cerrarse.

La consigna de Asamblea Constituyente permite plantear el problema del poder y la

lucha por el poder en las condiciones concretas de la presente situación.

Pero, ¿quién convoca a la Asamblea Constituyente?, se preguntan en las asambleas.

La respuesta es muy sencilla: la convocatoria estará en manos de quien luche por ella.

Es decir que si las asambleas populares luchan por la Constituyente y derriban a los gobiernos capitalistas incapaces de realizarla, van a ser ellas las que tengan la misión de convocarla.

Luchando por la Constituyente lo que equivale, insistimos, a la única forma de luchar por el poder en las actuales condiciones, las propias asambleas populares o piqueteras se convierten en una herramienta de poder de los explotados.

Los que plantean que el poder pase ya a las asambleas populares, sin que tengan que luchar por el poder para la Constituyente, es decir sin acreditar autoridad nacional, organización y fuerza, no hacen más que propagandismo.

La otra inquietud es si algún político o partido enemigo es capaz de convocar a la constituyente. La pregunta expresa el interés por evitar una expropiación del movimiento popular.

Pero la Asamblea Constituyente soberana plantea el derrocamiento del actual gobierno, en primer lugar, y debe abarcar a todos los poderes del estado nacional, provincial y municipal.

Los políticos patronales no hablan de Constituyente soberana, porque lo que quieren evitar es precisamente el derrocamiento del régimen.”[18]

 

Portanto : a Assembléia Inter-Bairros, por força e impulso do Partido Obrero e seus aliados universalmente democráticos, veio a ser chamada a dar sustentação e legitimar – sendo que, de fato, já teria até mesmo aprovado – a falaciosa consigna de convocação de uma futura, e ainda precisamente imponderável, Assembléia Constituinte, livre e soberana, organismo jurídico supremo de um Estado Burguês, cujo funcionamento resultaria, desde logo, reconhecido e sacramentado pelos órgãos de luta de massa e de greve geral, “si las asambleas populares luchan por la Constituyente y derriban a los gobiernos capitalistas incapaces de realizarla,  ... si algún político o partido enemigo es capaz de convocar a la constituyente ...  

A Assembléia Inter-Bairros teria decido, assim, mediante esse ato jurídico-político, tranferir a uma futura Assembléia Constituinte, livre e soberana poderes e atribuições legislativas essencias que, originariamente, repousam em suas próprias mãos.

Acerca da natureza da Asamblea Interbarrial, escreveu, além disso, o MST – UIT en Izquierda Unida, até mesmo da seguinte forma :

 

“A partir de diciembre, con los cacerolazos, en muchos barrios de la ciudad se organizaron asambleas.

La gente quiere participar y decidir por sí misma.

Fue surgiendo la necesidad de coordinar con las otras asambleas para fortalecer la pelea porque los reclamos centrales son los mismos.

No sólo el corralito, sino los problemas de fondo del país : el plan económico, qué gobierno hace falta ...

Así empezó a crecer esta Asamblea Inter-barrial, que es una experiencia totalmente nueva de organización popular para la lucha.

Las que deciden son las asambleas de cada barrio.

Participan pequeños comerciantes, estudiantes, jubilados y trabajadores.

En la última se sumaron los delegados del Hospital Italiano.

La Interbarrial funciona como un ámbito de coordinación, porque los vecinos quieren debatir propuestas y también resolver acciones concretas.

Nadie quiere imposiciones.

La participación es abierta, pero hablan los representantes de cada barrio trayendo las propuestas.

Los 70 que nos anotamos hoy representamos cada uno a una asamblea barrial.

Por razones de tiempo hablamos 25 y después se pasó a votar.”[19] 

 

Cumpre, pois, indagar : o Partido Obrero (PO) e seus aliados político-estratégicos, em seu empenho de lutar, em meio aos Piquetes y Cacerolas, por uma Assembleía Constituinte, que esteja fundada no desenvolvimento das Assembléias Nacionais Piqueteiras e Populares, enquanto órgãos de luta de massa e da greve geral adotam, defendem e operam com que versão de conquista da hegemonia do proletariado : a versão dialético-materialista, desenvolvida por Lenin e devidamente concebida por Trotsky, ou a versão idealista-subjetivista, equacionada por Gramsci, destinada à promoção de um específico social-conciliacionismo de classes, como forma de capitulação diante dos Estados Burgueses ?

Estaria o Partido Obrero (PO) e seus aliados político-estratégicos penetrados da concepção irrevogavelmente subjetivista-idealista de que o desate da luta impiedosa travada entre classes dialeticamente antagônicas poderia conduzir a um termo de conciliação dos opostos materiais, emergindo da história, no quadro da revolta das massas exploradas e oprimidas, a possibilidade de um equacionamento de vertentes contraditórias, mediante o surgimento de uma síntese contemporizadora entre o velho e o novo : a racionalidade retórico-parlamentar vinculante, extraída da positividade jurídico-estatal de uma Assembléia Constituinte, tendo na sua base o desenvolvimento dos órgãos de luta de massa e de greve geral ?      

Por força da convocação efetiva de uma Assembléia Constituinte, livre e soberana, assentada sobre esses órgãos de luta de massa e de greve geral e incumbida de estabelecer uma nova Carta Magna Jurídico-Constitucional da Argentina, tornar-se-ia a impulsão da inevitável e inadiável Revolução Proletária Latino-Americana e Mundial extraordinariamente mais dificultosa ou substancialmente mais simplificada?

Essa convocação fortaleceria ou não a concepção jurídico-constitucional, ilusória e fantasiosa, de que apenas um Parlamento Constituinte, livremente eleito e soberano, legitimado junto às Assembléias Nacionais Piqueteiras e Populares, estaria efetivamente autorizado a operar intervenções estatais, severas e implacáveis, nas relações sócio-econômico-privadas do modo de produção capitalista remundializado ?

Eis algumas questões para cuja análise o presente estudo teórico-doutrinário pretende, de algum modo – ainda que limitada e escassamente – contribuir, ao ter em conta aquela formulação apresentada por Alícia Sagra, contida em seu artigo intitulado ¿ Salida Democrática o Salida Obrera ? :

 

“Un logro del proceso revolucionario es haber hecho reflexionar a las organizaciones de izquierda que están dando pasos para superar la dispersión existente.

Se ha formado una Mesa de la Izquierda, de donde surgieron declaraciones y acciones conjuntas.

Esa nueva realidad permitió que participásemos como bloque de los enfrentamientos del 20 de diciembre y que enfrentáramos unitariamente a la patota de Duhalde el 1 de enero.... 

Si leemos las declaraciones comunes, aparentemente no habría diferencias en ese aspecto, ya que hablamos de «salida obrera y popular », «gobierno de los trabajadores », «plan obrero alternativo », llamamos a construir coordinadoras, asambleas populares, etc.

Pero si vamos a la prensa y al accionar cotidiano de los partidos vemos que las cosas no son tan así.

Por ejemplo en los periódicos, volantes, pancartas del Partido Obrero, sin ninguna duda la consigna central no es el gobierno de los trabajadores, ni las asembleas populares, sino la Asamblea Constituyente.

Ese es planteo que hacen a los nuevos organismos que están surgiendo.

Y esa política, aunque con diferente intensidad, tambiém está siendo asumida por el MST, Izquieda Unida, y el PST.

Por eso decimos que a nivel de la Izquierda no está claro si la salida central planteada (para ahora, no para un futuro incierto) es obrera o es democrática.”[20]

 

 

 

ALTAMIRA PLANTEÓ LA CONSTITUYENTE

EN LA LEGISLATURA DE BUENOS AIRES

 

 

Fundamentos[21]

 

Señor Presidente :

 

La rebelión popular desarrollada durante la tercera semana de diciembre ha liquidado todo vestigio de legitimidad de las instituciones del presente régimen político y social. Comenzando por el gobierno y parlamento nacionales, se puso en evidencia la completa incapacidad y fracaso de dichas instituciones en darle una salida a las apremiantes necesidades del pueblo.

 

Con un agravamiento exponencial de la miseria social, la Ciudad de Buenos Aires no escapa a esta caracterización general. En este ultimo período, la desocupación ha alcanzado una cifra récord, superando inclusive en su ritmo de crecimiento a la media nacional. La pobreza y la indigencia abrazan a un número alarmante y creciente de familias trabajadoras. Los sin techo se multiplican, mientras se incrementa la cifra de desalojos y el hacinamiento en las villas y barrios carenciados. Las escuelas y hospitales sufren un deterioro imparable, privados de los materiales y obras imprescindibles para garantizar su continuidad y funcionamiento. Los programas sociales del Gobierno de la Ciudad han fracasado para responder a los requerimientos que reclama la actual situación. Ha sido incapaz, inclusive, para paliar en tiempo y forma, la emergencia alimentaria planteada en plena rebelión popular, cuando bolsones con alimentos esenciales tardaron hasta siete días en llegar a las barriadas y villas. La política cultural del Gobierno está liquidando sus principales pilares *teatro Colón, conservatorios* en aras de la política de "sponsoreo", es decir, de privatización cultural.

 

Mientras, se negaban reclamos esenciales a los explotados de la Ciudad, la administración de Ibarra *con la complicidad de la Legislatura*, aprobaba excepciones inmobiliarias, moratorias para los deudores evasores, otorgaba beneficios multimillonarios a los contratistas a través de un nuevo régimen de licitaciones y fomentaba la especulación inmobiliaria y financiera a través de la Corporación Puerto Madero y la Corporación del Sur.

 

Esta orientación social que privilegia a los banqueros, especuladores y monopolios capitalistas fue defendida en aras de la "creación de empleo" y del "desarrollo económico". Lo cierto es que el presupuesto porteño se ha convertido, crecientemente, en un coto de contratistas y de "corporaciones" privadas, sin que por ello haya parado de crecer un solo minuto la desocupación. Es esta orientación, compartida tanto por el gobierno aliancista nacional como el porteño, la que llevó al país al colapso.

 

Haciendo caso omiso a esta evidencia, el Jefe de Gobierno pretende ahora dar un golpe de mano y perpetuar esta política fracasada, haciendo aprobar entre gallos y medianoche el presupuesto, la ley tarifaria y código fiscal, que le otorgan superpoderes al Ejecutivo de la Ciudad.

 

La Ley de "Emergencia Económica y Social" que el Ejecutivo ha enviado a la Legislatura plantea el otorgamiento de facultades para actuar con total discrecionalidad respecto del presupuesto, creando o suprimiendo recursos y gastos, y pudiendo redistribuirlos a su antojo. Huelga señalar que de prosperar dicho proyecto, cualquier ley que se apruebe, empezando por el propio presupuesto, queda vaciada de contenido, ya que puede ser inmediatamente alterada por el Poder Ejecutivo apelando al uso de sus facultades especiales.

 

Ibarra pretende acaparar la suma del poder público en momentos en que la movilización popular acaba de tirar abajo a un gobierno nacional que se caracterizó, precisamente, por la concentración de poderes especiales. Recién cuando la nave se hundía y se generalizaba la indignación popular, el mismo parlamento cómplice que le entregó ese poder a ambos, se vio forzado a sacárselo. La ilegimitidad del acto que se pretende sancionar, ahora con el aval de la Legislatura, es aún más flagrante si se tiene en cuenta que la representación política actual en el Gobierno y Legislatura porteños se originan en una elección realizada en mayo del 2000, es decir, bien alejada de las transformaciones que se ha operado en el escenario político y en la opinión, actitud y conciencia de la ciudadanía.

 

El pueblo de la Ciudad, que se adueñó de sus calles y protagonizó el Porteñazo, salió a resolver por su cuenta, a través de su propia iniciativa, los graves y acuciantes problemas que se agravaban hora tras hora. Como nunca, quedó al desnudo la impotencia, no ya del gobierno nacional, sino de todos los gobiernos provinciales, incluido el de la Ciudad, aún cuando se jactan de palabra, de su supuesta "autonomía" con respecto a las políticas centrales. La iniciativa popular expresada en las históricas jornadas del 19 y 20 de diciembre constató con la completa falta de iniciativa por parte de los órganos de gobierno. Esa pasividad abarcó, también, a la conducta del gobierno porteño frente a la represión: aún cuando ésta se desarrolló *y con ribetes salvajes* a apenas veinte metros de la sede la Jefatura de Gobierno, no encontró otra respuesta por parte del Ejecutivo de la Ciudad que "un llamado telefónico al (ex) ministro Mestre" (declaraciones de Aníbal Ibarra a la televisión). Pero la pasividad ha abarcado también al poder Legislativo. ¿Acaso no es altamente ilustrativo que en momentos en que el país *¡pero principalmente la Ciudad!* estaba en llamas, en medio de la mayor crisis nacional, la Legislatura dejara de sesionar? Es un hecho que retrata la caducidad de las instituciones del Estado porteño y la necesidad de su reemplazo por otra organización política. Una Asamblea Popular Constituyente, que exprese a la voluntad soberana del pueblo y, en esa medida, se convierta en el ámbito apropiado para discutir y resolver los problemas que interesan a la población trabajadora y comience a reorganizar integralmente a la Ciudad sobre nuevas bases sociales.

 

Con este planteamiento, no hacemos más que darle forma jurídica a lo que dicta la propia realidad. Es decir, a lo que el pueblo ha sancionado a través de su movilización multitudinaria. La convocatoria de una Constituyente libre y soberana en el ámbito de la Capital Federal servirá, sin lugar a dudas, para trazar un rumbo al conjunto del país, en momentos en que el Gobierno nacional y el Congreso, copados por partidos responsables de las privatizaciones, las coimas, el hambre y la desocupación están completamente deslegitimados a los ojos del pueblo.

 

La Legislatura tiene la oportunidad de encabezar este proceso político de renovación. Si fuera capaz de dar ese paso *aún tardíamente por relación a la vorágine con que se están precipitando los acontecimientos* tendría reservado un lugar en la historia. De lo contrario, como ha pasado con otras instituciones anacrónicas, será presa de esos acontecimientos y será devorada por los mismos.

 

PROYECTO DE LEY

 

Articulo 1º. Se convoca a una Asamblea Constituyente en el ámbito de la Ciudad de Buenos Aires en un plazo máximo de 45 días. Esta Asamblea asumirá el gobierno general de la Ciudad, sustituyendo a los actuales poderes Ejecutivo y Legislativo.

 

Articulo 2º. Hasta la asunción de la Asamblea Constituyente, se constituye un gobierno colegiado integrado por representantes de todos los bloques parlamentarios de la ex Legislatura de la Ciudad, en sustitución del poder Ejecutivo y de la Legislatura de la Ciudad de Buenos Aires.

 

Artículo 3º. Comuníquese.

 

 

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS


 

 



 



[1] Vide, nesse sentido, LIEBKNECHT, KARL. Acerca da Justiça de Classe, São Paulo-Munique-Paris : Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2002, especialmente : Estado de Direito e Justiça de Classe, pp. 21 e 22.

[2]Passim PETRAS, JAMES. La Contraofensiva Imperial : Contradicciones, Desafíos y Oportunidades, in : Marxismo Vivo. Revista del Koorkom, Nr. 4, Deciembre de 2001, p. 44.

[3] Cf. LIEBKNECHT, KARL. Der neue Burgfrieden ( A Nova Paz Cidadã)(19 de Novembro de 1918), in : Dokumente und Materialien zur Geschichte der deutschen Arbeiterbewegung (Documentos e Materiais acerca da História do Movimento dos Trabalhadores Alemães), Série II, Vol. II, Berlim : Dietz, 1958, pp. 428 a 430.

[4]Cf. TUKHATCHEVSKY, MICHAIL N. Die Kampfhandlungen von Aufständischen während eines Aufstandes. Fortsetzung des letzten Kapitels(As Ações de Luta dos Sublevados Durante um Levante. Continuação do Capítulo Anterior), in : A. Neuberg. Der bewaffnete Aufstand. Versuch einer theoretischen Darstellung(O Levante Armado. Tentativa de uma Apresentação Teórica), Frankfurt a. M. : Georg Wagner, 1971, p. 241.

[5] Cf. LIEBKNECHT, KARL. Dokumente und Materialien zur Geschichte der deutschen Arbeiterbewegung (Documentos e Materiais acerca da História do Movimento dos Trabalhadores Alemaes), Série II, Vol. II, Berlim : Dietz, 1957, pp. 273 e 274.

[6]Presentemente, segue sendo decisivo ressaltar o efetivo caráter marxista-revolucionário de Karl Liebknecht, em face das atualíssimas produções corrosivamente oportunistas, delineadas por intelectuais vinculados ao Partido do Socialismo Democrático da Alemanha (PDS), os quais pretendem apresentar Liebknecht como um simples “político (Politiker)”, marcadamente identificável por seu matiz essencialmente idealista, desprovido de grande discernimento marxista-engelsiano. Em sentido paradigmático, examine-se o recentíssimo texto, inteiramente canhestro, da – assim designada pelo jornal alemão Junge Welt – proeminente Professora Doutora Laschitza, Annelies. Rosa Luxemburg und Karl Liebknecht – Ein biographischer Vergleich (Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht – Uma Comparação Biográfica), in : Mitteilungen der Kommunistischen Plattform, 8 de Janeiro de 2002.; tb. Junge Welt. An Sonnabend zu den Gräbern von Karl und Rosa (No Domingo, Vamos ao Túmulo de Karl e Rosa), 13 de Janeiro de 2000. Ora ! Toda e qualquer análise rigorosamente fundada, sob o ângulo dialético-materialista – i.e. não oportunisticamente social-filistina -, acerca do perfil revolucionário de Karl Liebknecht há de iniciar-se, sempre e invariavelmente, com o preclaro e lapidar parecer expendido por Lenin sobre um dos mais destemidos lutadores revolucionários de vanguarda que o proletariado alemão conheceu : “Karl Liebknecht : esse nome é conhecido pelos trabalhadores de todos os países. Por todos os lados ..., esse nome é símbolo da devoção de um dirigente em prol dos interesses do proletariado, da fidelidade à revolução socialista. Esse nome é o símbolo da luta realmente verdadeira, realmente sacrificante, incomplacente, contra o capitalismo. Esse nome é o símbolo da luta inconciliável contra o imperialismo, não em palavras, senão em ações, símbolo de uma luta que é disposta ao sacrifício precisamente quando a “própria” nação é envolvida pelo delírio de vitórias imperialistas.” LENIN, VLADIMIR I. Brief an die Arbeiter Europas und Amerikas (Carta aos Trabalhadores da Europa e da América), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXIII, Berlim, 1959, p. 384.

[7]Cf. LIEBKECHT, KARL. Trotz alledem ! (Apesar de Tudo !), in : Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), 15 de Janeiro de 1919.

[8] Cf. FLECHTHEIM, OSSIP K. Die KPD in der Weimarer Republik (O PCA na República de Weimar), Frankfurt a.M., 1969, p. 126.

[9] Cf.  VERFASSUNG DES DEUTSCHEN REICHS VOM 11. AUGUST 1919 (Constituiçao do Império Alemao, de 11 de Agosto de 1919), in : Reichsgesetzblatt (Diário Legal do Império), 1919, Nr. 152, pp. 1.383 e s.

[10]Acerca do tema, vide, mais amplamente, VON KÖLN, SCHMIDT.  O Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) e a Corrente Franco-Gramsciana de Atualização, Correção e Superação do Marxismo (Meta-Marxismo de Actuel Marx). A Enfermidade Gramsciana no Movimento Trotskysta Contemporâneo e nas Lutas de Emancipação do Proletariado, Moscou – São Paulo – Munique – Paris : Editora da Universidade Comunista Revolucionária J. M. Sverdlov, Novembro de 2000, pp. 3 e s.

[11]Nesse sentido, examine-se, mais profundamente, GRAMSCI, ANTONIO. Il Significato e i Risultati del III Congresso del Partito Comunista d’Italia (L’Unità, 24 de Fevereiro de 1926), in : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma, 1967, pp. 651 e s.

[12] Cf. TROTSKY, LÉON.  Lettera ai Bordighisti (Constantinopla, 25 de Novembro de 1929). Scritti sull’Italia (1921-1938), a cura di Dario Romero, in : http:// www. marxists.org /archive /noneng /trotsky, 1999.

[13]Cf. IDEM. Scritti sull’Italia (1921-1938), Roma : Controcorrente, p. 184.

[14]Cf. LENIN, VLADIMIR I. Thesen und Referat über bürgerliche Demokratie und Diktatur des Proletariats 4. März. I Kongreß der Komm. Internationale (Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e Ditadura do Proletariado de 4 de Março. I Congresso da Internacional Comunista), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de 1919), Berlim, 1959, pp. retro-mencionadas.

[15]Nesse sentido, vide, paradigmaticamente, os argumentos contidos no artigo publicístico do Professor Titular de Economia na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), RIEZNIK, PABLO. A Revolução Argentina. Bancarrota, Dissolução e Rebelião Popular, Tradução de Osvaldo Coggiola e Pedro Pomar, in : Outras Palavras, Revista Eletrônica do Grupo de Estudos e Pesquisas  Teoria Crítica e Educação, Ano 2, 2002.

[16]Acerca desse tema, vide mais detalhadamente VON KÖLN, SCHMIDT. ibidem, sobretudo Capítulo II.A : Atual Linha Político-Programática do SU-QI sob o Impacto do Gramscismo em Cinco Casos Específicos, pp. 76 e s.

[17]Cf. PARTIDO OBRERO. Marcha Nacional : 11-15 de Marzo, in : Prensa Obrera, Nr. 743, 28 de Fevereiro de 2002.

[18] Cf. IDEM. Editoral, Qué Debaten Las Asembleas Populares, in : ibidem..

[19] Cf. MST – UIT EN IZQUIERDA UNIDA. Surge la Asamblea Interbarrial en la Capital del País, in : Correspondencia Internacional. Argentinazo. Contra el Modelo del FMI y la Glöobalización, Nr. 17, Janeiro – Abril 2002, p. 8.

[20] Cf. FRENTE OBRERO SOCIALISTA – LIGA INTERNACIONAL DE LOS TRABAJADORES. ¿Salida Democrática o Salida Obrera ?, in : Lucha Socialista, Nr. 43, de 23 de Janeiro de 2002.

[21]Cf. PRENSA OBRERA. Altamira Planteó la Constituyente en la Legislatura de Buenos Aires, in: Prensa Obrera, Nr. 735, 27 de Dezembro de 2001.