II.A.3.

LUTA PELA CIDADANIA HIPERBÓLICA

COMO FORMA DE DEMOCRATIZAR RADICALMENTE

A SOCIEDADE CIVIL BURGUESA

E O ESTADO BURGUÊS,

ASCENDENDO À DEMOCRACIA SOCIALISTA

E AO SOCIALISMO  

 

 

Texto de Autoria de

Portau Schmidt von Köln

Emil Asturig von München

 

A Enfermidade Gramsciana

no Movimento Trotskysta Contemporâneo

e nas Lutas de Emancipação do Proletariado

Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky  

O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana

de Atualização, Correção

e Superação do Marxismo

(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)

 

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http://www.scientific-socialism.de/SUCapa.htm 

 

 

A compreensão da problemática relacionada com a lógica da cidadania enquanto parâmetro de elaboração e conformação do programa político das seções do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) adquire profunda e inquestionável importância nos nossos dias.[1]

 

 

Tal problemática não pode ser concebida, entretanto, em toda a sua dimensão teórica e implicações analíticas deixando-se de ter em conta a extensa penetração que o sentido e o significado da ideologia gramsciana adquirem para o delineamento da temática da cidadania na atualidade.

Com efeito, tal demonstra o presente trabalho, o gramscismo cadaveriza, nos dias de hoje, rápida e progressivamente, as concepções intelectuais dos principais ideólogos e dirigentes políticos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), precisamente na medida em que essa organização internacional consolida sua estreita colaboração e mercantilização de princípios doutrinários, consubstanciados na herança proletário-revolucionária do trotskysmo, com aqueles dos meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx e dos Espaces Marx, dedicados a corrigir, atualizar e superar a doutrina de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, no sentido da ideologia idealista-gramsciana(-crociana), revisionista e parasitária da tradição científico-socialista marxista-engelsiana, essencialmente hostil ao trotskysmo e mais refinadamente adaptada à atmosfera democrático-burguesa que domina e oprime intensamente as massas proletárias dos países capitalistas-imperialistas, bem como, adicionalmente, aquelas dos principais países situados na periferia da remundialização capitalista-imperialista.

É, efetivamente, correto afirmar-se que o SU-QI, abandonando o critério classista de emancipação do proletariado em favor da utilização daquele outro, vinculado à promoção da cidadania na formulação de seu programa político, condena, inevitavelmente, as ações de luta dos trabalhadores e demais socialmente oprimidos, no contexto do jugo despótico do capitalismo remundializante, à mais total impotência estratégico-política, fomentando o colaboracionismo de classes, os mitos e as ilusões jurídico-políticas democrático-burguesas e constitucionais-parlamentares, as tentativas de gestão democrática do sistema de exploração e opressão capitalista, em suma : a própria preservação existencial dos atuais Estados e Ordenamentos Jurídicos Burgueses.

Esse aspecto da problemática relacionado com a lógica da cidadania foi apresentado, recentemente, em seu aspecto histórico-sociológico e político-prático, por José Welmovicki, em seu artigo intitulado O Discurso da Cidadania e a Independência de Classe.[1]

 

 

Nessa sede, assinala Welmovicki :

 

„Importantes dirigentes de correntes que reivindicam o marxismo-revolucionário, como Catherine Samary e Jaime Pastor, ligados ao Secretariado Unificado da IV Internacional, propõem uma „estratégia socialista renovada“, baseada na colaboração de movimentos de cidadãos de distintas origens (ecologistas, desempregados, feministas etc.) que conformem redes européias e internacionais.“[2]

 

E, ao fim de seu artigo em destaque, Welmovicki aduz  :

 

„Qual o problema de fundo que a concepção da cidadania omite ?

Que a sociedade é divida em classes.

Que existem cidadãos proprietários dos meios de produção e cidadãos despossuídos. ...

Omitir essa oposição em nome de uma pretensa igualdade de todos a ser atingida dentro da sociedade atual desvia os explorados da busca necessária da unidade de classe para acabar com a exploração. E os deixa à mercê do canto de sereia por uma saída conjunta com seus exploradores sem radicalismo.

No movimento sindical, a ideologia da cidadania, em nome de „abrir o sindicato à sociedade“, prega a colaboração entre trabalhadores e empresários.

É a idéia do sindicato cidadão, que deveria participar lado a lado com os patrões na defesa do emprego, na luta contra a miséria, ou o analfabetismo.

É o que vem fazendo a direção da CUT brasileira que, há muito abandonou o discurso classista da década de 80 para adotar uma proposta de parcerias e programas integrados de „inclusão social“.“[3] 

 

Entretanto, o que permanece ainda por examinar, é a elucidação da relação que a lógica da cidadania, tal como referida pelos dirigentes e intelectuais do SU-QI, de Actuel Marx e dos Espaces Marx, mantém com a ideologia gramsciana, no sentido de confirmar a possibilidade de transformação do Estado e do Direito Burgueses, através de sua mais ampla e ilimitada democratização, como forma de ascender-se à Democracia Socialista e, por essa via, ao socialismo, enquanto primeira fase ou fase inferior do comunismo.  

Nesse sentido, a defesa do critério da cidadania, como parâmetro de elaboração, estruturação e conformação do atual programa político do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), situa-se, antes de tudo, na perpectiva da expansão máxima ou hiperbólica dos direitos e liberdades jurídico-burguesas das massas populares, como forma de bagatelizar, desvalorizar, subestimar e, finalmente, impedir a deflagração de uma revolução violenta do proletariado para a destruição do Estado Burguês e a imposição da Ditadura Revolucionária do Proletariado - incorporadora da mais ampla e historicamente superior Soberania proletária pavimentando, em sentido diametralmente contrário, a edificação da “Democracia Socialista como pressuposto e condição para a transição rumo a uma sociedade realmente comunista” e, nesse contexto, a solidificação de seus pressupostos estratégicos fundamentais : a luta pela “Conquista da Hegemonia para a Democratização Radical da Sociedade e Transformação do Estado, como forma de Passagem ao Socialismo” e por “Uma Europa Social e Democrática e um Mundo dos Cidadãos”.

Sendo assim, a abordagem da lógica da cidadania, tal como protagonizada pelos ideólogos do SU-QI, de Actuel Marx e dos Espaces Marx, será desenvolvida no presente subtítulo de modo mais particular, e, posteriormente, de modo mais genérico, no Capítulo III.

O presente texto já teve a oportunidade de salientar, em seu Capítulo I, à guisa de exemplo, que uma das mais importantes consignas levantadas, presentemente, pelo SU-QI é, precisamente, a da defesa de “Uma Europa Social e Democrática dos Cidadãos”, protagonizada, antes de tudo, nos dias de hoje, pelos parlamentares europeus da Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR), integrantes do grupo Esquerda Unitária Européia-Esquerda Verde Nórdica(GUE-NGL) que atua no seio do Parlamento da União Européia.

No quadro desse slogan, a LCR Francesa alega que, sendo gritante o déficit democrático da atualidade, no contexto do processo de estruturação das mais importantes instituições jurídico-políticas e econômico-financeiras da União Européia, estaria colocada a imperiosidade de deflagar-se uma “revolução democrática européia”, a fim de que a Europa possa se tornar a expressão dos seus cidadãos, no quadro da conquista de uma “soberania democrática européia”, materializada, em um primeiro plano, na redifinição das competências e das condições de eleição de um verdadeiro Parlamento Europeu e das demais instâncias representativas da União Européia.[5]  

 

      

Essa „revira-volta democrática radical“ seria a única capaz de dar corpo a uma „Europa dos Cidadãos“, marcada, antes de tudo, pela „Cidadania Econômica na Empresa“, onde se produziria um poder de trabalhadores, “condição de eficácia indispensável para que os assalariados e as populações retomem o controle de uma máquina econômica que opera contra seus interesses“.

Além disso, o presente texto já teve a oportunidade de destacar que a Tendência Democracia Socialista(DS), no quadro de seu „projeto socialista“,  em sua Tese 6 do documento Atualização do Programa do Partido dos Trabalhadores,  o qual assumiu tanta importância teórica para as demais seções nacionais do SU-QI, no que tange às suas discussões programáticas, a ponto de ser, por isso, publicado, em abril de 2000, nas colunas do órgão político oficial dessa organização internacional, i.e. a Revista INPREKORR, pronuncia-se da seguinte forma acerca da luta pela cidadania, como forma de alcançar mais controle sobre as atividades do Estado Burguês Brasileiro e expandir a forma política desse mesmo Estado, i.e. a democracia dos milionários, democracia essa efetivamente existente nesse país situado na periferia do processo de remundialização do imperialismo capitalista :   

 

„TESE 6 : O SOCIALISMO ENQUANTO AUTO-GOVERNO SOLIDÁRIO DO POVO ORGANIZADO.

 

Nosso programa democrático para o povo simples deve orientar-se em uma concepção de socialismo que tenha por objetivo a apropriação do controle dos mecanismos da direção econômica e política da sociedade pela população organizada(p. 10).  

Como perspectiva para a época atual e enquanto eixo para um programa democrático do povo simples, nossas propostas devem nitidamente ser mais limitadas : todas as formas de auto-administração e de controle social do Estado e do mercado devem ser desenvolvidas.

Enquanto perspectiva de curto-prazo, não defendemos nem o desaparecimento do Estado (no original alemão : Verschwinden des Staates) – o que é notório – nem sua redução.

Defendemos sua transformação : ele deve ser controlado, cada vez mais intensamente, por uma população organizada e consciente, que se constitua, mais e mais, como público real.

Nesse sentido, defendemos um enfraquecimento do Estado (no original alemão: Schwächung des Staates), i.e. seu enfraquecimento enquanto aparato politicamente autônomo.

Nossa experiência dos últimos anos são extremamente valiosas para uma concretização dessa perspectiva, porque existiram progressos na participação do povo em diversas administrações municipais, em particular em Porto Alegre, e devido a que esse processo pode ser agora expandido em nível do governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Essas experiências demonstraram que essa forma de tratamento da questão do Estado é tanto democrática como eficiente. ....

Afirmamos que, sob o ponto de vista democrático, uma redução do Estado (no original alemão : Reduzierung des Staates) e com isso uma expansão dos mercados capitalistas não faz nenhum sentido. Na realidade, isso conduziria a uma perda de possibilidades de decisão para o povo, i.e. a uma perda de democracia.

Afirmamos, porém, também, que, sob o ponto de vista democrático, um fortalecimento do Estado não faz nenhum sentido, se não se fortalecerem os mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado. 

Se a expansão da atividade do Estado (no original alemão : Ausweitung der Staatstätigkeit) ocorrer em combinação com um controle social sobre suas atividades, desenvolveremos as formas que possibilitam aos cidadãos e cidadãs alcançar mais controle sobre suas condições de vida ou, em outras palavras, expandiremos a democracia.

Nesse sentido, a „expansão“ da atividade do Estado contribui para o processo de seu desaparecimento (no original alemão : seines Verschwindens), no longo prazo, i.e. para sua retração na sociedade organizada  ...

No quadro de um governo democrático do povo e no curso do processo de transformação, surgirão as condições a fim de que possa ser resolvido um grande problema ( se não o maior deles ) no qual esbarram as iniciativas dos trabalhadores no domínio econômico regularmente, a saber : a pressão de se adaptar aos dados do mercado, i.e. de fazer seu o modo de ver das empresas(p.11).“[6]

 

 

 

Tomando-se conhecimento, pura e simplesmente, a partir dos extratos retro-mencionados, das fórmulas político-práticas, mais acessíveis, de „Sindicato Cidadão“, de „Cidadania Econômica na Empresa“, de “Uma Europa Social e Democrática e um Mundo dos Cidadãos”, de “desenvolver-se formas que possibilitem aos cidadãos e cidadãs alcançar mais controle sobre suas condições de vida ou, em outras palavras, expandir a democracia”, tal como propagadas, incansativa e profusamente, pela direção do SU-QI e por suas principais seções nacionais da atualidade, i.e. a Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR), da França, a Tendência Democracia Socialista(DS), do Brasil, e Bandiera Rossa(Rivista Marxista), da Itália, no seio das lutas do proletariado e dos demais socialmente oprimidos pelo despotismo do capitalismo imperialista remundializante da atualidade, ou mesmo contemplando-se, superficial e corriqueiramente, a consigna central do momento dos Espaces Marx, que permeia sua própria designação organizativa oficial, i.e. Espaces Marx Réseau International. Pour Une Construction Citoyenne du Monde, i.e. Espaços Marx Rede Internacional. Por uma Construção Cidadã do Mundo, servindo de slogan convocatório de seu próximo encontro mundial a ter lugar em Paris, Grande Halle de la Vilette, entre os dias de 30 de novembro e 2 de dezembro de 2000,  „Por uma Construção Cidadã do Mundo. Um Ano Após Seattle“, não transparece, cristalinamente, aos olhos do leitor interessado qual o sentido e significato teórico-doutrinários mais profundos e político-estratégicos mais contundentes que o critério da tão decantada luta pela cidadania assume nos contextos indicados.

Os principais dirigentes e ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI) cumprem, em verdade, um serviço deplorável ao introduzir tais palavras de ordem no seio das lutas proletárias de nossos dias sem fazer qualquer referência mais clara ao preciso arcabouço ideológico que as pretende fundamentar, i.e. a concepção de que o socialismo pode ser atingido, “sem guerra de movimento“, „sem guerra de manobra“, „sem ataque frontal“, protagonizado por Trotsky, „em um período em que esse é apenas causa de fiascos“, sem a edificação, enfim, da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla e historicamente mais avançada Soberania proletária.[7]    

 

 

Mais do que isso : é imprescendível assinalar que os principais e doutrinariamente mais ativos ideólogos do SU-QI da atualidade, i.e. Michaël Löwy, Daniel Bensaïd, François Vercammen, Catherine Samary, Lívio Maitan, não desenvolveram, em suas obras e artigos públicos, nada essencialmente de índole doutrinário-fundamental que pudesse conferir embasamento teórico mais profundo às consignas político-práticas que reproduzem, dogmática e sofisticamente, vulgar e alienadamente, em seus documentos oficiais : por “Uma Europa Social e Democrática e um Mundo dos Cidadãos”, „Cidadania Econômica na Empresa“, “desenvolver-se formas que possibilitem aos cidadãos e cidadãs alcançar mais controle sobre suas condições de vida ou, em outras palavras, expandir a democracia” etc. etc.

Em sua atividade de intenso, sistemático e subalterno colaboracionismo com os ideólogos de Actuel Marx e dos Espaces Marx, no sentido de um ecletismo doutrinário espúrio “trotskysta-gramsciano”, os mais expressivos intelectuais do SU-QI relegaram, completamente, a atividade de elaboração epistemológica e de fundamentação teórico-doutrinária da temática relacionada com o critério da cidadania – como forma de substituição, rejeição e expatriamento do critério classista de emancipação do proletariado –, aos mais egrégios e renomados pensadores meta-marxistas franco-gramscianos, professores sorbonnards, protagonizadores da correção, atualização e superação da doutrina de Marx e Engels, Lenin e Trotsky.

Esses últimos doutrinadores meta-marxista, empenhados em consolidar o gramscismo, em escala mundial, enquanto doutrina e política parasitária do marxismo, de essência idealista-subjetivista, classista-conciliacionista, projetam o debate acerca da cidadania entre o pano de boca do palco e o lugar da orquestra, sob as luzes da ribalta, não no sentido tradicional filosófico-jurídico e político-sociológico mais divulgado e protagonizado pelas doutrinas antigas, medievais e burguesas acerca do Estado e do Direito– mais acessíveis à compreensão dos militantes e ativistas proletários-revolucionários -, mas sim situam-no na perspectiva meta-marxista dos defensores da complexamente refinada ideologia gramsciana[8][9].

 

 

Com efeito, no que concerne ao sentido da crítica à concepção da ideologia tradicional jurídico-burguesa, a temática acerca da cidadania surge já essencialmente alinhavada, se tomada em precisa consideração as seguintes palavras redigidas por Karl Marx, em Acerca da Questão Judía, de 1843-1844 :

 

„Os droits de l’homme, os direitos do homem, distinguem-se dos droits du citoyen, os direitos do cidadão do Estado(no original alemão: Staatsbürgerrechten).

Quem é homme em distinção ao citoyen ?

Ninguém outro senão o membro da sociedade burguesa ...

Sobretudo, constatamos o fato de que os assim-chamados direitos do homem, os droits de l’homme, em distinção aos droits du citoyen, nada são senão os direitos do membro da sociedade burguesa, i.e. do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade. ...

A liberdade é, portanto, o direito de fazer tudo e tudo empreender, desde que não prejudique o próximo.

O limite no qual cada um pode se movimentar sem prejudicar o próximo é determinado pela lei, tal como o limite de dois campos é determinado por um poste de arame farpado.

Trata-se de uma liberdade do homem enquanto indivíduo isolado e recolhido em si mesmo  ....

O direito da liberdade não se baseia na ligação do homem com o homem, senão muito mais na separação do homem em relação ao homem.

É o direito dessa separação, o direito do indivíduo limitado em si mesmo.“[10]    

 

 

        

Com é possível entrever-se dessa citação de Marx relativa à sua análise do caráter dos direitos contidos na Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1789, a condição de citoyen é colocada, diretamente, em face da questão do Estado, i.e. „droits du citoyen“, direitos do cidadão do Estado(Staatsbürgerrechten).

Tendo-se em conta, por consegüinte, as atuais condições de opressão do Estado e do Direito Burgueses – tal como se trata de uma „sociedade burguesa“  como pressuposto da existência da condição de homme – a noção jurídico-política de cidadania, veiculada na presente época histórica de exploração e dominação do despostismo capitalista, haverá de estar sempre condicionada, necessariamente, pelo seu caráter de classe burguês.[11]

 

 

Inversamente, a luta por uma cidadania proletária pressupõe, sempre, a destruição dos aparatos estatais e jurídico-burgueses, mediante revolução violenta do proletariado hegemônico, em sentido dialético-materialista, e a instituição de um Estado e de um Direito Proletários, enquanto fase intermediária rumo ao atingimento do socialismo.

É, precisamente, nesse sentido que o artigo 15 da Constituição de Lenin e Sverdlov, a Constituição da Guerra Civil, promulgada em 10 de julho de 1918, proclamou, expressamente :

  

„Art. 15. A fim de assegurar autêntica liberdade de reunião para o povo trabalhador, a República Soviética Federativa Socialista Russa, reconhecendo o direito dos cidadãos da República Soviética de livremente realizar assembléias, atos, manifestações etc., coloca à disposição da classe trabalhadora e do campesinato pobre todos os edifícios adaptáveis para a realização de reuniões públicas, completos com móveis, iluminação e aquecimento.“[12]

 

 

 

No mesmo sentido, o mesmo diploma constitucional soviético, sufragado pelo V Congresso dos Soviets de Toda Rússia, presidido por Jakov Michailovitch Sverdlov, prescreveu, em seu artigo 18, de modo solene e claro :

 

„Art. 18. A República Soviética Federativa Socialista Russa declara ser o trabalho dever de todo cidadão da República e proclama o slogan : „Quem não trabalha, não come !“[13]

 

 

 

Sendo assim, a nova lógica da cidadania hiperbólica haveria de ser postulada de modo radicalmente diferente pelos meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx e dos Espaces Marx – bem como sufragada deploravelmente pelos prinicipais ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI) – a fim de poder renegar, cabalmente, a doutrina marxista acerca do tema, como nos dá conta o professor sorbonnard, de atual linhagem franco-gramsciana, antigo mao-stalinista-althusseriano, Etienne Balibar :

 

„“Ter direito de cidade“ : essa expressão, outrora, aplicava-se aos homens, doravante, ela se aplica, sobretudo, às idéias, aos problemas(p. 5). ...

É necessário retomar, a partir de mais alto, e – por tão improvável que possa parecer à primeira vista – investigar, em todos os níveis (local, nacional, transnacional) a convergência das práticas democráticas e das reformas, revoltas, revoluções, que relançarão, em um outro quadro, a dialética da cidadania, como estatuto individual, e a cidadania, como emancipação coletiva, para além da figura histórica do Estado nacional-social(p. 9). ...“ [14]

 

 

 

Tendo-se esse referencial de abordagem analítica, entretanto, em devida consideração, torna-se, então, extraordinariamente fácil entrever que a política de luta pela cidadania volta-se a fomentar a “guerra de posição” ou a “guerra de assédio”, tal como concebida por Gramsci, de modo a aspirar, supostamente, o atingimento do socialismo mediante a ”conquista do Estado”, realizada pelo proletariado, moral e intelectualmente dirigente, em sentido idealista-subjetivista, na base da tomada de „trincheiras, fortalezas e casamatas“ na “sociedade civil e política”, entendida essa última aqui em sentido lato, vale dizer promover a conquista da direção de instituições, associações e espaços culturais, políticos e econômicos, privados e públicos, que permitam ampliar, ao máximo, a democracia popular direta e a experiência associativa dos trabalhadores, rumando a partir daí, pretensamente, segura e sobretudo pacificamente, sem explosões de revoluções violentas e deflagrações de ataques frontais, dirigidos pelo protelariado – hegemônico na versão dialético-materialista de Lenin e Trotsky –, voltadas à destruição, à implosão e ao despedaçamento do Estado Burguês, para o atingimento do socialismo[15].

 

 

Cumpre demonstrar agora, documentalmente, quem são os mais prestigiados teóricos da luta pela cidadania hiperbólica ou integral e a maneira segundo a qual esforçam-se por corroborar, doutrinariamente, a caracterização retro-formulada, sobre as bases da ideologia gramsciana.

Em 1989, Etienne Balibar, professor da Universidade de Paris I (Panthéon – Sorbonne), dotado de expressivo e indiscutível renome mundial, formulou, em seu artigo intitulado Cidadão Sujeito. Resposta à Questão Jean-Luc Nancy : O Que Vem Depois do Sujeito, no estrito contexto da luta por uma transformação socialista da sociedade capitalista à maneira gramsciana, uma nova lógica da cidadania enquanto forma de consagração de sua “natureza hiperbólica”, através da luta por um “excesso de cidadania”.[16]

 

 

No quadro dessa luta empreendida em favor da “cidadania hiperbólica” ou do “excesso de cidadania”, o “cidadão sem qualidade” – tomando por Balibar em oposição ao “homem sem qualidade” de Piero Barcelona -, encontrando-se esmagado enquanto sujeito meramente consumidor de massa, sob a opressão da democracia de mercado capitalista procedimental, almejaria alcançar a mais perfeita plenitude de seus direitos políticos, a mais ampla democracia popular-direta e o mais extenso controle democrático, seja nas instituições mais típicas da sociedade civil burguesa, i.e. fábricas e empresas do campo e da cidade, movimentos grevísticos e sem-terra, sindicatos, favelas, associações de cultura e partidos políticos, como também no seio das instituições públicas, universidades, órgãos e entidades de Estado, poderes constitucionais instituídos etc[17][18].

 

 

Etienne Balibar, ex-militante de orientação mao-stalinista-althusseriana do Partido Comunista Francês(PCF), expulso desse partido em 1981, defendo, a partir de então, crescentemente posições vinculadas ao franco-gramscismo de Jacques Texier e Jacques Bidet, concebe a luta pela cidadania, dotada pressupostamente de “natureza hiperbólica”, no seio das instituições mencionadas considerando-as sem qualquer conteúdo marcante de classe, alegando, entretanto, existir a possibilidade de a lógica da cidadania, concebida nesse sentido, poder opor-se à lógica da propriedade privada e do modo de produção capitalista.[19]

 

 

Procurando  defender, consolidar, desenvolver e conciliar, plenamente, a lógica da cidadania, tal como equacionada novidadeiramente por Etienne Balibar em face do pensamento contratualista dos principais ideólogos de Actuel Marx, i.e. Jacques Texier e Jaques Bidet, André Tosel, professor de linhagem gramsciana da Sorbonne(Paris) e da Sophia Antipolis(Nice), assinalou, a seguir, de maneira meridianamente clara, em seu artigo intitulado Democracia e Servitude: Um Problema Aberto, publicado em 1991, qual o pretendido sentido e significado da nova lógica da cidadania, que haveria de inspirar as doutrinas e reflexões teóricas não apenas de Actuel Marx, do Partido Comunista Francês(PCF) e dos Espaces Marx, senão também a orientação político-prática dos principais dirigentes do SU-QI e de suas seções nacionais, nos anos seguintes :   

 

“É, pois, do lado da figura do cidadão, mas de um cidadão paradoxalmente projetado hiperbolicamente, para além dos limites da nação única, ao qual é necessário nos voltar para encontrar uma saída.

Aqui, é indispensável fazer aparecer a insuficiência de uma certa concepção da unidade da prática, desde há muito tempo desenvolvida pela tradição marxista(obs. : Tosel refere-se aqui sobretudo a tradição marxista de Lenin e Trotsky, porém também de Engels e do próprio Marx), em cujo quadro bastaria prolongar a tomada de consciência coletiva na tomada do poder do Estado e na formação do homem novo.

Haveria de se impor, pelo contrário, o paradigma da heterogeneidade dos níveis da prática e, mais particularmente, aquele da prática jurídico-política.

Basta dizer que a figura central não pode ser nem aquela do sujeito nem aquela do livre trabalhador explorado, mas sim aquela do cidadão integral.

Nossa situação nos obriga a voltar a isso : os direitos declarados em 1789 são aqueles do homem enquanto cidadão.

A democracia não pode ser senão a ordem instituída pela soberania do cidadão e isso determina a liberdade que não pode ser engendrada a não ser através e no interior da “res publica”, a comunidade do Estado, em uma tensão ineliminável com a liberdade definida como garantia da única propriedade privada.

A idéia é aquela de uma soberania igualitária, de uma liberdade fundada na igualdade e por ela engendrada.

Essa liberdade não tem outros limites senão aqueles que ela confere a si mesmo para poder respeitar a regra da igualdade e essa última enuncia : “O cidadão é um homem que goza de todos os seus direitos naturais, que realiza sua humanidade de homem livre porque é, simplesmente, igual a todo outro”.

Nesse sentido, esse princípio encontra-se sempre em uma instância infinita de realização e, bem longe de se petrificar em princípio formal, tende, por sua própria formalidade, a trabalhar nas relações de força para concretizar sua universalidade.

Nesse ponto, poder-se-ia perguntar se não possuiria atualidade a tese do contrato social, tal como a sugerem, cada a qual a sua maneira, Norberto Bobbio e Jacques Bidet(em Teoria da Modernidade seguida de Marx e o Mercado, Paris, 1990).

O primeiro propõe o alargamento social-liberal do liberalismo político clássico à custa do liberalismo econômico. O segundo sugere o aggiornamento(obs: Tosel quer dizer aqui a atualização) do marxismo no seu contato com a tradição liberal.”[20]

 

 

 

Confirmando e defendendo, então, a formulação da lógica da cidadania, tal qual concebida por Etienne Balibar, em face das teses políticas de Norberto Bobbio – voltada ao “alargamento social-liberal do liberalismo político à custa do liberalismo econômico” – e de Jacques Bidet – dedicada à “atualização do marxismo no contato da tradição liberal” , acrescenta o mais ínclito entre os mais festejados franco-gramscianos meta-marxistas de Actuel Marx, do PCF e dos Espaces Marx, André Tosel, demonstrando como a luta pela cidadania hiperbólica ou integral poderia, supostamente, conduzir à instituição de uma Democracia Neo-Contratualista ou Pós-Liberal, em inteira substituição e radical impedimento da Ditadura Revolucionária do Proletariado, defendida por Marx, Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky, essa última incorporadora da mais ampla e historicamente superior Soberania proletária :   

 

“Se o contrato social não se confunde com a esfera das relações contratuais inter-individuais que regem o mercado, ele tem o poder de tomar por objeto da contratualidade central a esfera da inter-individualidade econômica.

O princípio da cidadania hiperbólica, para retomar a feliz fórmula de Etienne Balibar, poderia ser traduzida em termo de um neo-contratualismo.

A democracia pós-liberal que poderia nascer, retomaria as esperanças abortadas pelo comunismo histórico (obs.: "comunismo histórico" traduzido do idioma filosófico-especulativo de Tosel em linguagem dos seres humanos normais significa : o Estado Proletário instaurado pela Revolução de Outubro, quer sob o regime leninista, quer sob o regime stalinista, indiferentemente - dado que os franco-gramscianos, i.e. Tosel, Texier, Bidet etc. não diferenciam substancialmente entre esses dois regimes políticos que consideram, tout simplement, ditatoriais) e revivificaria a tradição social-democrática, tornando-se, definitivamente, a democracia neo-contratualista :

Apenas ela teria em conta a diferença entre escravidão e o assalariamento, ela apenas assumiria as potencialidades que envolvem o assalariamento moderno, ao mesmo tempo fundado na livre associalibilidade e na inter-individualidade, subordinado aos mecanismos da submissão real do trabalho sobre o capital.

A democracia pós-liberal seria uma forma de vida suportada pelo procedimento estrutural da modernidade, o contrato universal, um contrato que poderia decidir acerca da parte reservada ao mercado e/ou ao plano, que poderia subordinar plano e mercado.”[21]       

 

 

 

Concluindo seu raciocínio, relativamente ao sentido e significado da lógica da cidadania de Etienne Balibar, no que concerne à construção de uma Democracia Cívica ou Cidadã, corolário necessário da Democracia Neo-Contratual ou Pós-Liberal, assinala André Tosel, como de costume, de modo ardiloso e sibilino, na mais plena e perfeita coerência com sua tão prezada ideologia gramsciana(-crociana), versão idealista-subjetivista do pensamento dialético-materialista de Marx e Engels, essencialmente renegadora do trotskysmo, revisionista e parasitária da tradição proletário-revolucionária marxista-leninista e mais sensivelmente adaptada aos preconceitos, fórmulas e mitos democrático-burgueses que dominam e oprimem as massas proletárias dos países capitalitas-imperialistas, e, adicionalmente, aquelas dos principais países situados na periferia da remundialização capitalista-imperialista :

 

“Levar em conta a instância da democracia da direta dos produtores, avançada e experimentada pelo movimento operário em suas mais significativas invenções – Marx e a Comuna de Paris, Lenin e os Soviets, R. Luxemburg e os Conselhos de Trabalhadores e Soldados, Gramsci e os Conselhos de Fábrica – pode ajudar a tomar medida da aporia(Tosel se refere aqui à aporia da soberania do povo), não a superá-la, porque a democracia é essencialmente representativa.

Aporia redobrada, quando se pensa que, em nosso século, o despotismo sempre coincidiu com a supressão de fato ou a limitação da representação.

Não podemos negar a formalidade jurídica no que ela tem de constitutivo e não podemos, além disso, esquecer a crítica do formalismo, sob pretexto de ela ter autorizado o comunismo real e seu despotismo(obs.: “comunismo real e seu despotismo” no idioma do grande mestre franco-gramsciano é aqui sinônimo de “comunismo histórico”, cujo significado, em linguagem dos seres humanos mortais, surge apontado em nossa citação anterior). ...

Nossas dúvidas sobre a atualização da contratualidade central não significa o retorno a uma afirmação da força contra a forma.

Elas tendem, pelo contrário, a esboçar uma dialética da força e da forma.

No momento, a problemática da cidadania nos parece mais fecunda que sua inscrição em uma temática generalizada do contrato.

Nada exclui, a priori, que o desenvolvimento das relações de força não coloquem na ordem do dia a lógica de uma cidadania voltando-se contra a lógica da propriedade e o despotismo do capital e de suas sobre-determinações.

Não se deve ao acaso o fato de que a reivindicação da abolição das diferenças de classes se tenha exprimido na linguagem igualitária da democracia cívica ou cidadã.

Se a transnacionalização do capital desperta, contraditoriamente, a partir das reivindicações diferencialistas – étnicas, nacionalitárias, regionalistas -, a cidadania diferencial que autorisa a se querer francês, italiano, alemão, ou basco, corso, ou africano, etc. é um momento particular da lógica da cidadania, quando essa última se particulariza em um território, em uma configuração étnico-cultural(p. 297).

Porém, essa particularização é, com efeito, parcial e exige que seja elucidado o horizonte de universalidade concreta que permite a essas particularidades dividir alguma coisa de comum que se revela, em última instância, como cosmopolítica, em sua extensão, e como pluri-determinada, em sua qualidade intensiva.

O princípio da cidadania segue uma lógica de abertura que o obriga a recolocar-se em questão, para a superar ou destruir a última figura de sua atualização.

A história do sufrágio e de sua universalização no quadro da nação, a da extensão dos direitos, de início civis, depois sociais, e hoje cívicos, no sentido de uma cosmo-polis, comprovam-no.

Não é mais possível limitar-se às definições institucionais já dadas, a isso em que todas essas definições são discutíveis e discutidas, porque os laços sensíveis em que se coloca a questão da cidadania não possuem a mesma estrutura.

Possamos retomar a feliz fórmula de Etienne Balibar : concernente à natureza hiperbólica da lógica da cidadania ...

O cidadão é o homem sem propriedade, sem signo particular, que afirma o excesso de sua reivindicação de participação pública e a extensão dos pontos de vista em que se constitui a divisão, seja tratando-se dos direitos civis, sociais, cívicos ou da inclusão de todos os que são deles excluídos na comunidade das “cives”.  

Nesse sentido, a cidadania sem qualidade, a cidadania-excesso sobre suas próprias determinações é uma categoria meta-política(p. 298).”[22]

  

 

             

Tal como é possível atestar-se da perspicaz argumentação do professor franco-gramsciano sorbonnard, André Tosel, “o cidadão é o homem sem propriedade, sem signo particular”, sendo que, entretanto, a figura central da lógica da cidadania “não pode ser nem aquela do sujeito nem aquela do livre trabalhador explorado, mas sim aquela do cidadão integral”.

Esse “cidadão integral” deve afirmar “o excesso de sua reivindicação de participação pública e a extensão dos pontos de vista em que se constitui a divisão, seja tratando-se dos direitos civis, sociais, cívicos ou da inclusão de todos os que são deles excluídos na comunidade das “cives””.   

Nada obstante, nessa afirmação do “excesso de sua reivindicação de participação pública” a cidadania projetada hiperbolicamente, por Balibar e Tosel, impede que o “cidadão integral” negue a sacrossanta ”formalidade jurídica, no que ela tem de constitutivo”, ainda que essa formalidade tenha sido concebida por Marx e Engels, segundo as lentes do secular Direito da exploração e da opressão de classes, o qual, em nossos dias, apresenta-se em sua forma ideológica burguesa-imperialista.

O resultado de tal “princípio da cidadania”, enquanto categoria “meta-política”, não poderia ser outro, senão o de veicular a luta pela cidadania hiperbólica ou integral como forma precisa de fomentar a mais ampla e ilimitada democratização da sociedade civil burguesa e do Estado Burguês, acreditando-se que dessa forma poder-se-ia alcançar, segura e sobretudo pacificamente, o socialismo, sem explosões de revoluções violentas e deflagrações de ataques frontais, dirigidas pelo proletariado - hegemônico na versão dialético-materialista de Lenin e Trotsky - voltadas à detruição, à implosão e ao despedaçamento do Estado Burguês.

Nesse preciso sentido, a lógica da cidadania, tal como formulada pelos ideólogos meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx, do PCF e dos Espaces Marx, e difundida, de maneira vulgar, pelos mais expressivos dirigentes e ideólogos do SU-QI, consagra, irrevogavelmente, as ações de luta dos trabalhadores e demais socialmente oprimidos, no contexto do jugo despóstico do capitalismo remundializante, à mais total bancarrota política, estimulando o conciliacionismo de classes, bem como os preconceitos jurídico-políticos democrático-burgueses, levando, por fim, a nada mais além do que a própria preservação existencial da exploração e opressão capitalista-imperialista, dos seus aparelhos de Estado e de Direito Burgueses.

Eis, portanto, como a ideologia gramsciana,  despregrada com a maestria especulativa de um dos grandes intelectuais de Actuel Marx, do Partido Comunista Francês(PCF) e dos Espaces Marx, projeta-se, incisivamente, na problemática do critério da cidadania, utilizado hoje, profusamente, pela direção do SU-QI, em substituição e abandono do critério classista de emancipação do proletariado.

O presente subtítulo restaria, porém, manifestamente incompleto se não apresentasse ao leitor os mais basilares argumentos de Etienne Balibar, formulados por sua própria pena, acerca da lógica da cidadania.

Para o cumprimento dessa tarefa, cumpre trazer à luz as formulações desse célebre pensador atualmente franco-gramsciano, outrora mao-stalinista-althusseriano, professor sorbonnard, condensadas em sua obra mais recente que, digamos assim, pretende coroar seu trabalho de uma década em prol da afirmação da cidadania projetada hiperbolicamente.

Em seu obra aparecida em 1998, sob o título Direito de Cidade. Cultura e Política na Democracia, Balibar assinala, com grande claridade :

 

„Ainda que seu conceito seja paradoxal, defendo que uma democratização da instituição das fronteiras (obs.: Balibar fala aqui de espaços, territórios, fronteiras sociais etc. em sentido amplo, e mesmo de „casamatas, fortalezas e trincheiras“, em sentido especificamente gramsciano) é indispensável, se quisermos instituir uma cidadania viável e vivível para todos(p. 6). ...

Não considero absolutamente que a desobediência à autoridade de Estado, a recusa de executar as leis cujo o conteúdo ou as condições de elaboração parecem contestáveis, constitua a essência da cidadania.

O individualismo do „cidadão contra os poderes“ não forma mais uma política tal como o anarquismo do „perecimento do Estado“ não funda uma comunidade(obs.: Fiel ao quadro da perspectiva gramsciana de conquista da sociedade civil e democratização do Estado Burguês, Balibar volta seus argumentos aqui, não apenas contra os anarquistas bachunistas, senão também contra Marx e Engels, Lenin e Trotsky, que defendem a destruição do Estado Burguês e o perecimento do Estado Proletariado a ser instituído, como forma de atingimento do socialismo).

Creio, contudo, que a cidadania e a comunidade não podem existir sem essa referência necessária à desobediência e mesmo sem que, periodicamente, o risco de recorrer a ela não seja efetivamente assumido....

Ela (i.e. a desobediência civil) é um comportamento político no sentido forte do termo, destinado a reconstruir as bases simbólicas do Estado(p. 10). ...

O que mobilizou (e mobiliza), por sua vez, intelectuais que se reivindicam, antes de tudo, cidadãos, não é, contrariamente ao que se tem lido, a nostalgia das figuras messiânicas do engajamento, a pesquisa de um substituto ridículo ao proletariado perdido. ...

Essa cidadania não será a-nacional ou anti-nacional, mas sim inevitavelmente transnacional : na ordem das referências simbólicas (a liberdade, a igualdade dos homens, sua solidariedade) como também na dos direitos sociais e econômicos.

Ela não será arbitrariamente anti-estatal, mas ela suporá, de toda forma, a retificação dos mitos do todo poderoso Estado-Nação „soberano“ e a desmultiplicação dos laços de sua instalação, portanto o alargamento considerável da esfera da publicidade das ações humanas.

Eu diria, no fim das contas, que ela passará pela civilização do Estado no duplo sentido da expressão – que deborda largamente a „civilização dos costumes“, no que ela não exige apenas de hábitos e virtudes, nem apenas leis, porém ideais e solidariedades, atos de revolta coletiva ou de insurreição e práticas de civilidade, segurança, resistência, no desenvolvimento da violência e da contra-violência(p. 12)“(grifos do autor)[23]       

 

 

 

No mesmo sentido, Balibar ainda observa :

 

„Não se trata de substituir o sentimento de impotência pelo sentimento do todo poderoso, i.e. por um discurso voluntarista : „nós somos os senhores do Estado“, „somos os mestres da economia“, finalmente, somos os mestres do mundo.

Existem coisas que estão muito mais imediatamente situadas ao nosso alcance e que foram sempre a própria substância do problema e da prática da cidadania : elas são, por uma parte, o controle dos poderes, e, por outra, a representação ou a representatividade efetiva dos indivíduos, dos grupos, de todos os interesses legítimos na sociedade, nas instituições e no Estado(p.125). ...

A consequência que disso deve-se tirar é a de que se terá, novamente, a cidadania na medida em que existam contra-poderes, um controle do poder, uma representação efetiva, em todos os níveis em que existem, efetivamente, poder e representação. ...

O segundo aspecto da política, sobre a qual me contentaria de dizer hoje duas palavras, é a tranformação social : talvez não a „transformação do mundo“, como havia escrito Marx, mas a das condições, das instituições e das estruturas(p. 126). ...

Para terminar, existe um nível da política que não se reduz a nenhum de seus precedentes. 

Ele não é nem a cidadania nem a transformação das estruturas sociais ou das formas de dominação de que dependemos, mas sim o que chamaria de civilidade.

Talvez alguém possa encontrar uma palavra melhor, porém essa mesma possui certas vantagens.

Tanto polidez como urbanidade são por demais fracas e não gosto muito de civilização, porque esse termo acompanha a idéia que existe bárbaros e selvagens e sabemos o que quer dizer levar a civilização aos outros.

Ora, nesse caso, não se trata de levar aos outros, trata-se de civilizarmos a nós mesmos, i.e. desenvolver formas de vida e de comunicação que nos permitam assumir uma certa distância em relação à histerilização das identidades a qual assistimos e  que, na realidade, nos subjulga a nós mesmos(p. 129).“[24]

 

 

 

Como é possível entrever das citações acima apresentadas, Etienne Balibar, professor da Universidade de Paris I, candidato natural ao posto de professor da cátedra de Educação Moral e Cívica da Sorbonne, advoga, fervorosamente, a luta pela cidadania viável e vivível para todos mediante o recurso à „desobediência civil“, a „atos de revolta coletiva“, à „insurreição“, à „resistência, no desenvolvimento da violência e da contra-violência“, visando a promover-se a civilização do Estado Burguês – supondo-se naturalmente que Balibar habite sobre o globo terrestre dos séculos XX e XXI e que, referindo-se, receptivamente, ao pensamento de Marx, não esqueceu que o Estado e o Direito são instrumentos que necessitam ser contemplados segundo a perpectiva classista.[25]

 

 

No quadro de sua sacratíssima cruzada cívica em favor da civilização do Estado Burguês, a defesa da cidadania hiperbólica teria o condão de reconstruir as bases simbólicas do Estado Burguês e democratizar a instituição das fronteiras.

Luta essa pela cidadania a ser travada, porém, „na ordem das referências simbólicas (a liberdade, a igualdade dos homens, sua solidariedade) como também naquela dos direitos sociais e econômicos“.

Projetando sua lógica da cidadania integralmente no quadro da ideologia gramsciana da „guerra de posição“, da conquista de „casamatas, fortalezas e trincheiras“, Etienne Balibar, convertido, agora, ao gramscismo meta-marxista de Actuel Marx e dos Espaces Marx, pretende demonstrar que, na substância do problema da “prática da cidadania“ situa-se a luta pelo „controle dos poderes“ e da „representação ou representatividade efetiva de todos os interesses legítimos na sociedade, nas instituições e no Estado“, voltada para a conquista de um balanceamento de poderes intermediários - „se terá, novamente, a cidadania na medida em que existam contra-poderes“, os quais, em sentido lógico-epistêmico do pensamento de Balibar, em nada se diferem da fórmula estratégico-política defendida pelo Barão de la Brède et de Montesquieu,  dela distanto, em sentido histórico-material, porém, por um interstício temporal de praticamente 300 anos, sem se considerar o fato importantíssimo de que a sociedade medieval diferia, substancialmente, das relações sócio-econônomicas e jurídico-políticas existentes sob o período de agonia do capitalismo imperialista remundializante da atualidade. 

Mais uma vez aqui encontra-se totalmente banido, i.e. sem qualquer Direito de Cidade, que Balibar alega intransigente e radicalmente defender, a perspectiva de luta do proletariado revolucionário na revolução violenta que dirige para a destruição, quebra e despedaçamento do Estado Burguês, desbaratando os respectivos poderes constitucionais desse último, a saber os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, a fim de erigir a Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla e, em sentido histórico, largamente mais avançada Democracia dos Proletários, escravizados e explorados pelo despotismo do capital.

Referindo-se aos escritos de Marx para remoê-lo, corrigí-lo, atualizá-lo, superá-lo e, finalmente, repudiá-lo, Etienne Balibar, em  sua defesa da ideologia gramsciana, discorre ainda acerca da luta por uma tranformação social”, transformação „das condições, das instituições e das estruturas, transformação também portanto de uma instituição social de primeira importância, i.e. a tranformação do Estado Burguês, tal como defende a Tendência Democracia Socialista(DS), seção brasileira do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI), em suas Teses para uma Atualização do Programa do Partido dos Trabalhadores, de abril de 2000.[26]

 

 

Almejando alcançar a civilização do Estado Burguês, o „controle dos poderes“ e a „representação ou a representatividade efetiva de todos os interesses legítimos na sociedade, nas instituições e no Estado“, Balibar apresenta ao leitor, então, o zênite de seus argumentos, a saber : a luta pela cidadania e pela transformação das estruturas sociais ou das formas de dominação não se reduziriam, mas sim implicariam, a luta em favor da civilidade, contra a histerilização de identidades, i.e. a luta pela civilização de nós mesmos, ou seja, do que já existe, i.e. a civilização da barbárie e da selvageria do capitalismo imperialista já existente na atualidade e reproduzida, quotidiana e violentamente, através sobretudo de sua imposição aos países situados no processo de recolonização do capitalismo imperialista remundializante – e, assim, portanto, não a derrubada implacável dessa bárbarie e selvageria capitalista-imperialista, mediante a deflagração de revoluções proletárias em todos os continentes do mundo.

Aplicando, então, sua lógica da cidadania no quadro da construção capitalista-imperialista européia, Balibar assinala, de modo efetivamente coerente com a perpectiva de promover a civilização do Estado Burguês, lançado as bases doutrinária para as consignas levantadas pela LCR Francesa e pelo Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI) em face da União Européia :

  

„É mais urgente manter aberta a dialética das diferentes noções necessariamente vizinhas, porém de nenhuma forma sinônimas : aquelas de comunidade e de exclusão, porém também aquelas de cidadania dos Europeus (entendendo por essa, de início, a identidade de „origem“, portanto o pertencer nacional prévio, com a qual franceses, alemães, gregos etc. entram em um campo de direitos e de obrigações comunitárias) de cidadania européia, de cidadania na Europa (ou de uma „Europa dos cidadãos“, disso concebendo, dessa vez, sobretudo, a idéia de um espaço de direitos cívicos e sua progressão que a Europa pretenderia fazer avançar), ou de cidadania aberta, transnacional, cuja a construção européia seria, por uma parte, no mínimo, o apoio.“[27]        

        

 

 

Etienne Balibar, demonstrando, então,  claramente, ao leitor que sua lógica da cidadania não tem absolutamente nada em comum com o pensamento de Marx e Engels, poupa o elaborador do presente texto, já bastante castigado pelas incontáveis agruras hiperbólicas do meta-marxismo franco-gramsciano, de prosseguir, indefinidamente, lançando mão de seu parco latim para patentear a mais ignóbil empresa teórica de Balibar no sentido de condenar as lutas e as mobilizações das massas trabalhadoras exploradas e oprimidas de todo mundo à mais integral impotência política e ao mais impudente colaboracionismo de classes, na busca do horizonte perdido de sua cidadania hiperbólica e da civilização do Estado Burguês, apanágios inseparáveis do mais conseqüente emprego da ideologia gramsciana :

 

„Para fazer-me compreender, eu evocaria, por um instante, as formulações que herdamos de Marx e Foucault, cuja incompatibilidade das filosofias tornam, no final das contas, a convergência tanto mais significativa. 

Muito cedo, como se sabe, Marx escolheu como objeto o socialismo utópico.

Porém, o sentido dessa crítica foi ocultado pela falsa alternativa do socialismo utópico e do socialismo científico, com os efeitos que se conhece(obs.: quais efeitos se conhece ? Os que Balibar conhece, segundo a cartilha, precedentemente, mao-stalinista-althusseriana, presentemente, gramsciana(-crociana) idealista-subjetivista ... )

O socialismo científico, é necessário dizê-lo bem claramente, não é oposto ao socialismo utópico (não mais do que o capitalismo científico, aquele dos prêmios Nobel da economia o é em relação ao capitalismo utópico, no qual se harmonizaria, naturalmente, os interesses dos indivíduos).

Ele representa, antes de tudo, seu resultado, sua transposição em uma linguagem positivista.

O sentido da crítica marxista da utopia não deve ser procurada do lado da ciência (cuja função é totalmente outra : de conhecimento, precisamente), porém sim no lado da prática e da concepção revolucionária(p. 13)....

Porém, convém também anotar que Marx e Foucault exploram, cada um à sua maneira, uma dimensão essecial da política, não como seu „outro“ absoluto, mas como sua diferença íntima, necessária, contrapartida de sua mobilidade inelutável ou de sua „historicidade“.(p. 14) ... 

Sem dúvida, o que mais importa para a reinvenção da política no mundo de hoje, seja como responsabilidade individual, seja como esquema de comunicação entre os grupos, é o encontrar, mediante a experiência, os lugares da ficção.(p.15)“[28]

 

 


EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS

 


[1] Observo ao leitor, desde logo, que o objeto limitado do presente subtítulo é abordar a problemática da lógica da cidadania tal como concebida pelo SU-QI, em seu colaboracionismo teórico-doutrinário com os meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx, do Partido Comunista Francês(PCF) e dos Espaces Marx. Nada obstante, cumpre salientar que o programa e a política da atual frente popular francesa ( ou do „bloco hegemônico“ para usar a terminologia da ala comunista dessa frente ), composta pelos socialistas de Hollande, comunistas de Hue, os verdes do ex-trotskysta do „Socialismo e Barbárie“, Cohen-Bendit, e ativistas do movimento pela cidadania de Chevènement – colaboradores do sistema institucional presidido pelo gaullista Chirac, do RPR, - levanta como principais eixos ordenadores „sociais“ de direção desse governo de coalizão a luta pela ampliação da cidadania, da democracia, dos direitos humanos e do Estado Direito, da defesa dos sans papier etc. Esses eixos surgem acompanhados de outras reivindicações democrático-burguesas como supremacia do legislativo, poder executivo colegial, não acumulação de mandatos, ao lado da encantadora Lei Aubry, relativa à redução da jornada de trabalho. Presentemente, são, em verdade, os impulsos dos intelectuais e políticos frente-populistas da França que conferem, preponderantemente, à dinâmica das lutas européias a análise sócio-reformista mais corrente de que, diante da derrota histórica do „comunismo histórico“ e o  „fracasso do paradigma marxista“, acarrentando consigo a ofensiva neo-liberal contra o todo sagrado Estado Social, Democrático e de Direito, torna-se inadiável o impulsionamento da luta contra a „désemancipation de la citoyenneté“ (Jean-Pierre Chevenement, Domenico Losurdo), em favor da „citoyenneté hyperbolique“ (Etienne Balibard), do „élargissement des droits sociaux-libéraux“ (Norberto Bobbio), no quadro de um „contratualisme centraliste“ (Jacques Bidet) ou néocontratualisme (André Tosel), conceitos políticos esses adiante analisados. Resulta, desde saída, evidente, mesmo na ausência de análise mais aprofundada, o significado desses termos sociológicos muito sedutores, mas que, em regra, represam o potencial das lutas dos trabalhadores explorados e dos demais socialmente oprimidos nos confins estreitos da ordem burguesa-democrática, fundada na dominação e no despotismo do capitalismo imperialista remundializante. De toda sorte, não apenas na França, mas também na Alemanha e na Itália, publicam-se, na atualidade, diversas obras acerca da necessidade do revigoramento da luta pela cidadania, em todos os níveis. Alain Supiot, da Universidade de Nantes, é um dos principais defensores da cidadania na empresa(1993). Fala-se, então, como moeda corrente, de „démocratie industrielle“ ou „industrial democracy“ ou „Wirtschaftsdemokratie“. Ulrich Muckenberger, da Universidade de Hamburg, fundado no pensamento de Jürgen Habermans, por sua vez, é um dos principais arautos da concepção de Empresa Cidadã(1992). Detlef Merten, da Universidade de Speyer-Berlim, escreve sobre o „Arbeitsbürger“ (o cidadão no trabalho) e o „Sozial-Bürger“  (o cidadão social)(1993). Jean Rivero defende as liberdades públicas na empresa(1988), Jean Savatier, a liberdade no trabalho (1990). Na Itália, Edoardo Ghera(1990) discorre no mesmo sentido dessa ou dessas cidadanias na empresa, na indústria, no trabalho, na sociedade, no movimento etc. e Norberto Bobbio, em inúmeras obras, defende a democracia nas empresas. Joël Boudant escreve, hoje, amplamente, sobre a cidadania européia. Assim, os frente-populistas de todos os gêneros almejam, na Europa de hoje, com base na doutrina desses pensadores, alcançar a cidadania hiperbólica, concebida originalmente por Balibar, em seu famoso „Citoyen Sujet. Réponse à la question de Jean-Luc Nancy. Qui vient après le Sujet ?“, Cahiers Confrontation, Paris, N. 20, Hiver 1989. Além disso, T. H. Marshall, com efeito, em suas obras de 1950, já tratava da cidadania no contexto das classes sociais, postulando a cidadania na empresa e o direito a um rendimento real. Nesse sentido, soam com pretensão de veracidade os argumentos de Jacques Bidet que indicam que, apesar da ambivalência e da equivocidade vernacular, as grandes doutrinas modernas – libéralisme, socialisme, conservatisme, social-démocratie ou communisme –, i.e. todas essas, de alguma forma, se alimentam dos mesmos paradigmas, a saber – citoyenneté, contrat, justice, participation, Etat de droit, etc. Acerca do tema, vide sobretudo Cf. BIDET, JACQUES. Démocratie et Modernité. Jalons pour une Théorie Générale, in : Les Paradigmes de la Démocratie. Actuel Marx Confrontation. Colloque du CNRS, 29-30 Mai 1990, organisé par la Revue Actuel Marx et l’Université de Paris X - Nanterre, sous la direction de Jacques Bidet, Paris : PUF, 1994, pp. 5 e s.

[2] Vide, acerca do tema, WELMOVICKI, JOSÉ. O Discurso da Cidadania e a Independência de Classe, in : Marxismo Vivo. Revista do Koorkom, Nr. 1, Junho/Setembro de 2000, pp. 66 e s.

[3] Cf. IDEM. ibidem, p. 66.

[4] Cf. IDEM. ibidem, p. 76. Aqui, entretanto, uma observação parece fazer-se necessária, sobretudo em relação ao título do artigo em referência „O Discurso da Cidadania e a Independência de Classe“. Existe um sentido diferenciado, nitidamente claro, na utilização das expressões „independência de classe“ e „independência da política e das organizações de classe“. A primeira expressão, „independência de classe“, apesar de ter-se generalizado amplamente no seio do movimento proletário do século XX, expressa, necessariamente, uma concepção confusa e equivocada, por incorporar uma lógica realista-construtivista, sendo que não é aquela adotada por Marx e Engels e preservada por Lenin e Trotsky. Tanto uns como outros falavam sempre, ou quase sempre, de „emancipação  ou libertação de classe“, i.e. Emanzipation ou Befreiung der untedrückten Klasse. Em verdade, o proletariado não se encontra em relação de dependência em face da burguesia – de modo a convir falar-se de „independência de classe“, sendo que, pelo contrário, é a burguesia que dele depende para, em sentido material, seguir, historicamente, sobrevivendo enquanto classe exploradora e opressora. O proletariado situa-se, efetivamente, em relação de exploração e dominação em face da burguesia e encontra-se submetido, em princípio, à vigência das leis materiais do modo de produção capitalista, daí porque Marx e Engels consagraram a expressão „Emanzipation der unterdrückten Klasse“, tomando emprestado o termo em destaque: Emanzipation, do léxico latino : e-mancipare, de e-mancipatio, nas línguas neo-latinas, literalmente, desescravização ou deservidão de classe. No idioma materno de Marx e Engels, lexicalmente mais rudimentar do que o latim, ainda que incomensuravelmente mais flexível e conformável, utilizaram eles, alternativamente, quase sempre, o termo mais comum „Befreiung“, i.e. libertação, quando não pretendiam empregar a forma latinizada Emanzipation. De toda sorte, jamais falaram de“Unabhängigkeit der unterdrückten Klasse“ ou ainda „Klassenunabhängigkeit“ i.e. independência de classe ... Uma situação totalmente diferente é falar-se de „independência da política e das organizações de classe“, essa última expressão plenamente coerente com a doutrina marxista e utilizada amplamente por Marx e Engels, Lenin e Trotsky. Assim, a luta do proletariado é voltada, antes de tudo, para sua emancipação ou libertação de classe, sendo que, para tanto, é indispensável o impulsionamento de sua luta por sua independência política enquanto classe. É nesse último sentido que, em verdade, parece escrever, com precisão, Welmovicki, quando assinala, na conclusão de seu artigo em destaque : „A real situação dos trabalhadores demonstra, ao contrário, que para lutar por esses direitos mínimos, que qualquer cidadão mereceria ter, se necessita de uma organização independente dos trabalhadores contra a reação burguesa! Essa organização independente, política e sindical, pressupõe uma consciência de classe e uma ação classista. Do contrário não se travará a luta. A batalha contra o neoliberalismo hoje exige uma luta de classes sem trégua. ... “ Cf. IDEM. ibidem, pp. 76 e 77.

[5] Nesse sentido, vide LIGUE COMMUNISTE REVOLUTIONNAIRE, Une Révolution Démocratique et Sociale. Urgence contre le Chômage. Pour une Europe Unie Démocratique et Socialiste, in : Propositions de la LCR pour une autre Europe. Au Parlement Européen. Documents, 1999.

[6] Cf. TENDENZ SOZIALISTISCHE DEMOCRATIE. These für eine Aktualisierung des Programms der Arbeiterpartei(Tese para uma Atualização do Programa do Partido dos Trabalhadores), in : INPREKORR. Internationale Pressekorrespondenz, Nr. 342, April 2000, pp. retro-referidas.

[7] Cf. GRAMSCI, ANTONIO, Quaderni del Carcere (1928-1937) – Passagio dalla Guerra Manovrata (e dall’Attacco Frontale) alla Guerra di Posizione anche nel Campo Politico, in: : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma, 1967, pp. 821 e s.

[8] No sentido tradicional retro-mencionado, a questão da cidadania é enfocada presentemente, na França, sobretudo por ROBERT, JACQUES. Préface à de la Citoyenneté, in : Geneviève Koubi & Jean Baudain. De La Citoyenneté, Colloque des 3, 4 et 5 novembre 1993, Faculté de Droit et de Sciences Politiques de Nantes, Paris : Litec, 1995, pp. II e s.; MADIOT, YVES. Citoyenneté. Un Concept à Facettes Multiples, in: ibidem, pp. 17 e s.; MOURGEON, JACQUES. Citoyenneté et Ordre Juridique, in : ibidem, pp. 23 e s.; CAPORAL, STÉPHANE. Citoyenneté et Nationalité en Droit Public Interne, in : ibidem, pp. 59 e s.; VINCENT, JEAN-YVES. Citoyenneté et Dignité : Les Exclus de la Citoyenneté par Décision de la Justice, in : ibidem, pp. 103 e s.; HELIN, JEAN-CLAUDE. Un Malade Hospitalisé est-il un Citoyen, in : ibidem, pp. 155 e s. Na perspectiva de uma cidadania cosmopolita, „aberta a todos os que, nacionais ou não, tenham mais de 21 anos e residam desde há um ano sobre o território da República“, vide LE COUR-GRANDMAISON, OLIVIER. Condorcet : Citoyenneté, République et Démocratie, in : ibidem, pp. 8 e s. No que tange à problemática levantada acerca da cidadania da União Euopéia, vide, desde essa mesma perspectiva filosófico-jurídica e histórico-sociológica eminentemente burguesa-crítica, antes de tudo, BOUDANT, JOEL. La Citoyennté Européenne, in : Geneviève Koubi & Jean Baudain. De La Citoyenneté, Colloque des 3, 4 et 5 novembre 1993, Faculté de Droit et de Sciences Politiques de Nantes, Paris : Litec, 1995, pp. 39 e s.;  LOCHAK, DANIELE. La Citoyenneté Européenne : Facteur d’Union ou Vecteur d’Exclusion ?, in : ibidem, pp. 52 e s.

[9] Nesse sentido propriamente franco-gramsciano, vide, antes de tudo, BALIBAR, ETIENNE. Droit de Cité. Culture et Politique en Démocratie, Paris : Editions de l’Aube,  1998, pp. 5 e s.; IDEM. Citoyen Sujet. Réponse à la Question de Jean-Luc Nancy : Qui Vient Après le Sujet ?, in : Cahiers Confrontations, Paris, Nr. 20, Hiver 1989, pp. 3 e s.; IDEM. „Droit de L’Homme“ et „Droit du Citoyen“ : La Dialeticque Moderne de l’Égalité et de la Liberté, in : Actuel Marx, Nr. 8, 1990, pp. 7 e s.; TOSEL, ANDRE. Democratie et Servitude : Un Probleme Ouvert, in : La Démocratie Difficile. Actes du Colloque Franco-Italien-Urbino, Mai-Octobre 1991, Paris VI : Diffusion Les Belles Lettres, 1993, pp. 293 e 294.; LOSURDO, DOMENICO. Le 20e. Siècle entre Emancipation et Désémencipation, in : ibidem, pp. 157 e s.; ROBELIN, JEAN. Faut-il Jeter au Feu la Critique Marxienne de la Représentation, in : ibidem, pp. 64 e s.

[10] Cf. MARX, KARL. Zur Judenfrage (Acerca da Questão Judía) (1843-44), in : Marx und Engels Werke. Gesamtausgabe(MEGA), Vol. II, Berlim : Dietz, 1982, p. 157. Acerca da problemática em exame, vide tb. comentários de ASTUTO R. GOMES, EMILIO. Banque Centrale Européenne(BCE) et Banques Centrales Nationales(BCN) du Système Européen des Banques Centrales : Réflexions Juridiques sur l’Indépendance de la Technobureaucratie Capitaliste Supranationale Responsable de la Poltique de la Monnaie et du Crédit au sein de l’Union Européenne, Thése de Paris, Paris, 1999, especialmente I.a. Citoyenneté Européenne et Capitalisme Oligopolistique Européen Supranational, pp. 35 e s.

[11] Acerca do tema, escreveu Rosa Luxemburg, brilhantemente, da seguinte forma : „O atual Estado não é, precisamente, nenhuma „sociedade“ no sentido da „classe trabalhadora ascendente“, mas sim é o representante da sociedade capitalista, i.e. um Estado de classe. Por isso, também a reforma social por ele manejada não é uma atividade do „controle social“, i.e. do controle da sociedade livre trabalhadora sobre o próprio processo de trabalho, senão um controle da organização da classe do capital sobre o processo de produção do capital“. Cf. LUXEMBURG, ROSA. Sozialreform oder Revolution ?  (Reforma Social ou Revolução ?)(1899), especialmente : Nr. 3 : Einführung des Sozialismus durch soziale Reformen (Introdução do Socialismo através de Reformas Sociais), , in : Rosa Luxemburg Gesammelte Werke, Vol. ½, Berlim, 1972, p. 392.

[12] Cf. CONSTITUTION OF THE RUSSIAN SOCIALIST FEDERATED SOVIET REPUBLIC, Adopted by the Fifth All-Russia Congress of Soviets (Adotada pelo V Congresso dos Soviets de Toda Rússia), Moscou, 10 de Julho de 1918, Chapter V, art. 15. Vide tb. comentários de STUTCHKA, PIOTR.  Constitutsia Grajdanskoi Voinyi (1918 - A Constituição da Guerra Civil. Tradução em Língua Portuguesa de Emil von München), in: Textos Jurídicos de Formação dos Juristas Socialistas da Classe Trabalhadora. Instituto Luís e Rosa Sunderman : Ed. Jurídica Socialista dos Trabalhadores, São Paulo-Munique-Paris, 2000.

[13] Cf. ibidem,  Art. 18.

[14] Cf. BALIBAR, ETIENNE. Droit de Cité. Culture et Politique en Démocratie, Paris : Editions de l’Aube,  1998, pp. retro-mencionadas. Em sua exposição, apresentada no seminário franco-europeu de pesquisa sobre o Estado, soberania nacional e construção européia, do Ministério da Pesquisa e da Tecnologia da França, de 12 de fevereiro de 1993, em que participaram Eric Hobsbawn e Emmanuel Terray, Etienne Balibar assinalou ainda o seguinte, quanto a pretender resituar, novidadeiramente, a problemática da abordagem da lógica da cidadania : „As reflexões que seguem não pretendem traçar o contorno sobre a questão da cidadania européia, porém fornecer alguns elementos em vista de um posicionamento de suas implicações. Essa abordagem é ditada não apenas pelo caráter prospectivo do seminário no qual nos inserimos,  mas também pela convicção de que os temas : „Europa dos Cidadãos“, a „Cidadania Européia“, não podem, hoje, ser objeto nem de um tratamento jurídico puramente normativo (em nível legislativo ou regulamentar), nem de um tratamento dedutivo(a partir de um conceito pré-existente de cidadania e de cidadão). O que eles reclamam é, sobretudo, uma reflexão de seus mecanismos, de suas tensões, de suas contradições“. Cf. IDEM. ibidem, p. 43.

[15] Acerca desses argumentos, vide GRAMSCI, ANTONIO. La Conquista dello Stato(L’Ordine Nuovo, 12 de Julho de 1919), in : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma, 1967, pp. 218 e s.; IDEM. Lo Stato e il Socialismo(L’Ordine Nuovo, 28 de Junho-5 de Julho de 1919), in : ibidem, pp. 210 e s.; IDEM. Socialisti e Anarchici(L’Ordine Nuovo, 20-27 de Setembro de 1919), in : ibidem, pp. 237 e s.; IDEM. Quaderno del Carcere Nr. 19 (1928-1937) - Il Problema della Direzione Politica nella Formazione e nello Sviluppo della Nazione e dello Stato Moderno in Italia, in : Antonio Gramsci. Disgregazione Sociale e Rivoluzione. Scritti sul Mezzogiono, Napoli : Liguori Editore, 1996, p. 188.; IDEM. Quaderni del Carcere (1928-1937) – Passagio dalla Guerra Manovrata (e dall’Attacco Frontale) alla Guerra di Posizione anche nel Campo Politico, in: : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma, 1967, pp. 821 e s. Sobre esse tema, vide, mais ainda mais detalhadamente,  o Capítulo III da presente investigação.

[16] Acerca do tema, vide BALIBAR, ETIENNE. Citoyen Sujet. Réponse à la Question de Jean-Luc Nancy : Qui Vient Après le Sujet ?, in : Cahiers Confrontations, Paris, Nr. 20, Hiver 1989, pp. 3 e s.; IDEM. „Droit de L’Homme“ et „Droit du Citoyen“ : La Dialeticque Moderne de l’Égalité et de la Liberté, in : Actuel Marx, Nr. 8, 1990, pp. 7 e s.

[17] Acerca do tema, vide BARCELONA, PIERO. L’Individualismo Proprietario, Torino : Boringhieri, 1985, pp. 101 e s.

[18] Segundo os argumentos de Etienne Balibar : „Recolhendo ensaios e intervenções desses últimos anos, inéditas ou surgidas nos diversos jornais, revistas e obras coletivas, gostaria de convencer o leitor a conceder direito de cidade, na França, às questões vivas da cidadania. Dir-se-ia que elas se encontram entre as mais rebatidas, ao ponto de não ser mais praticamente possível apresentar qualquer temática que seja, trate-se da educação, da empresa ou dos serviços públicos, da responsabilidade dos eleitos e dos costumes políticos, do movimento associativo ou das funções da cultura, sem fazer intervir os adjetivos de „cívico“ e de „cidadão“. ... Assim, é de considerar-se o problema dos fundamentos da obediência coletiva, ou da aplicação dos princípios da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão nas condições históricas novas, porém também o estatuto do estrangeiro na nação, ou a articulação dos conflitos do mundo e da cidade com os desenvolvimentos contemporâneos da antropologia e das artes plásticas“. Cf. BALIBAR, ETIENNE. Droit de Cité. Culture et Politique en Démocratie, Paris : Editions de l’Aube,  1998, p. 5

[19] Nesse sentido, vide tb. BALIBAR, ETIENNE. „Droit de L’Homme“ et „Droit du Citoyen“ : La Dialeticque Moderne de l’Égalité et de la Liberté, in : Actuel Marx, Nr. 8, 1990, pp. 7 e s.

[20] Cf. TOSEL, ANDRE. Democratie et Servitude : Un Probleme Ouvert, in : La Démocratie Difficile. Actes du Colloque Franco-Italien-Urbino, Mai-Octobre 1991, Paris VI : Diffusion Les Belles Lettres, 1993, pp. 293 e 294.

[21] Cf. IDEM. ibidem, pp. 294.

[22] Cf. IDEM. ibidem, pp. retro-mencionadas.

[23] Cf. BALIBAR, ETIENNE. Droit de Cité. Culture et Politique en Démocratie, Paris : Editions de l’Aube,  1998, pp. retro-mencionadas.

[24] Cf. IDEM. Ibidem, pp. retro-referidas.

[25] Essa perspectiva político-estratégica, plenamente contraditória do pensamento de Etienne Balibar, surge também retratada nos raciocínios mais recentes de Antonio Negri, quando assinala acerca da garantia da cidadania, dando relêvo às lutas sociais, posicionadas em abandono das lutas proletárias  : „Garantia de Cidadania. Não existe maior ilusão entre aqueles que querem lutar contra o Império sobre a base do Estado-Nação. É apenas movendo-se no interior do Império que poderemos rebelar-nos. Para fazê-lo, é imprescindível entender que o Império é um enorme ordenamento biopolítico, de produção de subjetividade. É aqui, nesse terreno, dentro desses longos sendeiros, que se forma a oposição. Em todos os sentidos. Não existe uma única linha que possa ser perseguida : existem milhares e apenas se são milhares são eficazes. Trata-se de opor-se ao Império, pedindo-lhe cidadania para todos, garantia de renda para todo cidadão, Direito de emigração para todo homem, Direito para todo grupo produtivo de apropriar-se não apenas de uma quota de riqueza, senão ainda de uma quota de poder. Trata-se de colocar o Direito de cidadania na esfera mundial. Trata-se de transformar a condição biopolítica da produção e da cooperação em força, em biopoder a ser oposto àquele do capitalismo (e dos direitos humanos que esse prescreve). Para empurrar o Império rumo à catástrofe, carece levá-lo a sério. E, pois, rechaçar cada rito, mesmo aqueles da OTAN como os de Milosevic. Mutter Courage ensina mais sobre o modo de resistir a essa guerra do que todas as experiências de pacifismo dos séculos passados. Ou melhor, apenas a deserção pode nos salvar. Lutas Sociais. Nos anos que passaram, estávamos habituados a viver no ciclo da luta proletária. Os ciclos de luta pacifista normalmente ligavam-se a ciclos de luta econômico-política. Agora, essa ciclicidade não pode ser mais reconhecida. Entretanto, fios secretos mais fortes ligam as grandes lutas dos anos 90, desde Tien An Men a Berlim, de Los Angeles a Chiapas, de Paris a Seul : todas essas lutas repropõe um velho adágio ainda válido : transformar a reorganização imperial em luta social. A guerra social no Império é realizada movendo-se nos espaços. Não, não será certamente no Palácio Chigi que reencontraremos o poder. Será indo o mais longe possível dele. Recusando-se. Recusando obediência e produção. Insensíveis ao poder e a todas as pompas. Fugindo sempre para impedir que a destruição e a corrupção desmoronem sobre nós, a destruição da guerra e a corrupção desse poder insensato. Construindo além de legitimidades, biopolíticas que destruam a própria possibilidade do poder exprimir-se.“ Cf. NEGRI, ANTONIO. Il Declino della Civiltà, in : Alias. Il Manifesto, Nr. 16, 17 de Abril de 1999.

[26] Vide, nesse sentido,  TENDENZ SOZIALISTISCHE DEMOCRATIE. These für eine Aktualisierung des Programms der Arbeiterpartei(Tese para uma Atualização do Programa do Partido dos Trabalhadores), in : INPREKORR. Internationale Pressekorrespondenz, Nr. 342, April 2000, pp. retro-referidas.

[27] Cf. BALIBAR, ETIENNE. ibidem, p. 69.

[28] Cf. IDEM. ibidem, pp. retro-indicadas.



[1] Vide, acerca do tema, WELMOVICKI, JOSÉ. O Discurso da Cidadania e a Independência de Classe, in : Marxismo Vivo. Revista do Koorkom, Nr. 1, Junho/Setembro de 2000, pp. 66 e s.

[2] Cf. IDEM. ibidem, p. 66.

[3] Cf. IDEM. ibidem, p. 76. Aqui, entretanto, uma observação parece fazer-se necessária, sobretudo em relação ao título do artigo em referência „O Discurso da Cidadania e a Independência de Classe“. Existe um sentido diferenciado, nitidamente claro, na utilização das expressões „independência de classe“ e „independência da política e das organizações de classe“. A primeira expressão, „independência de classe“, apesar de ter-se generalizado amplamente no seio do movimento proletário do século XX, expressa, necessariamente, uma concepção confusa e equivocada, por incorporar uma lógica realista-construtivista, sendo que não é aquela adotada por Marx e Engels e preservada por Lênin e Trotsky. Tanto uns como outros falavam sempre, ou quase sempre, de „emancipação  ou libertação de classe“, i.e. Emanzipation ou Befreiung der untedrückten Klasse. Em verdade, o proletariado não se encontra em relação de dependência em face da burguesia – de modo a convir falar-se de „independência de classe“, sendo que, pelo contrário, é a burguesia que dele depende para, em sentido material, seguir, historicamente, sobrevivendo enquanto classe exploradora e opressora. O proletariado situa-se, efetivamente, em relação de exploração e dominação em face da burguesia e encontra-se submetido, em princípio, à vigência das leis materiais do modo de produção capitalista, daí porque Marx e Engels consagraram a expressão „Emanzipation der unterdrückten Klasse“, tomando emprestado o termo em destaque: Emanzipation, do léxico latino : e-mancipare, de e-mancipatio, nas línguas neo-latinas, literalmente, desescravização ou deservidão de classe. No idioma materno de Marx e Engels, lexicalmente mais rudimentar do que o latim, ainda que incomensuravelmente mais flexível e conformável, utilizaram eles, alternativamente, quase sempre, o termo mais comum „Befreiung“, i.e. libertação, quando não pretendiam empregar a forma latinizada Emanzipation. De toda sorte, jamais falaram de“Unabhängigkeit der unterdrückten Klasse“ ou ainda „Klassenunabhängigkeit“ i.e. independência de classe ... Uma situação totalmente diferente é falar-se de „independência da política e das organizações de classe“, essa última expressão plenamente coerente com a doutrina marxista e utilizada amplamente por Marx e Engels, Lênin e Trotsky. Assim, a luta do proletariado é voltada, antes de tudo, para sua emancipação ou libertação de classe, sendo que, para tanto, é indispensável o impulsionamento de sua luta por sua independência política enquanto classe. É nesse último sentido que, em verdade, parece escrever, com precisão, Welmovicki, quando assinala, na conclusão de seu artigo em destaque : „A real situação dos trabalhadores demonstra, ao contrário, que para lutar por esses direitos mínimos, que qualquer cidadão mereceria ter, se necessita de uma organização independente dos trabalhadores contra a reação burguesa! Essa organização independente, política e sindical, pressupõe uma consciência de classe e uma ação classista. Do contrário não se travará a luta. A batalha contra o neoliberalismo hoje exige uma luta de classes sem trégua. ... “ Cf. IDEM. ibidem, pp. 76 e 77.