II.D.
MAO-STALINISMO, DEMOCRATISMO HUMANISTA
E FRANCO-GRAMSCISMO
Texto de Autoria de
Portau Schmidt von Köln
Emil Asturig von
München
A Enfermidade
Gramsciana
no Movimento
Trotskysta Contemporâneo
e nas Lutas
de Emancipação do Proletariado
Polêmica
Trotsky e Gramsci : Gramsci e Trotsky
O SU-QI e a Corrente
Franco-Gramsciana
de Atualização,
Correção
e Superação do Marxismo
(O Meta-Marxismo de
Actuel Marx)
Voltar ao Índice Geral
http://www.scientific-socialism.de/SUCapa.htm
Entretanto, no ano
de 1968, o maoísmo, concebido supostamente enquanto crítica de esquerda ao
stalinismo e aos partidos comunistas stalinizados, expandiu-se,
consideravelmente na França, em decorrência dos acontecimentos
do Levante
de Maio em Paris e da Revolução Cultural Chinesa, sufocando,
em grande parte, a dinâmica das produções intelectuais de reinterpretação do
marxismo, no sentido franco-gramsciano, impulsionado pelo recém-surgido
agrupamento de acadêmicos franceses ligados ao PCF.
Com efeito, nesse
ano, o Partido Comunista Francês (PCF) e sua elite de burocrátas
stalinistas fiéis à Moscou, sob a direção de Waldeck
Rochet, em associação com a CGT Francesa, de Georges
Séguy, caluniaram e trairam, sistemática e vergonhosamente, o
espontâneo levante dos estudantes da Universidade de Paris - Sorbonne.
Qualificando estes
últimos de falsos revolucionários e arruaceiros de rua à serviço da burguesia,
seja no levante de Nanterre, seja na Manifestação de 13 de Maio dos 4
milhões rumo à Torre Eiffel, o PCF e a CGT buscaram assegurar
seu controle sobre o movimento deflagrado, bem como transmitir sustentação à
política burocrático-moscovita de coexitência comum no quadro da Guerra
Fria.
Para tanto,
valiam-se de métodos clarevidentes de manipulação das propostas de greve geral
e das lutas dos trabalhadores franceses da Sud Aviation, da Renaud,
da Citroyen.
Waldeck Rochet, seguindo, sem piscar pálpebras, as determinações do Partido
Comunista da URSS, estava orientado para tolerar um certo volume de
turbulências e exasperações de rua e de greves, desde que tais não
comprometessem a permanência de Charles de Gaulle na direção
política do Estado Burguês-Imperalista Francês, em seu plano de
legitimar-se, em sentido jurídico-constitucional, através da celebração de um
referendo popular.
Quando em 29
maio de 1968, o movimento dos estudantes e das massas parisienses
tornaram-se abertamente explosivos e nitidamente ofensivos, embatendo-se, impiedosamente,
contra as forças de repressão dos destacamentos militares franceses, Rochet
e Séguy não hesitaram em negociar um acordo mínimo de aumento de 10 %
para os salários dos trabalhadores metalúrgicos franceses, visando a,
claramente, retirarem-nos do cenários da luta de classes, e facilitar a
declaração de ilegalidade das organizações estudantis rebeladas, bem como a
ocupação da Sorbonne pelas tropas de choque, movidas a soldo da
burguesia-imperialista francesa.
No quadro das
lutas de 68, a aberta traição das lutas e os métodos de calúnia do PCF
e da CGT
conduziram, progressivamente, à busca de um novo referencial ideológico-teórico
ultra-esquerdista, de matiz marxista-maoísta, por parte de alguns setores da
militância dessas organizações, bem como das agremiações estudantis francesas[1].
Com efeito, o
posicionamento ideológico do maoísmo clamava pela promoção de uma ruptura
epistemológica radical entre ciência e ideologia, visando a promover a
depuração, em todas as obras dos pensadores marxistas - incluindo as próprias
obras de Marx e Engels -, dos elementos científicos em face daqueles
considerados como ideológicos.
A reformulação
maoísta do marxismo defendia, além disso, a luta contra o revisionismo dos
partidos comunistas stalinizados, que alimentavam, abertamente, crenças em
sistemas jurídico-burgueses de democracia representativa e de frentes
populares.
Ele clamava pela
denúncia impiedosa da ideologia jurídica dos Estados opressores e de seus
aparelhos ideológicos, na trilha da construção de uma nova tática frentista,
considerada como autenticamente revolucionária, no sentido da doutrina de Mao
Zedong.
O pensamento
eclético, de índole marxista-maoísta, produzido por Louis Althusser, perpassado
por sua defesa teórica das rupturas epistemológicas e de uma cientificidade
pura, deram expressão na França, no quadro dos eventos de
1968, aos anseios de certas forças estudantis e militantes do PCF que
pretendiam atacar as diversas práticas stalinistas consolidadas historicamente
pela direção de Thorez e Politzer, Rochet e Séguy.
Acerca do tema, Nahuel
Moreno assinalou, nitidamente, o seguinte :
“Althusser
não oculta sua admiração por Mao Zedong e sua teoria sobre a contradição como
um exemplo de seu método no campo prático-político. Para Mao, existe em um
momento histórico contradições antagônicas e não antagônicas relacionadas entre
si. Quando o Japão invadiu a China, p. ex., a contradição antagônica era
China-Japão e a ela permaneciam subordinadas as contradições não antagônicas,
como burguesia-proletariado chinês etc.
Essa
concepção leva à teoria das etapas da revolução – uma democrático-burguesa,
outra socialista – e não a combinação entre etapas. Até que uma contradição
antagônica, imperialismo-China ou feudalismo-burguesia Rússia, não se
solucione, não se podem transformar as contradições não antagônicas em
antagônicas. É um critério mecânico que não leva em conta as mudanças nas
relações entre as contradições, quando, na realidade, as contradições têm entre
si relações contraditórias e combinações momentâneas, instáveis, dinâmicas.
Isso
significa que, cedo ou tarde, as antagônicas (a burguesia e os latifundiários
chineses) unir-se-ão à sua antagônica (o imperialismo), tornando-se não
antagônicas, deixando sozinhos o proletariado e o campesinato para enfrentá-los
a todos, como o antagonista de todos os exploradores. O caso é que Mao e seu
admirador não foram capazes de assimilar o estruturalismo no marxismo, no mais
profundo desse. Nesse sentido, não seguiram as preciosas indicações de Marx.”[2]
No sentido da
realidade histórica do stalinismo francês de fins dos anos 60, os
posicionamentos teóricos de Althusser pareciam, entretanto,
fornecer, armas poderosas para o impulsionamento de uma crítica impiedosa do “modelo
soviético” no interior do PCF, propondo, entretanto, em
sentido político-estratégico, nada mais do que um despertar cultural visionário
e alucinante das massas exploradas por uma elite dirigente semi-messiânica,
edificada segundo o modelo do Partido Comunista da China.
A teoria crítica
dos aparelhos ideológicos de Estado, que se converteu em palavra-de-ordem da
doutrina mao-stalinista-althusseriana, foi, nesse contexto, intensamente propagandeada,
sobretudo nos trabalhos de Louis Althusser e Roger
Establet.[3]
No quadro do
impacto das reformulações althusserianas e da crise de recomposição das forças
dirigentes do burocratismo stalinista do PCF, o Manifesto de Champigny do PCF, de
1968, afirmou, programaticamente, uma perspectiva política de não
rejeição da violência revolucionária, das lutas extra-parlamentares, dos
combates ideológicos e políticos contra a exploração e opressão do imperialismo
francês, bem como o reconhecimento formal da consigna relativa à Ditadura
do Proletariado.
Sem embargo, já na
primeira metade dos anos 70, quando o imperialismo norte-americano,
decidindo-se por exibir sua face supostamente mais humanitária, deu sinais de
não mais poder seguir com as matanças e as carnificinas das Guerras
do Cambodja e do Vietnam, recuando, finalmente, derrotado, haviam
sido quase que inteiramente abandonadas, pelos mais expressivos teóricos
franceses do PCF, a mitologia e as fantasmagorias lançadas aos quatros
ventos pela doutrina de Mao Zedong e a Revolução Cultural Chinesa.
Nesse sentido,
cumpre registrar que, já a partir de 1969, um dos então célebres filósofos do PCF –
atualmente ainda um dos mais expressivos intelectuais da direção do PCF, bem
como dos Espaces Marx - , Lucien Sève dava, também, início à
sua crítica democrático-humanista ao pensamento filosófico-político de Louis
Althusser, no interior do PCF.[4]
A essa altura, o
combate teórico empreendido por Sève assumiu a forma de uma crítica
ao posicionamento de Politzer e de Althusser acerca da
natureza do materialismo dialético.
Rejeitando
conferir um caráter materialmente ontológico ao “dia-mat”, enquanto
super-ciência da qual seria possível extrair-se uma determinada linha política
particular, Sève procurou reconhecer certos aspectos de ciência ao
marxismo, em sentido crítico-gnoseológico, distanciando-se, igualmente, dos
posicionamentos mao-stalinistas de Althusser.
Segundo Sève,
o materialismo dialético adquiriria seu papel eminentemente científico em sua
expressão mais propriamente humanística, caráter irredutível das finalidades
concretas que representariam as necessidades do comunismo próprio das massas.
A luta teórica
entre os mais expressivos pensadores do PCF adquiriu, no início dos anos 70,
o caráter de um debate de iniciados, extremamente restrito e especializado,
travado entre stalinistas-ortodoxos, mao-stalinistas, franco-gramscianos e
democratas-humanistas-stalinistas.
Tal confrontação
dificultava a percepção e compreensão da grande maioria das bases militantes do
PCF
acerca das novas perpectivas e dos novos matizes de desnaturação e
deturpação do pensamento autenticamente revolucionário de Marx, Engels e Lenin. No
entanto, no seio de tal disputa teórico-doutrinária já estava sendo
orquestrado, de maneira clara, o seguinte desenlace :
O crescente
enfraquecimento da versão mao-stalinista no interior do PCF deu margem não apenas
ao fortalecimento da corrente fiel à burocracia moscovita-stalinista, senão
ainda reabriu a possibilidade de estruturação mais sólida de diversos segmentos
de intelectuais defensores do Euro-Comunismo, tendo como paradigma
emblemático o Partido Comunista Italiano (PCI), de linhagem gramsciana, em
sua versão marcada por Palmiro Togliatti e Enrico Berlinguer.[5]
Consideradas em
seu conjunto, todas essas diversas correntes do novo PCF, encabeçado agora por
Georges
Marchais, passaram, a seguir, a se dedicar, preponderantemente, sob os
mais distintos matizes, à construção de uma política estratégica
frente-populista, envolvendo todos partidos e agrupamentos políticos franceses
considerados de esquerda, no quadro de um novo “socialisme à la française”, de
modo a oferecer uma Via Democrática e Pacífica de atingimento do socialismo, tida
como alternativa supostamente concreta à dominação dos governos
democrático-burgueses.[6]
Nesse novo
contexto, setores importantes de intelectuais e políticos do PCF, sob
os impulsos de Lucien Sève[7] e Charles Fiterman[8], envolvidos em sua desesperança radical quanto às possibilidades de
transformações democráticas no Leste Europeu e capitulando,
claramente, aos preconceitos e divindades mais correntes da democracia e do
Direito burgueses, bem como de seu respectivo parlamentarismo constitucional,
destacaram-se como os mais radicais defensores do democratismo humanista-burguês
ocidental, desde uma perspectiva inconfundivelmente stalinista. Bem ao sabor
dos ventos dos novos acontecimentos mundiais, as correntes doutrinárias de Charles
Fiterman e Lucien Sève, passaram a proclamar, abertamente, sua crença
mais acabada nos direitos individuais do homem e do cidadão, na defesa do
status-quo do mundo ocidental e do assim-chamado Estado Democrático e Social
Intervencionista, passando a denunciar o “totalitarismo do marxismo”,
reproduzido no assim-denominado “imperialismo” remanescente dos Estados
Soviéticos.
Na periferia das
correntes de Fiterman e de Sève, cristalizava-se também o
agrupamento bem mais minoritário e marginal de doutrinadores do PCF dedicados
mais rigorosamente à defesa de um marxismo reinterpretado, à maneira gramsciana. Essa
última corrente franco-gramsciniana de teóricos do PCF, surgida
originariamente no curso dos anos 60, principalmente através das obras de Jacques
Texier, estruturou-se, ao longo de toda a década seguinte, de maneira
mais clara e definida, consolidando em suas fileiras pensadores como André
Tosel[9], Christine Buci-Glucksmann[10],
Georges Labica[11] e Etienne Balibar[12].
Tais intelectuais
gramscianos do PCF, defendendo a Via Democrática e Pacífica das
transformações sociais e a estratégia de União Política dos Partidos de Esquerda,
no quadro de um novo “socialisme à la française”,
opunham-se, a essa época, à caracterização relativa ao “totalitarismo do marxismo”
dos Estados
Soviéticos.
Segundo
acreditavam tais pensadores, tal caracterização radical de “totalitarismo do marxismo”
estimularia as forças do capitalismo imperialista a desmantelar o próprio
assim-considerado Estado Democrático e Social Intervencionista, que com
seu assistencialismo teria assegurado um sistema de integração das classes
médias e das massas populares européias em um contexto em que a exploração
capitalista passava por novos modos de consumo, revelando-se temperada por uma
rede de proteção social.
Nesse preciso
sentido, os intelectuais gramscianos do PCF levantaram a bandeira da
conquista hegemonia das classes subalternas, em sua versão idealista-subjetivista
gramsciana(-crociana) enquanto ponto de resolução tendencial das então
existentes contradições sociais dos anos 60 e 70.
A defesa da teoria
da hegemonia de Gramsci seria, plenamente, justificada, segundo
afirmavam, em virtude do próprio curso de desenvolvimento do pensamento
marxista ocidental, que, diferentemente do “marxismo oriental”, i.e. do marxismo
de Lenin, Sverdlov e Trotsky aplicado à prática no quadro da Revolução
de Outubro, haveria de conduzir a uma forma de razão superior, que
unificasse racionalidade técnico-científica e razoabilidade ético-política da
tradição ideológica ocidental-européia e, em particular, da França.
Essa corrente de
linhagem franco-gramsciana pretendeu, a partir de então, armar-se de novos
meios analíticos, novos conceitos linguísticos e capacidade
teórico-constitutiva de conhecimentos, visando à interpretação das
transformações das por eles assim-designadas sociedades do “capitalismo tardio e de sua
crise”, de um lado, e, de outro, das “sociedades socialistas e de seus
problemas e bloqueios específicos.”[13]
A noção
gramisciana de hegemonia dos produtores e das classes subalternas,
i.e. do que consideravam ser “as massas populares em uma palavra”,
surgia diante do agrupamento dos intelectuais franco-gramscinianos do PCF
modelado como um conceito-chave, i.e. como uma categoria de compreensão
fundamental para uma perspectiva estratética de ação político-partidária, bem
como de resolução das contradições da atualidade histórica francesa.
O “sistema
de hegemonia” haveria de ser postulado, entretanto, “sem
manipulação totalitária de práticas”, “sem pretensão totalizante em
relação aos saberes sociais”, i.e. trocando em miúdos, sem um partido
revolucionário dirigente, centralizado à maneira bolchevique-leninista.[14]
Nesse quadro, o
materialismo dialético de Marx e Engels não se poderia
constituir em teoria da ruptura da ciência em face da ideologia, devendo apenas
refletir, secundariamente, em sua condição de interconector do desenvolvimento
específico dos ramos do conhecimento humano, as diversas categorias mais gerais
das ciências naturais e espirituais, visando à elucidar a perspectiva gramsciana de
”hegemonia
dos produtores”, no interior de cada prática científica.
Sendo assim,
haveria de ser admitida, em última instância, a decidida substituição gramsciana do
materialismo dialético pela filosofia da práxis. Já não se trataria mais de repetir,
“simplesmente”, o primado marxista do ser sobre a consciência, mas sim de saber
repensar e resituar, complexamente, a problemática do conhecimento da natureza
e da sociedade no interior de estratégias contraditórias, desenvolvidas por
forças antagônicas, segundo a lógica da emancipação dos “cidadãos-produtores” e
de direção
dos aparelhos de hegemonia pelas massas.[15]
Recorrendo aos
fundamentos essenciais do gramiscismo, em sua versão
equacionada pelo Partido Comunista Italiano(PCI), de Palmiro Togliatti, à
época encabeçado por Enrico Berlinguer, os
franco-gramscianos reintroduziram na França a tese de que a força
propulsiva emergida pela Revolução de Outubro de 1917 havia
se esgotado, ao longo dos anos 70, observando, porém, que tal posicionamento
não poderia conduzir à pura e simples defesa da ideologia burguesa-liberal, bem
como à aceitação de sua crítica às
assim-denominadas “sociedades socialistas”.[16]
Segundo os
intelectuais gramscianos do PCF, a ideologia burguesa-liberal
utilisaria tais ponderações para esmagar os processos democráticos na Europa
Ocidental, impondo teorias do conhecimento necessárias para a gestão
capitalista da crise.
O gramiscismo
francês julgou devido denunciar, além disso, o perigo de a filosofia
da práxis – dando substituição ao superado materialismo dialético -,
tal como concebida na obra do próprio Gramsci, estar ameaçada de
desembocar, constantemente, em um simples idealismo transcedental, por anular a
historicidade dos problemas e das formas de vida.
No mesmo sentido,
o gramiscismo
francês elaborou advertências dirigidas contra “o produtivismo fundado na
exaltação das forças produtivas”, alegadamente presente nas obras de Gramsci,
em suas análises do fenômeno relacionado com o fordismo, produtivismo
esse que poderia conduzir à consagração do mito da idéia do progresso
mecanicista e ideológico, desprezando a perspectiva de um socialismo ecológico.[17]
Sendo assim, a
estratégia válida de construção do “socialisme à la française”, através
de uma via “democratique jusqu’au bout(i.e.
democrática até o fim)”, em um velho país industrializado, exigiria, por um
lado, o abandono da referência revolucionária violenta para destruição do Estado
Burguês e edificação da Ditadura do Proletariado incorporadora
da mais ampla e historicamente mais avançada Democracia Proletária, e,
por outro, a defesa orgulhosa dos fundamentos do marxismo, reinterpretado à
maneira gramsciana, de modo a permitir-se apontar para a construção de
alianças sociais e políticas tendo-se em conta as transformações em um cenário
de “capitalismo
tardio”, situado em uma fase de crise durável e profunda.
Seja na assinatura
do Programa
Comum de Governo, celebrado entre o Partido Socialista Francês
e o PCF,
em 1972, seja no XXII Congresso do PCF, entrevemos
projetadas na política da direção do PCF de Georges Marchais sua
orientação burocrático-stalinista frente-populista, corroborada pelos projetos
dos franco-gramscianos e democrático-humanistas-stalinistas, em combinação com
os últimos resquícios do revisionismo marxista de matiz
mao-stalinismo-althuressiano.
A essa altura, o PCF
havia já se constituído no principal partido de oposição de esquerda ao gaullismo,
obtendo resultados eleitorais que atingiam a cifra de 21 % dos votos
expendidos, como foi o caso das eleições de 1973.
Nada obstante,
após a fugidia e visível sedução de Geoges Marchais pelas tendências
mais radicais do Euro-Comunismo Italiano, representadas, na França, na maneira mais
acabada por Charles Fiterman, a direção do PCF logrou, entretanto,
consolidar-se, novamente, enquanto aparelho mais rigorosa, dogmática e
monoliticamente fiel à burocracia stalinista-moscovita na Europa Ocidental,
cooptando Marchais para o posto de Secretário Geral do Partido, onde
esse último abjurou suas precedentes orientações políticas euro-comunistas.
Semelhante guinada
política no interior do PCF, culminaria, a seguir, não
apenas com a exclusão de Charles Fiterman das fileiras
partidárias franco-stalinistas, senão ainda, nos anos seguintes, com o “afastamento
voluntário” delas de Jacques Texier, em 1977, e
com a expulsão de Etienne Balibar, em 1981.[18]
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS
[1] Cf. KARIM, DARIOUSH. The
Revolutionary Dictatorship of the Proletariat, Bogotá : Partido Socialista de
los Trabajadores of Colombia, 1979, pp. 28 e s.
[2] Cf.
MORENO, NAHUEL. Lógica
Marxista y Ciencias Modernas,
México-Colômbia : Xólotl-Pluma, 1981, pp. 54 e 55. Destaco que jamais se demonstrará
excessivo realçar sempre os penetrantes trabalhos de Nahuel Moreno, elaborados
em meio à sua luta ideológica acesa, deflagrada seja contra o euro-comunismo,
seja contra o mao-althusserianismo, seja contra o mandelismo, seja ainda
contra o lambertismo, em defesa do legado da Revolução Proletária de Outubro
de 1917 e, em particular, em prol dos princípios ético-organizativos do
partido marxista-revolucionário. Nada obstante, cumpre ressaltar que, entre
outros aspectos, seria efetivamente incorreto pretender apoiar, sem importantes
reparos, seus posicionamentos, quer no domínio da lógica marxista – onde Moreno
defende posições teóricas amplamente coniventes com o construtivismo metodológico-radical
de Piaget,
incompatíveis essencialmente com o socialismo científico de Marx
e Engels -, quer no domínio
da atualização do programa de transição – onde Moreno propugna,
abertamente, posições idealistas-subjetivistas e democratistas, ao pretender
inverter infundadamente relações causais dos acontecimentos históricos,
maximamente no período posterior à I Guerra Mundial, afastando-se,
assim, ostensivamente do método materialista histórico-dialético, defendidos
por Marx
e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky -, quer ainda no domínio
ontológico do ser trotskysta nos dias de hoje - onde Moreno,
em sua excessiva acentuação da atividade criticista e ânsia de
superação do próprio trotskysmo, deixa de destacar que o marxismo, por ser
científico, deve ser considerado como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln),
orientação para o agir, instrução para a prática de organização, mobilização e
luta permanente, independente e implacável das mais amplas massas
revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado, em busca da
construção de uma humanidade socializada ou ainda de uma sociedade humanizada, o que obsta, nos limites do marxismo revolucionário,
qualquer tipo de criticismo “criativo” e supostamente superador, elaborado em
desconformidade e dissonância com o rigoroso método do materialismo
histórico-dialético. Acerca do tema, vide MORENO, NAHUEL. Lógica Marxista y
Ciencias Modernas, México-Colômbia : Xólotl-Pluma, 1981, pp. 54 e 55.; IDEM. Actualización del Programa de
Transición, ed. CITO – Centro Internacional del Trotskysmo Ortodoxo, 1980, pp.
7 e s.; IDEM. Ser Trotskysta
Hoy(1985), in: Cuadernos de Correo Internacional, 1988, pp. 3 e s.
[3] Acerca
do tema, vide, sobretudo, ALTHUSSER, LOUIS. Idéologie et Appareils
Idéologiques d’Etat. Notes pour une Recherche, in : La Pensée, Nr. 151, Paris,
1970, pp. 3 e s. Vide ainda ALTHUSSER, LOUIS / BALIBAR, ETIENNE / ESTABLET, ROGER. Lire le
Capital, Vol. II, 3e. Edition, Paris : Maspero, 1967, pp. 11 e s.; ALTHUSSER, LOUIS.
Pour Marx, 5e. Edition, Paris :
Maspero, 1968, p. 257.
[4] Acerca do tema, vide, sobretudo, SÈVE, LUCIEN. Marxisme et Théorie de la
Personnalité, Paris : Editions Sociales, 1969, pp. 7 e s.; IDEM. Lénine et la Pratique Scientifique, CERM(Centre d’Etudes et
de Recherches Marxistes), Paris : Editions Sociales, 1974, pp. 30 et s.; IDEM. Structuralisme et Dialectique,
Paris : Ed. Sociales, 1984, pp. 17 e s.
[5] Acerca
do tema, vide, mais detalhadamente,
o Capítulo I da presente investigação.
[6] Com efeito, a consolidação da União
da Esquerda Francesa operou-se, a seguir, em 1978. A essa altura, Lucien
Sève, sempre assaltado por suas categorias lógico-políticas
democrático-humanistas, típicas da hipocrisia stalinista, ainda assinalou, em
seu artigo dedicado à “La Catégorie de la Possibilité”,
que tal União, possível no plano da possibilidade formal, não
representava, efetivamente, ainda uma possibilidade objetiva. Vide SÈVE, LUCIEN. in : La Pensée, Nr. 202,
Septembre 1978.
[7] Acerca
do tema, vide SÈVE, LUCIEN. Lénine et la Pratique
Scientifique, CERM(Centre d’Etudes et de Recherches Marxistes), Paris :
Editions Sociales, 1974, pp. 30 et s.
[8] Sobre as posições históricas de Fiterman,
vide, mais recentemente, FITERMAN, CHARLES. Europe : Défi de Civilisation, Paris : Forum
Alternatives Européennes, 1996, pp. 7 e s.
[9] Nesse
sentido, vide TOSEL,
ANDRÉ. Le Développement du
Marxisme en Europe Occidentale depuis 1917, in : Histoire de la Philosophie,
Vol. II : Du XIXe. Siècle à nos Jours, Paris : Gallimard, 1974, pp. 902 e s.; IDEM.
Philosophie Marxiste et Traductibilité des Langages et des Pratiques, in : La
Pensée, Nr. 223, Paris, 1981, pp. 110 e s.; IDEM. Gramsci : La Philosophie de la
Praxis et Réforme Intellectuelle et Morale, in : ibidem, Nr. 235, 1983, pp. 39 e s.
; IDEM. Gramsci ou La
Philosophie de la Praxis comme Marxisme de la Crise Organique du Capitaisme, Paris : Editions Sociales, 1983, pp. 9 e s.; IDEM. Orient
et Occident : Les Problèmes de la Stratégie Révolutionnaire dans l’Analyse
Gramscienne des Cahiers de Prison, in : Les Cahiers Gramsci, Nr. 1, Lyon :
1988, pp. 12 e s.
[10] Vide BUCI-GLUCKSMANN, CHRISTINE. Gramsci et
la Question Scolaire, in : Littérature, Science, Idéologie, Nr. ¾, Paris, 1972,
pp. 3 e s.; IDEM.
Gramsci et l’Etat. Pour une Lecture Théorico-Politique des Cahiers de
Prison, in : Dialeticques, Nr. 4/5, 1974, pp. 5 e s.; IDEM. Gramsci
et l’Etat. Pour une Théorie Matérialiste de la Philosophie, Paris : Fayard,
1975, pp. 11 e s.; IDEM. Gramsci : L’Etat, La Révolution et la Culture, in : L’Humanité,
Paris, 7 de Março de 1975.; IDEM. Sur le Concept de Crise de l’Etat
et son Histoire, in : La Crise de l’Etat, Paris : PUF, 1976, pp. 59 e s.; IDEM. Gramscisme, in : Dictionnaire Critique du Marxisme, Paris :
PUF, 1982, pp. 398 e s.; IDEM. Hégémonie, in : ibidem, pp. 413 e s.
[11] Vide LABICA, GEORGES & BENSUSSAN, GÉRARD. Dictionnaire
Critique du Marxisme, Paris : PUF, 1982, pp. XI e s.;
LABICA, GEORGES. La Réception de Gramsci
en France : Gramsci et le PCF, in : Modernité de Gramsci. Actes du Colloque Franco-Italien de Besançon,
Paris : 1992, pp. 17 e s.
[12] Vide BALIBAR, ETIENNE. Entretien avec Balibar, Lénine et le PCF, in : Hebdo Politique, Nr. 241,
Paris, 1976, pp. 36 e s.; IDEM. Dictature du Prolétariat, in : Dictionnaire Critique du Marxisme,
Paris : PUF, 1982, pp. 266 e s.; IDEM. Gramsci, Marx et le Rapport Social, in : Modernité de
Gramsci. Actes du Colloque Franco-Italien de Bensançon (23-25 Novembre
1989), Paris
: 1992, pp. 259 e s.
[13] Acerca
do tema, vide, p. ex., TOSEL, ANDRÉ. Praxis. Vers une Refondation en Philosophie Marxiste,
Paris: Editions Sociales, 1984, pp. 17 e s.
[14] Vide BUCI-GLUCKSMANN, CHRISTINE. Bloc
Historique, in : Dictionnaire Critique du Marxisme, Paris: PUF, 1982, pp. 102 e
s.
[15] Nesse
sentido, vide, p. ex., TOSEL, ANDRÉ. Praxis. Vers une Refondation en Philosophie Marxiste,
Paris : Editions Sociales, 1984, pp. 21 e s.
[16] Acerca
do tema, antes de tudo, IDEM. Philosophie et Marxisme en Italie
: Les Philosophes Italiens Par Eux-Mêmes, in :
Critiques, Vol. XIL, Nr. 452/453, Paris,
1985, pp. 18 e s.
[17] Nesse
sentido, vide IDEM.
Marx en Italique, Paris : Mauvezin, 1991, pp. 21 e s.;
IDEM. Praxis. Vers une Refondation
en Philosophie Marxiste, Paris : Editions Sociales, 1984, pp. 23 e s.
[18] No que concerne em particular as causas da expulsão de Etienne Balibar do
PCF
e a ocorrência dos eventos
de Vitry-sur-Seine
e Montigny-lès-Cormeilles,
vide COMITÉ FÉDÉRAL DE PARIS DU
PCF. La Question, in : L’Humanité, 10 de Março de
1981. Vide tb. BALIBAR,
ETIENNE. Les Frontières de la Démocratie, Paris : Ed. La Découverte, 1992,
pp. 19 e s.