CAPÍTULO III.

QUAL A COMPATIBILIDADE EXISTENTE

ENTRE OS POSICIONAMENTOS DE GRAMSCI E DE TROTSKY ?

SURGIMENTO E FUNDAMENTOS DO SOCIALISMO ALEGÓRICO GRAMSCIANO-META-MARXISTA

 

Texto de Autoria de

Portau Schmidt von Köln

Emil Asturig von München

A Enfermidade Gramsciana

no Movimento Trotskysta Contemporâneo

e nas Lutas de Emancipação do Proletariado

Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky  

O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana

de Atualização, Correção

e Superação do Marxismo

(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)

 

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Aqui, começa o Capítulo III do texto em destaque.

Esse capítulo é composto pela presente página de Internet e pelas seguintes subdivisões :

Capítulo III.A. : O Stalinismo de Gramsci no Campo Político-Partidário

Capítulo III.B. : Gramsci contra Trotsky no Campo Teórico-Doutrinário

Capítulo III.C. : A Lógica Filosófica de Gramsci contra o Socialismo Científico de Marx e Engels

Capítulo III.D. : A Via ao Socialismo Democrático-Pacifista da “Guerra de Posição” de Gramsci   

Anexo Dedicado à Compreensão do Presente Capítulo III :

Textos Originais de Gramsci, Fiel Apologista de Stalin e Engenhoso Escudeiro do Conciliacionismo de Classes,

Em sua Luta sem Quartel contra Trotsky e a Revolução Permanente

 

 

“Certe edepol, quom illum contemplo, et formam agnosco meam,

Certamente, por Zeus, quando o contemplo, também a minha forma nele entrevejo,

quemadmodum ego saepe in speculum inspexi, nimis similis est mei.

então, quando freqüentemente me examino no espelho, ele me é por demais semelhante.

Itidem habet petasum ac vestitum: tam consimile’st atque ego.

Porta o mesmo chapéu e o mesmo traje: tão exatamente é parecido comigo.  

sura, pes, statura, tonsus, oculi, nasum, dens, labra, malae, mentum, barba, collum: totus, quid verbis opu’st?

barriga, pé, estatura, cabelos, olhos, nariz, dente, lábios, bochecha, queixo, barba, pescoço: tudo, para que mais uma palavra?  

Si tergum cicatricosum, nihil hoc simil est similius.

Se, nas costas, traz as cicatrizes, nada é mais parecido com nada.

Sed quom cogito, equidem certo sum ac semper fui.

Porém, quando eu penso, trata-se de mim seguramente e sempre se tratou de mim.  

Cf. PLAUTUS, TITUS MACCIUS. Amphitrvo( por volta de 180 a.C.), Actus I,

ed. F. Leo, Berlim : Weidmann, 1895-1896, Versos 441 -447.

 

“Porém, um inimigo – seja ele sincero ou desonesto, seja ele vivo ou morto –

permanece sendo um inimigo, máxime tratando-se

de um escritor, o qual vive em suas obras, mesmo depois de sua morte.

Calando-nos a seu respeito, cometemos um crime social.” 

Cf. TROTSKY, LÉON DAVIDOVITCH BRONSTEIN. In : Sotchinenia (Obras), Vol. XX : Kultura Starovo Mira

(Cultura do Velho Mundo)(23 de Dezembro de 1900), Moscou-Leningrado : Gosud. Izd-vo, 1926, pp. 7 e s

 

Qual é a justa atitude teórico-política que um lutador trotskysta deve ter em face da doutrina de Antonio Gramsci, bem como em relação aos dirigentes políticos e intelectuais contemporâneos que acolhem ou defendem, aberta ou veladamente, os posicionamentos doutrinários desse renomado intelectual sardo, antigo representante do Partido Comunista Italiano (PCI) junto ao Comitê Executivo do Komintern, nos anos de 1922 e 1923 - conclamado, presentemente, por importantes setores da intelectualidade européia como o “Lenin do Ocidente”, o “Sósia Ocidental do Lenin do Oriente” ou o “Lenin Democrático”?

Consagração e aprovação jubilosa de todos os aspectos da vasta literatura de Antonio Gramsci, bem como de seu método de trabalho intelectual e intervenção político-partidária, alegadamente desenvolvidos sobre os fundamentos teóricos e princípios maiores dos ensinamentos do marxismo revolucionário ?     

Crítica precavida de alguns ou de diversos de seus esquemas lógico-teóricos, com o reconhecimento de suas supostas contribuições criativas e atualizadoras em certos domínios do socialismo científico de Marx e Engels ?

Abstenção de um confronto mais direto com as principais teses defendidas por esse pensador contemporâneo, por não surgirem abertamente reivindicadas por largas massas populares, permitindo-se, assim, que tais teses prossigam conquistando, paulatinamente, as consciências de seus dirigentes, ao sabor das cinzentas nuvens que recobrem o horizonte das aspirações de construção da assim denominada „Democracia Socialista“, em nossos dias ?  

Análise profundamente detida e acuradamente pormenorizada do léxico filosófico singular e dos posicionamentos teóricos de Antonio Gramsci, com sua subseqüente decidida rejeição e deflagração de uma luta teórico-política e polêmico-literária impiedosa contra o gramscismo, por ser diamentralmente incompatível com a doutrina propagada por Léon Trotsky ?  

De toda sorte, seria, com efeito, plenamente razoável falar-se de uma enfermidade gramsciana, que se agrava, subreptícia e paulatinamente, no seio de diversas organizações do movimento trotskysta de nossos dias, cadaverizando, de maneira letal e irrecuperável, seus potenciais e perspectivas de luta socialista-revolucionária de emancipação da classe trabalhadora e dos demais socialmente oprimidos ?

Tais enigmas políticos assumem, cada vez mais, importância e efetividade para a configuração do movimento trotskysta mundial da atualidade.

O gramiscismo, depois de ter penetrado, estribado – e, em alguns casos, até mesmo, conformado predominantemente -, a elaboração dos posicionamentos políticos de diversos partidos de trabalhadores de todo o mundo, sejam os ligados ao velho e ao reciclado stalinismo, sejam os vinculados ao social-democratismo reformista moderno e ao social-liberalismo do após-guerra, exsurge, desde alguns anos, encontrando-se a quattr’occhi com inúmeras organizações de matiz trotskysta.

 

No que respeita à incurável grei ortodoxo-stalinista ou ainda mao-stalinista de nossos dias, cumpre realçar, ainda mais uma vez, que praticamente todos os principais paredros ideológicos dos assim chamados “Partidos Comunistas” modernos – em verdade, partidos quer descaradamente stalinistas quer mao-stalinistas reciclados e disfarçados - surgem como porta-vozes políticos, difusores do carbúnculo gramscista, enquanto perspectiva destinada a deturpar, conscientemente, a concepção revolucionária de Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky, no seio das lutas de emancipação do proletariado, por meio de um discurso especulativo requintado, condizente com o mister de manter a canga burocrática da exploração e dominação capitalista sobre a classe trabalhadora e seus aliados oprimidos, sob a batuta da política social-populista da colaboração de classes, mantida entre exploradores e explorados.

Nesse sentido, importa referir, categoricamente, o exemplo paradigmático do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), nas tristes figuras errantes de seus curandeiros ideológicos máximos, místicos e visionários do frente-populismo, e.g. João Quartim de Moraes, professor titular do Departamento de Filosofia da UNICAMP, defensor público da “inatualidade do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels” entre outros achaques teóricos – ou mesmo Augusto Buonicore, historiador e Doutorando em Ciências Sociais pela UNICAMP, reputado membro do Comitê Central do PCdoB  e da comissão editorial das revistas Debate Sindical e Princípios.

Tanto esses próceres ideológicos do stalinismo reciclado brasileiro, como a grande maioria dos dirigentes políticos do PCdoB, homiziados, aqui e ali, por detrás dos raciocínios de Lenin, tomados sempre equivocada e atabalhoadamente, reverenciam supersticiosamente o pensamento de Gramsci, ao mesmo tempo em que repudiam, hostilmente, aberta ou veladamente, tudo aquilo que se relacione com as defesas das posições revolucionário-permanentistas de Trotsky, seu decisivo papel no quadro da Revolução de Outubro de 17 e na construção da IV Internacional.

Nesse sentido, Augusto Buonicore, membro do Comitê Central do PCdoB, dilata a epidemia gramsciana, lançando mão dos seguintes raciocínios :

 

“Criou-se um hábito, um mal hábito, de se separar um autor das bases teóricas que lhes serviram de suporte; separá-lo dos seus pressupostos teóricos e históricos imediatos. Esta separação levou que alguns conferissem os louros de pensamento original, no sentido de exclusividade, a autores cujo o grande mérito foi justamente desenvolver teses elaboradas por outros, ainda que enriquecendo-as.

Nos trabalhos acadêmicos sobre Gramsci parece ser bastante comum este procedimento. Estudou-se, e escreveu-se, sobre o pensamento de Gramsci desvinculando-o de seus pressupostos teóricos e políticos imediatos, que foi o pensamento e a ação política de Lenin.

E Gramsci foi, na minha opinião, acima de tudo, um leninista.

Muito do que foi-lhe atribuído como contribuição exclusiva não é nada mais - e isto é muito - que a aplicação original das teses defendidas por Lenin.”[1]

 

 

Eis aí como um incorrigível stalinista reciclado assimila e dissemina o laxante idealista-subjetivista de Gramsci ao longo de sua desnorteada peregrinação publicística : o mérito de Gramsci teria sido o de “justamente desenvolver teses elaboradas por outros, ainda que enriquecendo-as”, pois, na opinião de Buonicore, “Gramsci foi, acima de tudo, um leninista.”

Como prova de sua argumentação, Buonicore assinala, logo a seguir, buscando encontrar desesperadamente o traço específico, supostamente enriquecedor do pensamento de Gramsci em face das reflexões de Lenin :

 

Gramsci buscou, justamente, resgatar as contribuições de Lenin e aprofundá-las; para ele o problema do Estado era mais complexo.

Sem discordar que o Estado era fundamentalmente um instrumento de coerção, estendeu o seu estudo a um outro aspecto: o Estado enquanto dirigente e educador, buscando compreender o papel que as ideologias desempenhavam neste processo.

Ele compreendeu que a produção e a reprodução das relações sociais - e políticas - não podiam se dar, exclusivamente, através da coerção; elas se davam de múltiplas (e complexas) formas, nas quais as ideologias jogavam um papel decisivo.

Para Gramsci o Estado seria "hegemonia encouraçada de coerção".

Era preciso superar as teses simplistas imperantes no seio da III Internacional e ele, com a ajuda de Lenin, em certo sentido, as superou.”[2]

 

 

 

Buonicore, stalinista disfarçado, verdadeiramente arrebatado pelo desvio mórbido gramscista, indica-nos, à guisa de esconder suas feridas secretas, que Gramsci..., “em certo sentido”, superou as teses simplistas da III Internacional que precisavam ser superadas ...

Fê-lo com a ajuda de Lenin que, embora já falecido em 1924, socorreu espiritualmente as elaborações de Gramsci, intervindo, ao que parece, como médium, pois, segundo, Buonicore :

 

“ ... e ele (i.e. Gramsci), com a ajuda de Lenin, em certo sentido, as superou.”

 

Com efeito, segundo Buonicore, Gramsci “superou”, “enriqueceu”, “aprofundou” as contribuições de Lenin, posto que, o problema do Estado, não sendo tão complexo para esse último como o foi para Gramsci, veio a ter seu “estudo” estendido a um outro aspecto, distinto daquele do instrumento de coerção, i.e. : o Estado enquanto dirigente e educador, “buscando compreender-se o papel que as ideologias desempenhavam nesse processo”.

É realmente surpreendente esse Gramsci, intermediário de idéias entre os vivos e a alma dos mortos, pois, tal como Buonicore, Doutorando em Ciências Sociais pela UNICAMP assinala, Gramsci estendeu o “estudo” sobre o Estado a um outro aspecto que jamais houvera passado pelas cabeças ingênuas seja de Marx, seja de Engels, seja de Lenin, seja de Liebknecht, seja de Sverdlov, seja de Luxemburg, seja de Trotsky : o Estado enquanto dirigente e educador, buscando compreender-se o papel que as ideologias desempenhavam nesse processo.”

Gramsci  “superou”, “enriqueceu”, “aprofundou” as contribuições de Lenin e as teses simplistas da III Internacional - situada  sob a própria direção pessoal-viva de Lenin e de Trotsky, naqueles primeiros anos fundacionais -, ao “estudar”, segundo Buonicore, o Estado enquanto dirigente e educador, buscando-se compreender o papel que as ideologias desempenhavam neste processo”, pois, até o surgimento de Gramsci, o “estudo” não havia sido estendido para esse outro aspecto do Estado, i.e. “o Estado enquanto dirigente e educador, buscando-se compreender o papel que as ideologias desempenhavam neste processo” !

Desse magnifíco processo inédito de estudos genialmente estendidos por Gramsci, os ideólogos stalinistas reciclados do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) difundem, então, por todos os lados, dois inolvidáveis ensinamentos definitórios que resumem absolutamente a quintessência de todas as coisas inéditas relativas a Gramsci e ao Estado:

 

1. “Para Gramsci o Estado seria "hegemonia encouraçada de coerção".

 

2. “Gramsci foi, acima de tudo, um leninista.”

 

Sendo assim, pois, segundo os principais corifeus ideológicos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), os posicionamentos mais “enriquecidos” e “profundos” do “Lenin do Ocidente” plenamente compatíveis com os posicionamentos menos “profundos” e “enriquecidos” do “Lenin do Oriente”, tal como nos sugerem, em tom de ciência, teriam sido os posicionamentos do “Lenin do Ocidente” compatíveis com os posicionamentos de Trotsky ?

 

Já entre as organizações que se revindicam trotskystas destacam-se, inconstratavelmente, nos dias de hoje, os partidos e grupos integrantes do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), porém também, com grande relevo, a Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta(AMR-Proposta, de Franco Grisolia, Marco Ferrando, Francesco Ricci), seção italiana da Oposição Trotskysta Internacional(OTI), os grupos e partidos nacionais intituladamente “trotskystas-luxemburgistas”, os defensores do Capitalismo de Estado(SWP - Tony Cliff) e o Socialismo Revolucionário da Itália(SR), bem como diversos representantes intelectuais do Partido Obrero da Argentina, de Jorge Altamira, do Partido de Trabalhadores por el Socialismo (PTS – Fração Trotskysta), do Movimento ao Socialismo (MAS) e, de modo mais periférico e fragmentário – porém, lamentavelmente, em considerável expansão - também por alguns expoentes teórico-políticos do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), seção brasileira da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT – IV Internacional).

Não é absolutamente intenção do presente trabalho pretender limitar o campo de estudo investigatório do impacto do gramiscismo tão somente às posições dos principais dirigentes e mais expressivos intelectuais do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), borbotadas de suas ligações orgânicas com os ideólogos meta-marxistas franco-gramscianos, de modo a dar nascimento ao fenômeno do gramscismo meta-marxista.

No presente texto, assinalo, porém, que o traço mais significativo e mais repleto de conseqüencias políticas para o movimento trotskysta mundial, no atual momento histórico, relaciona-se com esse fenômeno em particular, que toca o destino dos próximos anos do SU-QI, enquanto uma das mais importantes organizações mundiais do trotskysmo de nossos dias.

A presença do pensamento doutrinário de Antonio Gramsci paira, entretanto, igualmente, sobre as correntes trotskystas do mundo que se consideram “trotskystas-ortodoxas” ou “trotskystas-consistentes”.

Estas caracterizam-se por manter com o gramiscismo uma relação centrista e irresolvida, fetichista e plenamente contraditória.

 

No que concerne à postura teórico-doutrinária em específico da Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta(AMRP), encabeçada por Franco Grisolia, Marco Ferrando, Tiziano Bagarolo e Francesco Ricci, cumpre assinalar que essa organização trotskysta italiana encontra-se exposta, apologeticamente, ao gramscismo.

Em uma nota de seu recente artigo, intitulado ”La Natura ed Il Ruolo del Partito Leninista(A Natureza e o Papel do Partido Leninista)”, Grisolia observa, claramente :

 

“Na Itália, encontra-se difundido um mito segundo o qual o conceito de hegemonia é uma inovação teórica peculiar do pensamento de Antonio Gramsci, que o haveria separado do rígido “dogmatismo” da III Internacional leninista.

Na realidade, o grande revolucionário italiano, não fez senão retomar um conceito próprio dos decênios do marxismo revolucionário russo (“Os promotores da idéia da hegemonia do proletariado na revolução são Plechanov e Lenin” : assim Zinoviev, em sua História, 1923).

Gramsci, com grande brilhantismo, repropõe essa temática central na Itália. Além disso, a utilização do termo “hegemonia” – mais vago, à primeira vista, que outros - constituía para Gramsci, no período do cárcere, também um elemento de prudência em relação às medidas repressivas ulteriores de seus carcereiros fascistas.”[3] 

 

 

É de realçar, ainda, que tal panegírico gramscista não constitui posição isolada de Grisolia, acolhida no seio de Proposta, pois também Bagarolo e Ricci, bem como outros membros dessa secção italiana da Oposição Trotskysta Internacional (OTI), dão provas de uma postura reverencial, supersticiosa e acrítica em face da doutrina e da política de Antonio Gramsci, tal como veremos mais adiante.[4]

 

 

Quanto aos grupos e partidos trotskystas, defensores da tese do Capitalismo de Estado(SWP – Tony Cliff), importa observar que o texto mais representativo do elogio gramscista dessa formação política, intitulado Gramsci versus Reformismo, foi redigido por Chris Harman, editor de Socialist Worker e um dos principais dirigentes atuais do Partido Socialista dos Trabalhadores da Grã-Bretanha (SWP – GB).

Nesse texto, argumenta Chris Harman, de maneira plenamente encomiástica e embaralhadora de fatos históricos efetivos :

 

Antonio Gramsci morreu há mais de 40 anos atrás, em 27 de abril de 1937. Sua morte foi provocada por mal-tratamento nos cárceres de Mussolini. Entretanto, em muitos sentidos, desde sua morte, vem sofrendo ainda mais injúrias, devido às distorções de suas idéias por aqueles que nada têm em comum com seus princípios socialistas-revolucionários.

Gramsci foi um profissional revolucionário desde 1916 até a sua morte.

Através desse período, insistiu na necessidade relativa à transformação revolucionária da sociedade através da derrubada do Estado Capitalista.

Foi isso que o colocou como jornalista de várias edições socialistas na linha de frente daqueles que exigiam ação revolucionária do Partido Socialista Italiano, na luta contra o capitalismo e a guerra, nos anos de 1916-1918.

Foi isso que o levou ao centro do movimento dos Conselhos de Fábrica de Turim, em 1919 e 1920.

Foi isso que o conduziu a tomar parte na ruptura com o Partido Socialista reformista, em 1921, a fim de construir um Partido Comunista genuinamente revolucionário.

Foi isso que o levou a assumir a direção do Partido Comunista de 1924 a 1926.

Foi isso, finalmente, que o levou às prisões de Mussolini, onde procurou em forma de anotações – os famosos Cadernos do Cárcere – desenvolver suas próprias idéias acerca da sociedade italiana, estratégia e tática da luta pelo poder de Estado, construção do partido revolucionário, imprensa revolucionária.

Esperava que essas anotações fornecessem algum auxílio a outros que tivessem o mesmo objetivo revolucionário que o seu.

Entretanto, seus escritos têm sido tomados por aqueles que querem converter o marxismo em uma área de estudo acadêmica e não revolucionária. Isso foi tornado possível, inicialmente, pelo Partido Comunista Italiano(PCI).”[5] 

 

 

Também David North, dirigente do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CI – QI), Presidente do Conselho Editorial Internacional da Rede Socialista Mundial e Secretário Nacional do Partido Igualitário Socialista (SEP-US), da Austrália e dos EUA, fundou-se decisivamente, em sua palestra intitulada “Marxismo e Sindicatos”, pronunciada em 10 de janeiro de 1998, nas concepções de Gramsci sobre os sindicatos, para desvendar as contradições e insuficiências teóricas das posições de Peter Taaffe, Secretário Geral do Partido Socialista Britânico (Socialist Party- The Militants - GB) e principal dirigente do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CWI – The Militants) sobre o tema, contribuindo, assim, para doutrinar acerca da verdadeira essência dos sindicatos, segundo Gramsci  

Nesse sentido, argumenta North, desde uma perspectiva apaixonadamente trotskysta-gramsciana :     

 

« As tentativa do Sr. Taaffe de decorar sua subserviência à burocracia operária com uma fraseologia radical produz um efeito que é mais cômico do que convincente.

Começa oferecendo uma breve lista dos países em que os diretores sindicais foram envolvidos em traições particularmente monstruosas, perpetradas contra a classe trabalhadora.

Tal como o Chefe de Polícia Louis, em Casablanca, Taaffe revela-se muito profundamente chocado mesmo com a corrupção que constata existir em relação a eles, até mesmo na medida em que subornos políticos da burocracia escorregam para dentro do seu bolso.

O papel dos dirigentes do sindicato sueco – tal como Taaffe nos informa – tem sido “escandaloso”.

O comportamento dos burocratas belgas é “desavergonhado e aberto”.

Os dirigentes iranianos também estão engajados em um „espetáculo escandaloso“ de traição.

Na Grã-Bretanha, Taaffe declara que os trabalhadores “pagaram um pesado preço pela impotência dos dirigentes da ala de direita.”

Também refere, tristemente, a capitulação dos dirigentes sindicais do Brasil, da Grécia e dos EUA.

Mas, no que diz respeito a Taaffe, o problema dos sindicatos envolve, essencialmente, líderes inadequados que sofrem de falsa ideologia : aceitação do mercado capitalista.

As organizações por si mesmas são basicamente sadias.

Com base nessa apreciação subjetiva, Taaffe critica os “pequenos grupos de esquerda”, com o que quer referir as Seções do Comitê Internacional que, fundando-se em Trotsky, insistem que as traições dos sindicatos são a expressão de uma tendência objetivamente fundamental do desenvolvivmento.

Essa análise “unilateral – segundo Taaffe – erra em reconhecer a possibilidade de os líderes sindicais da ala direita, “sob a pressão da base, uma classe trabalhadora sublevada e combativa”, poderem “ser forçados a separar-se do Estado e encabeçar um movimento de oposição da classe trabalhadora.

Portanto, escreve Taaffe, a “principal tendência do próximo período”, na Grã-Bretanha e em outros lugares, será a de os trabalhadores “compelirem os sindicatos a lutar, em seu nome.”

O destino classe trabalhadora depende da “regeneração dos sindicatos”» [6]

 

 

E, exultante, conclama David North, em tom professoral de descoberta da pedra filosofal trotskysta-gramsciana :

  

“Posicionando-se sobre a base das relações capitalistas de produção, os sindicatos são, por sua natureza, obrigados a adotar uma atitude essencialmente hostil em relação à classe trabalhadora.

Dirigindo seus esforços para assegurar contratos com empregados que fixam o preço do poder de trabalho e determinam as condições gerais em que a mais-valia será bombeada para fora dos trabalhadores, os sindicatos são obrigados a garantir que seus membros forneçam seu poder de trabalho, de acordo com os termos dos contratos negociados.

Tal como Gramsci observou :

 

“ « O sindicato representa a legalidade e deve velar para que seus membros respeitem a legalidade »”[7]

 

 

Em vista de tais reflexões gramscistas de David North, efetivamente marcadas por uma lógica conceitual subjetivista-idealista, resulta ser surpreendente o fato de ser possível verificar-se que as publicações northianas do Partido Igualitário Socialista (SEP-US), da Austrália e dos EUA, sustentam o argumento de que o resultado de sua luta rupturista, deflagrada contra as incontáveis e intoleráveis degenerações de Gerry Healy, Mike Banda e Chris Slaughter, teria sido “a cumeeira da longa luta do movimento trotskysta contra o pablismo oportunista, desde a fundação do Comitê Internacional de 1953”.[8]

 

 

Onde David North contempla a degeneração pablista, não avista, absolutamente, a incidência da lógica epistemológica do transcendentalismo metafísico-gramscista na luta de classes da atualidade.

 

No que concerne ao perfil gramscista de Socialismo Rivoluzionario, permito-me remeter o leitor pura e simplesmente à leitura da obra “Direções e Quadros na Construção de SR”, cujo teor já é deveras suficiente para atestar o alastramento do antraz gramsciano também naquela organização declaradamente trotskysta-luxemburguista.[9]

 

 

 

Relativamente a enfermidade gramsciana semeada mormente por Jorge Altamira e Osvaldo Coggiola no seio do Partido Obrero da Argentina, cumpre assinalar, de antemão, que um exemplo categórico desse fenômeno foi a publicação, em julho de 1996, no Nr. 13 da Revista Teórica do Partido Obrero, intitulada En Defensa del Marxismo, de extenso artigo de autoria de um intelectual do PO, de nome Roberto Massari, cujo título é, precisamente, ”Trotsky y Gramsci”.[10]

 

 

Tal artigo de Massari, marcado por sua abordagem de complementaridade coerente entre o gramiscismo e o pensamento de Trotsky, divulgado nos quatros cantos do globo, mediante Internet, com a chancela política do Partido Obrero, surgiu, nessa mesma sede jornalística, ao lado daquele, também de matiz gramscista, de autoria de Pablo Rieznik, aparecido no mesmo número da supra-mencionada revista teórica do Partido Obrero, sob o título ”Los Intelectuales ante la Crisis(sobre la ‘Intelligentsia’ Latinoamericana).[11]

 

 

Em ambos esses artigos - porém sobretudo no de Massari – o Partido Obrero homologou, coniventemente, uma versão comprobatória do intento de compatibilização doutrinária do gramiscismo com o trotskysmo, não esboçando nem mesmo a mais leve disposição crítico-contudente em face da doutrina de Antonio Gramsci.

Nesse clima de laudatória aceitação do gramiscismo, segundo aquilo que o Partido Obrero e a Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta(AMRP) denominam de “trotskysmo ortodoxo”, Aníbal Romero, em algumas páginas a seguir dessa mesma revista teórica, intitulada En Defensa del Marxismo, não poupou vocábulos incendiadores para criticar, despudorada e caudalosamente, as posições de Nahuel Moreno, não alinhadas com o gramscismo,  no quadro do artigo que batizou de ”La Dictatura del Proletariado, según Nahuel Moreno”.[12]

 

 

Em suma : En Defesa del Marxismo de Altamira e Coggiola prostra-se teoricamente diante do suposto revolucionarismo de Gramsci, porém crítica impiedosamente a suposta teratologia teórico-intelectual de Moreno.

Todos esses fatos poderiam ter passado plenamente desapercebidos ou mesmo sem merecerem tão grande atenção por parte da vanguarda trotskysta de todo o mundo – tal como se fossem mais uma das costumeiras deformações marxistas do Partido Obrero, dessa vez no sentido das tendências legitimadoras de seu oportunismo eleiçoeiro através do gramscismo -, caso o “Foro de Debates” do próprio Partido Obrero  – instância organizativamente separada e dotada de importância muito mais secundária em relação a En Defesa del Marxismo - não lançasse, em seu editorial, o convite cortês – naturalmente de índole essencialmente formal e descompromissado -, a todos os ativistas do mundo, interessados em questões do trotskysmo, para colaborarem no intercâmbio de opiniões acerca de seus artigos formalmente publicados, “al modo de lo que seria una habitual sección de ‘Correo de Lectores’”.

Por uma dessas ironias do destino, justamente da Itália, onde a intelectualidade gramsciana alienígena acredita ser o gramiscismo incontestavelmente “hegemônico”, levantou-se a voz incômoda de um militante trotskysta – não essencialmente bordiguista, frize-se de passagem, - chamado Luigi Candreva, que julgou por bem enviar à redação do Partido Obrero um artigo intitulado “Gramsci e la ‘Bolscevizzazione del PCI 1924-1926. Respuesta al Artículo “Trotsky y Gramsci” de Roberto Massari Publicado en el Número 13 de la Revista ‘EN DEFESA DEL MARXISMO ’”.

Na parte introdutória de seu artigo, Candreva escreve, explicitamente :

 

“Querido camaradas, escuche mi pobre espanol.

Yo soy un militante trotskista in Italia y hay tomado hoy (via www.) el numero 13 de EDM con el articulo de Roberto Massari sobre Gramsci.

En quanto estudioso de Gramsci raramente yo hay encuentrado un articulo mas inexacto, anti-scientifico y superficial come ello.

Aqui' encluyo un articulo que yo escribio para el periodico trotskista (mensuel) italiano "Voce operaia" sobre Gramsci, con una valutacion my diferente de ella de Massari.

El articulo es muy breve por rasones de espacio editorial.

Si quieres abrir un debate sobra esta question puede transformarlo en una carta a EDM o yo puedo trabayar sobre un articulo mas longo (ahora yo stoy estudiando para un secundo articulo sobre Gramsci).

Si quiere me contactar, yo compriendo bien el espanol, pero no puedo lo escribir (y hablar), y puedo escribir en Italiano, Ingles y Frances. My mejores saludos comunistas. Luigi. Milano, 2 giugno 1996 (sic).[13]

 

 

 

Naturalmente, o Partido Obrero jamais se interessou em “abrir um debate sobre essa questão”, mesmo depois de Candreva ter qualificado, ostensivamente, o artigo Roberto Massari como “inexacto, anti-científico e superficial”...

Partindo, ele sim, de um posicionamento, em linhas gerais, essencialmente correto - ainda que, sob o ângulo da necessária posição que o trotskysmo deve manter em face de Antonio Gramsci, revela-se doutrinariamente incompleto (observe-se que Candreva faz referência, entretanto, ao fato de que estava trabalhando em um segundo artigo mais longo), o material de Candreva sobre Gramsci, jamais foi publicado nas páginas de En Defesa del Marxismo, tendo permanecido, até o presente momento, relegado a um pequeno espaço do ”Foro de Debates”, apartado e esquecido, ao lado de outros artigos de menor importância polêmico-doutrinária.

Evidentemente, a revista teórica do Partido Obrero teve e tem suas razões para não divulgar, contestar e replicar abertamente, em suas colunas, o artigo de Candreva, formulado em amplo contraste com a conquista do espaço gramsciano, protagonizado e estimulado, de maneira sibilina, por sua redação.

Tal como já destacamos, Altamira não se encontra interessado em denunciar a capitulação, cada vez mais saliente, da direção do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) à ideologia gramsciana, assim como não possui qualquer interesse em denuciar o caráter histórico-político do gramscismo em face do trotskysmo, no passado e no presente.

Deixa-o de fazer não apenas em virtude do fato de que os órgãos oficiais do Partido Obrero, i.e. Prensa Obrera e En Defesa del Marxismo, permanecem receptivos, dando acolhimento e publicação, sem a menor crítica política, de Altamira ou de outros quadros dirigentes e mentores intelectuais do Partido Obrero, a artigos de louvores da doutrina gramsciana.      

Com efeito, nesse cenário, é o Professor da Universidade de São Paulo (USP), o historiador trotskysta-gramsciano Osvaldo Coggiola que, exsurgindo como um dos mais espetaculares e insubstituíveis mentores ideológicos do Partido Obrero de Altamira, já se encontra celebrizado por suas tantas e inúmeras malfadadas e espúrias investigações místicas acerca de “Gramsci, o revolucionário italiano”.

É seguro que Osvaldo Coggiola difunde, desavergonhada e descaradamente, entre seus discípulos e por todas as brechas das universidades brasileiras e argentinas, mediante livros e palestras, a enfermidade epistemológica, a peste bubônica político-burocrática, o cheiro repugnante e asqueroso do gramscismo, procurando demonstrar e legitimar, “cientificamente, em sentido histórico”, o fato de que esse surto infeccioso compatibilizar-se-ia de algum modo com e  seria absorvível de alguma maneira pelos posicionamentos “também” revolucionários de Trotsky e todo o legado dos marxistas-revolucionários, bolcheviques-leninistas, tais como os de Sverdlov, por exemplo.

É visível que Coggiola não se enfastia de verter, repetida e renitentemente, rios de tinta acerca de : “Gramsci : História e Revolução. 50 Anos da Morte do Revolucionário Italiano nas Prisões do Fascismo” (eis aí cerca de 10 páginas fastidiosas e inteiramente mal-enfocadas sobre o tema),  “Gramsci : História e Revolução”, (novamente 10 páginas sofrivelmente paridas), “Bolchevismo, Gramsci, Conselhos” (cerca de 200 páginas longas, cansativas, aborrecidas e sonolentas, produzidas em conjunto com o intelectual não menos filisteu trotskysta- gramsciano, de matiz altamirista, Roberto Massari). [14][15][16]      

 

 

 

Porém, além de tudo isso : cala-se Altamira em face da enfermidade gramsciana precisamente porque a Convenção de Gênova, de 1997, i.e. o projeto de Fundação ou Refundação da IV Internacional, sufragrado pelo Partido Obrero, tem como único e exclusivo sustentáculo vital e sentido existencial sua aliança política estreita com a seção italiana da Oposição Trotskysta Internacional(OTI), i.e. a Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta (AMR-Proposta), encabeçada pelos mais árduos defensores da mitologia gramsciana entre os militantes e ativistas trotskystas de todo mundo : Franco Grisolia, Marco Ferrando e Francesco Ricci.

Como agrupamento do Partido Refundação Comunista da Itália, a AMR-Proposta de Grisolia, Ferrando e Ricci  já defendeu que deve ser implementado o conceito gramsciano de partido, como forma de solução para os problemas pratidários da classe trabalhadora :

 

“ 4.1. Construindo o Partido Refundação Comunista como Fórum Intelectual. Na base da análise prévia, o giro político e estratégico que o IV Congresso proporcionou necessita uma nova concepção de partido e de sua estrutura.

A nova resposta aos problemas do PRC não está na solução do “Partido Comunidade”, i.e. um partido que se proponha enquanto contra-parte à desagregação e ao “deserto exterior”, tornando-se um centro social  para organizações de mútuo, de escolas, de cultura.

O tipo de solução, que não parece muito sensível, não põe o partido na realidade do trabalho, porém arrisca a fortalecer a auto-absorção.

Isso não apenas não rompe o círculo auto-referencial, senão agrava-o na nova forma do sectarismo, erradicação social, destacamento dos movimentos, para vantagem dos democratas de esquerda e sindicatos.

Pelo contrário, é necessário readquirir e renovar o conceito gramsciano de partido enquanto uma convenção intelectual, engajada na luta de classes pela direção entre as massas : um partido que orienta sua cultura política, sua estrutura organizativa e suas funções para a conquista de um projeto anti-capitalista.” [17]

 

 

 

Nesse sentido, Jorge Altamira cumpre um papel nefando quando, reivindicando representar o trotskysmo ortodoxo ou consistente, isento de supostas capitulações ao frente-populismo - tal qual, segundo ele, reputadamente dinamizadas pelo PSTU Brasileiro e pela LIT-QI -, impulsiona um trabalho em comum com a militância de Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta (AMR-Proposta) e da Oposição Trotskysta Internacional(OTI) sem procurar arrancá-la, no quadro de uma disputa política leal e fraternal, do “vale de lama pútrida“, imunizando-a contra os sintomas epidêmicos, produzidos inevitavelmente pela propagação da ideologia gramsciana no âmbito do movimento trotskysta dos dias de hoje.

 

Procurando sedimentar as bases místicas do trotsysmo-gramscista, lançadas pelo Partido Obrero (PO) e pela Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta (AMR-Proposta), cumpriu, mais recentemente, a Manolo Romano e Emilio Albamonte, membros dirigentes do Partido de Trabajadores por el Socialismo (PTS – Fração Trotskysta – Estratégia Internacional) exercer o papel de “intelectuais orgânicos” do projeto absurdamente eclético de complementarização, compatibilização, harmonização, conciliação, solidarização da doutrina materialisticamente histórico-dialética de Trotsky com os derrames cerebrais metafísico-subjetivistas de Gramsci, introduzindo-o na interpretação dos principais eventos de luta dos explorados e oprimidos da América Latina e de todo o mundo.[18]  

 

 

Alegando rechaçar o “dogmatismo sectário”, Manolo Romano e Emilio Albamonte dedicam-se, longamente, à infeliz tentativa de integração dialógica das abordangens teóricas do trotskysmo com as do gramscismo, com vistas a, em particular, desferir cáusticos ataques filistinos e subreptícios contra o pensamento de Nahuel Moreno, procurando justificar, assim, a necessidade de construir-se uma “melhor compreensão do complexo cenário mundial que assumiu forma no período posterior à II Guerra Mundial – o período assim denominado de “Ordem de Yalta”.”[19]

 

 

Nesse sentido, assinalam Romano e Albamonte, expressamente, em seu sugestivo artigo intitulado “Trotsky e Gramsci : Um Diálogo Póstumo”  :

 

 “O dirigente trotskysta, Nahuel Moreno, fundador da corrente de que viemos, tentou tratar dessa situação contraditória (obs.: aborda-se aqui a assim considerada situação de bloqueio da dinâmica da revolução permanente e do congelamento dos eventos revolucionários do após-guerra, no interior de fronteiras nacionais, por força da atuação da burocracia soviética de Moscou) alegando que « a realidade havia-se tornado até mesmo mais trotskysta do que o próprio Trotsky.»

Ele queria dizer que a dinâmica permanente da revolução resultava manifesta no fato de que até mesmo os partidos stalinistas ou movimentos guerrilheiros haviam sido forçados a tomar o poder e expropriar a burguesia, em um grande número de países, devido às pressões dos próprios fatores objetivos.

A revolução tornara-se, assim, «objetivamente socialista».

Já acertamos nossas contas com essa declaração em “Estratégia Internacional Nr. 3”. Nessa sede, dissemos que Moreno estendeu o período excepcional de 1943-1949 para todo o período do após-guerra, transformando-o em uma norma.

Dessa forma, não apenas distorceu os fundamentos da teoria da revolução permanente, senão, pior ainda, também a própria realidade.

Essa nova visão rompeu os vínculos entre as tarefas a serem cumpridas pela revolução, de um lado, e os sujeitos – a classe e o partido – que haveriam de conduzí-las à sua conclusão.

Existem precisamente aspectos da teoria da revolução permanente que não podem ser considerados isoladamente, em relação a outros. Se esse não fosse o caso, o que de bom representou a rejeição da Oposição Internacional de Esquerda ao impulso forçado de Stálin à agricultura coletiva ?

A « tarefa socialista » de abolir a propriedade no interior do país não pode ser assumida em isolação frente aos métodos da revolução proletária. Elas também não podem ser consideradas separadamente em relação à classe que deve cumprir tal tarefa. Trotsky respondeu a esses tipos de argumentos, em seu tempo : « Não apenas o “o quê” é o que importa, mas também contam o “como” e o “quem” faz alguma coisa : se é a burocracia ou os sovietes.” »[20]    

 

 

 

Ora, tendo-se em conta que, segundo Romano e Albamonte, o “dirigente trotskysta” Nahuel Moreno estendeu, indevida e revisionistamente, o período excepcional de 1943-1949 para todo o período do após-guerra, transformando-o em norma, distorcendo, assim, não somente os fundamentos da teoria da revolução permanente, senão, pior ainda, também a própria realidade, decorreria, pois, a imperiosidade de fazer-se alguma coisa contra isso : i.e. corrigir-se Moreno, com o que obter-se-ia uma mais perfeita compreensão do período do após-guerra.[21]

 

 

Como, porém, Romano e Albamonte candidatam-se à execução desse mister ?

A resposta é-nos fornecida, de bom grado, pelos próprios dirigentes trotskystas-gramscianos Romano e Albamonte, ao aconselharem toda a vanguarda dos lutadores proletários revolucionários a precisamente atentar para o seguinte :

 

“Não somos, de nenhuma forma, os primeiros a tentar sacar um paralelo crítico entre os pensamentos de Trotsky e os de Gramsci.

Perry Anderson, partindo do ponto de vista do marxismo acadêmico, abriu um debate acerca das ambigüidades registradas no conceito chave de hegemonia, postulado por Gramsci. Esse foi um trabalho pioneiro, em que as concepções de Trotsky foram tratadas. Porém os trotskystas falharam, lamentavelmente, em elaborar sobre esse tema.

O principal impulso de nossa abordagem é o de tratar ambos os sistemas teóricos considerados em seu conjunto, constrastando seus conceitos particulares em processo, i.e. o conceito de equilíbrio capitalista e a teoria da revolução permanente no caso de Trotsky; a relação entre guerra de posição e guerra de manobra de Gramsci, bem como os usos de sua noção de revolução passiva.

Essa última, acreditamos, tem sida sobretudo subestimada pelos marxistas revolucionários.

O primeiro resultado de contrastar-se essas perspectivas teóricas é a emergência de novos conceitos, enquanto outros ganham em riqueza dialética, permitindo uma melhor compreensão do complexo cenário mundial que assumiu forma no período posterior à II Guerra Mundial – o período assim denominado de a “Ordem de Yalta”.”[22]             

 

 

 

Eis o resultado primordial dos intentos de Romano e Albamonte, contidos em seus trabalhos dedicados a Trotsky e Gramsci, voltados a abordar ambos os sistemas teóricos em pauta e a constrastar seus conceitos particulares em processo, i.e. as análises de Trotsky sobre o equilíbrio capitalista e a revolução permanente em face dos conceitos de Gramsci de guerra de posição - guerra de manobra e de revolução passiva: mediante essa operação intelectual de matiz ostensivamente eclética seria possível obter-se “novos conceitos, enquanto outros ganham em riqueza dialética.”

Por ocasião de sua ruptura com a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), em fins dos anos 80, Romano e sua corrente política declaravam ser imprescindível seguir novos caminhos, delimitando-se do movimento trotskysta do qual procediam, como forma de poder retomar “o método e a teoria de Trotsky”.

Assim, ainda em 1993, o hoje dirigente eclético trotskysta-gramsciano, Romano, assinalava, expressamente, o seguinte :

 

“É por isso que toda a possível regeneração revolucionária da LIT (e de suas secções) só pode surgir de uma volta, sem titubeios, às bases teóricas e ao método, concebidos pelo fundador da IV Internacional.”[23] 

 

 

Presentemente, é possível depreender que Romano pretendia efetivamente defender, à época, não propriamente “uma volta, sem titubeios, às bases teóricas e ao método, concebidos pelo fundador da IV Internacional, Trotsky” mas sim um retorno àqueles postulados, burilados pelo sagaz venerador das políticas e dos métodos do stalinismo, Gramsci.

Se os leitores ainda prosseguirem com suas dúvidas acerca das maravilhas ideológicas, obtidas pela aliança eclética Trotsky e Gramsci, promovida por Romano e Albamonte, cabe destacar que esses dois trotskystas gramscianos  brindaram-nos, ainda, com um trabalho adicional, intitulado “Trotsky e Gramsci. Revolução Permanente e Guerra de Posição. A Teoria da Revolução em Gramsci e Trotsky”, no qual pretendem conciliar, desveladamente, fundamentos lógicos do materialismo histórico-dialético com axiomas supersticiosos do curandeirismo idealista-subjetivista gramsciano, visando a obterem “novos conceitos, enquanto outros ganham em riqueza dialética.”[24]

 

 

 

A essa cruzada do “Bloco Histórico Trotskysta-Gramsciano”, encabeçada pelos mentores ideológicos do Partido Obrero e do Partido de Trabalhadores por el Socialismo (PTS – Fração Trotskysta – Estratégia Internacional) – coadjuvada por Convergencia Socialista (CS) e pelo Movimiento Socialista de los Trabahadores (MST) - soma-se ainda, escolasticamente, o Movimento ao Socialismo (MAS).

Essa última organização decidiu-se a difundir, ostensiva e diretamente, escolástica e acriticamente, em seus “Cuadernos de Formación”, textos decisivos do “Lenin do Ocidente”, dedicados à temática “Estado e Socialismo” e à questão da “Necessidade de uma Preparação Ideológica das Massas”.[25]    

 

 

No que concerne ao comparecimento e ao porte do trotskysmo gramscista lamentavelmente também no interior das fileiras do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU do Brasil), cuja difusão faz-se, presentemente, de modo ainda periférico e fragmentário e, ditosamente, não de maneira diretiva e preponderante, - apesar de ganhar espaços a cada dia, com base no método gramscista da Guerra de Posição ou de Assédio, a qual pode ser magnificamente sintetizada no provérbio Gutta cavat lapidem non vi sed saepe cadendo, tantas vezes referido por Giordano Bruno, traduzido, no vernáculo, mais comumente com o brocardo “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” -, limito-me a remeter o leitor, em primeiro lugar, à vastíssima página de Internet do Professor da Universidade de Campinas e Metodista de São Paulo, membro do conselho editorial e secretário de redação da Revista Outubro, Álvaro Bianchi.

Tal página de Bianchi, intitulada Politikon, fala por si mesma acerca das tendências e das inclinações especulativas desse pensador brasileiro, empenhado em veicular não somente suposta complementaridade eclético-intelectual, existente entre Trotsky e Gramsci, senão também suas próprias considerações principais, inequivocamente sufragadoras do gramiscismo epitemologicamente subjetivista-apriorístico e frontalmente avessas ao materialismo histórico-dialético de Marx e Engels.

À guisa de prova, permito-me remeter o leitor ao estudo, exempli gratia, do texto “Hegemonia em Construção” de Bianchi e do seu mais recente grito de guerra de “Retorno a Gramsci”, i.e. uma apologia “reflexiva e crítica” que, poupando o leitor de tantos argumentos ecléticos vazios, não se prolonga mais do que ao longo de duas páginas repletas de letras e sentenças, revivificadoras do non sense gramsciano.[26]

 

 

A Revista Outubro, dirigida por Álvaro Bianchi adota como título um nome inquestionavelmente imponente, diretamente associado à herança proletário-revolucionária gerada pelo Outubro Vermelho, dirigido por Lenin, Trotsky, Sverdlov e por muitos outros bolcheviques que consagraram suas vidas através da edificação, em Outubro de 1917, de uma autêntica Ditadura Revolucionária do Proletariado, rigorosamente estruturada sobre os fundamentos mais essenciais da doutrina dialética histórico-materialista de Marx e Engels.

Destacando que o grande mérito histórico de Marx e Engels foi o de terem indicado aos trabalhadores de todo o mundo sua tarefa de serem os primeiros a levantarem-se na luta revolucionária contra o capital e reunirem, em torno de si, nessa luta, todo o povo trabalhador e explorado, Lenin foi capaz de retomar a questão da hegemonia do proletariado, desde um ângulo dialético-materista, situando-se, assim, em diametral oposição ao que viria a ser a versão idealista-subjetivista da hegemonia de Gramsci, para quem a estratégia revolucionária do “ataque frontal”, da “guerra de movimento” do proletariado revolucionário, subsistiria apenas “até quando se trate de conquistar posições não decisivas, não sendo, pois, mobilizados todos os recursos da hegemonia do Estado.”[27]

 

 

 

Com efeito, na história da humanidade de todos os tempos, a Grande Revolução Russa de Outubro de 1917, enquanto prólogo da revolução socialista mundial, tornou-se o marco real e triunfante de maior relevância na longa luta de classes internacionalista, travada pelos trabalhadores e todos os seus aliados oprimidos por Pão, Paz e Terra, rumo à edificação de um novo mundo : um mundo sem fronteiras, autenticamente humanizado, imune a todas as formas de exploração do homem pelo homem e de nações por nações, livre de toda a opressão dos Estados e das dilacerações sociais sangrentas, emergentes das sociedades cindidas em classes irrenconciliavelmente hostis.

Entretanto, apesar de seu nome eminentemente sedutor, não se extrai, quase nunca, da Revista Outubro em referência contribuições que apontem para a necessidade de retomada inadiável do legado de luta dos bolcheviques, encabeçados por Lenin, senão, maximamente, elaborações intelectuais das mais diversas procedências ecléticas que tendem essencialmente à difusão e consolidação do gramscismo meta-marxista e de toda sua « tradição », fundada gnosiologicamente no subjetivismo idealista, inteiramente avesso à dialética histórico-materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky.

Permanecendo como porta voz ideológico do gramscismo, a Revista Outubro haveria de adotar um outro título que bem mais correspondesse às suas aspirações histórico-epistemológicas.   

Mesmo porque não passou pela cabeça de nenhum revolucionário bolchevique ou mesmo – antes do VI Congresso de Unificação do POSDR (Bolchevique), ocorrido entre 26 de julho e 3 de agosto de 1917 – não transitou na mente de nenhum militante do Comitê Interdistrital de Petrogrado, encabeçado por Trotsky e Lunatcharsky, Iurenev e Volodarsky – defender a idéia de que lutavam, com o fito de deflagar “A Revolução contra o Capital”, i.e. contra o Capital de Karl Marx, por acreditarem, como o faz declaradamente Gramsci, que “os cânones do materialismo histórico não são assim tão férreos como se poderia pensar e se pensou”, na medida em que Marx se havia contaminado com incrustrações positivistas e naturalistas.“ [28]

 

 

Procedendo desse modo, a Revista Outubro não se dedica à abordagem do Outubro, pois que não se dispõe a tratar do Outubro – ainda que o pudesse fazer, se se valesse de artigos vertidos da pena de inúmeros trotskystas revolucionários que vicejaram e vicejam seja no Brasil seja em todo mundo - : dispõe-se a tratar das leituras gramscianas e gramsciófilas, i.e. das supostas incrustrações, dos alegados entalhamentos, das presumidas tauxias, das imaginárias ensambladuras “positivas e naturalistas” contidas na obra de Marx, já que “os cânones do materialismo histórico não são assim tão férreos como se poderia pensar e se pensou ...”(sic)

Na base de uma suposta defesa da mais ampla liberdade de consciência filosófica e religiosa, fundada na parêmia De gustibus et coloribus non est disputandum, a Revista Outubro de Álvaro Bianchi e colaboradores procura servir de trampolim conseqüente e sistemático à publicação, sem críticas e sem restrições, de artigos dos maiores diretores espirituais do mandelismo, dirigentes supremos do Secretariado Internacional da Quarta Internacional (SU – QI) – sustentadores diretos ou indiretos no Brasil seja, por um lado, da Frente Popular, encabeçada por Lula e integrada pelo Ministro do (contra) o Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto (SU – QI), seja, por outro lado, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), como Michael Löwy e Daniel Bensaïd, remixes do incorrígivel franco-maoísta Louis Althusser – outrora contudentemente e à saciedade criticado por Nahuel Moreno –, análises de “luxemburguistas” no estilo de Ricardo Antunes, convicto protagonista do gramscismo ideológico, propalado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) .[29][30][31][32]

 

 

Mais do que isso : a Revista Outubro dedica-se também à publicação de ensaios muito “profundos e abrangentes” acerca da seguinte temática :

 

“Gramsci, mais um antitrotskista ?”[33]

 

 

 

Diante do corpo de articulistas supra-citados que configuram o ecletismo gnoseológico patente da Revista Outubro de Álvaro Bianchi, adivinhe o leitor dessas linhas, se puder – mesmo sem ter jamais lido o ensaio cujo título ficou acima referido -, qual seja a resposta conferida por Bianchi e Sena à desafiadora indagação formulada insinuadamente :

 

“Gramsci, mais um antitrotskista ?”

 

Evidentemente que não, não, não, quatro vezes não : Gramsci não foi um antitrotkista, apesar de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... Gramsci ter enaltecido, escancaradamente, Stalin enquanto “o Grande Teórico Mais Recente” em matéria de “internacionalismo e política nacional”,  apesar de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... Gramsci declarar que a teoria da Revolução Permanente de Trotsky nada mais é senão uma “tentativa de estupro de uma menina de 4 (quatro), 4 (quatro), 4 (quatro), 4 (quatro)  anos”,  apesar de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... Gramsci opor-se, abertamente, à concepção de Revolução Permanente de Trotsky, na medida em que defendeu ser inteiramente correto compará-la, vulgarmente, com a teoria dos “sindicalistas franceses sobre a greve geral e, também, parcialmente, com a teoria do espontaneísmo de Rosa Luxemburgo (sic)”, apesar de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ...[34]   

 

 

 

Apesar de tudo isso, Gramsci não foi um antitrotskysta !, apesar de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... poder ter tido algumas diferenças políticas em relação a Trotsky, evidentemente de dimensão “irrelevante”.

Imaginemos, porém, por um instante, se Gramsci tivesse sido um antitrotskysta.

Que pérolas não verteriam de sua pena para atacar a Revolução Permanente de Trotsky e prantear o “Grande Teórico Mais Recente, em Matéria de Internacionalismo e Política Nacional”, Iossif Vissarianovitch Djugaschvili Stalin !

Se acompanharmos as próximas edições da Revista Outubro de Álvaro Bianchi,  verificaremos que, em breve, poderão ser lançados os seguintes ensaios, ainda mais cativantes :

 

“Gramsci, mais um antiluxemburguista?”

 

“Gramsci, mais um antiliebknechtiano?

 

“Gramsci, mais um antiengelsiano?”

 

“Gramsci, mais um antimarxista?”

 

Em todos esses casos, a resposta será não, não, não, 4 (quatro) vezes não !, apesar de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ...

E as comoções cerebrinas de Gramsci e do gramiscismo das Universidades Burguesas latinae linguae continuarão a ser vendidas, em massa, aos consumidores desgraçadamente pouco informados, a título de ... “Outubro” (!)

Não se surpreenda o leitor, se os articulistas desses artigos vindouros forem até mesmo os seguintes expoentes internacionais do mundo gramsciano-meta-marxista e do atual mandelismo gramscista do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI)  :

 

·      Daniel Bensaïd ; 

·      Jacques Bidet ; 

·      François Chesnais ;  

·      Domenico Losurdo.   

 

Com efeito, os quatro mosqueteiros mundialmente renomados do gramscismo meta-marxista estarão no Brasil, de 8 a 11 de novembro de 2005, adivinhem onde e para palestrarem sobre o quê, a convite de quem?

Se a resposta do leitor à pergunta acerca do “onde” foi : Universidade de Campinas, em São Paulo, a resposta está certa.

Se a resposta do leitor à pergunta sobre o “para palestrarem sobre o quê” foi : sobre a obra de Karl Marx e Friedrich Engels, acertou novamente.

Se a resposta do leitor à pergunta acerca do “convite de quem” foi : Revista Outubro de Álvaro Bianchi, acertou apenas de modo parcial.

Pois, o evento para o qual forão convidados Bensaïd, Bidet, Chesnais, Losurdo, todos eles meta-marxistas gramscianos ou sinceros colaboradores desses, intitulado, enquanto chamariz, 4° Colóquio Marx e Engels, foi organizado pelo Centro de Estudos Marxistas (CEMARX) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, cujos professores ativos são todos gramscianos ou gramsciófilos, tais quais João Quartim de Moraes, ideólogo do neo-stalinilismo do PCdoB frente-populista, Armando Boito Jr., epígono do neo-stalinismo de Quartim de Moraes e do PCdoB frente-populista e prócere do stalinismo maoísta-brasileiro, Augusto Buonicore, epígono do neo-stalinismo de Quartim de Moraes e de Armando Boito Jr. e mentor ideológico do  PCdoB frente-populista, e Álvaro Bianchi, o editor trotskysta- gramsciano da Revista Outubro.         

Essa fraternidade eclética há de nos falar logo de quem ..., logo de quem ..., logo de quem ..., logo de quem ... :  de Karl Marx e Friedrich Engels !

Perante os professores neo-stalinistas-gramscianos, stalinistas-maoístas-gramscianos e trotskystas-gramscianos, o próprio Marx responderia, certamente, com suas palavras de odi profanum vulgus et arceo, favete linguis, i.e. odeio o vulgo ordinário e afasto-o, favorecei-me, pois, com a língua, calando-vos:[35]

 

 

 

“ Abgesehen davon, gefällt mir sehr die öffentliche, authentische Isolation, worin wir zwei, Du und ich, uns jetzt befinden.

Sie entpricht ganz unsrer Stellung und unsern Prinzipien.

Das System wechselseitiger Concessionen, aus Anstand geduldeter Halbheiten und die Pflicht vor dem Publicum seinen Theil Lächerlichkeit in der Parthei mit all diesen Eseln zu nehmen, das hat jetz aufgehört.”   

 

No vernáculo :

 

“ À parte isso, agrada-me muito essa isolação pública e autêntica, na qual nós dois, tu (Engels) e eu, encontramo-nos atualmente.

Ela corresponde inteiramente ao nosso posicionamento e aos nossos princípios.

O sistema de concessões recíprocas, de respeito a medianidades toleradas e o dever de assumir diante do público sua parte de ridículo, no Partido com todos esses burros, isso agora deixou de existir.”[36]

 

 

 

Eis aí o De cujus sucessione agitur sobre quem desejam falar os meta-marxistas gramscianos, os neo-stalinistas gramscianos, stalinistas-maoístas gramscianos e os trotskystas gramscianos que também serão expositores no 4° Colóquio Marx e Engels, organizado pelo Centro de Estudos Marxistas (CEMARX) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

Todos esses intelectuais – a maioria deles professores universitários - entendem ser o marxismo aquilo que eles mesmos apreciam ler no marxismo, na medida em que agem rigorosamente segundo a lógica da gnoma Quod volumus, facile credemus, i.e. aquilo que queremos, acreditamo-lo facilmente.

Agindo, desse modo, o gramscismo cuja natureza essencial é o meta-marxismo transforma a  ciência do socialismo ou o socialismo científico de Marx e Engels em uma ciência alegórica : melhor dito em uma αλληγορία (alegoria), i.e. uma ficção meta-marxista, composta por uma série de metáforas que tratam do marxismo, dando a idéia de outra coisa, nele não expressada : por isso, άλλος (outro), αγορεύειν (dizer).   

O gramscismo não procede examinando o marxismo, com vistas a dele extrair resultados dialético-revolucionários, tal como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática, não de colaboração de classes - no estilo stalinista, stalinista-gramsciano ou gramsciano-meta-marxista - , mas de organização, mobilização e luta permanente, independente e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado, em busca da construção de uma humanidade socializada ou ainda de uma sociedade humanizada, senão procede reconstruindo-o de modo idealista-subjetivo, segundo os interesses e as conveniências particulares do gramscista meta-marxista em causa, sejam aqueles velados ou ostensivos[37].

 

 

O modus agendi et faciendi, o método do socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista, por usurpar a dialética de Marx e Engels, não se desenvolve, gnosiologicamente, por meio de tese (θέσις), antítese (αντιθέσις) e síntese (σινθέσις), fundadas em sentido histórico-materialista.

Pelo contrário, dedica-se interminavelmente à produção alegórica de hipó-teses (ιποθέσις), pró-teses(προθέσις) e diá-teses (διαθέσις), i.e. ocupa-se, em um primeiro passo, com suposições admissíveis sobre o sentido e significado das concepções de Marx e Engels, tornando-as carentes, porém, de toda comprovação, em um segundo passo, com substituições artificiais do sentido e significado das concepções de Marx e Engels o que leva a que adrede decaia e, em um terceiro passo, com firmes disposições de reconstrução ordenatória idealista-subjetivista, promovida por meio de suas próprias operações intelectuais arbitrárias, dos elementos múltiplos, fornecidos pela dialética histórico-materialista de Marx e Engels.

Fundado nesse método de proceder, o socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista – ao invés de científico – perpetra diversos equívocos não apenas de compreensão do significado literário das concepções e princípios, método e lógica, propugnados por Karl Marx e Friedrich Engels, senão ainda, inevitavelmente, quando aplicado à direta análise dos fatos que permeiam a realidade corrente da luta de classes e às respectivas medidas estratéticas e táticas revolucionárias a serem adotadas, produz distorções, deformações, acomodações, sectárias e oportunistas, que, em princípio, poderiam não ser tão graves, se porventura houvesse disposição e consciência para corrigí-las prontamente e no mais rápido espaço de tempo, em conformidade com o modo de enfoque e de transformação materialista histórico-dialético do mundo.

Errare humanum est, perservare autem ...

Impulsionado pelo gramiscismo meta-marxista de nossos dias, verifica-se o surgimento do socialismo alegórico, cuja essência reduz-se a referências feitas a pensamentos, obras, cartas, discursos, documentos de Marx e Engels, para, a seguir, fornecer um sentido e um significado essencialmente subjetivo e distinto, particular e estranho, alheio e recôndito, alienado e alienante daquilo que Marx e Engels quiseram efetivamente expressar.

Vejamos, por um minuto, a gênese e a natureza do socialismo alegórico, cuja força propulsora decisiva de nossos dias é o gramscismo meta-marxista.   

O filistinismo do “livre pensar” é o pai da ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista de Gramsci que gerou os neo-stalinistas gramscianos-reciclados, dos quais nasceram os stalinistas-maoístas-gramscianos que procriaram os meta-marxistas gramscianos que são os genitores dos trotskystas-gramscianos e gramsciófilos que, finalmente, unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis, i.e. são de uma única substância, força e poder, conformadora do socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista de nosso corrente século XXI.

Apoiando-se nos fundamentos do socialismo científico de Marx e Engels, o socialismo alegórico pretende daquele retirar a legitimação para as suas próprias elocubrações figuradas, enigmáticas, embrulhonas e falsas, formuladas com base no seguinte epifonema :

 

“Nullius addictus jurare in verba magistri,

Não estando obrigado a jurar pelas palavras de mestre algum,

 

quo me cunque rapit tempestas,

para onde me arrasta a tempestade

 

defereor hospes.

deixo-me levar de bom grado.”[38]   

 

 

 

Se, outrora, as lutas de emancipação do proletariado internacional e seu produto mais legítimo e avançado, i.e. o socialismo científico de Marx e Engels,  foi capaz de reconhecer e lutar, em todos os domínios, contra os resultados, ostensivos e velados, das concepções, lógica e metodologia de trabalho dos assim denominados “socialismo utópico”, “socialismo religioso-cristão”, “socialismo dos juristas”, “socialismo de cátedra” et caetera, nosso corrente século coloca-nos diante da tarefa de, estribando-nos – ainda que como modestos pigmeus – sobre o terreno do socialismo científico de Marx e Engels, combatermos as formulações, a epistemologia e o modus agendi et faciendi do socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista, expressão do moderno ecletismo intelectual dito marxista que enferma a luta de emancipação do proletariado e que possui como elemento central de refundição, refinamento, reciclagem e retratamento, o gramscismo,  novo freio ideológico de matiz originariamente stalinista, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletário-internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, i.e. leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto forma de transição para uma sociedade sem classes e sem Estado.

Em vista da imensa importância da genial e originalíssima doutrina de Marx e Engels para as lutas das amplas massas exploradas e confrangidas, em razão das produções de Marx e Engels constituirem um arcabouço de concepções indeléveis,  profundamente abrangente, procura o socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista erigir enquanto seu método de trabalho o procedimento de referir-se, sempre à distância e esporadicamente, a Marx e Engels – folheando, ocasionalmente, até mesmo suas obras, citando, às vezes, até mesmo pedacinhos dela -, a fim de atribuir um sentido e um significado inteiramente distorcido, surpreendente, e, por isso mesmo, não apenas falso, mas antes de tudo embusteiro, enganador, sedutor (no dizer de Engels : befremdend) àquilo que foi efetivamente preconizado pelos fundadores do socialismo científico.

O socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista tão cultivado pelos rabinos neo-stalinistas-gramscianos, stalinistas-maoístas-gramscianos, trotskystas-gramscianos, trotskystas-gramsciófilos et reliqua agem tal qual o faz um mal intérprete de um idioma que o considera covinctamente como sendo naturalmente seu, ao construir, criar, elaborar um sentido aproximado, figurado e aparentemente evidente de uma determinada proposição lançada por Marx e Engels.

P.ex.: admitindo-se que um meta-marxista gramsciano – seja ele da vertente eclética que lhe aprouver, i.e. neo-stalinista gramsciano, stalinista-maoísta gramsciano ou mesmo trotskysta gramsciano ou trotskysta gramsciófilo, porém sempre defensor do pensamento de Gramsci enquanto leitura retratada, refinada, reciclada, idealista-subjetiva de tudo aquilo que Marx ou mesmo Engels ou mesmo Lenin ou mesmo Trotsky produziram – encontrasse, hipoteticamente, em algum texto desses pensadores a seguinte sentença :

 

“Cor quo vado ?”

 

Diria, sem grande meditação, em tom inquestionavelmente alegórico, usando de sua mais ampla liberdade de consciência, em defesa de um suposto “marxismo critativo” :

 

“Essa sentença quer dizer « exatamente » que Marx tinha conhecimento não apenas do Brasil e do Rio de Janeiro, mas também que ouvira falar do Corcovado, se é que lá mesmo não esteve !”

 

Posicionado diante da conhecida expressão :

 

“Nomen est omen !”

 

Não tituberaria o meta-marxista gramsciano em formular, de modo inovador, a seguinte pró-tese :

 

“Eis aí que o nome é o homem, i.e. a simples menção do nome de Marx concede-lhe perante auditórios repletos todos os louros que seus ensinamentos merecem.”

 

Se deparasse, então, com a sentença :

 

“Caritas in omnibus.”

 

Diria o meta-marxista gramsciano, criativa e alegoricamente, em tom trocista, arrancando até mesmo a concordância de incautos auditórios inteiros :

   

“Certo! Com toda a sua monumental compreensão das relações sociais circunjacentes, Marx queria, na realidade, nos alertar, em tom de previsão, para o fato de que está caro nos ônibus, a despeito do fato de que, na época de Marx, não existisse, como sabemos, ônibus algum.”   

 

Entrevendo a mensagem :

 

“De motu proprio.”

 

O intelectual meta-marxista gramsciano, fundando-se no axioma de que cada um dever escolher livremente no que acredita, diria  :

 

“Aqui, Marx pretende dizer que certamente cada qual deve ir com sua moto própria. 

 

Se avistasse, a seguir, a sentença :

 

“No vi oras.”

 

Segunda a mesma lógica, afirmaria o meta-marxista gramsciano, figurativamente, recorrendo a toda sua concepção de liberdade no “marxismo criativo”  :

 

“Bem. Eram, efetivamente, nove horas, quando Marx redigiu essas linhas, pois, em outra passagem, afirma, ao dirigir-se a Engels, «iterum crispinus»![39]

 

Confrontado com a pergunta  :

 

“Maria, an tu nes ?”

 

O meta-marxista gramsciano não titubearia em criar marxisticamente, alegorizar, no terreno da obra de Marx e Engels, dar asas ao seu espírito amplamente livre e desbragadamente autônomo, proclamando :

 

“Aqui, Marx remete-nos « exatamente » ao estudo de Maria Antunes, mãe da grande protagonista da Revolução Farroupilha da qual ele certamente deve ter tomado ciência por meio de Giuseppe Garibaldi  !”

 

Assaltado pela sentença :

 

“Tua neta Maria rosa.”

 

O professor do meta-marxismo gramsciano esclareceria, alegoricamente, demonstrando seu infinito conhecimento da história de todos os tempos  :

 

“Aqui, já se trata de algo inteiramente distinto. Marx pretende dizer « exatamente » que ... que ... que ... que ... alguém se dirigia a avó de Maria, a Louca – “Maria, la Pazza” -, mulher guerreira, que sempre levava uma rosa consigo. Ela foi descrita magistralmente pelo escritor italiano Francesco Petrarca.

     

No mesmo passo, o meta-marxismo gramsciano – sempre muito adepto do “marxismo criativo” – surpreender-se-ia se tomasse conhecimento de fórmulas imprecatórias, formuladas por Marx, e acharia melhor, por cautela, não alegorizar meta-marxisticamente em casos semelhantes aos seguintes, reputadamente difamatórios e insultosos :

 

“Tua mater mala est burra !”

 

“Mando navem prora puppique carente !”

 

“Pica fodet conum !”

 

“... et quisbundam aliis !”

 

“Da mihi tua buceta dicta baccho !”

 

“Quod abundat non nocet !”

 

“Omnibus rebus cognitis !”

 

„Nihil est miserum nisi cum putes.“

 

Por sua origem essencialmente acadêmico-professoral, imersa em ambiente de Universidades do Estado Burguês, o gramscismo meta-marxista prefere dedicar-se às coisas mais orgânicas, intelectuais e especulativas, procurando revelar em Marx o sentido mais profundo de seus estudos histórico-analíticos, tal como Gramsci o fez ao redigir seu lendário “A Revolução contra o Capital” - segundo Gramsci : “Revolução contra o Capital de Karl Marx”, pois ..., pois ..., pois ..., pois ... “os bocheviques renegam Karl Marx”, afirmando que “os cânones do materialismo histórico não são assim tão férreos como se poderia pensar e se pensou”, na medida em que Marx se havia contaminado com incrustrações positivistas e naturalistas.“[40]

 

“Hannibal ante portas !”

 

Na alegoria linguística dos gramscianos meta-marxistas :

    

“Aníbal que antes foi porteiro !”

 

E, então :

 

“Libertas quae sera tamen respexit inertem !”

 

Meta-marxisticamente, na dicção dos gramscianos dos mais diversos matizes há de soar de modo parecido com :      

 

“Liberta, que serás também, respeitando a inércia !”

 

Ou ainda :

 

“Ruere in servitium.”

 

Na diátese gramisciana meta-marxista, constituida por meio de hipótese e prótese  :

 

“Ruir no serviço.“

 

Com efeito, Marx, Engels, Lenin e mesmo Trotsky que nos refere entusiastamente a obra de Juvenal – muito utilizaram a língua latina, seja em pequenas dimensões – referindo-nos brilhantes epifonemas -, seja em ensaios mais largos, demonstrando que sabiam, efetivamente, com que importantíssimo instrumento cultural estavam manejando.

Assim, não se trataria de um caso fantástico se um gramsciano meta-marxista qualquer, confrontado com um parágrafo de História da Antigüidade como esse :

 

“Omnibus completis, Caesar, summa diligentia, fuit profectus Romam.”

 

formulasse a seguinte alegoria :

 

“Aqui, Marx que dizer « exatamente » que : estando os ônibus completos, César subiu na diligência, i.e. na carruagem, e foi prefeito de Roma.”

 

Suponha, agora, o leitor, por um breve lapso de tempo, qual não há de ser  a alegoria produzida pelo meta-marxismo dos gramscianos e gramsciófilos ejusdem farinae, exercitados no domínio do “marxismo criativo”, quando passam a se ocupar efetivamente das lições acuradamente redigidas por Marx e Engels, Lenin e Trotsky !

Vejamos um exemplo concreto sobre o que aqui versamos :

Marx expressou, efetivamente, a seguinte importantíssima noção sobre o exercício da hegemonia no contexto do Principado de Augusto e do Estado Romano, ao redigir em língua latina o seguinte :

 

“Sed omnino et Romana civitate, quam singulis Augustus praebuit, et armis, quae duces periti gessere, et inimicitia, inter eos ipsos excitata, multuorum Germaniae populorum vis frangebatur.”[41]

 

 

 

Em sentido meta-marxista-gramsciano, i.e. no quadro do “marxismo do além mundo”,  no âmbito do “marxismo criativo”, praticado pelos próceres espirituais do gramscismo ejusdem furfuris, haveria de emergir todo o parágrafo linguístico-declaratório em tela, da seguinte forma  :

 

“Como sabemos, Marx escreve certo por linhas tortas, quando se refere a questões históricas  ...

No texto em destaque, Marx quer dizer « exatamente » que : a sêde, o menino e a cidade romana que, de modo singular, Augusto meteu em pré-ebulição, e as armas que os doces peritos engessaram, e a inimizade entre os pisos, excitou muito tumultos germanos populares, de modo vil flagelados. “

 

Tal como acima ficou dito, o socialismo alegórico do corrente século XXI que defluiu, mais diretamente, da versão moderna do gramscismo meta-marxista - inimigo visceral e sibilino da Revolução Permanente, defendida inflexivelmente já por Marx, já por Engels, já por Lenin, já por Sverdlov, já por Trotsky  -  possui suas mais tenras origens no filistinismo do “livre pensar”.

Este último manifestou-se, densamente, no quadro das lutas de emancipação do proletariado alemão, em verdade, muito antes de que Gramsci pudesse formular sua idéia cerebrina de que a teoria da Revolução Permanente de Trotsky não havia sido boa nem quinze anos antes nem quinze anos depois, pois quando aveva quattro anni si voleva stuprare la bambina sicuri che sarebbe diventata madre“, i.e. quando a menina tinha quatro (4) ... quatro (4) ... quatro (4) ... quatro (4) ... anos queriam-na estuprar, seguros que haveria de se tornar mãe.[42]

 

 

O filistinismo do “livre pensar” exprimiu-se já, embrionariamente, nas fileiras dos revolucionários proletários, durante o processo de fusão que pariu – como diz Engels - o Programa Podre de Gotha de 1875, adotado no Congresso Fundacional que selou a aliança ideológico-programática entre os então existentes Partido Social-Democrático dos Trabalhadores (SDAP), dirigido pelos declaradamente “marxistas”, encabeçados por August Bebel e Wilhelm Liebknecht – contando com 9.121 militantes - e a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV), encabeçada pelos convictos lassalleanos Wilhelm Hasselmann e Jean Baptist Schweitzer – dispondo de 15.322 militantes.

A seguir, foi aperfeiçoado gradativamente por Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Georg von Vollmar, Konrad Schmidt e seus colaboradores intelectuais ejusdem generis a partir da década de 90 daquele mesmo século, surgindo como fenômeno consolidado teórica, política, estratégica e taticamente nos primeiros anos do século XX.

De todo modo, já na metade da década de 70 do século XIX e em face das ciftras numérico-partidárias supra-indicadas, os declaradamente “marxistas” August Bebel e Wilhelm Liebknecht, nada mais faziam senão acalentar, piamente, em seus corações “marxistas” o desejo de fusão, unificação, coalizão de toda a classe trabalhadora alemã, sob a bandeira de um único só Partido, seja lá da natureza que fosse, na medida em que a unidade, a todo transe, seria, custe o que custasse, o fator mais importante.

Para o atingimento de tal aspiração de fundição de todas as forças do proletariado alemão, os declaradamente “marxistas”, capitaneados por A. Bebel e W. Liebknecht, estavam dispostos a fazer concessões aos lassalleanos – como efetivamente acabaram por fazê-las no quadro do Programa Podre, redigido na cidade de Gotha -  recebendo em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca “um monte de reivindicações puramente democráticas, bastantes confusas, entre as quais muitas eram coisas genuinamente da moda...“[43]

 

 

O método de atuação ideológico-programática dos declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht – agora convertidos, em verdade, sob o impacto do lassalleanismo, em fiéis defensores do filistinismo do “livre pensar” - era, sem qualquer margem de dúvida, já naquela época, i.e. em 1875 – portanto muito antes que os gramscianos meta-marxistas pensassem em vir ao mundo – o método meta-marxista alegórico-socialista.

Vejamos, pois, disso um exemplo fático :

Diante da aparentemente inequívoca crítica de Karl Marx relativa ao ponto relativo à Questão da Religião, contido no esboço do Programa Podre que os declaradamente “marxistas” pretendiam, a todo custo, fazer aprovar juntamente com os lassalleanos em Gotha, diziam A. Bebel e W. Liebknecht que a questão da religião surgia, em suma, para os “marxistas”, como uma questão privada, em cujo contexto cumpriria defender, « exatamente », a ampla liberdade de consciência, i.e. a permissão de cada um escolher livremente e particularmente no que quer acreditar.

Uma maior claridade sobre essa matéria, pode ser atingida através da referência das seguintes fontes  :

Formulação contida no Programa Podre :

 

“ « PROGRAMA DE GOTHA DO PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES DA ALEMANHA »

(...)

O Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha reivindica enquanto fundamentos do Estado :

(...)

6. Declaração da religião enquanto questão particular de cada um.”[44]

 

 

 

Palavras do comentário crítico redigido pela pena do próprio Marx ao ponto 6 em destaque : 

 

„Liberdade de Consciência !“

Se se pretendeu com isso, nesse momento de Guerra Cultural, levar à mente do liberalismo sua velha palavra chave, então isso poderia ter ocorrido apenas da seguinte forma : Todos podem satisfazer tanto sua necessidade religiosa como sua necessidade corporal sem que a Polícia meta o nariz no meio.

Porém, o Partido dos Trabalhadores deveria, pelo contrário, declarar, nessa ocasião, sua convicção de que a “liberdade de consciência” burguesa nada é senão a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de consciência religiosa, sendo que ele se esforça, muito mais, por libertar as consciências do fantasma religioso.

Prefere-se, porém, não ultrapassar o nível “burguês”.[45]   

 

 

 

Traduzida, meta-marxisticamente, i.e. em sentido meta-marxista, a idéia acima formulada por Marx, i.e. expondo-a na linguagem e concepção dos declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht, pais do filistinismo do “livre pensar”, teríamos, porém, o seguinte :

 

“Como já é sabido, Marx escreve certo por linhas tortas, ao referir-se a questões filósificas e  históricas ..., valendo-se, até mesmo, em alguns casos, do idioma latino.

Daí, a necessidade da aplicação de anexim para a compreensão de sua formulação acima  : obscurum per obscuris, i.e. há que explicar o obscuro pelo mais obscuro ainda.

Sabemos que Marx defende, há muito tempo, o refrão que se tornou famoso : “A religião é o ópio do povo”.

Portanto ... portanto ..., portanto ..., portanto ..., no texto de Marx, contido em sua crítica ao nosso Programa de Unificação, quis ele dizer « exatamente » que... que ... que ... que ... : devemos defender a mais ampla liberdade de ciência e consciência e que cada um escolha acreditar no que bem lhe aprouver, sem que a Polícia meta o nariz no meio.”

 

Algumas retraduções dessa linguagem meta-marxista do filistinismo do “livre pensar” feita por marxistas não meta-marxistas que entenderam o excerto redigido por Marx de maneira distinta, i.e. em conformidade com o socialismo científico, apresentam-se, porém, da seguinte forma  :

 

“Eu nem quero seguir falando que tais reivindicações como : liberdade de ciência - liberdade de consciência figuram em todo e qualquer programa burguês-liberal e aqui produzem o clima de alguma coisa embusteira.”[46]

 

 

 

“(Wilhelm) Liebknecht está, naturalmente, furioso,

posto que toda a crítica foi cunhada, especialmente, contra ele.

Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselmann, pariu esse programa podre ...”[47]

 

 

 

“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...

Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira indiferente frente à falta de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.

Porém, fundamos nossa associação, entre outras coisas, precisamente para travar essa luta contra a estupidificação dos trabalhadores.

Para nós, a luta ideológica não é uma questão particular, mas sim de todo o Partido, de todo o proletariado.”[48]  

 

 

 

Eis aí porque o “marxismo criativo”, enquanto rótulo do meta-marxismo gramsciano não pode ser considerado, a bem da verdade, como propriamente original.

Preocupado em estudar as raízes do filistinismo do “livre pensar” – fonte de todo o meta-marxismo gramsciano contemporâneo, produzido pelos declaradamente “marxistas” -, Lenin recomenda-nos examinar detidamente a história do Partido Social-Democrático Alemão, começando com as declarações evasivas, contidas nos artigos de seus líderes ideológicos, terminando com a postura do Partido frente ao “Los-von-Kirche-Bewegung(Movimento de Abandono da Igreja)”.[49]  

 

 

Nesse sentido, esclarece Lenin, com sua costumeira precisão e nitidez :

 

“Outra observação incidental de Engels, também relacionada com a questão do Estado, trata da religião.

É sabido que a Social-Democracia Alemã na medida em que se degenerava, tornando-se cada vez mais oportunista, descambava, mais e mais, para o diz-que-diz filistino da célebre fórmula : « Declaração da Religião como Questão Privada. »

Isso significa que : essa fórmula foi interpretada de tal modo que também para o Partido do Proletariado Revolucionário a questão da religião haveria de ser uma questão privada !

Contra essa mais completa traição do programa revolucionário do proletariado, levantou-se Engels em 1891, contemplando, então, apenas os mais poucos perceptíveis rudimentos do oportunismo no interior de seu próprio Partido, expressando-se, por essa razão, com grande cautela :      

 

“Tendo em conta que, na Comuna de Paris, sessionavam quase apenas trabalhadores ou reconhecidos representantes dos trabalhadores, suas resoluções revestiam-se de caráter decididamente proletário.

Ou decretavam reformas que a burguesia republicana, apenas devido à sua covardia, havia deixado de aprovar que constituíam, porém, um fundamento necessário para a livre ação da classe trabalhadora – tal como a execução do princípio de que a religião é pura questão particular em relação ao Estado ; ou, então, promulgavam resoluções que correspondiam diretamente ao interesse da classe trabalhadora e, em parte, dilaceravam, profundamente, a velha ordem social.”[50]

 

 

 

Engels enfatizou deliberadamente as palavras “em relação ao Estado” de modo a dar um empurrão direto no oportunismo alemão que declarara a religião como uma questão particular em relação ao Partido, degradando, assim, o Partido do Proletariado Revolucionário até ao nível mais vulgar do filistinismo do “livre pensar” que se encontra preparado a admitir um status não-religioso, recusando-se, porém, a travar a luta do Partido contra o ópio da religião que estupidifica o povo.”[51]

 

 

 

Eis aí como Lenin revela, de modo não meta-marxista, o sentido e significado do pensamento de Marx, destacando que, particularmente no domínio da Questão da Religião, o filistinismo do “livre pensar” encontra-se preparado a admitir um status não religioso, i.e. uma posição liberal em relação à religião, uma postura de defesa da liberdade de religião, tanto em relação ao Estado, quanto em relação Partido marxista-revolucionário.

O filistinismo do “livre pensar” – desenvolvido, na Alemanha, embrionariamente, por A. Bebel e W. Liebknecht, em meados da década de 70 do século XIX e aperfeiçoado por K. Kautsky et alii, a partir da década de 90 daquele mesmo século, sob a designação de “marxismo”, negou-se, por outro lado, a considerar a religião muito mais  como uma questão não-privada dos indivíduos em face do Partido marxista-revolucionário, desarmando, assim, a luta em prol da mais importante defesa da liberdade da religião – i.e. a liberdade de consciência frente à religião -, i.e. da luta a ser travada em prol da libertação das consciências frente ao fantasma religioso, frente à estupidificação dos trabalhadores,  frente às trevas ou, ainda, frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Acreditavam, assim, em estilo meta-marxista, que Marx, entrevendo a necessidade histórica de superar-se o princípio ainda feudal do cujus regio, ejus religio, i.e. a religião é de quem é a região, houvera propugnado, incondicionalmente, muito mais - tal como Descartes, Spinoza, Hobbes, Kant et alii -, a liberdade de religião, a liberdade de cada um satisfazer tanto sua necessidade religiosa como sua necessidade fisiológica, sem que a Polícia meta o seu bedelho no meio, a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de consciência religiosa, o que surge mais bem expressado, sinteticamente, na fórmula meta-marxista : os “marxistas” defendem ..., defendem ..., defendem ..., defendem a mais integral separação entre o Estado e a Igreja, pois isso é o mais importante, sendo que o resto é que cada um deve ter a liberdade de escolher aquilo em que bem quiser acreditar.

Na Rússia Czarista, até mesmo os adeptos de Plekhanov e de Martov, i.e. os mencheviques  - i.e. não apenas os bolcheviques -  que acolheram o Programa do Partido Social-Democrático Russo (POSDR) de 1903, julgavam ser correto defender, pública e programaticamente, não apenas a mais total separação entre o Estado e a Igreja, senão também a “confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja”.[52]  

 

 

E, apesar de tudo isso, Lenin possuiu a perspicácia necessária para destacar, em seu Socialismo e Religião, redigido em 1905 – quando o Estado Czarista ainda era essencialmente religioso e nem sequer essencialmente burguês-liberal o seguinte :

 

“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...

Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira indiferente frente à falta de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.”[53]

 

 

Defendendo posição diametralmente oposta a de Marx, Engels e Lenin, o filistinismo do “livre pensar” defendera, invariavelmente, desde a década de 70 do século XIX,  que os verdadeiros “marxistas”, no estilo de A. Bebel e W. Liebknecht, haveriam de declarar, pelo contrário, em face da religião, em “rigorosa conformidade” com o pensamento de Marx, muito mais, o seguinte : 

 

“Non olet religio quae est tamen opiu populi !”

 

Assim procedendo, limitavam a propaganda marxista anti-religiosa unicamente a declaração de que a religião é o ópio do povo, mas que não cheira à retrete pública do Imperador Vespasiano, não avançando, portanto, além das concepções propugnadas primitivamente já nos tempos longínguos de Seneca, para quem post mortem nihil est, i.e. depois da morte não nada, ou mesmo nos de Statius -  para quem já estava inteiramente claro que primus in orbe deos fecit timor, i.e. foi o temor que primeiro fez os deuses.[54]   

 

 

A defesa da liberdade de religião teve uma tonalidade mais significativa na luta contra os Estados Religiosos - como foi a Rússia Czarista até 1917 - ou, tem ainda, no curso dos nossos dias, na luta pela laicização de Estados, tais quais os da África do Norte e do Oriente Médio.

Mas, no quadro da maioria dos Estados Burgueses “de Direito” ocidentais, desde o século XIX, mais precisamente desde Marx, esse não é o ponto absolutamente central para o marxismo revolucionário, apesar dos resquícios que ficaram aqui e ali da velha fusão existente entre Igreja e Estado, seja na Europa, sejam nas Américas, seja na maioria dos países capitalistas de todo o mundo.

A consigna de defesa da separação entre Estado e Igreja e da “confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja” não colocou absolutamente um ponto final no posicionamento de Marx sobre o tema, sendo indevido, pois, acreditar que, a partir de suas obras, seja possível, de alguma forma, extrair alguma declaração de defesa de ampla liberdade de consciência e que cada um escolha no que quiser acreditar ou não, seja na religião, seja na areligiosidade, seja no ocultismo, seja no ateísmo.

Em particular no que tange aos partidos marxistas-revolucionários que travam sua luta contra a dominação capitalista burguesa-latifundiária, assegurada pelos Estados burgueses monárquicos ou republicanos, liberais, sociais e neo-liberais, devem fazê-lo não apenas nos domínios econômico e político, senão também no ideológico e no organizativo, programático e estatutário.

Sobretudo para esses partidos, a questão da democracia burguesa tem como calcanhar de Aquiles, pedra de toque,  ponto essencial, as tão veneradas “liberdade de consciência”, “liberdade religiosa”, “liberdade de ciência” e outras tantas liberdades ancoradas, nos dias de hoje, em praticamente todos os programas e constituições burguesas-liberais.

Sem compreender a precisa posição de Karl Marx acima enunciada relativamente à questão religiosa um partido marxista-revolucionário moderno possui poucas chances de superar os limites democrático-burgueses.

Esse foi mais um dos grandes méritos do Partido Bolchevique, encabeçado por Lenin, Sverdlov e Trotsky, qual seja o de travar uma luta rigorosamente marxista seja no domínio ideológico e seja no domínio programático, razão pela qual Lenin, precisamente em agosto de 1917, i.e. sob os auspícios de uma forma política democrática de um Estado Burguês-Latifundiário Republicano destacou, precisamente :

 

“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...

Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira indiferente frente à falta de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.”[55]

 

 

 

Sem essa última - tal como o passado demonstra – máxime no caso dos “marxistas” da Social-Democracia Alemã – a tendência é a de os Partidos Revolucionários do Proletariado crescerem, sobejarem, incharem, medrarem, na mesma medida em que vão se degenerando, decompondo, estragando, cadaverizando, se nada for feito evidentemente para a correção de simples erros que, de início, surgem como equívocos e mal-entendidos.

Com efeito, os marxistas revolucionários não são os que projetam seus próprios conceitos subjetivos e valores ideológicos no trato das concepções redigidas e defendidas por Marx e Engels, declarando-as, após interpretação efetuada segundo a conveniência particular de seu “livre pensar”, como se expressões do marxismo ou de “marxismos” fossem, no estilo quisquis amat cervam, cervam putat esse Minervam, i.e. quem uma cerva ama, julga que essa cerva seja Minerva, deusa das ciências e da artes.

Marxistas revolucionários são esses que, através do atento estudo das obras de Marx e Engels, nelas refletem, com adequatio intellectus et rei, dispondo-se a operar de modo histórico-dialético na realidade de seu tempo com o método de Marx e Engels, tal como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática não de colaboração de classes no estilo stalinista, stalinista-gramsciano ou gramsciano-meta-marxista, com prostração diante da dominação burguesa e latifundiária, mas de organização, mobilização e luta permanente, independente e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado.[56]

 

 

Assim, a compreensão do marxismo pelos marxistas revolucionários de um determinado tempo em causa implica, pois – em inteira divergência relativamente ao modo de enfoque e de proceder dos adeptos do gramscismo meta-marxista - , elaboração de intervenção militante-revolucionária nas lutas de emancipação do proletariado, fundada não apenas nas próprias lições obtidas por meio de experiências multifacetadas, obtidas a partir de suas próprias experiências práticas do dia a dia corrente, senão ainda fundamentada nas posições teóricas, no programa político e no método de atividade revolucionária daqueles que lançaram as bases do socialismo científico, i.e. Marx e Engels, e dos que foram os seus melhores representantes nos grandes processos revolucionários de libertação de toda a classe trabalhadora e seus aliados políticos, tais quais Lenin, Sverdlov, Trotsky, Liebknecht e Luxemburgo, rumo à construção de uma sociedade sem classes e sem Estado, i.e. do comunismo, fase superior do socialismo.

Eis aí um traço diferenciador claro e marcante que serve ao reconhecimento de Partidos marxistas-revolucionários, i.e. defensores da herança de luta proletária e do método revolucionário mais legítimo dos fundadores do socialismo científico, em contraste com os Partidos prosélitos, com os Partidos apóstatas, desafeitos aberta ou veladamente ao rigor disciplinar da dialética histórico-materialista e as precisas exigências do socialismo científico.   

O socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista de nosso corrente século XXI é um renovo dos trotskystas-gramscianos e gramsciófilos que foram procriados pelos meta-marxistas gramscianos que nasceram dos stalinistas-maoístas gramscianos, gerados pelos neo-stalinistas gramscianos-reciclados cuja origem é a ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista de Gramsci, que dimanou das diversas mutações histórico-ideológicas do filistinismo do “livre pensar”.

Não constituem todas essas vertentes, defluentes do filistinismo do “livre pensar”, absolutamente, uma corrente gnoseológica única e solitária, mas sim são distintas correntes que conformam uma única substância, força e poder, i.e. sed unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis.

Dessa sorte, muitos anos cumpriu esperar para que viessem ao mundo as seguintes frases manifestamente meta-marxistas de Gramsci, expressões do processo de refundição, reciclagem, refinamento e retratamento pelo qual passou a obra de Marx, Engels e Lenin, com objetivo de produzir, adrede, um freio ideológico inteiramente renovado, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletários internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, i.e. leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto forma de transição a uma sociedade sem classes e sem Estado :

 

[Internazionalismo e Politica Nazionale.]

 Sobre esse ponto, parece-me assentar o dissídio fundamental entre León Davidovitch (i.e. Trotsky) e Vessarione (i.e. Stalin), como intérprete do movimento majoritário.

As acusações de nacionalismo (i.e. formuladas por Trotsky contra Stalin)  são ociosas, se se referem ao núcleo da questão. (...)

O conceito de hegemonia é aquele no qual se enfeixam as exigências de caráter nacional e se compreende o modo segundo o qual certas tendências de tal conceito não falam ou apenas o desfloram.

Uma classe de caráter internacional, enquanto dirige estratos sociais estreitamente nacionais (intelectuais) e, freqüentemente, até menos ainda do que nacionais, particularistas e municipalistas (os camponeses), deve “nacionalizar-se”, em um certo sentido, e esse sentido não é, entretanto, mais estreito porque, antes de que se formem as condições de uma economia segundo um plano mundial, é necessário atravessar múltiplas fases, nas quais as combinações regionais (de grupos de nações) possam ser variadas.

Contudo, não se deve jamais esquecer que o desenvolvimento histórico segue as leis da necessidade até que a iniciativa não tenha claramente passado da parte das forças que tensionam à construção segundo um plano de divisão pacífica e solidária do trabalho.

Que os conceitos não nacionais (i.e. não referíveis a nenhum país singular) sejam errôneos vê-se pelo seguinte absurdo : eles conduziram à passividade e à inércia, em duas fases bem distintas : 1) na primeira fase, ninguém acreditava ter de começar, i.e. considerava que começando encontrar-se-ia isolado; 2) a segunda fase é talvez pior, porque se espera uma forma de “napoleonismo” anacrônico e anti-natural (posto que nem todas as fases históricas se repetem da mesma forma).     

As fraquezas teóricas dessa forma moderna do velho mecanicismo encontram-se mascaradas pela teoria geral da revolução permanente que outra coisa não é senão uma previsão genérica, apresentada como dogma e que se destrói por si mesma pelo fato de que não se manifesta efetivamente.”[57]

 

 

 

Ignorando, consciente ou inconscientemente, a gênese, o significado e o sentido mais essenciais do gramscismo meta-marxista - sendo que, tal como Tácito assinala, omne ignotum pro magnifico est, i.e. tudo o que se ignora é tido por magnífico -, emerge estreitamente aliado às posições trotskystas-gramscianas de Álvaro Bianchi, também Ruy Braga, membro do conselho editorial e secretário de redação da Revista Outubro, pesquisador do “Centro de Estudos Marxistas (CEMARX)” da Universidade de Campinas, no Brasil, e Professor da Universidade de São Paulo.

Em obra cujo lançamento foi organizado por Osvaldo Coggiola, Papa insuperável do “trotskysmo gramsciano” da América Latina, Braga contempla, no conceito de “Revolução Passiva” de Gramsci uma verdadeira maravilha teórica e dedica-se a explorar sua validade interpretativa não apenas para o caso do “capitalismo, em seu período contra-revolucionário (sic)”, senão ainda para a análise da degeneração da Revolução Bolchevique.

Aproximando-se, então, dos posicionamentos teóricos, esposados pelo mencionado koryphaios trotskysta-gramsciano utriusque, Ruy Braga, em seu artigo intitulado “Risorgimento, Fascismo e Americanismo : a Dialética da Passivização”, assinala, de modo inteiramente embriagado pelo fascínio incorrompidamente idealista-subjetivista gramsciano :

 

“A revolução passiva seria, também, uma resposta precisa às questões ligadas aos grandes materiais históricos representados pela Revolução Bolchevique, assim como, a derrota do movimento revolucionário nos países imperialistas e a afirmação de uma solução organicamente capitalista para a crise gerada pelos grandes embates entre as classes nas primeiras décadas do século.”[58] 

 

 

 

Braga devota-se, então, à questão da “Revolução Passiva” de Gramsci procurando demonstrar ao leitor o que é possível obter-se de positivo com o reconhecimento histórico generalizado desse conceito surpreendemente metafísico e fantasmagórico, onde, simplesmente enquanto “critério de interpretação histórica (conteúdo universal) (sic)”, Gramsci pretende alucinadamente demonstrar como, em processos dialético-restauracionistas, a tese envolveria, incorporaria, engajaria a antítese, i.e. o governo conservador-moderado envolveria as forças antitéticas radicais-revolucionárias, impedindo rupturas espetaculares e traumas históricos.    

Assim, conclui Ruy Braga, já plenamente rendido à lógica dialética essencialmente idealista-subjetivista de Gramsci :

 

“De modo como encontra-se desenvolvido ao longo dos Cadernos, o conceito de revolução passiva, além de expressar um programa de ação política das classes dominantes, criticado por Gramsci, constitui-se em critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de investigação da realidade, unificando análise histórica e política.

Em Gramsci, temos que a leitura croceana da dialética como relação entre distintos e não entre contrários, supõe que, no movimento histórico, a tese, longe de ser superada, é conservada por uma antítese fragmentada, dando lugar a um movimento previsível nos termos de uma repetição mecânica e pré-fixada.

A antítese não é mais antagônica, visto que surge através de uma evolução da tese, mas sim o conjunto desconexo de acontecimentos moleculares múltiplos.

O presente passa a ser visto, segundo a concepção pós-hegeliana de Croce, como uma determinada repetição ampliada do passado, a inovação não é algo além do que um tipo de conservação reformista.” [59]

 

 

 

Eis, portanto, como a lógica dialética de Gramsci, projetada em seu conceito de “Revolução Passiva” superou a dialética histórico-marxista de Marx e Engels, constituindo-se em  “critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de investigação da realidade, unificando análise histórica e política.”

E, com razão, dirão os Sträublinge em sinfonia : tendo obtido um novo “critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades”, Gramsci concebeu, nos Cadernos - ora, pois ! – que, no movimento histórico, a tese, longe de ser superada, pode ser conservada por uma antítese fragmentada, de tal sorte que a antítese pode deixar de ser antagônica – apesar de não deixar de ser antitética -, se surgir precisamente de um processo evolutivo, não rupturista, quando passa a ser, então, um conjunto desconexo de acontecimentos moleculares múltiplos.

É isso mesmo ... ! Em todos esses casos gerais, o que vai ser superado não é a tese ..., não é a tese ..., não é a tese ... Não, não é a tese ... : o que vai resultar superado é efetivamente o marxismo revolucionário ..., com essa sua dialética histórico-materialista das antíteses não-fragmentárias, juntamente com a dialética dos antagonismos conexos de acontecimentos moleculares unificados ...

Como se vê, Gramsci superou tudo isso e descobriu que a antítese pode ser um conjunto desconexo, deixando de ser antagônica, para ser molecularmente múltipla.

E isso pode ser historicamente comprovado ... , historicamente comprovado ..., historicamente comprovado..., historicamente comprovado ...,  se ... se ... se ... se analisarmos justamente os casos da “Revolução Passiva” Gramsciana...

Pois, nos casos em que empregamos o “critério de interpretação histórica (conteúdo universal) (sic)” da “Revolução Passiva” Gramsciana, o resultado é o de que a tese não é superada pela antítese antagônica, mas sim que o marxismo revolucionário com essa sua dialética histórico-materialista da antítese antagônico-conexa, molecularmente única, é que é superado.

Se quisermos dizer isso, na leitura croceana pós-hegeliana da coisa toda, diremos que, na “Dialética da Passivização” – sim, pois a dialética aqui é evidentemente uma outra, i.e. a dialética de o “Outro Gramsci” – tese insuperada e antítese molecular fragmentariamente desconexa  não são contrárias : são distintas, por não serem nem antagônicas, nem contraditórias, nem de fato historicamente materialistas. 

 

Sufragando as posições do trotskysmo gramscista-luckásiano – como se possível fosse coerentemente conciliar a perspectiva revolucionária trotskysta com o stalinismo reciclado de Gramsci e Lukács - encontraremos, no interior do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado do Brasil), ainda a figura de relevo de um dos principais porta-vozes dessa organização partidária, Valerio Arcary, publicamente anunciado como Historiador, Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo, Doutor em História pela Universidade de São Paulo e assíduo membro colaborador da Revista Outubro.

Urdida, no domínio intelectual universitário-burguês, a estranha simbiose de raízes trotskystas, vindas de meios extra-escolásticos, com as premissas intelectuais escolásticas do gramscismo stalinista-reciclado, sob a batuta da professora livre-docente Zilda Iokoi, especialista em elaborações ideológicas referentes à perspectiva de um socialismo cristão – inspirados por José Carlos Mariátegui, o assim denominado ”Gramsci latino-americano”, e pela suposta “ação libertária das Pastorais da Terra e do Movimento Sem Terra” -, penetrou o projeto de um novo trotskysmo gramscista-luckásiano, pela destacada capacidade retórico-sofística de Arcary, nas fileiras das organizações jornalísticas, partidárias e sindicais, dirigidas pelo PSTU, de modo a praticamente a neutralizar o potencial de produção intelectual-revolucionário, de matiz essencialmente trotskysta, que possuía toda uma geração de revolucionários, no curso dos anos 80 e 90.[60]

 

 

Cumpre registrar a absorção das posições gramscianas e luckásianas por Arcary, em sentido lógico-doutrinário, de maneira mais ostensiva, apenas a partir de 2000, como decorrência de sua recepção – ocorrida em meios essencialmente acadêmico-universitários - de posicionamentos especulativamente semi-fantasmagóricos, defendidos por intelectuais de renome do stalinismo reciclado europeu, na forma moderna do gramscismo korsch-luckásiano cuja linha diretriz paradigmática pode ser entrevista nas produções do historiador e sociólogo Perry Anderson, editor da New Left Review (Revista da Nova Esquerda).

Anderson é também reconhecido por Arcary, em diversos de seus raciocínios, como referência de ideologia significativamente revolucionária.

Como é bem sabido, Perry Anderson é conhecido mundialmente pela difusão, desde longa data, do gramscismo luckásiano, energicamente hostil ao trotskysmo revolucionário.

Nas páginas da  New Left Review (Revista da Nova Esquerda) de Perry Anderson,  encontraremos o próprio cinismo de Luckács, inimigo visceral do trotskysmo revolucionário, sendo interrogado hipocritamente por Perry Anderson, sobre suas visões de reciclagem do stalinismo, na pespectiva korsch-gramsciana[61] :

 

 

 

“Nos anos 20, Korsch, Gramsci e eu tentamos agarrar, segundo os nossos modos distintos, o problema da necessidade social e sua interpretação mecanicista, herança da II Internacional.

Herdamos esse problema, porém nenhum de nós – nem mesmo Gramsci que foi talvez o melhor de nós todos – pôde o resolver ...

Estou trabalhando agora em meu livro “Ontologia do Ser Social” que espero poderá resolver os problemas que foram postulados, de modo inteiramente errado, em um de meus primeiros trabalhos, em particular “História e Consciência de Classe”. (p. 51) ....

 

Fui, porém, introduzido a Lenin por Lunatcharsky.

Lenin encantou-me por completo.

Também tive, naturalmente, a possibilidade de vê-lo trabalhar nas comissões do Congresso (SvK.: III Congresso da Internacional Comunista, em Moscou).

Devo dizer que achei os outros líderes bolcheviques antipáticos.

Trotsky, repudiei imediatamente.

Entendi que era um fanfarrão exibicionista.

Sabe, existe uma passagem de Lenin nas memórias de Gorki onde Lenin, após a Revolução, embora reconhecendo as realizações organizativas de Trotsky, no curso da Guerra Civil, afirma que Trotsky possuía algo de Ferdinand Lassalle. ...  

Não posso me recordar absolutamente do próprio Stalin, no Congresso.

Como muitos outros comunistas estrangeiros, não possuía nenhuma consciência sobre a sua importância no interior do Partido Russo.(pp. 54 e 55).”[62] 

 

 

 

É precisamente a esses ídolos decaídos do stalinismo reciclado, Gramsci, Lukács et alii, defensores de uma forma de reciclagem de stalinismo, abertamente hostil ao trotskysmo revolucionário, que Arcary se prosta, lamentavelmente, em tom de reverência espiritual-ideológica.

Não satisfeito com o fato de o próprio Lukács ter afirmado – como vimos acima – que, em sua própria obra “História e Consciência de Classe”, os problemas concernentes à necessidade social e sua interpretação mecanicista “foram postulados de modo inteiramente errado” – pois Lukács, nessa obra, atinge as raias de um subjetivismo idealista-voluntarista na abordagem dessa questão -, procura Arcary, em seu afã de conciliar trotskysmo com gramscismo lukácsiano, salvar Lukács, naquilo que o próprio Lukács condenou em si próprio, como erros por ele mesmo perpetrados :

 

“Sobre o tema da desumanização e consciência de classe, uma das obras de referência no marxismo clássico foi História e Consciência de Classe, hoje muito desvalorizada pelo entusiasmo com que defende o protagonismo do proletariado.

Ocorre que, nesse texto, Lukács sistematiza de forma irretocável, algumas conclusões teóricas sobre as contradições entre a existência enquanto classe, e a formação da consciência de classe que permanecem até hoje, para o fundamental insuperáveis.”[63] 

 

 

 

No mesmo diapasão, ressalta Arcary:

 

Se o paradigma lukácsiano do marxismo como método e não como dogma continua de pé (ou deveria), as possibilidades teóricas, de uma visão do ângulo de “totalidade”, são certamente menores que o entusiasmo político dos anos imediatamente posteriores à revolução russa, apoiado nas premissas de um crescente protagonismo proletário, nos países centrais faziam supor. Mas sempre vale a pena renovar o desafio.”[64]

 

 

 

E, adverte, em tom de filiação ideológica :

 

A referência clássica para a discussão sobre ideologia e consciência de classe é o trabalho de Lukács de 1922, que mais pelas suas virtudes do que pelas suas limitações, foi severamente criticado, até por ele mesmo, com amargura, como se pode conferir nesta passagem do prefácio de 1967, como sendo uma ideologização hegeliana do proletariado, e portanto uma concessão a uma visão “finalista” da História.

Quarenta e cinco anos depois, sob o impacto de mais de duas décadas de relativa passividade e pacto social no Ocidente, o velho Lukács iria admitir que talvez a sua obra de maior significado teórico, estivesse prenhe de uma visão teleológica do protagonismo do proletariado.

Talvez, por outro lado, o intervalo histórico, para uma avaliação definitiva, ainda seja demasiadamente curto.”[65]

 

 

 

E clamando pelos “grandes” ensinamentos ideologizantes de Lukács - esse velho stalinista reciclado, inimigo irreconciliável do trotskysmo revolucionário -, arremata Arcary, apologeticamente, em tom de censura a supostas “fortes propensões objetivistas” dos marxistas revolucionários :  

 

“Resumo da ópera: o impressionismo em relação às derrotas, é, em geral, fruto de uma análise pouco dialética. A seguir, o trecho de Lukács:

 

Não pode haver marxistas no sentido da objetividade do laboratório, do mesmo modo que tampouco pode existir uma seguraça da vitória da revolução mundial com a garantia das “leis naturais”.”[66] 

 

 

 

Arcary esforça-se por construir uma combinação eclética e nauseabunda de trotskysmo e gramscismo, tolerante, compreensivo e até mesmo solidário, seja com as posições inteiramente stalisnistas-recicladas de Lukács, seja com as posições de outros paredros do reformismo social e da traição à causa da emancipação do proletariado.

Todos estes surgem indevidamente nivelados nas mãos de Arcary  - que os trata, em sentido retórico-literário, como se simples “interlocutores mútuos” fossem, por seus supostos “talentos e dons extraordinários”, superiores ao “horizonte mais imediato de sua geração” - a autênticos revolucionários marxistas que deram suas vidas à causa da Revolução Proletária Mundial :

 

“Os homens pensam e agem dentro de uma totalidade, que é o meio e o tempo histórico em que vivem e atuam, mas alguns, pelos seus talentos e dons extraordinários, se elevam acima do horizonte mais imediato de sua geração, e portanto, das pressões mais imediatas nas quais estão inseridos.

Esses homens e mulheres, Bernstein, Kautsky, Rosa, Lenin, Trotsky, Bukharin, Paul Levy, Lukács e Gramsci, entre outros, foram gigantes do seu tempo, foram interlocutores mútuos e se influenciaram reciprocamente, mesmo quando se afastavam e polemizavam duramente entre si.”[67]

 

 

 

Ignorando, essencialmente, o sentido e significado revolucionários do socialismo científico de Marx e Engels e depreciando-o até mesmo em sua importância histórico-revolucionária, Arcary cerra fileiras com os habitantes do pântano gramsciano e luckásiano que desprezam as palavras de Marx de que o socialismo científico é uma expressão por ele perfeitamente utilizada “em oposição ao socialismo utópico que pretende impingir novas quimeras ao povo, em vez de limitar sua ciência ao conhecimento do movimento social, realizado pelo próprio povo.”[68]    

 

 

 

Nesse sentido, argumenta Arcary, da seguinte forma, inteiramente solerte:

 

A fórmula do socialismo científico soa, no entanto, envelhecida ou até irritativa nesse final de século.

Essa discussão tem uma história, também no interior do marxismo, que remonta aos esforços de Engels, depois da morte de Marx, de demonstrar que a dialética materialista seria o instrumento teórico-lógico, que permitiria explicar, de forma mais apropriada, os fenômenos que governam, tanto as transformações da natureza, quanto na sociedade, e, por essa via, afirmar a condição científica do marxismo.

A crítica aos esforços de Engels, uma velha discussão filosófico-histórica, afirma que ele teria diminuido a especificidade da operação da dialética na história, no seu esforço de defesa do materialismo. E teria, assim, escorregado para excessos deterministas, e para uma leitura evolucionista do progresso.

Se a diferença metodológica entre essas obras filosóficas de Engels e a aproximação de Marx à questão são somente matizes ou não, é uma questão muito discutida.

A esse propósito, transcrevemos um fragmento de Ricardo Musse, que relocaliza bem o marco da preocupação de Engels, e explica as razões dos seus “excessos” cientificistas :

 

“A adoção, por Engels, de uma dialética uniforme, abrange o suficiente para compreender seja o andamento histórico seja o processo natural, não chamou tanto a atenção quanto a novidade da atribuição da natureza como “pedra de toque” da dialética, em torno da qual concentrou-se, em grande parte, o debate na geração de Korsch e Lukács. ...

O prestígio, crescente e incontestado, dessas ciências prestava-se tanto a reativações da insepulta filosofia da natureza, à maneira do sistema filosófico de Dühring, quanto à disseminação de variantes do materialismo francês do século XVIII, tarefa empreendida na Alemanha por Büchner, Voigt, Moleschott & Cia. ...

Para demonstrar a veracidade e a universalidade de tais “leis”, Engels, dado o caráter indutivo-dedutivo do seu empreendimento, optou pela via de um acompanhamento exaustivo, isto é, pelo procedimento infindável de decifração caso a caso das mais importantes descobertas da ciência em seu tempo.(Musse, Ricardo).”[69]

 

 

 

Salta aos olhos como, em todo esse debate, sobre o “envelhecimento e irritabilidade” da fórmula do socialismo científico por causa dos “esforços de Engels, depois da morte de Marx”, de demonstrar a dialética materialista tanto nas transformações da natureza quanto na sociedade, afirmando, assim, a condição científica do marxismo, Arcary não encontre palavras para destacar que Marx – antes mesmo de sua própria morte - , dirigindo-se Moritz Kaufmann, não poupou seu latim para destacar que :

 

“Por correio, enviar-lhe-ei igualmente - caso o Sr. dele já não disponha - um novo escrito de meu amigo Engels, intitulado "A Subversão da Ciência do Sr. Eugen Dühring", escrito esse muito importante para a uma correta apreciação do socialismo alemão.”[70]

 

 

 

Para Marx, toda a leitura da dialética da natureza de Engels e de sua polêmica contra a filosofia da natureza de Dühring era “muito importante para a correta apreciação do socialismo alemão”. 

Para os gramscianos, para os luckásianos e para Arcary, “a fórmula do socialismo científico soa envelhecida ou até irritativa”, pelo que procura, sofregamente, à maneira gramsciano-luckásiana, encontrar as razões históricas desse fênomeno senil-irritativo.    

Provas adicionais do surgimento desse seu perfil gnosiologicamente eclético, são-nos apresentadas por Arcary, em seu artigo, intitulado “A Polêmica sobre a « Ausência » do Proletariado e a Atualidade da Estratégia Revolucionária », de fevereiro de 2002.

Aqui, assinala, em aberta tentativa de tornar discretamente admissível o perfil subjetivista-idealista de Gramsci, no seio das concepções marxistas-engelsianas, rigorosamente dialético-materialistas, o seguinte  :       

 

“Quanto à possibilidade histórica de que se desenvolvam nos porões do capitalismo elementos de um modo de produção socialista, e as correspondentes hipóteses gradualistas de uma transição sem ruptura e luta armada, a tradição marxista se dividiu no último século em distintas opiniões. Acerca deste tema compartilhamos a mesma tradição que Anderson reivindica no fragmento a seguir, colocando a polêmica sob uma óptica histórica:

 
« O advento político de uma situação de duplo poder, acompanhada pelo início de uma crise econômica, não permite uma resolução gradual. Quando a unidade do Estado Burguês e a reprodução da economia capitalista se quebram, o tremor social subseqüente deve opor, rápida e fatalmente, revolução e contra-revolução em uma violenta convulsão. Em um tal conflito, o capital sempre disporá de uma base de massas, maior do que um punhado de monopolistas (...). O capitalismo não triunfou em nenhum país avançado do mundo atual (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Japão ou Estados Unidos), sem um conflito armado ou uma guerra civil. A transição econômica do feudalismo ao capitalismo é, sem embargo, a transição de uma forma de propriedade privada a outra. É imaginável que uma mudança histórica muito maior, implícita na transição da propriedade privada à coletiva, que precisa de medidas mais drásticas para a expropriação do poder e da riqueza, assuma formas políticas menos duras? (...) A tradição a que pertencem essas concepções é, falando em termos gerais, a de Lenin e Trotsky, Luxemburgo e Gramsci. (grifo do próprio Arcary.)”
[71]    

 

 

 

Com base em tal declaração grifada, pode o leitor certificar-se de que Valerio Arcary inscreve-se nas fileiras ecléticas e semi-fantásticas do troskysmo gramscista-luckásiano.

Como forma de insuflar, lentamente, o gramscismo e o lukácsianismo idealista-subjetivista nas fileiras do marxismo revolucionário moderno, i.e. o trotskysmo revolucionário, de modo a corromper a cientificidade dialética-materialista deste, a fim de torná-lo susceptível e moldável às necessidades políticas, sindicais e eleitoral-parlamentares das forças socialistas pequeno-burguesas do Brasil e da América Latina – subjulgando -o às forças intelectuais de conciliação de classes, representadas por pensadores como Carlos Nelson Coutinho, Milton Temer, Chico Alencar, Leandro Konder etc., Arcary, sempre se ocultando por detrás de referências e supostos exemplos históricos, seguidos por Marx e Engels, apresenta Gramsci como dotado de uma hipotética “honestidade intelectual inflexível”. Com efeito, segundo a sua ótica, quer Valerio que seja o seguinte :

  

Gramsci entre os marxistas de sua geração, é sempre uma referência nas questões metodológicas mais complexas, pela sua honestidade intelectual inflexível ...”[72]

 

 

 

Até mesmo para impulsionar sua polêmica de conteúdo essencialmente teórico-abstrato contra Jacob Gorender em torno de pontos que envolvem primordialmente o trotskysmo, Arcary não pode abrir mão de referências dramáticas a Gramsci - tomado como paradigma histórico-revolucionário, ao lado de Karl Marx e Rosa Luxemburgo – como forma de supostamente produzir uma “explicação marxista rigorosa e até impiedosa, se necessária” :   

 

“Que os trabalhadores foram (e são) sindical e politicamente reformistas em condições não revolucionárias, e com mais razão em situações contra-revolucionárias, não é uma descoberta que impressione. Na verdade, as amplas massas proletárias são até hostis às idéias revolucionárias nessas circunstâncias.

A esse propósito, Gorender usa a imagem de “amor não correspondido” para definir com humor cáustico as relações dos trotskystas e o proletariado. O relativo isolamento dos trotskystas certamente merece uma explicação marxista rigorosa, e até impiedosa, se necessária.

E é certo que a marginalidade das organizações da Quarta Internacional teve como sequela uma crise crônica, que se manifestou tanto em adaptações às pressões das correntes majoritárias, quanto no enrijecimento sectário em torno de diferenças que podem parecer minúcias talmúdicas.

Não parece todavia que seja um privilégio dos trotskystas terem sido desprezados, em algum momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Marx, Rosa e Gramsci e muitos outros tiveram, no seu tempo, em grande medida, as mesmas vicissitudes.”[73]

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Elencando, equivocadamente, Gramsci, pensador supostamente equipado “com honestidade intelectual inflexível”, entre os “herdeiros da tradição identificada com o marxismo revolucionário” – pois que Gramsci  era eminentemente hostil não apenas ao materialismo histórico-dialético de Marx e Engels,  senão ainda à concepção de revolução permanente e de conquista da hegemonia do proletariado nas versões materialistas elaboradas por Marx, Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky – ao passo que prestava louvores a Stalin, por considerá-lo o “grande teórico mais recente” -  Arcary eleva Gramsci, de modo inteiramente indevido, às alturas do trotskymo, ao clamar [74]: 

 

 

 

“Neste campo estão a maioria dos herdeiros da tradição identificada como o marxismo revolucionário: entre outros, uma parte da literatura inspirada na herança de Antonio Gramsci, que coloca o eixo dos processos históricos nos desenlaces das lutas políticas, mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a corrente histórica (divida em muitas frações) que se reclama de Leon Trotsky e da Quarta Internacional.”[75]

 

 

 

O próprio Arcary, dando-se conta do patente desequilíbrio analítico de sua colocação retórico-sofística, procura, ao menos, imediatamente, moderá-lo, justificando a sua “utilidade por razões didáticas de ênfase”(!), no que, porém, não se pode sair melhor:  

 

“Na verdade, é só por razões didáticas de ênfase, que se pode trabalhar com esta esquemática classificação: qualquer marxista recusaria uma absolutização tão simplista. Mas ainda assim, com os devidos descontos, ela é útil.”[76] 

 

 

 

Arcary compartilha, juntamente com Perry Anderson, não apenas a mesma tradição de Lenin, Trotsky e Luxemburgo – tradição legitimamente fundada na formulação científica do socialismo de Marx e Engels de luta pela libertação das massas proletárias, visando à edificação de uma sociedade socialista-humanizada -, senão ainda a “tradição” metafísico-stalinista do demiourgós subjetivista-idealista Gramsci, posicionamento híbrido, dualista e dicotômico, este esgrimido também por todos os Pontífices Trotskystas-Gramscistas, entre os quais, no Brasil, destacam-se, insuperavelmente, Carlos Nelson Coutinho, Chico Alencar, Osvaldo Coggiola e a Trombeta de Jericó que, em meio ao proletariado brasileiro, é, presentemente, a Revista Outubro, orquestrada por Álvaro Bianchi e Ruy Braga.

É também esse mesmo trotskysmo gramscista-luckásiano que, em um amplo leque de variantes, estende-se amplamente a ponto de – tal como veremos a seguir - incorporar adicionalmente, de maneira complacente, a defesa da “tradição” que também fora exortada por Ernst Mandel e, presentemente, o é por inúmeros mentores ideológicos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU – QI), sejam os que, por um lado, sustentam direta ou indiretamente a Frente Popular, encabeçada por Lula e integrada pelo ex-Ministro do (contra) o Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto (SU – QI),  sejam os que, por outro, protagonizam e reivindicam a orientação ideológica e política do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tais quais Carlos Coutinho, Milton Temer, Chico Alencar, Leandro Konder e che più ne ha, più ne metta.[77]

 

 

Em apologia à “tradição” precisamente marxista-leninista-trotskysta-luxemburguista-gramsciana, prossegue Arcary, no artigo supra-citado : 

      

“Não parece todavia que seja um privilégio dos trotskistas terem sido desprezados, em algum momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Outras correntes revolucionárias da história tiveram, fora de situações revolucionárias, melhor sorte?

Marx, Rosa, Gramsci e muitos outros não tiveram, no seu tempo, em grande medida, as mesmas vicissitudes? Combateram em situações em que o isolamento político demonstrou-se inevitável. Por outro lado, quis a ironia da história que, energúmenos incorrigíveis, mas favorecidos pelas circunstâncias dos tempos políticos que são, em grande medida, acidentais, já que as oportunidades são ingratas, fossem carregados pela força de ventos históricos que estavam longe de compreender, se vissem à cabeça de gigantescas mobilizações que nem sequer suspeitavam serem possíveis, porque eram o material humano disponível.  (...)”[78]

 

 

 

Já em seu artigo Reforma e Revolução no Brasil de Lula, Arcary, defendendo, sem estorvo, referida “tradição” eclética, concomitantemente dialético-materialista e idealista-subjetivista, ao buscar clarificar importante polêmica com a esquerda do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva, relativa ao título em realce, não sente qualquer embaraço intelectual ao citar, já na abertura de seu artigo, reflexão redondamente equivocada de Antonio Gramsci, encadeando-a com um brilhante apotegma de Rosa Luxemburgo, de modo a torná-lo caput mortuum.

Se não, vejamos :

 

“Reforma & Revolução no Brasil de Lula : uma polêmica com a esquerda petista ou a invenção de uma esquerda internacionalista para o novo século, à luz dos dilemas alemão e russo de há cem anos atrás.

 

« Estamos de punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos. » Rosa Luxemburgo 

 

« Fala-se de capitães sem exército, mas, na realidade, é mais fácil formar um exército do que formar capitães. Tanto isto é verdade que um exército já existente é destruído se faltam os capitães, ao passo que a existência de um grupo de capitães, harmonizados, de acordo entre si, com objetivos comuns, não demora a formar um exército, até mesmo onde ele não existe. » Antonio Gramsci.”[79]  

 

 

 

Seria exorbitante esperarmos de Gramsci algum raciocínio materialisticamente fundado no domínio da arte militar, onde sabidamente jamais atuou diretamente, para daí revestir suas posições no domínio da política. 

Não obstante, o voluntarismo sofômano idealista-subjetivista de Gramsci jamais o inibiu de pronunciar-se também nesse campo.

O resultado não poderia ser outro, senão o produto de uma visão inteiramente falaciosa e desprovida de qualquer conhecimento prático efetivamente verificado.

E assim : camelus desiderans cornua etiam aures perdidit, i.e. quem tudo quer tudo perde.      

Extasiado por seu radical anti-trotskysmo e sem contar com suficiente bagagem prático-revolucionária para versar sobre tema dessa envergadura, também aqui, no domínio das questões militares, Gramsci defende uma abordagem inteiramente idealista, no que tange à formação de exércitos e capitães.

Bastar-nos-á referir aqui a concepção coerentemente dialético-materialista de Trotsky, que, além de avaliar justamente o processo de formação de sua própria experiência militar-revolucionária dirigente, aborda o exemplo da formação do “capitão” Frunze, o « motor da máquina das Forças Armadas Vermelhas e da Revolução Proletária Mundial»[80]:

 

 

 

 

“Antes do fim de 1917, nunca esperei ocupar-me com assuntos militares.

Lia livros sobre questões militares do mesmo modo que lia livros – digamos assim – sobre astronomia ou sobre outros temas.

Lia-os na prisão.

Porém, tornei-me mais interessado por questões militares durante a Guerra Imperialista, quando vivi na França.

Não possuía nenhum conhecimento militar.  

Em minha opinião, existem certos métodos gerais que são aplicáveis a todas as esferas da vida e da atividade criativa.

As pessoas falam, por exemplo, de lógica jurídica.

Na realidade, trata-se aí de lógica humana, aplicada às questões jurídicas.

De modo semelhante, na esfera da administração, um bom administrador de fábrica será, assim, um bom administrador militar.

Os métodos de administração são, em grande linhas, precisamente os mesmos.

A lógica humana encontra a mesma aplicação, seja na esfera militar seja em outras esferas : precisão, perseverança. Todas essas qualidades são necessárias, em todos os domínios em que as pessoas querem construir, criar e aprender.

Adquirimos conhecimento técnico elementar através da experiência : estivemos sob fogo cruzado durante todo o tempo.

Cometemos muitos erros e sustentamos vários frontes de combate.

Fizemos muitas observações e, assim, fomos capazes de aprender.

Frontes inteiros foram comandados por homens que jamais haviam estado no exército, tal como, p.ex., o companheiro Frunze.  

Para ser um bom soldado artilheiro – e, particularmente, para ser um soldado artilheiro competente – é necessário que se tenha freqüentado uma academia de artilharia, porém, para desempenhar um papel dirigente na formação de um exército, não é necessário que se tenha tido nenhuma educação especial como artilheiro ou de qualquer outro gênero: há de se possuir apenas certas qualidades políticas e administrativas.”[81]

 

 

 

Em seu artigo intitulado Ir ou não ir além da CUT, Arcary recalca a mesmíssima falsa perspectiva apológética da “tradição”, ao destacar que :   

 

“Nunca existiu, portanto, nem para Marx, nem para Lenin, nem para Rosa, Trotsky ou Gramsci, um décimo primeiro mandamento que prescreve lealdade incondicional a uma Central sindical.”[82]

 

 

 

Mas, porque precisamente tais asserções exemplificativas envolvendo, justamente,   “Marx, Rosa, Gramsci e ... muitos outros”, poderia indagar o leitor ressabiado, ao sobressaltar-se acerca do porquê de Gramsci haver de surgir ladeando Marx, Rosa e .... muitos outros ?

Se voltarmos nosso olhar à História, a grande Professora da Humanidade (Wenden wir unseren Blick der Geschichte, der großen Lehrerin der Menschheit zu ...), poderemos concluir, parafrastica e precisamente, contemplando através das lentes de óculos dialético-materialistas, que Rosa foi e permanece sendo uma águia da revolução socialista, proletária internacionalista, ao passo que Gramsci revelou-se inteiramente como uma reciclagem de um “marxismo” de matiz stalinista, i.e. uma atualização meta-marxista, teórico-pedagógica vulgarizadora, que permitiu fosse expandida a lógica epistemológica do stanilismo burocrático e anti-cosmopolita junto à civilização européia-ocidental.[83]

 

 

Submetendo o filistinismo do “livre pensar” e o stalinismo a um novo ciclo de operações intelectuais de matiz idealista-subjetivista, Gramsci propiciou seu refinamento e sua refuncionalização, produzindo como resultado um novo freio ideológico, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletário-internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto forma de transição ao socialismo e ao comunismo.

Cerrando seus olhos a uma análise conseqüentemente histórico-materialista do fenômeno histórico do gramscismo, Arcary pretende esclarecer o atraso da revolução socialista nos países centrais de modo fundamentalmente eclético-visionário, i.e. inteiramente de acordo seja como o método materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, seja como o método voluntarista idealista-subjetivista de Gramsci.

Compartilhando conseqüentemente a mesma “tradição” que Perry Anderson reinvidica para si, Arcary encontra argumentos para defender o seguinte :

 

“Por quê o atraso da revolução socialista nos países centrais?

A segunda hipótese é aquela que insiste em explicações, em última análise, subjetivas, ou seja, que reconhecem as mudanças materiais socioeconômicas, mas não concluem que elas sejam a principal determinação e procuram, no curso da luta de classes e, portanto, em fatores sociopolíticos, o atraso histórico do processo de mobilização proletária no sentido de uma ruptura anticapitalista, em particular, nos países imperialistas. Neste campo estão a maioria dos herdeiros da tradição identificada como marxismo revolucionário: entre outros, uma parte da literatura inspirada na herança de Antonio Gramsci, que coloca o eixo dos processos históricos nos desenlaces das lutas políticas; mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a corrente histórica (dividida em muitas frações) que se reclama de Leon Trotsky e da Quarta Internacional. Evidentemente não seria razoável discutir o crescimento prolongado da economia capitalista no pós-guerra, e o deslocamento do centro da luta de classes para os países dependentes ou periféricos, sem buscar a articulação entre causalidades objetivas e subjetivas. A Quarta Internacional, antes da sua divisão em 1952/53, compreendia, entretanto, de forma unânime que a participação dos PC’s em governos de união nacional no pós-guerra, teria sido fundamental, para conter a onda revolucionária que se abriu com a derrota do nazi-fascismo, e garantir a paz social.”[84]

 

 

 

As postulações levantadas por Gramsci veiculam, em versão teórico-refinada, o subjetivismo idealista no retratamento do stalinismo contra-revolucionário e não do marxismo revolucionário, bem como, em sentido político, a colaboração de classes entre proletários e burgueses, e, em sentido partidário-organizativo, a “bolchevização do Partido Comunista Italiano (PCI)”, i.e. a sua stalinização, o que permitiu a mais absoluta erradicação dos elementos trotskystas em seu interior, tal como veremos logo a seguir.

Com efeito, o stalinismo, enquanto expressão ideológica e política de um “marxismo” burocrático-proletário – auto-denominado “marxismo-leninismo” - sistematicamente voltado a promover a colaboração de classes proletário-burguesa em todos os domínios da luta de classes de emancipação do proletariado, em nome da defesa de supostos valores proletários – do que dão-nos nitidamente exemplo as posturas políticas de Stalin e seus aliados no período pós-revolucionário de Fevereiro de 1917, na questão do Pré-Parlamento e do Conselho da República, na Insurreição de Outubro e, posteriormente, na defesa e execução das políticas de Socialismo em um Só País, submissão das lutas de emancipação do proletariado chinês ao Kuomintang, esquerdização das lutas do comunismo alemão contra o Social-Fascismo Social-Democrático, enfim, sua política de Frente-Popular ... – o stalinismo, enquanto método de promoção dissimulada da complacência do proletariado com as forças burguesas e pequeno-burguesas, em prejuízo dos valores proletários, possui como fundamento epistemológico o racionalismo escolástico da colaboração de classes.

Gramsci posiciona-se em face das posturas stalinistas de modo a promover a sua absorção, reciclando-a epistemologicamente, desde um ângulo subjetivista-idealista, volutarista-metafísico, denunciando, para isso, o materialismo dialético de Marx e Engels por estar "contaminato di incrostazioni positivistiche e naturalistiche" (contaminado de incrustrações positivistas e naturalistas).                      

Gramsci reatualiza, sofisticadamente, o “marxismo” burocrático-proletário stalinista, defendendo não apenas posições organizativo-partidárias de índole manifestamente burocrática, senão também teses políticas, tal como as famosas Teses de Lyon do Partido Comunista Italiano (PCI), de janeiro de 1926,  cuja essência é a desbragada confirmação do conciliacionismo de classes proletário-burguês, impulsionada, na Itália, por Gramsci e seus seguidores, desde o assassinato do Deputado Socialista Giacomo Matteotti, em 1924, e estendida para todas as questões teórico-doutrinárias da luta de classes de emancipação do proletariado.

Gramsci retifica, assim, palavras de ordem de natureza supostamente democrático-intermediária, readaptando-as à aspiração de Democratização do Estado, supostamente viabilizadora de um Socialismo Democrático, no estilo:  Assembléia Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses ou, por assim dizer, em Assembléias Operárias e Camponesas.

Extraordinariamente atento ao tema, Trotsky teve a oportunidade de assinalar, entretanto, já mesmo em novembro de 1929, que, na Itália, todos !!! (grifo nosso), todos os dirigentes de formação burocrático-stalinista adotavam uma posição oportunista, para depois, eventualmente, a seguir, retificá-la mediante aventuras de ultra-esquerda.

Isso se expressava, ao mesmo tempo, na tentativa de adaptar à Itália a idéia de “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses”, sob a forma de uma palavra de ordem de assembléia constituinte, apoiada sobre uma assembléia operária e camponesa.[85]

 

 

Em maio de 1930, regressando ao mesmo tema, Trotsky, então, observou, incisivamente, fornecendo um ensinamento histórico inolvidável para as futuras gerações de marxistas revolucionários :

 

A Assembléia Republicana constitui, inegavelmente, um organismo do Estado Burguês.

O que são, pelo contrário, os Comitês Operários e Camponeses ?

É evidente que, de alguma forma, são um equivalente dos Sovietes de Operários e Camponeses. ...

Como é possível, nessas condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do Estado Burguês – tenha como base organismos do Estado Proletário.[86]

 

 

 

Em face dessa clara e cristalina citação de Trotsky que aferroa todos!!! os dirigentes de formação burocrático-stalinista – entre eles, necessariamente, também Gramsci -, resulta, verdadeiramente, surpreendente ouvir-se, então, dos tribunos da defesa da “tradição” – tal como o faz Arcary -, os seguintes argumentos, esgrimidos, obviamente, em defesa da própria “tradição”, ao tratar da polêmica sobre as aptidões revolucionárias do proletariado :    

 

“Se o impressionismo de jovens é tanto explicável como desculpável, porque lhes falta a perspectiva que somente os anos e a experiência podem oferecer, o mesmo não se pode dizer da dedicação incansável com que intelectuais torturam os clássicos da literatura marxista para demonstrar qualquer coisa.

Não estamos, contudo, entre os que enxergam a tradição socialista como as tábuas da lei.

Mas reivindicamos uma tradição.  

Não vamos recorrer a citações de Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo, Gramsci, Trotsky ou Moreno.

Não se encontrará nas linhas que se seguem uma polêmica fundamentada em argumentos de autoridade.

Nos apoiaremos somente em apreciações de processos históricos.”[87]

 

 

 

Perguntar-se-ia, então, de modo a esclarecer-se a metodologia de trabalho da “tradição” : o que seria da Revolução Socialista de Outubro de 1917, se intelectuais de dedicação incansável – entre eles, com principal destaque Lenin, em seu Estado e Revolução – não tivessem torturado os clássicos da literatura marxista para demonstrar alguma coisa e recorrido a argumentos de autoridade ?

Com efeito, o alvoroço do “bloco histórico” trotskysta-gramsciano guarda, em si, também um enigma profundo que há de permanecer indecifrável, na medida em que intelectuais de dedicação incansável não torturem os clássicos da literatura marxista para demonstrar qualquer coisa e não recorram a argumentos de autoridade, visando a elucidar seus posicionamentos : um enigma, não porque envolve uma forma ideológico-política requintada e translúcida de defesa de uma das complexas variantes de sustentação dos governos de colaboração de classes, seja em contexto de existência, seja de inexistência de dualidade de poderes - e oportunismo relativamente às lutas de emancipação do proletariado, o que, ademais, já bastaria para justificar, do modo mais vulgar, o mais pleno repúdio da “tradição” que acalenta os posicionamentos ideológicos de Gramsci.

Senão pelo contrário : o mistério do “bloco histórico” trotskysta-gramsciano é o de possuir uma lógica-epistemológica que, através de múltiplas formas intrincadas, complexas, obscuras, fantásticas, objetivam desviar os processos revolucionários da luta socialista do proletariado de seu rumo conseqüentemente emancipatório – e, por conseguinte, de toda a humanidade –, impedindo que assumam a genuína via materialista-dialética, consagrada por Marx e Engels e consagradora da indispensabilidade da preparação permanente e execução tecnicamente precisa das tarefas necessárias ao despedaçamento do Estado Burguês.          

Apenas com a derrubada do capitalismo pela via revolucionária da luta de classes, hegemonizada pelo proletariado no quadro de uma coalizão selada com seus mais autênticos aliados históricos, explorados e oprimidos pelo capitalismo – entre os quais, em particular, o campesinato pobre -, apenas com o despedaçamento do aparelho do Estado colocado a serviço das ínfimas minorias exploradoras e opressoras, autocráticas, latifundiárias e burguesas, resulta, pois, aberta a via de transição da Ditadura Revolucionária do Proletariado, rumo ao atingimento de uma sociedade socialista mundial humanizada, livre da opressão de todo Estado e imune às dilacerações decorrentes dos embates sangrentos, travados entre classes sociais irreconciliavelmente hostis : primeiro estágio para o estabelecimento de relações sociais autenticamente comunistas.

Essa severa missão revolucionária encabeçada pelo proletariado pressupõe, necessariamente, não apenas uma luta de cunho econômico e político, senão ainda de natureza essencialmente ideológica, envolvendo, pois, uma defesa meticulosa da mais legítima tradição emancipatória, fundada por Marx e Engels.   

No quadro da tradição trotskysta-gramsciana, encontramos, entretanto, por força de sua própria lógica intelectual, um vínculo para recepcionarmos, refinadamente, o marxismo” de matiz stalinista. 

Sendo assim, a questão do inimigo não se encontra apenas colocada relativamente à já difícil tarefa de sua identificação, senão ainda concerne ao método acertado de como combatê-lo.

Nesse sentido, porém, o não reconhecimento conseqüente da verdadeira tradição histórico-revolucionária do proletariado e das tarefas impostas à defesa dessa tradição, como forma de elevação da consciência e da disposição das massas trabalhadoras e seus aliados às tarefas da revolução proletário-internacionalista, tornam a derrota definitiva do inimigo, historicamente  identificado, inteiramente impossível, bem como o atingimento de uma sociedade humanamente socializada, completamente inviável.

Não obstante, para Arcary, toda a análise dos sujeitos sociais e dos fatores histórico-subjetivos, dos conceitos de situação e de crise revolucionária, dos momentos em que a “humanidade” se encontra com as suas “esquinas perigosas”, traduz-se em uma versão eclética, fundada, por conseqüência, no subjetivismo idealista, inteiramente alheio ao marxismo revolucionário, solidária, porém, com as necessidades do socialismo de matiz pequeno-burguês, alimentado pela intelectualidade acadêmica, vinculada ao stalinismo reciclado.

Por isso, Arcary afirma, coroando o método de seus empreendimentos literários:

 

“Ou seja, (Perry) Anderson reconhece que o lugar dos sujeitos sociais vêm se alterando ao longo do processo histórico, e que uma nova articulação de causalidades poderia se observar ao longo do século XX.

Essa consideração é chave para a discussão dos conceitos de situação e crise revolucionária e para a compreensão da releitura que Lenin, Trotsky e Gramsci farão do papel dos chamados fatores subjetivos, na História, em particular nos momentos em que a humanidade se encontra com as suas esquinas perigosas.”[88]

 

 

 

Com efeito, acolhendo acriticamente os posicionamentos do ultra-gramiscista, stalinista-reciclado, aliado ao Actuel Marx e ao Partido Comunista Francês, Jacques Texier, Arcary procura trabalhar com uma nova tática política, uma nova hipótese política, que, efetivamente, corresponde ao gramscismo, mas não às exigências do marxismo revolucionário.

A nova tática política é, entretanto, muito antiga, pois trata de deturpar, descaradamente, o sentido e o significado das formulações de Engels, constantes em sua célebre texto, redigido entre 14 de fevereiro e 6 de março de 1895 e intitulado “Introdução à Luta de Classes na França de 1848 a 1850 de Karl Marx”.[89]

 

 

 

Legitimando, porém, o pensamento do ultra-gramsciano – declaradamente anti-leninista -  Jacques Texier, Arcary destaca, abonando inteiramente a sua tão decantada “tradição” : 

 

Já no que diz respeito à necessidade de uma nova tática política, quando se oferecem condições de disputa, na legalidade e acumulando posições que permitam um processo de aprendizagem da classe, tanto no terreno eleitoral, quanto sindical, as observações de (Jacques) Texier procedem.

O paralelo histórico com Gramsci parece correto, e corresponde de fato às primeiras formulações em torno a uma nova hipótese estratégica, que considera a importância de preservar e explorar as conquistas democráticas,no marco de um pensamento que se complexifica com o estudo da correlação de forças à escala nacional e internacional, e que deve responder ao problema do regime democrático burguês.”[90]                    

 

 

Evidentemente, Arcary cala-se sobre o sentido e o significado contextual das palavras de Jacques Texier, procurando justificar seu suposto acerto em parte“no que diz respeito à necessidade de uma nova tática política” -    e esconde ao leitor quais são os verdade