Texto de Autoria de
Portau Schmidt von
Köln
Emil Asturig von
München
A Enfermidade Gramsciana
no Movimento Trotskysta Contemporâneo
e nas Lutas de Emancipação do Proletariado
Polêmica Trotsky e Gramsci :
Gramsci e Trotsky
de Atualização, Correção
e Superação do Marxismo
(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)
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Anexo
Dedicado à Compreensão do Presente Capítulo III :
Em sua Luta sem Quartel contra Trotsky e a Revolução Permanente
“Certe edepol,
quom illum contemplo, et formam agnosco meam,
Certamente, por Zeus, quando o contemplo, também a minha
forma nele entrevejo,
quemadmodum ego
saepe in speculum inspexi, nimis similis est mei.
então, quando freqüentemente me examino no espelho, ele
me é por demais semelhante.
Itidem habet
petasum ac vestitum: tam consimile’st atque ego.
Porta o mesmo chapéu e o mesmo traje: tão exatamente é
parecido comigo.
sura, pes,
statura, tonsus, oculi, nasum, dens, labra, malae, mentum, barba, collum:
totus, quid verbis opu’st?
barriga, pé, estatura, cabelos, olhos, nariz, dente,
lábios, bochecha, queixo, barba, pescoço: tudo, para que mais uma palavra?
Si tergum
cicatricosum, nihil hoc simil est similius.
Se, nas costas, traz as cicatrizes, nada é mais parecido
com nada.
Sed quom cogito,
equidem certo sum ac semper fui.
Porém, quando eu penso, trata-se de mim seguramente e
sempre se tratou de mim.
Cf. PLAUTUS,
TITUS MACCIUS. Amphitrvo( por volta de 180 a.C.), Actus I,
ed. F. Leo, Berlim : Weidmann, 1895-1896,
Versos 441 -447.
“Porém, um
inimigo – seja ele sincero ou desonesto, seja ele vivo ou morto –
permanece sendo
um inimigo, máxime tratando-se
de um escritor, o
qual vive em suas obras, mesmo depois de sua morte.
Calando-nos a seu
respeito, cometemos um crime social.”
Cf. TROTSKY,
LÉON DAVIDOVITCH BRONSTEIN. In : Sotchinenia (Obras), Vol. XX : Kultura
Starovo Mira
(Cultura do Velho Mundo)(23 de Dezembro de 1900),
Moscou-Leningrado : Gosud. Izd-vo, 1926, pp. 7 e s
“Criou-se um hábito, um mal hábito,
de se separar um autor das bases teóricas que lhes serviram de suporte; separá-lo
dos seus pressupostos teóricos e históricos imediatos. Esta separação levou que
alguns conferissem os louros de pensamento original, no sentido de
exclusividade, a autores cujo o grande
mérito foi justamente desenvolver teses elaboradas por outros, ainda que
enriquecendo-as.
Nos trabalhos acadêmicos sobre Gramsci parece ser bastante comum este
procedimento. Estudou-se, e escreveu-se, sobre o pensamento de Gramsci desvinculando-o de seus pressupostos teóricos e políticos
imediatos, que foi o pensamento e a ação política de Lenin.
E Gramsci foi, na minha opinião, acima de tudo, um leninista.
Muito do que foi-lhe atribuído como
contribuição exclusiva não é nada mais - e isto é muito - que a aplicação original das teses defendidas
por Lenin.”[1]
Eis aí como um incorrigível stalinista reciclado assimila
e dissemina o laxante idealista-subjetivista de Gramsci ao longo de sua
desnorteada peregrinação publicística : o mérito de Gramsci teria sido o de “justamente
desenvolver teses elaboradas por outros, ainda que enriquecendo-as”, pois, na opinião de Buonicore,
“Gramsci foi, acima de tudo, um leninista.”
Como prova de sua argumentação, Buonicore assinala, logo
a seguir, buscando encontrar desesperadamente o traço específico, supostamente
enriquecedor do pensamento de Gramsci em face das reflexões de Lenin
:
“Gramsci buscou, justamente, resgatar as contribuições de Lenin e
aprofundá-las; para ele o problema do Estado era mais complexo.
Sem discordar que o Estado era
fundamentalmente um instrumento de coerção, estendeu o seu estudo a um outro
aspecto: o Estado enquanto dirigente e educador, buscando compreender o papel
que as ideologias desempenhavam neste processo.
Ele compreendeu que a produção e a
reprodução das relações sociais - e políticas - não podiam se dar,
exclusivamente, através da coerção; elas se davam de múltiplas (e complexas)
formas, nas quais as ideologias jogavam um papel decisivo.
Para Gramsci o Estado seria "hegemonia encouraçada de coerção".
Era preciso superar as teses simplistas imperantes no seio da III
Internacional e ele, com a ajuda de Lenin, em certo sentido, as superou.”[2]
Buonicore, stalinista disfarçado,
verdadeiramente arrebatado pelo desvio mórbido gramscista, indica-nos, à guisa
de esconder suas feridas secretas, que Gramsci..., “em certo sentido”,
superou as teses simplistas da III Internacional que precisavam ser
superadas ...
Fê-lo com a ajuda de Lenin que, embora já falecido em
1924, socorreu espiritualmente as elaborações de Gramsci, intervindo, ao
que parece, como médium, pois, segundo, Buonicore :
“ ... e ele (i.e. Gramsci), com a ajuda de Lenin, em certo sentido, as
superou.”
1. “Para Gramsci o Estado seria "hegemonia encouraçada de
coerção".
2. “Gramsci foi, acima de tudo, um leninista.”
Não é absolutamente intenção do
presente trabalho pretender limitar o campo de estudo investigatório do impacto
do gramiscismo tão somente às posições dos principais dirigentes e mais
expressivos intelectuais do Secretariado Unificado da Quarta
Internacional (SU-QI), borbotadas de suas ligações orgânicas com os
ideólogos meta-marxistas franco-gramscianos, de modo a dar nascimento ao
fenômeno do gramscismo meta-marxista.
No presente texto, assinalo, porém, que
o traço mais significativo e mais repleto de conseqüencias políticas para o
movimento trotskysta mundial, no atual momento histórico, relaciona-se com esse
fenômeno em particular, que toca o destino dos próximos anos do SU-QI,
enquanto uma das mais importantes organizações mundiais do trotskysmo
de nossos dias.
A presença do pensamento doutrinário
de Antonio
Gramsci paira, entretanto, igualmente, sobre as correntes trotskystas
do mundo que se consideram “trotskystas-ortodoxas” ou
“trotskystas-consistentes”.
Estas caracterizam-se por manter com
o gramiscismo uma relação centrista e irresolvida, fetichista e plenamente
contraditória.
No que concerne à postura
teórico-doutrinária em específico da Associazzione Marxista Rivoluzionaria
Proposta(AMRP), encabeçada por Franco Grisolia, Marco Ferrando, Tiziano
Bagarolo e Francesco Ricci, cumpre assinalar que essa organização
trotskysta italiana encontra-se exposta, apologeticamente, ao gramscismo.
Em uma nota de seu recente artigo,
intitulado ”La Natura ed Il Ruolo del Partito Leninista(A Natureza e o Papel do
Partido Leninista)”, Grisolia observa,
claramente :
“Na Itália, encontra-se difundido um
mito segundo o qual o conceito de hegemonia é uma inovação teórica peculiar do
pensamento de Antonio Gramsci, que o
haveria separado do rígido “dogmatismo” da III Internacional leninista.
Na realidade, o grande
revolucionário italiano, não fez senão retomar um conceito próprio dos decênios
do marxismo revolucionário russo (“Os promotores da idéia da hegemonia do proletariado
na revolução são Plechanov e Lenin” : assim Zinoviev, em sua História, 1923).
Gramsci, com grande
brilhantismo, repropõe essa temática central na Itália. Além disso, a
utilização do termo “hegemonia” – mais vago, à primeira vista, que outros - constituía
para Gramsci, no período do cárcere, também um elemento de prudência em relação
às medidas repressivas ulteriores de seus carcereiros fascistas.”[3]
É de realçar, ainda, que tal
panegírico gramscista não constitui posição isolada de Grisolia, acolhida no
seio de Proposta, pois também Bagarolo e Ricci, bem como outros
membros dessa secção italiana da Oposição Trotskysta Internacional (OTI), dão
provas de uma postura reverencial, supersticiosa e acrítica em face da doutrina
e da política de Antonio Gramsci, tal como veremos mais adiante.[4]
Quanto aos grupos e partidos
trotskystas, defensores da tese do Capitalismo de Estado(SWP – Tony Cliff), importa observar
que o texto mais representativo do elogio gramscista dessa formação política, intitulado Gramsci
versus Reformismo, foi redigido por Chris Harman, editor de Socialist
Worker e um dos principais dirigentes atuais do Partido
Socialista dos Trabalhadores da Grã-Bretanha (SWP – GB).
Nesse texto, argumenta Chris
Harman, de maneira plenamente encomiástica e embaralhadora de fatos
históricos efetivos :
„Antonio Gramsci morreu há mais de 40 anos atrás, em 27 de abril de
1937. Sua morte foi provocada por mal-tratamento nos cárceres de Mussolini. Entretanto, em muitos
sentidos, desde sua morte, vem sofrendo ainda mais injúrias, devido às
distorções de suas idéias por aqueles que nada têm em comum com seus princípios
socialistas-revolucionários.
Gramsci foi um profissional
revolucionário desde 1916 até a sua morte.
Através desse período, insistiu na
necessidade relativa à transformação revolucionária da sociedade através da
derrubada do Estado Capitalista.
Foi isso que o colocou como
jornalista de várias edições socialistas na linha de frente daqueles que
exigiam ação revolucionária do Partido
Socialista Italiano, na luta contra o capitalismo e a guerra, nos anos de
1916-1918.
Foi isso que o levou ao centro do
movimento dos Conselhos de Fábrica de
Turim, em 1919 e 1920.
Foi isso que o conduziu a tomar
parte na ruptura com o Partido Socialista reformista, em 1921, a fim de
construir um Partido Comunista
genuinamente revolucionário.
Foi isso que o levou a assumir a direção do Partido Comunista de 1924 a
1926.
Foi isso, finalmente, que o levou às
prisões de Mussolini, onde procurou em forma de anotações – os famosos Cadernos do Cárcere – desenvolver suas
próprias idéias acerca da sociedade italiana, estratégia e tática da luta pelo
poder de Estado, construção do partido revolucionário, imprensa revolucionária.
Esperava que essas anotações
fornecessem algum auxílio a outros que tivessem o mesmo objetivo revolucionário
que o seu.
Entretanto, seus escritos têm sido
tomados por aqueles que querem converter o marxismo em uma área de estudo
acadêmica e não revolucionária. Isso foi tornado possível, inicialmente, pelo
Partido Comunista Italiano(PCI).”[5]
Também David North, dirigente do Comitê
Internacional da Quarta Internacional (CI – QI), Presidente do Conselho
Editorial Internacional da Rede Socialista Mundial e Secretário
Nacional do Partido Igualitário Socialista (SEP-US), da Austrália
e dos EUA, fundou-se decisivamente, em sua palestra
intitulada “Marxismo e Sindicatos”, pronunciada em 10 de janeiro
de 1998, nas concepções de Gramsci sobre os sindicatos, para
desvendar as contradições e insuficiências teóricas das posições de Peter
Taaffe, Secretário Geral do Partido Socialista Britânico (Socialist Party- The
Militants - GB) e principal dirigente do Comitê por uma
Internacional dos Trabalhadores (CWI – The Militants) sobre o tema,
contribuindo, assim, para doutrinar acerca da verdadeira essência dos
sindicatos, segundo Gramsci …
Nesse sentido, argumenta North,
desde uma perspectiva apaixonadamente trotskysta-gramsciana
:
« As tentativa do Sr. Taaffe de decorar sua subserviência à burocracia operária com uma
fraseologia radical produz um efeito que é mais cômico do que convincente.
Começa oferecendo uma breve lista
dos países em que os diretores sindicais foram envolvidos em traições
particularmente monstruosas, perpetradas contra a classe trabalhadora.
Tal como o Chefe de Polícia Louis,
em Casablanca, Taaffe revela-se muito profundamente chocado mesmo com a corrupção
que constata existir em relação a eles, até mesmo na medida em que subornos
políticos da burocracia escorregam para dentro do seu bolso.
O papel dos dirigentes do sindicato
sueco – tal como Taaffe nos informa
– tem sido “escandaloso”.
O comportamento dos burocratas
belgas é “desavergonhado e aberto”.
Os dirigentes iranianos também estão
engajados em um „espetáculo escandaloso“ de traição.
Na Grã-Bretanha, Taaffe declara que os trabalhadores
“pagaram um pesado preço pela impotência dos dirigentes da ala de direita.”
Também refere, tristemente, a
capitulação dos dirigentes sindicais do Brasil, da Grécia e dos EUA.
Mas, no que diz respeito a Taaffe, o problema dos sindicatos
envolve, essencialmente, líderes inadequados que sofrem de falsa ideologia :
aceitação do mercado capitalista.
As organizações por si mesmas são
basicamente sadias.
Com base nessa apreciação subjetiva,
Taaffe critica os “pequenos grupos
de esquerda”, com o que quer referir as Seções
do Comitê Internacional que, fundando-se em Trotsky, insistem que as traições dos sindicatos são a expressão de
uma tendência objetivamente fundamental do desenvolvivmento.
Essa análise “unilateral – segundo Taaffe – erra em reconhecer a
possibilidade de os líderes sindicais da ala direita, “sob a pressão da base,
uma classe trabalhadora sublevada e combativa”, poderem “ser forçados a
separar-se do Estado e encabeçar um movimento de oposição da classe
trabalhadora.
Portanto, escreve Taaffe, a “principal tendência do
próximo período”, na Grã-Bretanha e em outros lugares, será a de os
trabalhadores “compelirem os sindicatos a lutar, em seu nome.”
O destino classe trabalhadora
depende da “regeneração dos sindicatos”» [6]
E, exultante, conclama David
North, em tom professoral de descoberta da pedra filosofal trotskysta-gramsciana
:
“Posicionando-se sobre a base das
relações capitalistas de produção, os sindicatos são, por sua natureza,
obrigados a adotar uma atitude essencialmente hostil em relação à classe
trabalhadora.
Dirigindo seus esforços para
assegurar contratos com empregados que fixam o preço do poder de trabalho e
determinam as condições gerais em que a mais-valia será bombeada para fora dos
trabalhadores, os sindicatos são obrigados a garantir que seus membros forneçam
seu poder de trabalho, de acordo com os termos dos contratos negociados.
Tal como Gramsci observou :
“ « O sindicato representa a
legalidade e deve velar para que seus membros respeitem a legalidade »”[7]
Em vista de tais reflexões
gramscistas de David North, efetivamente marcadas por uma lógica
conceitual subjetivista-idealista, resulta ser surpreendente o fato de ser possível
verificar-se que as publicações northianas do Partido Igualitário
Socialista (SEP-US), da Austrália e dos EUA, sustentam
o argumento de que o resultado de sua luta rupturista, deflagrada contra as
incontáveis e intoleráveis degenerações de Gerry Healy, Mike Banda e
Chris Slaughter, teria sido “a cumeeira da longa luta do
movimento trotskysta contra o pablismo oportunista, desde a fundação do Comitê
Internacional de 1953”.[8]
Onde David North contempla
a degeneração pablista, não avista, absolutamente, a incidência da lógica
epistemológica do transcendentalismo metafísico-gramscista na luta de classes
da atualidade.
No que concerne ao perfil gramscista
de Socialismo Rivoluzionario, permito-me remeter o leitor pura e
simplesmente à leitura da obra “Direções e Quadros na Construção de SR”, cujo teor já é
deveras suficiente para atestar o alastramento do antraz gramsciano também
naquela organização declaradamente trotskysta-luxemburguista.[9]
Relativamente a enfermidade
gramsciana semeada mormente por Jorge Altamira e Osvaldo Coggiola
no seio do Partido Obrero da Argentina, cumpre assinalar,
de antemão, que um exemplo categórico desse fenômeno foi a publicação, em julho
de 1996, no Nr. 13 da Revista Teórica do Partido
Obrero, intitulada En Defensa del Marxismo, de extenso
artigo de autoria de um intelectual do PO, de nome Roberto Massari, cujo
título é, precisamente, ”Trotsky y Gramsci”.[10]
Tal artigo de Massari, marcado por sua
abordagem de complementaridade coerente entre o gramiscismo e o pensamento de Trotsky,
divulgado nos quatros cantos do globo, mediante Internet, com a
chancela política do Partido Obrero, surgiu, nessa mesma
sede jornalística, ao lado daquele, também de matiz gramscista, de autoria de Pablo
Rieznik, aparecido no mesmo número da supra-mencionada revista teórica
do Partido
Obrero, sob o título ”Los Intelectuales ante la Crisis(sobre la
‘Intelligentsia’ Latinoamericana).[11]
Em ambos esses artigos - porém sobretudo
no de Massari – o Partido Obrero homologou,
coniventemente, uma versão comprobatória do intento de compatibilização
doutrinária do gramiscismo com o trotskysmo, não esboçando nem mesmo a mais
leve disposição crítico-contudente em face da doutrina de Antonio Gramsci.
Nesse clima de laudatória aceitação
do gramiscismo, segundo aquilo que o Partido Obrero e a
Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta(AMRP) denominam de “trotskysmo
ortodoxo”, Aníbal Romero, em algumas páginas a seguir dessa mesma revista
teórica, intitulada En Defensa del Marxismo, não poupou vocábulos incendiadores
para criticar, despudorada e caudalosamente, as posições de Nahuel
Moreno, não alinhadas com o gramscismo, no quadro do artigo que batizou de ”La
Dictatura del Proletariado, según Nahuel Moreno”.[12]
Em suma : En Defesa del
Marxismo de Altamira e Coggiola prostra-se teoricamente diante do
suposto revolucionarismo de Gramsci, porém crítica impiedosamente a suposta
teratologia teórico-intelectual de Moreno.
Todos esses fatos poderiam ter
passado plenamente desapercebidos ou mesmo sem merecerem tão grande atenção por
parte da vanguarda trotskysta de todo o mundo – tal como se fossem mais uma das
costumeiras deformações marxistas do Partido Obrero, dessa vez no sentido
das tendências legitimadoras de seu oportunismo eleiçoeiro através do
gramscismo -, caso o “Foro de Debates” do próprio
Partido Obrero – instância
organizativamente separada e dotada de importância muito mais secundária em
relação a En Defesa del Marxismo - não lançasse, em seu editorial, o
convite cortês – naturalmente de índole essencialmente formal e
descompromissado -, a todos os ativistas do mundo, interessados em questões do
trotskysmo, para colaborarem no intercâmbio de opiniões acerca de seus artigos
formalmente publicados, “al modo de lo
que seria una habitual sección de ‘Correo de Lectores’”.
Por uma dessas ironias do destino,
justamente da Itália, onde a intelectualidade gramsciana
alienígena acredita ser o gramiscismo incontestavelmente “hegemônico”, levantou-se a voz
incômoda de um militante trotskysta – não essencialmente bordiguista, frize-se
de passagem, - chamado Luigi Candreva, que julgou por bem
enviar à redação do Partido Obrero um artigo intitulado “Gramsci e la ‘Bolscevizzazione
del PCI 1924-1926. Respuesta al Artículo “Trotsky y Gramsci” de Roberto Massari
Publicado en el Número 13 de la Revista ‘EN DEFESA DEL MARXISMO ’”.
Na parte introdutória de seu artigo,
Candreva
escreve, explicitamente :
“Querido camaradas, escuche mi pobre
espanol.
Yo soy un militante trotskista in
Italia y hay tomado hoy (via www.) el numero 13 de EDM con el articulo de
Roberto Massari sobre Gramsci.
En quanto estudioso de Gramsci
raramente yo hay encuentrado un articulo mas inexacto, anti-scientifico y
superficial come ello.
Aqui' encluyo un articulo que yo
escribio para el periodico trotskista (mensuel) italiano "Voce
operaia" sobre Gramsci, con una valutacion my diferente de ella de
Massari.
El articulo es muy breve por rasones
de espacio editorial.
Si quieres abrir un debate sobra
esta question puede transformarlo en una carta a EDM o yo puedo trabayar sobre
un articulo mas longo (ahora yo stoy estudiando para un secundo articulo sobre
Gramsci).
Si quiere me contactar, yo
compriendo bien el espanol, pero no puedo lo escribir (y hablar), y puedo
escribir en Italiano, Ingles y Frances. My mejores saludos comunistas. Luigi.
Milano, 2 giugno 1996 (sic).”[13]
Naturalmente, o Partido Obrero jamais se
interessou em “abrir um debate sobre essa questão”, mesmo depois de Candreva
ter qualificado, ostensivamente, o artigo Roberto Massari como “inexacto,
anti-científico e superficial”...
Partindo, ele sim, de um
posicionamento, em linhas gerais, essencialmente correto - ainda que, sob o
ângulo da necessária posição que o trotskysmo deve manter em face de Antonio
Gramsci,
revela-se doutrinariamente incompleto (observe-se que Candreva faz referência,
entretanto, ao fato de que estava trabalhando em um segundo artigo mais longo),
o material de Candreva sobre Gramsci, jamais foi publicado nas
páginas de En Defesa del Marxismo, tendo permanecido, até o presente
momento, relegado a um pequeno espaço do ”Foro de Debates”, apartado e
esquecido, ao lado de outros artigos de menor importância polêmico-doutrinária.
Evidentemente, a revista teórica do Partido
Obrero teve e tem suas razões para não divulgar, contestar e replicar
abertamente, em suas colunas, o artigo de Candreva, formulado em amplo
contraste com a conquista do espaço gramsciano, protagonizado e estimulado, de
maneira sibilina, por sua redação.
Tal como já destacamos, Altamira não se encontra
interessado em denunciar a capitulação, cada vez mais saliente, da direção do Secretariado
Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) à ideologia gramsciana, assim
como não possui qualquer interesse em denuciar o caráter histórico-político do gramscismo
em face do trotskysmo, no passado e no presente.
Deixa-o de fazer não apenas em virtude do fato de que os órgãos
oficiais do Partido Obrero, i.e. Prensa Obrera e En Defesa del Marxismo, permanecem
receptivos, dando acolhimento e publicação, sem a menor crítica política, de Altamira
ou de outros quadros dirigentes
e mentores intelectuais do Partido Obrero, a artigos de
louvores da doutrina gramsciana.
Com efeito, nesse cenário, é o Professor da Universidade de São Paulo
(USP), o historiador trotskysta-gramsciano Osvaldo Coggiola que, exsurgindo
como um dos mais espetaculares e insubstituíveis mentores ideológicos do Partido
Obrero de Altamira, já se encontra celebrizado por suas tantas e inúmeras malfadadas e
espúrias investigações místicas acerca de “Gramsci, o revolucionário
italiano”.
É seguro que Osvaldo Coggiola difunde,
desavergonhada e descaradamente, entre seus discípulos e por todas as brechas
das universidades brasileiras e argentinas, mediante livros e palestras, a
enfermidade epistemológica, a peste bubônica político-burocrática, o cheiro
repugnante e asqueroso do gramscismo,
procurando demonstrar e legitimar, “cientificamente,
em sentido histórico”, o fato de que esse surto infeccioso
compatibilizar-se-ia de algum modo com e
seria absorvível de alguma maneira pelos posicionamentos “também” revolucionários de Trotsky e
todo o legado dos marxistas-revolucionários, bolcheviques-leninistas, tais como
os de Sverdlov, por exemplo.
É visível que Coggiola não se enfastia de verter, repetida e
renitentemente, rios de tinta acerca de : “Gramsci :
História e Revolução. 50 Anos da Morte do Revolucionário Italiano nas Prisões
do Fascismo” (eis aí cerca de 10 páginas fastidiosas e inteiramente mal-enfocadas
sobre o tema), “Gramsci : História e Revolução”, (novamente 10 páginas sofrivelmente paridas), “Bolchevismo, Gramsci, Conselhos” (cerca
de 200 páginas longas, cansativas, aborrecidas e sonolentas, produzidas em conjunto
com o intelectual não menos filisteu trotskysta- gramsciano, de matiz
altamirista, Roberto Massari). [14][15][16]
Porém, além de tudo isso : cala-se Altamira em face da enfermidade
gramsciana precisamente porque a Convenção de Gênova, de 1997, i.e. o
projeto de Fundação ou Refundação da IV Internacional, sufragrado pelo Partido
Obrero, tem como único e exclusivo sustentáculo vital e sentido
existencial sua aliança política estreita com a seção italiana da Oposição
Trotskysta Internacional(OTI), i.e.
a Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta (AMR-Proposta), encabeçada pelos mais árduos defensores
da mitologia gramsciana entre os militantes e ativistas
trotskystas de todo mundo : Franco Grisolia, Marco Ferrando e
Francesco Ricci.
Como agrupamento do Partido
Refundação Comunista da Itália, a AMR-Proposta de Grisolia, Ferrando e Ricci já defendeu que deve ser implementado o conceito gramsciano de partido, como forma de solução para os
problemas pratidários da classe trabalhadora :
“ 4.1. Construindo o Partido
Refundação Comunista como Fórum Intelectual. Na base da análise prévia, o giro
político e estratégico que o IV Congresso proporcionou necessita uma nova
concepção de partido e de sua estrutura.
A nova resposta aos problemas do PRC
não está na solução do “Partido Comunidade”, i.e. um partido que se proponha
enquanto contra-parte à desagregação e ao “deserto exterior”, tornando-se um
centro social para organizações de
mútuo, de escolas, de cultura.
O tipo de solução, que não parece muito sensível, não põe o partido na
realidade do trabalho, porém arrisca a fortalecer a auto-absorção.
Isso não apenas não rompe o círculo
auto-referencial, senão agrava-o na nova forma do sectarismo, erradicação
social, destacamento dos movimentos, para vantagem dos democratas de esquerda e
sindicatos.
Pelo contrário, é necessário
readquirir e renovar o conceito
gramsciano de partido enquanto uma
convenção intelectual, engajada na
luta de classes pela direção entre as massas : um partido que orienta sua
cultura política, sua estrutura organizativa e suas funções para a conquista de
um projeto anti-capitalista.” [17]
Nesse sentido, Jorge Altamira cumpre um papel nefando quando, reivindicando
representar o trotskysmo ortodoxo ou consistente, isento de supostas
capitulações ao frente-populismo - tal qual, segundo ele, reputadamente
dinamizadas pelo PSTU Brasileiro e pela LIT-QI -, impulsiona um trabalho
em comum com a militância de Associazzione Marxista Rivoluzionaria
Proposta (AMR-Proposta) e da Oposição Trotskysta Internacional(OTI) sem
procurar arrancá-la, no quadro de uma disputa política leal e fraternal, do “vale
de lama pútrida“, imunizando-a contra os sintomas epidêmicos,
produzidos inevitavelmente pela propagação da ideologia gramsciana no
âmbito do movimento trotskysta dos dias de hoje.
Procurando sedimentar as bases místicas do trotsysmo-gramscista, lançadas
pelo Partido
Obrero (PO) e pela Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta
(AMR-Proposta), cumpriu, mais recentemente, a Manolo Romano e Emilio Albamonte, membros dirigentes
do Partido de Trabajadores por el Socialismo (PTS – Fração
Trotskysta – Estratégia Internacional) exercer o papel de “intelectuais orgânicos” do projeto
absurdamente eclético de complementarização, compatibilização, harmonização,
conciliação, solidarização da doutrina materialisticamente histórico-dialética
de Trotsky com os derrames cerebrais
metafísico-subjetivistas de Gramsci, introduzindo-o
na interpretação dos principais
eventos de luta dos explorados e oprimidos da América Latina e
de todo o mundo.[18]
Alegando rechaçar o “dogmatismo sectário”, Manolo Romano e Emilio Albamonte dedicam-se,
longamente, à infeliz tentativa de integração dialógica das abordangens
teóricas do trotskysmo com as do gramscismo,
com vistas a, em particular, desferir cáusticos ataques filistinos e
subreptícios contra o pensamento de Nahuel Moreno, procurando
justificar, assim, a necessidade de construir-se uma “melhor compreensão do complexo cenário mundial que
assumiu forma no período posterior à II Guerra Mundial – o período assim
denominado de “Ordem de Yalta”.”[19]
Nesse sentido,
assinalam Romano e Albamonte, expressamente, em
seu sugestivo artigo intitulado “Trotsky e Gramsci
: Um Diálogo Póstumo” :
“O dirigente trotskysta, Nahuel Moreno, fundador da corrente de que
viemos, tentou tratar dessa situação contraditória (obs.: aborda-se aqui a
assim considerada situação de bloqueio da dinâmica da revolução permanente e do
congelamento dos eventos revolucionários do após-guerra, no interior de
fronteiras nacionais, por força da atuação da burocracia soviética de Moscou)
alegando que « a realidade havia-se tornado até mesmo mais trotskysta do que o
próprio Trotsky.»
Ele queria dizer que a dinâmica
permanente da revolução resultava manifesta no fato de que até mesmo os
partidos stalinistas ou movimentos guerrilheiros haviam sido forçados a tomar o
poder e expropriar a burguesia, em um grande número de países, devido às
pressões dos próprios fatores objetivos.
A revolução tornara-se, assim,
«objetivamente socialista».
Já acertamos nossas contas com
essa declaração em “Estratégia
Internacional Nr. 3”. Nessa sede, dissemos que Moreno estendeu o período excepcional
de 1943-1949 para todo o período do após-guerra, transformando-o em uma norma.
Dessa forma, não apenas
distorceu os fundamentos da teoria da revolução permanente, senão, pior ainda,
também a própria realidade.
Essa nova visão rompeu os
vínculos entre as tarefas a serem cumpridas pela revolução, de um lado, e os
sujeitos – a classe e o partido – que haveriam de conduzí-las à sua conclusão.
Existem precisamente aspectos
da teoria da revolução permanente que não podem ser considerados isoladamente,
em relação a outros. Se esse não fosse o caso, o que de bom representou a
rejeição da Oposição Internacional de Esquerda ao impulso forçado de Stálin à
agricultura coletiva ?
A « tarefa socialista » de
abolir a propriedade no interior do país não pode ser assumida em isolação
frente aos métodos da revolução proletária. Elas também não podem ser
consideradas separadamente em relação à classe que deve cumprir tal tarefa. Trotsky respondeu a esses tipos de
argumentos, em seu tempo : « Não apenas o “o quê” é o que importa, mas também
contam o “como” e o “quem” faz alguma coisa : se é a burocracia ou os
sovietes.” »[20]
Ora, tendo-se em conta
que, segundo Romano e Albamonte, o “dirigente trotskysta” Nahuel Moreno estendeu,
indevida e revisionistamente, o período excepcional de 1943-1949 para todo o
período do após-guerra, transformando-o em norma, distorcendo, assim, não
somente os fundamentos da teoria da revolução permanente, senão, pior ainda,
também a própria realidade, decorreria, pois, a imperiosidade de fazer-se
alguma coisa contra isso : i.e. corrigir-se Moreno, com
o que obter-se-ia uma mais perfeita compreensão do período do após-guerra.[21]
Como, porém, Romano e Albamonte
candidatam-se à execução desse mister ?
A resposta é-nos
fornecida, de bom grado, pelos próprios dirigentes
trotskystas-gramscianos Romano e Albamonte, ao
aconselharem toda a vanguarda dos lutadores proletários revolucionários a
precisamente atentar para o seguinte :
“Não somos, de nenhuma forma,
os primeiros a tentar sacar um paralelo crítico entre os pensamentos de Trotsky e os de Gramsci.
Perry Anderson, partindo do ponto de vista do marxismo acadêmico, abriu um debate acerca
das ambigüidades registradas no conceito chave de hegemonia, postulado por Gramsci. Esse foi um trabalho pioneiro,
em que as concepções de Trotsky foram tratadas. Porém os trotskystas falharam, lamentavelmente, em
elaborar sobre esse tema.
O principal impulso de nossa
abordagem é o de tratar ambos os sistemas teóricos considerados em seu
conjunto, constrastando seus conceitos particulares em processo, i.e. o
conceito de equilíbrio capitalista e a teoria da revolução permanente no caso
de Trotsky; a relação entre guerra de
posição e guerra de manobra de Gramsci, bem como os usos de sua noção de revolução passiva.
Essa última, acreditamos, tem
sida sobretudo subestimada pelos marxistas revolucionários.
O primeiro
resultado de contrastar-se essas perspectivas teóricas é a emergência de novos
conceitos, enquanto outros ganham em riqueza dialética, permitindo uma melhor compreensão do complexo cenário mundial que assumiu forma no período posterior à II
Guerra Mundial – o período assim denominado de a “Ordem de Yalta”.”[22]
Eis o resultado
primordial dos intentos de Romano e Albamonte, contidos em seus trabalhos dedicados a Trotsky e Gramsci, voltados a abordar
ambos os sistemas teóricos em pauta e a constrastar seus conceitos particulares
em processo, i.e. as análises de Trotsky sobre
o equilíbrio capitalista e a revolução permanente em
face dos conceitos de Gramsci de guerra de posição - guerra de manobra e de revolução passiva: mediante essa operação intelectual de matiz
ostensivamente eclética seria possível obter-se “novos conceitos,
enquanto outros ganham em riqueza dialética.”
Por ocasião de sua
ruptura com a Liga Internacional
dos Trabalhadores (LIT), em fins dos anos 80, Romano e sua corrente política declaravam ser
imprescindível seguir novos caminhos, delimitando-se do movimento trotskysta do
qual procediam, como forma de poder retomar “o método e a
teoria de Trotsky”.
Assim, ainda em 1993,
o hoje dirigente eclético trotskysta-gramsciano,
Romano, assinalava, expressamente, o seguinte :
“É por isso que toda a possível
regeneração revolucionária da LIT (e de suas secções) só pode surgir de uma volta, sem titubeios, às bases teóricas e ao método,
concebidos pelo fundador da IV Internacional.”[23]
Presentemente, é
possível depreender que Romano pretendia
efetivamente defender, à época, não propriamente “uma volta, sem
titubeios, às bases teóricas e ao método, concebidos pelo fundador da IV
Internacional, Trotsky” mas sim um retorno àqueles postulados,
burilados pelo sagaz venerador das políticas e dos métodos do stalinismo, Gramsci.
Se os leitores ainda
prosseguirem com suas dúvidas acerca das maravilhas ideológicas, obtidas pela
aliança eclética Trotsky e Gramsci,
promovida
por Romano e Albamonte, cabe destacar que esses dois trotskystas gramscianos brindaram-nos, ainda, com um trabalho
adicional, intitulado “Trotsky e
Gramsci. Revolução Permanente e Guerra de Posição. A Teoria da Revolução em
Gramsci e Trotsky”, no qual pretendem
conciliar, desveladamente, fundamentos lógicos do materialismo
histórico-dialético com axiomas supersticiosos do curandeirismo
idealista-subjetivista gramsciano, visando a obterem “novos
conceitos, enquanto outros ganham em riqueza dialética.”[24]
A essa cruzada do “Bloco Histórico Trotskysta-Gramsciano”,
encabeçada pelos mentores ideológicos do Partido Obrero e do
Partido de Trabalhadores por el Socialismo (PTS – Fração
Trotskysta – Estratégia Internacional) – coadjuvada por Convergencia Socialista (CS) e
pelo Movimiento Socialista de los Trabahadores (MST) -
soma-se ainda, escolasticamente, o Movimento ao
Socialismo (MAS).
Essa última
organização decidiu-se a difundir, ostensiva e diretamente, escolástica e
acriticamente, em seus “Cuadernos de
Formación”, textos decisivos do “Lenin do
Ocidente”, dedicados à temática “Estado e
Socialismo” e à questão da “Necessidade de
uma Preparação Ideológica das Massas”.[25]
No que
concerne ao comparecimento e ao porte do trotskysmo gramscista lamentavelmente também no interior das fileiras do Partido
Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU do Brasil), cuja
difusão faz-se, presentemente, de modo ainda periférico e fragmentário e,
ditosamente, não de maneira diretiva e preponderante, - apesar de ganhar
espaços a cada dia, com base no método gramscista da Guerra de Posição ou de Assédio,
a qual pode ser magnificamente sintetizada no provérbio Gutta cavat lapidem non vi sed
saepe cadendo, tantas vezes referido por Giordano Bruno, traduzido,
no vernáculo, mais comumente com o brocardo “água mole em pedra dura, tanto
bate até que fura” -, limito-me a remeter o leitor, em primeiro lugar,
à vastíssima página de Internet do Professor da Universidade de Campinas e
Metodista de São Paulo, membro do conselho editorial e secretário de
redação da Revista Outubro, Álvaro Bianchi.
Tal página de Bianchi, intitulada Politikon,
fala
por si mesma acerca das tendências e das inclinações especulativas desse
pensador brasileiro, empenhado em veicular não somente suposta
complementaridade eclético-intelectual, existente entre Trotsky e
Gramsci, senão também suas próprias considerações principais,
inequivocamente sufragadoras do gramiscismo epitemologicamente
subjetivista-apriorístico e frontalmente avessas ao materialismo
histórico-dialético de Marx e Engels.
À guisa de prova, permito-me remeter
o leitor ao estudo, exempli gratia, do texto “Hegemonia em
Construção” de Bianchi e do seu mais recente grito de guerra de “Retorno
a Gramsci”, i.e. uma apologia “reflexiva
e crítica” que, poupando o leitor de tantos argumentos ecléticos
vazios, não se prolonga mais do que ao longo de duas páginas repletas de letras
e sentenças, revivificadoras do non sense gramsciano.[26]
A Revista Outubro, dirigida
por Álvaro Bianchi adota como título um nome inquestionavelmente
imponente, diretamente associado à herança proletário-revolucionária gerada
pelo Outubro
Vermelho, dirigido por Lenin, Trotsky, Sverdlov e por
muitos outros bolcheviques que consagraram suas vidas através da edificação,
em Outubro
de 1917, de uma autêntica Ditadura Revolucionária do Proletariado,
rigorosamente estruturada sobre os fundamentos mais essenciais da doutrina
dialética histórico-materialista de Marx e Engels.
Destacando que o grande mérito histórico de Marx
e Engels foi o de terem indicado aos trabalhadores de todo o mundo sua
tarefa de serem os primeiros a levantarem-se na luta revolucionária contra o
capital e reunirem, em torno de si, nessa luta, todo o povo trabalhador e
explorado, Lenin foi capaz de retomar a questão da hegemonia do proletariado, desde
um ângulo dialético-materista, situando-se, assim, em diametral
oposição ao que viria a ser a versão idealista-subjetivista da hegemonia
de Gramsci, para quem a estratégia revolucionária do “ataque
frontal”, da “guerra de movimento” do
proletariado revolucionário, subsistiria apenas “até quando se trate de
conquistar posições não decisivas, não sendo, pois, mobilizados todos os
recursos da hegemonia do Estado.”[27]
Com efeito, na
história da humanidade de todos os tempos, a Grande Revolução Russa de Outubro de 1917, enquanto prólogo da
revolução socialista mundial, tornou-se o marco real e triunfante de maior
relevância na longa luta de classes internacionalista, travada pelos
trabalhadores e todos os seus aliados oprimidos por Pão, Paz e Terra, rumo à edificação de um novo mundo : um mundo
sem fronteiras, autenticamente humanizado, imune a todas as formas de
exploração do homem pelo homem e de nações por nações, livre de toda a opressão dos Estados e das dilacerações sociais
sangrentas, emergentes das sociedades cindidas em classes irrenconciliavelmente
hostis.
Entretanto, apesar de seu nome eminentemente sedutor, não
se extrai, quase nunca, da Revista Outubro em referência
contribuições que apontem para a necessidade de retomada inadiável do legado de
luta dos bolcheviques, encabeçados por Lenin, senão, maximamente,
elaborações intelectuais das mais diversas procedências ecléticas que tendem
essencialmente à difusão e consolidação do gramscismo meta-marxista e de toda
sua «
tradição », fundada gnosiologicamente no subjetivismo idealista,
inteiramente avesso à dialética histórico-materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky.
Permanecendo como porta voz ideológico do gramscismo,
a Revista
Outubro haveria de adotar um outro título que bem mais correspondesse
às suas aspirações histórico-epistemológicas.
Mesmo porque não passou pela cabeça de nenhum
revolucionário bolchevique ou mesmo – antes do VI Congresso de Unificação do
POSDR (Bolchevique), ocorrido entre 26 de julho e 3 de agosto de 1917 –
não transitou na mente de nenhum militante do Comitê Interdistrital de
Petrogrado, encabeçado por Trotsky e Lunatcharsky, Iurenev e Volodarsky
– defender a idéia de que lutavam, com o fito de deflagar “A Revolução contra o
Capital”, i.e. contra o Capital de Karl Marx, por acreditarem, como o faz declaradamente
Gramsci,
que “os
cânones do materialismo histórico não são assim tão férreos como se poderia
pensar e se pensou”, na medida em que “Marx se havia contaminado com incrustrações positivistas
e naturalistas.“ [28]
Procedendo desse modo, a Revista
Outubro não se dedica à abordagem do Outubro, pois que não se
dispõe a tratar do Outubro – ainda que o pudesse fazer, se se valesse de artigos
vertidos da pena de inúmeros trotskystas revolucionários que vicejaram e
vicejam seja no Brasil seja em todo mundo - : dispõe-se a tratar das leituras
gramscianas e gramsciófilas, i.e. das supostas incrustrações, dos alegados
entalhamentos, das presumidas tauxias, das imaginárias ensambladuras “positivas
e naturalistas” contidas na obra de Marx, já que “os cânones do materialismo histórico não
são assim tão férreos como se poderia pensar e se pensou ...”(sic)
Na base de uma suposta defesa da
mais ampla
liberdade de consciência filosófica e religiosa, fundada na parêmia De
gustibus et coloribus non est disputandum, a Revista Outubro de Álvaro
Bianchi e colaboradores procura servir de trampolim conseqüente e
sistemático à publicação, sem críticas e sem restrições, de artigos dos maiores
diretores espirituais do mandelismo, dirigentes supremos do Secretariado
Internacional da Quarta Internacional (SU – QI) – sustentadores diretos
ou indiretos no Brasil seja, por um lado, da Frente Popular,
encabeçada por Lula e integrada pelo Ministro do (contra) o Desenvolvimento
Agrário, Miguel Rossetto (SU – QI), seja, por outro lado, do Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), como Michael Löwy e Daniel
Bensaïd, remixes do incorrígivel franco-maoísta Louis Althusser
– outrora contudentemente e à saciedade criticado por Nahuel Moreno –, análises
de “luxemburguistas”
no estilo de Ricardo Antunes, convicto protagonista do gramscismo
ideológico, propalado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) .[29][30][31][32]
Mais do que isso : a
Revista Outubro dedica-se também à publicação de ensaios muito “profundos
e abrangentes” acerca da seguinte temática :
“Gramsci, mais um
antitrotskista ?”[33]
Diante do corpo de articulistas
supra-citados que configuram o ecletismo gnoseológico patente da Revista
Outubro de Álvaro Bianchi, adivinhe o leitor dessas linhas, se puder – mesmo
sem ter jamais lido o ensaio cujo título ficou acima referido -, qual seja a
resposta conferida por Bianchi e Sena à desafiadora
indagação formulada insinuadamente :
“Gramsci, mais um
antitrotskista ?”
Evidentemente que não,
não, não, quatro vezes não : Gramsci não foi um antitrotkista, apesar de ... apesar de ... apesar de ...
apesar de ... Gramsci ter
enaltecido, escancaradamente, Stalin enquanto “o Grande Teórico Mais Recente”
em matéria de “internacionalismo e política nacional”, apesar
de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... Gramsci declarar que a teoria da Revolução Permanente de Trotsky nada
mais é senão uma “tentativa de estupro de uma menina de 4 (quatro), 4 (quatro), 4
(quatro), 4 (quatro) anos”, apesar
de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... Gramsci opor-se, abertamente, à concepção de Revolução
Permanente de Trotsky, na medida em que defendeu ser inteiramente
correto compará-la, vulgarmente, com a teoria dos “sindicalistas franceses sobre a
greve geral e, também, parcialmente, com a teoria do espontaneísmo de Rosa
Luxemburgo (sic)”, apesar de ...
apesar de ... apesar de ... apesar de ...[34]
Apesar de tudo isso, Gramsci
não foi um antitrotskysta !, apesar
de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ... poder ter tido algumas
diferenças políticas em relação a Trotsky, evidentemente de dimensão
“irrelevante”.
Imaginemos, porém, por um instante,
se Gramsci
tivesse sido um antitrotskysta.
Que pérolas não verteriam de sua
pena para atacar a Revolução Permanente de Trotsky e prantear o “Grande
Teórico Mais Recente, em Matéria de Internacionalismo e Política Nacional”,
Iossif Vissarianovitch Djugaschvili Stalin !
Se acompanharmos as próximas edições
da Revista
Outubro de Álvaro Bianchi, verificaremos que, em breve, poderão ser
lançados os seguintes ensaios, ainda mais cativantes :
“Gramsci, mais um
antiluxemburguista?”
“Gramsci, mais um
antiliebknechtiano?
“Gramsci, mais um
antiengelsiano?”
“Gramsci, mais um
antimarxista?”
Em todos esses casos, a resposta
será não,
não, não, 4 (quatro) vezes não !, apesar
de ... apesar de ... apesar de ... apesar de ...
E as comoções cerebrinas de Gramsci
e do gramiscismo
das Universidades
Burguesas latinae linguae continuarão a ser vendidas, em massa, aos consumidores
desgraçadamente pouco informados, a título de ... “Outubro” (!)
Não se surpreenda o leitor, se os
articulistas desses artigos vindouros forem até mesmo os seguintes expoentes
internacionais do mundo gramsciano-meta-marxista e do atual mandelismo
gramscista do Secretariado Unificado da Quarta
Internacional (SU-QI) :
·
Daniel Bensaïd ;
·
Jacques Bidet ;
·
François Chesnais ;
·
Domenico Losurdo.
Com efeito, os quatro mosqueteiros
mundialmente renomados do gramscismo meta-marxista estarão no Brasil,
de 8
a 11 de novembro de 2005, adivinhem onde e para palestrarem sobre o
quê, a convite de quem?
Se a resposta do leitor à pergunta
acerca do “onde” foi : Universidade de Campinas, em São
Paulo, a resposta está certa.
Se a resposta do leitor à pergunta
sobre o “para palestrarem sobre o quê” foi : sobre a obra de Karl
Marx e Friedrich Engels, acertou novamente.
Se a resposta do leitor à pergunta
acerca do “convite de quem” foi : Revista Outubro de Álvaro
Bianchi, acertou apenas de modo parcial.
Pois, o evento para o qual forão
convidados Bensaïd, Bidet, Chesnais, Losurdo, todos eles meta-marxistas
gramscianos ou sinceros colaboradores desses, intitulado, enquanto
chamariz, 4° Colóquio Marx e Engels, foi organizado pelo Centro
de Estudos Marxistas (CEMARX) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH) da Unicamp, cujos professores ativos são todos gramscianos
ou gramsciófilos, tais quais João Quartim de Moraes, ideólogo do
neo-stalinilismo do PCdoB frente-populista, Armando Boito Jr., epígono do
neo-stalinismo de Quartim de Moraes e do PCdoB frente-populista e prócere do stalinismo
maoísta-brasileiro, Augusto Buonicore, epígono do
neo-stalinismo de Quartim de Moraes e de Armando Boito Jr. e mentor
ideológico do PCdoB frente-populista, e
Álvaro
Bianchi, o editor trotskysta- gramsciano da Revista
Outubro.
Essa fraternidade eclética há de nos
falar logo de quem ..., logo de quem ..., logo de quem ..., logo de quem ...
: de Karl Marx e Friedrich Engels !
Perante os professores neo-stalinistas-gramscianos,
stalinistas-maoístas-gramscianos e trotskystas-gramscianos, o próprio Marx responderia,
certamente, com suas palavras de odi profanum vulgus et arceo, favete linguis,
i.e. odeio o vulgo ordinário e afasto-o, favorecei-me, pois, com a língua,
calando-vos:[35]
“ Abgesehen davon,
gefällt mir sehr die öffentliche, authentische Isolation, worin wir zwei, Du
und ich, uns jetzt befinden.
Sie entpricht ganz
unsrer Stellung und unsern Prinzipien.
Das System wechselseitiger
Concessionen, aus Anstand geduldeter Halbheiten und die Pflicht vor dem
Publicum seinen Theil Lächerlichkeit in der Parthei mit all diesen Eseln zu
nehmen, das hat jetz aufgehört.”
No vernáculo :
“ À parte isso,
agrada-me muito essa isolação pública e autêntica, na qual nós dois, tu (Engels) e eu,
encontramo-nos atualmente.
Ela corresponde
inteiramente ao nosso posicionamento e aos nossos princípios.
O sistema de concessões
recíprocas, de respeito a medianidades toleradas e o dever de assumir diante do
público sua parte de ridículo, no Partido com todos esses burros, isso agora
deixou de existir.”[36]
Eis aí o De cujus sucessione agitur
sobre quem desejam falar os meta-marxistas gramscianos, os neo-stalinistas
gramscianos, stalinistas-maoístas gramscianos e os trotskystas gramscianos que
também serão expositores no 4° Colóquio Marx e Engels, organizado
pelo Centro
de Estudos Marxistas (CEMARX) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH) da Unicamp.
Todos esses intelectuais – a maioria
deles professores universitários - entendem ser o marxismo aquilo que eles
mesmos apreciam ler no marxismo, na medida em que agem
rigorosamente segundo a lógica da gnoma Quod volumus, facile credemus, i.e.
aquilo que queremos, acreditamo-lo facilmente.
Agindo, desse modo, o gramscismo
cuja natureza essencial é o meta-marxismo transforma a ciência do socialismo ou o socialismo
científico de Marx e Engels em uma ciência alegórica : melhor dito em
uma αλληγορία (alegoria), i.e. uma ficção
meta-marxista, composta por uma série de metáforas que tratam do marxismo,
dando a idéia de outra coisa, nele não expressada : por isso, άλλος
(outro), αγορεύειν (dizer).
O gramscismo não procede examinando o marxismo, com vistas a dele
extrair resultados dialético-revolucionários, tal
como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação
para o agir, instrução para a prática, não de colaboração de classes - no estilo
stalinista, stalinista-gramsciano ou gramsciano-meta-marxista - , mas
de organização, mobilização e luta permanente, independente e implacável das
mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado, em busca da construção de uma humanidade socializada ou
ainda de uma sociedade humanizada, senão procede
reconstruindo-o de modo idealista-subjetivo, segundo os interesses e as
conveniências particulares do gramscista meta-marxista em causa,
sejam aqueles velados ou ostensivos[37].
O modus agendi et faciendi,
o método do socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista, por usurpar a
dialética de Marx e Engels, não se desenvolve, gnosiologicamente, por meio
de tese
(θέσις), antítese
(αντιθέσις) e síntese
(σινθέσις), fundadas em sentido
histórico-materialista.
Pelo contrário, dedica-se
interminavelmente à produção alegórica de hipó-teses
(ιποθέσις),
pró-teses(προθέσις) e diá-teses
(διαθέσις), i.e. ocupa-se, em
um primeiro passo, com suposições admissíveis sobre o sentido e significado das
concepções de Marx e Engels, tornando-as carentes, porém, de toda comprovação,
em um segundo passo, com substituições artificiais do sentido e significado das
concepções de Marx e Engels o que leva a que adrede decaia e, em um terceiro
passo, com firmes disposições de reconstrução ordenatória
idealista-subjetivista, promovida por meio de suas próprias operações
intelectuais arbitrárias, dos elementos múltiplos, fornecidos pela dialética
histórico-materialista de Marx e Engels.
Fundado nesse método de proceder, o socialismo
alegórico gramsciano-meta-marxista – ao invés de científico – perpetra
diversos equívocos não apenas de compreensão do significado literário das
concepções e princípios, método e lógica, propugnados por Karl Marx e Friedrich Engels, senão
ainda, inevitavelmente, quando aplicado à direta análise dos fatos que permeiam
a realidade corrente da luta de classes e às respectivas medidas estratéticas e
táticas revolucionárias a serem adotadas, produz distorções, deformações,
acomodações, sectárias e oportunistas, que, em princípio, poderiam não ser tão
graves, se porventura houvesse disposição e consciência para corrigí-las
prontamente e no mais rápido espaço de tempo, em conformidade com o modo de
enfoque e de transformação materialista histórico-dialético do mundo.
Errare humanum est,
perservare autem ...
Impulsionado pelo gramiscismo
meta-marxista de nossos dias, verifica-se o surgimento do socialismo
alegórico, cuja essência reduz-se a referências feitas a pensamentos,
obras, cartas, discursos, documentos de Marx e Engels, para, a seguir,
fornecer um sentido e um significado essencialmente subjetivo e distinto,
particular e estranho, alheio e recôndito, alienado e alienante daquilo que Marx
e Engels quiseram efetivamente expressar.
Vejamos, por um minuto, a gênese e a
natureza do socialismo alegórico, cuja força propulsora decisiva de nossos
dias é o gramscismo meta-marxista.
O filistinismo do “livre pensar”
é o pai da ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista de Gramsci
que gerou os neo-stalinistas gramscianos-reciclados, dos
quais nasceram os stalinistas-maoístas-gramscianos que procriaram os meta-marxistas
gramscianos que são os genitores dos trotskystas-gramscianos e
gramsciófilos
que, finalmente, unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis, i.e. são de uma única substância, força e poder, conformadora
do socialismo
alegórico gramsciano-meta-marxista de nosso corrente século XXI.
Apoiando-se nos fundamentos do socialismo
científico de Marx e Engels, o socialismo alegórico pretende
daquele retirar a legitimação para as suas próprias elocubrações figuradas,
enigmáticas, embrulhonas e falsas, formuladas com base no seguinte epifonema :
“Nullius addictus jurare
in verba magistri,
Não estando obrigado a jurar pelas palavras de mestre
algum,
quo me cunque rapit
tempestas,
para onde me arrasta a tempestade
defereor hospes.
deixo-me levar de bom grado.”[38]
Se, outrora, as lutas de emancipação
do proletariado internacional e seu produto mais legítimo e avançado, i.e. o socialismo
científico de Marx e Engels, foi
capaz de reconhecer e lutar, em todos os domínios, contra os resultados,
ostensivos e velados, das concepções, lógica e metodologia de trabalho dos
assim denominados “socialismo utópico”, “socialismo religioso-cristão”, “socialismo dos
juristas”, “socialismo de cátedra” et caetera, nosso corrente século
coloca-nos diante da tarefa de, estribando-nos – ainda que como modestos
pigmeus – sobre o terreno do socialismo científico de Marx e Engels, combatermos
as formulações, a epistemologia e o modus agendi et faciendi do socialismo
alegórico gramsciano-meta-marxista, expressão do moderno ecletismo
intelectual dito marxista que enferma a luta de emancipação do proletariado e
que possui como elemento central de refundição, refinamento, reciclagem e
retratamento, o gramscismo, novo
freio ideológico de matiz originariamente stalinista, destinado a impedir que a
eclosão de processos efetivamente proletário-internacionalistas, inspirados por
posições marxistas revolucionárias, i.e. leninistas-trotskystas, conduzam à
consolidação da Ditadura Revolucionária do Proletariado,
incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto forma de transição para uma
sociedade sem classes e sem Estado.
Em vista da imensa importância da
genial e originalíssima doutrina de Marx e Engels para as lutas das
amplas massas exploradas e confrangidas, em razão das produções de Marx
e Engels constituirem um arcabouço de concepções indeléveis, profundamente abrangente, procura o socialismo
alegórico gramsciano-meta-marxista erigir enquanto seu método de
trabalho o procedimento de referir-se, sempre à distância e esporadicamente, a Marx
e Engels – folheando, ocasionalmente, até mesmo suas obras, citando, às
vezes, até mesmo pedacinhos dela -, a fim de atribuir um sentido e um
significado inteiramente distorcido, surpreendente, e, por isso mesmo, não
apenas falso, mas antes de tudo embusteiro, enganador, sedutor (no dizer de Engels
: befremdend) àquilo que foi efetivamente preconizado pelos fundadores
do socialismo
científico.
O socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista
tão cultivado pelos rabinos neo-stalinistas-gramscianos, stalinistas-maoístas-gramscianos,
trotskystas-gramscianos, trotskystas-gramsciófilos et reliqua agem tal
qual o faz um mal intérprete de um idioma que o considera covinctamente como
sendo naturalmente seu, ao construir, criar, elaborar um sentido aproximado,
figurado e aparentemente evidente de uma determinada proposição lançada por Marx
e Engels.
P.ex.: admitindo-se que um meta-marxista
gramsciano – seja ele da vertente eclética que lhe aprouver, i.e. neo-stalinista
gramsciano, stalinista-maoísta gramsciano ou mesmo trotskysta gramsciano ou
trotskysta gramsciófilo, porém sempre defensor do pensamento de Gramsci
enquanto leitura retratada, refinada, reciclada, idealista-subjetiva de tudo
aquilo que Marx ou mesmo Engels ou mesmo Lenin ou mesmo Trotsky
produziram – encontrasse, hipoteticamente, em algum texto desses
pensadores a seguinte sentença :
“Cor quo vado ?”
Diria, sem grande meditação, em tom
inquestionavelmente alegórico, usando de sua mais ampla liberdade de
consciência, em defesa de um suposto “marxismo critativo” :
“Essa sentença quer
dizer « exatamente » que Marx
tinha conhecimento não apenas do Brasil
e do Rio de Janeiro, mas também que
ouvira falar do Corcovado, se é que
lá mesmo não esteve !”
Posicionado diante da conhecida
expressão :
“Nomen est omen !”
Não tituberaria o meta-marxista
gramsciano em formular, de modo inovador, a seguinte pró-tese
:
“Eis aí que o nome
é o homem, i.e. a simples menção do nome de Marx concede-lhe perante auditórios repletos todos os louros que
seus ensinamentos merecem.”
Se deparasse, então, com a sentença
:
“Caritas in omnibus.”
Diria o meta-marxista gramsciano, criativa
e alegoricamente, em tom trocista, arrancando até mesmo a concordância de
incautos auditórios inteiros :
“Certo! Com toda a sua monumental compreensão das
relações sociais circunjacentes, Marx
queria, na realidade, nos alertar, em tom de previsão, para o fato de que está caro nos ônibus, a despeito do
fato de que, na época de Marx, não
existisse, como sabemos, ônibus algum.”
Entrevendo a mensagem :
“De motu proprio.”
O intelectual meta-marxista gramsciano, fundando-se
no axioma de que cada um dever escolher livremente no que acredita, diria :
“Aqui, Marx
pretende dizer que certamente cada qual deve ir com sua moto própria.”
Se avistasse, a seguir, a sentença :
“No vi oras.”
Segunda a mesma lógica, afirmaria o meta-marxista
gramsciano, figurativamente, recorrendo a toda sua concepção de
liberdade no “marxismo criativo” :
“Bem. Eram, efetivamente, nove horas, quando Marx redigiu
essas linhas, pois, em outra passagem, afirma, ao dirigir-se a Engels, «iterum crispinus»!”[39]
Confrontado com a pergunta :
“Maria, an tu nes ?”
O meta-marxista gramsciano não
titubearia em criar marxisticamente, alegorizar, no terreno da obra de Marx
e Engels, dar asas ao seu espírito amplamente livre e desbragadamente
autônomo, proclamando :
“Aqui, Marx
remete-nos « exatamente » ao estudo
de Maria Antunes, mãe da grande protagonista da Revolução Farroupilha da qual ele
certamente deve ter tomado ciência por meio de Giuseppe Garibaldi !”
Assaltado pela sentença :
“Tua neta Maria rosa.”
O professor do meta-marxismo gramsciano
esclareceria, alegoricamente, demonstrando seu infinito conhecimento da
história de todos os tempos :
“Aqui, já se trata de algo inteiramente distinto. Marx pretende dizer « exatamente » que
... que ... que ... que ... alguém se dirigia a avó de Maria, a Louca – “Maria, la Pazza” -, mulher guerreira, que sempre
levava uma rosa consigo. Ela foi
descrita magistralmente pelo escritor italiano Francesco Petrarca.”
No mesmo passo, o meta-marxismo
gramsciano – sempre muito adepto do “marxismo criativo” –
surpreender-se-ia se tomasse conhecimento de fórmulas imprecatórias, formuladas
por Marx, e
acharia melhor, por cautela, não alegorizar meta-marxisticamente em casos
semelhantes aos seguintes, reputadamente difamatórios e insultosos :
“Tua mater mala est
burra !”
“Mando navem prora
puppique carente !”
“Pica fodet conum !”
“... et quisbundam aliis
!”
“Da mihi tua buceta
dicta baccho !”
“Quod abundat non nocet
!”
“Omnibus rebus cognitis
!”
„Nihil est miserum nisi cum putes.“
Por sua origem essencialmente
acadêmico-professoral, imersa em ambiente de Universidades do Estado Burguês, o
gramscismo
meta-marxista prefere dedicar-se às coisas mais orgânicas, intelectuais
e especulativas, procurando revelar em Marx o sentido mais profundo de seus
estudos histórico-analíticos, tal como Gramsci o fez ao redigir seu
lendário “A Revolução contra o Capital” - segundo Gramsci : “Revolução contra o
Capital de Karl Marx”, pois ..., pois ..., pois ..., pois ... “os
bocheviques renegam Karl Marx”, afirmando que “os cânones do materialismo
histórico não são assim tão férreos como se poderia pensar e se pensou”, na
medida em que “Marx se havia
contaminado com incrustrações positivistas e naturalistas.“[40]
“Hannibal ante portas !”
Na alegoria linguística dos gramscianos
meta-marxistas :
“Aníbal que antes foi
porteiro !”
E, então :
“Libertas quae sera
tamen respexit inertem !”
Meta-marxisticamente, na dicção dos gramscianos
dos mais diversos matizes há de soar de modo parecido com :
“Liberta, que serás
também, respeitando a inércia !”
Ou ainda :
“Ruere in servitium.”
Na diátese gramisciana meta-marxista,
constituida por meio de hipótese e prótese :
“Ruir no serviço.“
Com efeito, Marx, Engels, Lenin e
mesmo Trotsky – que nos refere entusiastamente a
obra de Juvenal – muito utilizaram a língua latina, seja em pequenas
dimensões – referindo-nos brilhantes epifonemas -, seja em ensaios mais largos,
demonstrando que sabiam, efetivamente, com que importantíssimo instrumento
cultural estavam manejando.
Assim, não se trataria de um caso
fantástico se um gramsciano meta-marxista qualquer, confrontado com um
parágrafo de História da Antigüidade como esse :
“Omnibus completis,
Caesar, summa diligentia, fuit profectus Romam.”
formulasse a seguinte alegoria :
“Aqui, Marx que dizer « exatamente » que : estando os ônibus completos, César subiu na
diligência, i.e. na carruagem, e foi prefeito de Roma.”
Suponha, agora, o leitor, por um
breve lapso de tempo, qual não há de ser
a alegoria produzida pelo meta-marxismo dos gramscianos
e gramsciófilos
ejusdem farinae, exercitados no domínio do “marxismo criativo”, quando
passam a se ocupar efetivamente das lições acuradamente redigidas por Marx
e Engels, Lenin e Trotsky !
Vejamos um exemplo concreto sobre o
que aqui versamos :
Marx expressou, efetivamente,
a seguinte importantíssima noção sobre o exercício da hegemonia no contexto do Principado
de Augusto e do Estado Romano, ao redigir em língua
latina o seguinte :
“Sed omnino et Romana civitate, quam singulis
Augustus praebuit, et armis, quae duces periti gessere, et inimicitia, inter
eos ipsos excitata, multuorum Germaniae populorum vis frangebatur.”[41]
Em sentido meta-marxista-gramsciano,
i.e. no quadro do “marxismo do além mundo”, no
âmbito do “marxismo criativo”, praticado pelos próceres espirituais do gramscismo
ejusdem furfuris, haveria de emergir todo o parágrafo
linguístico-declaratório em tela, da seguinte forma :
“Como sabemos, Marx
escreve certo por linhas tortas, quando se refere a questões históricas ...
No texto em destaque, Marx quer dizer « exatamente
» que : a sêde, o menino e a cidade
romana que, de modo singular, Augusto meteu em pré-ebulição, e as armas que os
doces peritos engessaram, e a inimizade entre os pisos, excitou muito tumultos
germanos populares, de modo vil flagelados. “
Tal como acima ficou dito, o socialismo
alegórico do corrente século XXI que defluiu, mais diretamente, da versão
moderna do gramscismo meta-marxista - inimigo visceral e sibilino da Revolução
Permanente, defendida inflexivelmente já por Marx, já por Engels,
já por Lenin, já por Sverdlov, já por Trotsky
- possui suas mais tenras origens no filistinismo
do “livre pensar”.
Este último manifestou-se,
densamente, no quadro das lutas de emancipação do proletariado alemão, em
verdade, muito antes de que Gramsci pudesse formular sua idéia
cerebrina de que a teoria da Revolução Permanente de Trotsky não
havia sido boa nem quinze anos antes nem quinze anos depois, pois “quando aveva
quattro anni si voleva stuprare la bambina sicuri che sarebbe diventata madre“,
i.e. quando a menina tinha quatro (4) ... quatro (4) ...
quatro (4) ... quatro (4) ... anos queriam-na estuprar, seguros que haveria de
se tornar mãe.[42]
O filistinismo do “livre pensar” exprimiu-se
já, embrionariamente, nas fileiras dos revolucionários proletários, durante o
processo de fusão que pariu – como diz Engels - o Programa Podre de
Gotha de 1875, adotado no Congresso
Fundacional que
selou a aliança ideológico-programática entre os então existentes Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores (SDAP), dirigido pelos
declaradamente “marxistas”, encabeçados por August Bebel e Wilhelm Liebknecht
– contando com 9.121 militantes - e a Associação Geral dos
Trabalhadores Alemães (ADAV), encabeçada pelos convictos lassalleanos Wilhelm
Hasselmann e Jean Baptist Schweitzer – dispondo de 15.322 militantes.
A seguir, foi aperfeiçoado gradativamente por Karl Kautsky, Eduard Bernstein,
Georg von Vollmar, Konrad Schmidt e seus colaboradores intelectuais ejusdem
generis a partir da década de 90 daquele mesmo século, surgindo como
fenômeno consolidado teórica, política, estratégica e taticamente nos primeiros
anos do século XX.
De todo modo, já na metade da década de 70 do século XIX
e em face das ciftras numérico-partidárias supra-indicadas, os declaradamente “marxistas”
August
Bebel e Wilhelm Liebknecht, nada mais faziam senão acalentar, piamente,
em seus corações “marxistas” o desejo de fusão, unificação, coalizão de toda a
classe trabalhadora alemã, sob a bandeira de um único só Partido, seja lá da
natureza que fosse, na medida em que a unidade, a todo transe, seria, custe o
que custasse, o fator mais importante.
Para o atingimento de tal aspiração de fundição de todas
as forças do proletariado alemão, os declaradamente “marxistas”, capitaneados
por
A. Bebel e W. Liebknecht, estavam dispostos a fazer concessões aos
lassalleanos – como efetivamente acabaram por fazê-las no quadro do Programa
Podre, redigido na cidade de Gotha - recebendo
em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca “um monte de reivindicações puramente
democráticas, bastantes confusas, entre as quais muitas eram coisas
genuinamente da moda...“[43]
O método de atuação ideológico-programática dos
declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht – agora convertidos, em
verdade, sob o impacto do lassalleanismo, em fiéis defensores
do filistinismo
do “livre pensar” - era, sem qualquer margem de dúvida, já naquela
época, i.e. em 1875 – portanto muito antes que os gramscianos meta-marxistas pensassem
em vir ao mundo – o método meta-marxista alegórico-socialista.
Vejamos, pois, disso um exemplo fático :
Diante da aparentemente inequívoca crítica de Karl
Marx relativa ao ponto relativo à Questão da Religião, contido no
esboço do Programa Podre que os declaradamente “marxistas” pretendiam, a
todo custo, fazer aprovar juntamente com os lassalleanos em Gotha,
diziam A. Bebel e W. Liebknecht que a questão da religião surgia, em
suma, para os “marxistas”, como uma questão privada, em cujo contexto
cumpriria defender, « exatamente », a ampla liberdade de consciência, i.e.
a permissão de cada um escolher livremente e particularmente no que quer acreditar.
Uma maior claridade sobre essa matéria, pode ser atingida
através da referência das seguintes fontes
:
Formulação contida no Programa Podre :
“ « PROGRAMA DE
GOTHA DO PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES DA ALEMANHA »
(...)
O Partido
Socialista dos Trabalhadores da Alemanha reivindica enquanto fundamentos do
Estado :
(...)
6. Declaração da
religião enquanto questão particular de cada um.”[44]
Palavras do comentário crítico redigido pela pena do
próprio Marx ao ponto 6 em destaque :
„Liberdade
de Consciência !“
Se se pretendeu com isso, nesse momento de Guerra Cultural, levar à mente do
liberalismo sua velha palavra chave, então isso poderia ter ocorrido apenas da
seguinte forma : Todos podem satisfazer
tanto sua necessidade religiosa como sua necessidade corporal sem que a Polícia
meta o nariz no meio.
Porém, o Partido
dos Trabalhadores deveria, pelo contrário, declarar, nessa ocasião, sua
convicção de que a “liberdade de
consciência” burguesa nada é
senão a tolerância de todas as espécies
possíveis de liberdade de
consciência religiosa, sendo que ele se esforça, muito mais, por libertar as consciências do fantasma
religioso.
Prefere-se, porém, não ultrapassar o nível “burguês”.[45]
Traduzida, meta-marxisticamente,
i.e. em sentido meta-marxista, a idéia acima formulada por Marx, i.e. expondo-a na
linguagem e concepção dos declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht, pais
do filistinismo
do “livre pensar”, teríamos, porém, o seguinte :
“Como já é sabido, Marx
escreve certo por linhas tortas, ao referir-se a questões filósificas e históricas ..., valendo-se, até mesmo, em
alguns casos, do idioma latino.
Daí, a necessidade da aplicação de anexim para a
compreensão de sua formulação acima : obscurum per obscuris, i.e. há que
explicar o obscuro pelo mais obscuro ainda.
Sabemos que Marx defende,
há muito tempo, o refrão que se tornou famoso : “A religião é o ópio do povo”.
Portanto ... portanto ..., portanto ..., portanto ..., no
texto de Marx, contido em sua crítica ao nosso Programa
de Unificação, quis ele dizer «
exatamente » que... que ... que ... que ... : devemos defender a mais ampla liberdade de ciência e consciência e que
cada um escolha acreditar no que bem lhe aprouver, sem que a Polícia meta o
nariz no meio.”
Algumas retraduções dessa linguagem meta-marxista
do filistinismo
do “livre pensar” feita por marxistas não meta-marxistas que
entenderam o excerto redigido por Marx de maneira distinta, i.e. em conformidade
com o socialismo científico, apresentam-se, porém, da seguinte
forma :
“Eu nem quero seguir falando que tais reivindicações como
: liberdade de ciência - liberdade de consciência figuram em todo e
qualquer programa burguês-liberal e aqui produzem o clima de alguma coisa
embusteira.”[46]
“(Wilhelm) Liebknecht está, naturalmente, furioso,
posto que toda a crítica foi cunhada, especialmente,
contra ele.
Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselmann,
pariu esse programa podre ...”[47]
“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...
Essa associação não pode e não deve posicionar-se de
maneira indiferente frente à falta de
consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo
das crenças religiosas.
Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim
de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente
ideológicas e exclusivamente com armas
ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.
Porém, fundamos
nossa associação, entre outras coisas, precisamente para travar essa luta contra a estupidificação dos
trabalhadores.
Para nós, a luta
ideológica não é uma questão particular,
mas sim de todo o Partido, de todo o proletariado.”[48]
Eis aí porque o “marxismo criativo”, enquanto
rótulo do meta-marxismo gramsciano não pode ser considerado, a bem da
verdade, como propriamente original.
Preocupado em estudar as raízes do filistinismo
do “livre pensar” – fonte de todo o meta-marxismo gramsciano
contemporâneo, produzido pelos declaradamente “marxistas” -, Lenin recomenda-nos
examinar detidamente a história do Partido Social-Democrático Alemão,
começando com as declarações evasivas, contidas nos artigos de seus líderes
ideológicos, terminando com a postura do Partido frente ao “Los-von-Kirche-Bewegung(Movimento
de Abandono da Igreja)”.[49]
Nesse sentido,
esclarece Lenin, com sua costumeira precisão e nitidez :
“Outra observação incidental de Engels, também relacionada com a questão do Estado, trata da religião.
É sabido que a Social-Democracia
Alemã na medida em que se degenerava, tornando-se cada vez mais
oportunista, descambava, mais e mais, para o diz-que-diz filistino da célebre
fórmula : « Declaração da Religião como
Questão Privada. »
Isso significa que : essa fórmula foi interpretada de tal
modo que também para o Partido do Proletariado Revolucionário a
questão da religião haveria de ser uma questão
privada !
Contra essa mais
completa traição do programa revolucionário do proletariado, levantou-se Engels em 1891, contemplando, então,
apenas os mais poucos perceptíveis
rudimentos do oportunismo no interior de seu próprio Partido,
expressando-se, por essa razão, com grande cautela :
“Tendo em conta que, na Comuna de Paris, sessionavam
quase apenas trabalhadores ou reconhecidos representantes dos trabalhadores,
suas resoluções revestiam-se de caráter decididamente proletário.
Ou decretavam reformas que a burguesia republicana,
apenas devido à sua covardia, havia deixado de aprovar que constituíam, porém,
um fundamento necessário para a livre ação da classe trabalhadora – tal como a
execução do princípio de que a religião
é pura questão particular em relação
ao Estado ; ou, então, promulgavam resoluções que correspondiam diretamente
ao interesse da classe trabalhadora e, em parte, dilaceravam, profundamente, a
velha ordem social.”[50]
Engels enfatizou deliberadamente as palavras “em relação ao Estado” de modo a dar um empurrão direto no oportunismo alemão que declarara a
religião como uma questão particular em
relação ao Partido, degradando, assim, o Partido do Proletariado Revolucionário até ao nível mais vulgar do filistinismo do “livre pensar” que se
encontra preparado a admitir um status não-religioso, recusando-se, porém, a
travar a luta do Partido contra o ópio da religião que estupidifica o povo.”[51]
Eis aí como Lenin
revela, de modo não meta-marxista, o sentido e
significado do pensamento de Marx, destacando que,
particularmente no domínio da Questão da Religião, o filistinismo do
“livre pensar” encontra-se preparado a admitir um status não religioso, i.e.
uma posição liberal em relação à religião, uma postura de defesa da liberdade de
religião, tanto em relação ao Estado, quanto em relação Partido
marxista-revolucionário.
O filistinismo
do “livre pensar” – desenvolvido, na Alemanha,
embrionariamente, por A. Bebel e W. Liebknecht, em meados
da década de 70 do século XIX e aperfeiçoado por K. Kautsky et alii, a
partir da década de 90 daquele mesmo século, sob a designação de “marxismo”,
negou-se, por outro lado, a considerar a religião muito mais como uma questão não-privada dos indivíduos em
face do Partido marxista-revolucionário, desarmando, assim, a luta em prol da
mais importante defesa da liberdade da religião – i.e. a
liberdade de consciência frente à religião -, i.e. da luta a
ser travada em prol da libertação das consciências frente ao fantasma
religioso, frente à estupidificação dos trabalhadores, frente às
trevas ou, ainda, frente ao obscurantismo, expressados no modo das
crenças religiosas.
Acreditavam,
assim, em estilo meta-marxista, que Marx, entrevendo a necessidade
histórica de superar-se o princípio ainda feudal do cujus regio, ejus religio, i.e.
a religião é de quem é a região, houvera propugnado, incondicionalmente, muito
mais - tal como Descartes, Spinoza, Hobbes, Kant et alii -,
a liberdade de religião, a liberdade de cada um satisfazer tanto sua
necessidade religiosa como sua necessidade fisiológica, sem que a Polícia meta
o seu bedelho no meio, a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de
consciência religiosa, o que surge mais bem expressado, sinteticamente, na
fórmula meta-marxista : os “marxistas” defendem ..., defendem ..., defendem ..., defendem a mais integral
separação entre o Estado e a Igreja, pois isso é o mais importante, sendo que o
resto é que cada um deve ter a liberdade de escolher aquilo em que bem quiser
acreditar.
Na Rússia
Czarista, até mesmo os adeptos de Plekhanov e de Martov, i.e. os mencheviques - i.e. não apenas os bolcheviques - que acolheram o Programa do Partido
Social-Democrático Russo (POSDR) de 1903, julgavam ser correto defender,
pública
e programaticamente, não apenas a mais total separação entre o Estado e
a Igreja, senão também a “confiscação da propriedade e da posse dos
mosteiros e da Igreja”.[52]
E, apesar de tudo isso, Lenin possuiu a perspicácia
necessária para destacar, em seu Socialismo
e Religião, redigido em 1905 – quando
o Estado
Czarista ainda era essencialmente religioso e nem sequer essencialmente
burguês-liberal o seguinte :
“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...
Essa associação não pode e não deve posicionar-se de
maneira indiferente frente à falta
de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no
modo das crenças religiosas.
Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim
de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente
ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com
as nossas palavras.”[53]
Defendendo posição
diametralmente oposta a de Marx, Engels e Lenin, o filistinismo
do “livre pensar” defendera, invariavelmente, desde a década de 70 do
século XIX, que os verdadeiros “marxistas”,
no estilo de A. Bebel e W. Liebknecht, haveriam de declarar, pelo contrário,
em face da religião, em “rigorosa conformidade” com o
pensamento de Marx, muito mais, o seguinte :
“Non olet religio
quae est tamen opiu populi !”
Assim procedendo,
limitavam a propaganda marxista anti-religiosa unicamente a declaração de que a
religião
é o ópio do povo, mas que não cheira à retrete pública do
Imperador Vespasiano, não avançando, portanto, além das concepções
propugnadas primitivamente já nos tempos longínguos de Seneca, para quem post
mortem nihil est, i.e. depois da morte não nada, ou mesmo nos de Statius
- para quem já estava
inteiramente claro que primus in orbe deos fecit timor, i.e.
foi o temor que primeiro fez os deuses.[54]
A defesa da liberdade de religião teve uma
tonalidade mais significativa na luta contra os Estados Religiosos - como
foi a Rússia Czarista até 1917 - ou, tem ainda, no curso dos nossos
dias, na luta pela laicização de Estados, tais quais os da África do Norte e do
Oriente Médio.
Mas, no quadro da maioria dos Estados Burgueses “de Direito” ocidentais,
desde o século XIX, mais precisamente desde Marx, esse não é o ponto
absolutamente central para o marxismo revolucionário, apesar dos resquícios que
ficaram aqui e ali da velha fusão existente entre Igreja e Estado, seja na
Europa, sejam nas Américas, seja na maioria dos países capitalistas de todo o
mundo.
A consigna de defesa da separação entre Estado e Igreja e da
“confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja” não colocou absolutamente um ponto final no posicionamento de Marx
sobre o tema, sendo indevido, pois, acreditar que, a partir de suas obras, seja
possível, de alguma forma, extrair alguma declaração de defesa de ampla
liberdade de consciência e que cada um escolha no que quiser acreditar ou não,
seja na religião, seja na areligiosidade, seja no ocultismo, seja no ateísmo.
Em particular no que tange aos partidos marxistas-revolucionários
que travam sua luta contra a dominação capitalista burguesa-latifundiária,
assegurada pelos Estados burgueses monárquicos ou republicanos, liberais, sociais e
neo-liberais, devem fazê-lo não apenas nos domínios econômico e
político, senão também no ideológico e no organizativo, programático e
estatutário.
Sobretudo para esses partidos, a questão da democracia burguesa tem
como calcanhar
de Aquiles, pedra de toque,
ponto essencial, as tão veneradas “liberdade de consciência”, “liberdade
religiosa”, “liberdade de ciência” e outras tantas liberdades
ancoradas, nos dias de hoje, em praticamente todos os programas e constituições
burguesas-liberais.
Sem compreender a precisa posição de Karl Marx acima enunciada
relativamente à questão religiosa um partido marxista-revolucionário moderno
possui poucas chances de superar os limites democrático-burgueses.
Esse foi mais um dos grandes méritos do Partido Bolchevique,
encabeçado por Lenin, Sverdlov e Trotsky, qual seja o de travar uma luta
rigorosamente marxista seja no domínio ideológico e seja no domínio
programático, razão pela qual Lenin, precisamente em agosto
de 1917, i.e. sob os auspícios de uma forma política democrática
de um Estado Burguês-Latifundiário Republicano destacou, precisamente
:
“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...
Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira
indiferente frente à falta de
consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo
das crenças religiosas.
Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim
de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente
ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com
as nossas palavras.”[55]
Sem essa última - tal como o passado demonstra – máxime no caso dos “marxistas”
da Social-Democracia Alemã –
a tendência é a de os Partidos Revolucionários do Proletariado crescerem,
sobejarem, incharem, medrarem, na mesma medida em que vão se degenerando,
decompondo, estragando, cadaverizando, se nada for feito evidentemente para a
correção de simples erros que, de início, surgem como equívocos e
mal-entendidos.
Com efeito, os marxistas revolucionários não são os que projetam seus
próprios conceitos subjetivos e valores ideológicos no trato das concepções
redigidas e defendidas por Marx e Engels, declarando-as, após
interpretação efetuada segundo a conveniência particular de seu “livre
pensar”, como se expressões do marxismo ou de “marxismos” fossem, no
estilo quisquis amat cervam, cervam putat esse Minervam, i.e. quem uma
cerva ama, julga que essa cerva seja Minerva, deusa das ciências e da
artes.
Marxistas revolucionários são esses que, através do atento estudo das obras
de Marx
e Engels, nelas refletem, com adequatio intellectus et rei, dispondo-se
a operar de modo histórico-dialético na realidade de seu tempo com o método de Marx
e Engels, tal como um guia para a ação (Anleitung
zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática não de
colaboração de classes no estilo stalinista, stalinista-gramsciano ou
gramsciano-meta-marxista, com prostração diante da dominação burguesa e
latifundiária, mas de organização, mobilização e luta permanente, independente
e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica
do proletariado.[56]
Assim,
a compreensão do marxismo pelos marxistas revolucionários de um determinado
tempo em causa implica, pois – em inteira divergência relativamente ao modo de
enfoque e de proceder dos adeptos do gramscismo meta-marxista - ,
elaboração de intervenção militante-revolucionária nas lutas de emancipação do
proletariado, fundada não apenas nas próprias lições obtidas por meio de
experiências multifacetadas, obtidas a partir de suas próprias experiências
práticas do dia a dia corrente, senão ainda fundamentada nas posições teóricas,
no programa político e no método de atividade revolucionária daqueles que
lançaram as bases do socialismo científico, i.e. Marx
e Engels, e dos que foram os seus melhores representantes nos grandes
processos revolucionários de libertação de toda a classe trabalhadora e seus
aliados políticos, tais quais Lenin, Sverdlov, Trotsky, Liebknecht e
Luxemburgo, rumo à construção de uma sociedade sem classes e sem
Estado, i.e. do comunismo, fase superior do socialismo.
Eis aí um traço diferenciador claro e marcante que serve ao
reconhecimento de Partidos marxistas-revolucionários, i.e. defensores da herança
de luta proletária e do método revolucionário mais legítimo dos fundadores do socialismo
científico, em contraste com os Partidos prosélitos, com os
Partidos apóstatas, desafeitos aberta ou veladamente ao rigor disciplinar da dialética
histórico-materialista e as precisas exigências do socialismo científico.
O socialismo alegórico
gramsciano-meta-marxista de nosso corrente século XXI é um renovo dos trotskystas-gramscianos
e gramsciófilos que foram procriados pelos meta-marxistas gramscianos que
nasceram dos stalinistas-maoístas gramscianos, gerados pelos neo-stalinistas
gramscianos-reciclados cuja origem é a ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista
de Gramsci,
que dimanou das diversas mutações histórico-ideológicas do filistinismo
do “livre pensar”.
Não constituem todas essas
vertentes, defluentes do filistinismo do “livre pensar”, absolutamente,
uma corrente gnoseológica única e solitária, mas sim são distintas correntes
que conformam uma única
substância, força e poder, i.e. sed unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis.
Dessa sorte, muitos anos cumpriu
esperar para que viessem ao mundo as seguintes frases manifestamente meta-marxistas
de Gramsci, expressões do processo de refundição, reciclagem,
refinamento e retratamento pelo qual passou a obra de Marx, Engels e Lenin, com
objetivo de produzir, adrede, um freio ideológico inteiramente renovado,
destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletários
internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, i.e.
leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto
forma de transição a uma sociedade sem classes e sem Estado :
“[Internazionalismo
e Politica Nazionale.] …
Sobre esse ponto,
parece-me assentar o dissídio fundamental entre León Davidovitch (i.e. Trotsky) e Vessarione (i.e. Stalin), como intérprete do movimento majoritário.
As acusações de
nacionalismo (i.e. formuladas por Trotsky
contra Stalin) são ociosas, se se
referem ao núcleo da questão. (...)
O conceito de
hegemonia é aquele no qual se enfeixam as exigências de caráter nacional e se
compreende o modo segundo o qual certas tendências de tal conceito não falam ou
apenas o desfloram.
Uma classe de
caráter internacional, enquanto dirige estratos sociais estreitamente nacionais
(intelectuais) e, freqüentemente, até menos ainda do que nacionais,
particularistas e municipalistas (os camponeses), deve “nacionalizar-se”, em um
certo sentido, e esse sentido não é, entretanto, mais estreito porque, antes de
que se formem as condições de uma economia segundo um plano mundial, é
necessário atravessar múltiplas fases, nas quais as combinações regionais (de
grupos de nações) possam ser variadas.
Contudo, não se
deve jamais esquecer que o desenvolvimento histórico segue as leis da necessidade
até que a iniciativa não tenha claramente passado da parte das forças que
tensionam à construção segundo um plano de divisão pacífica e solidária do
trabalho.
Que os conceitos
não nacionais (i.e. não referíveis a nenhum país singular) sejam errôneos vê-se
pelo seguinte absurdo : eles conduziram à passividade e à inércia, em duas
fases bem distintas : 1) na primeira fase, ninguém acreditava ter de começar,
i.e. considerava que começando encontrar-se-ia isolado; 2) a segunda fase é
talvez pior, porque se espera uma forma de “napoleonismo” anacrônico e
anti-natural (posto que nem todas as fases históricas se repetem da mesma
forma).
As fraquezas
teóricas dessa forma moderna do velho mecanicismo encontram-se mascaradas pela teoria geral da revolução
permanente que outra coisa não é senão uma previsão genérica, apresentada
como dogma e que se destrói por si mesma pelo fato de que não se manifesta
efetivamente.”[57]
Ignorando, consciente ou
inconscientemente, a gênese, o significado e o sentido mais essenciais do gramscismo
meta-marxista - sendo que, tal como Tácito assinala, omne
ignotum pro magnifico est, i.e. tudo o que se ignora é tido por
magnífico -, emerge estreitamente aliado às posições trotskystas-gramscianas
de Álvaro Bianchi, também Ruy Braga, membro do
conselho editorial e secretário de redação da Revista Outubro, pesquisador
do “Centro de Estudos Marxistas (CEMARX)” da Universidade de Campinas, no
Brasil, e Professor da Universidade de São Paulo.
Em obra cujo lançamento foi
organizado por Osvaldo Coggiola, Papa insuperável do “trotskysmo
gramsciano” da América Latina, Braga contempla, no conceito de “Revolução
Passiva” de Gramsci uma verdadeira maravilha teórica e
dedica-se a explorar sua validade interpretativa não apenas para o caso do “capitalismo,
em seu período contra-revolucionário (sic)”, senão ainda para a análise
da degeneração da Revolução Bolchevique.
Aproximando-se, então, dos
posicionamentos teóricos, esposados pelo mencionado koryphaios trotskysta-gramsciano
utriusque, Ruy Braga, em seu artigo intitulado “Risorgimento,
Fascismo e Americanismo : a Dialética da Passivização”, assinala, de
modo inteiramente embriagado pelo fascínio incorrompidamente
idealista-subjetivista gramsciano :
“A revolução passiva seria, também, uma resposta
precisa às questões ligadas aos grandes materiais históricos representados pela
Revolução Bolchevique, assim como, a derrota do movimento revolucionário nos
países imperialistas e a afirmação de uma solução organicamente capitalista
para a crise gerada pelos grandes embates entre as classes nas primeiras
décadas do século.”[58]
Braga devota-se, então, à
questão da “Revolução Passiva” de Gramsci procurando
demonstrar ao leitor o que é possível obter-se de positivo com o reconhecimento
histórico generalizado desse conceito surpreendemente metafísico e
fantasmagórico, onde, simplesmente enquanto “critério de interpretação
histórica (conteúdo universal) (sic)”, Gramsci pretende
alucinadamente demonstrar como, em processos dialético-restauracionistas, a
tese envolveria, incorporaria, engajaria a antítese, i.e. o governo
conservador-moderado envolveria as forças antitéticas radicais-revolucionárias,
impedindo rupturas espetaculares e traumas históricos.
Assim, conclui Ruy Braga,
já plenamente rendido à lógica dialética essencialmente idealista-subjetivista
de Gramsci :
“De modo como encontra-se
desenvolvido ao longo dos Cadernos, o conceito de
revolução passiva, além de expressar um programa
de ação política das classes dominantes, criticado por Gramsci, constitui-se em critério de interpretação totalizante e
repleto de possibilidades enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos
de investigação da realidade, unificando análise histórica e política.
Em Gramsci, temos que a leitura croceana da dialética como relação entre distintos
e não entre contrários, supõe que, no
movimento histórico, a tese, longe de ser superada, é conservada por uma
antítese fragmentada, dando lugar a um movimento
previsível nos termos de uma repetição mecânica e pré-fixada.
A antítese não é
mais antagônica, visto que surge através de
uma evolução da tese, mas sim o conjunto desconexo de acontecimentos moleculares
múltiplos.
O presente passa a ser visto, segundo a concepção
pós-hegeliana de Croce, como uma determinada repetição
ampliada do passado, a inovação não é algo além do que um tipo de conservação
reformista.” [59]
Eis, portanto, como a
lógica dialética de Gramsci, projetada
em seu conceito de “Revolução
Passiva” superou a dialética histórico-marxista de Marx e Engels, constituindo-se
em “critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades
enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de investigação da
realidade, unificando análise histórica e política.”
E, com razão, dirão os
Sträublinge em sinfonia : tendo
obtido um novo “critério de interpretação totalizante e repleto
de possibilidades”, Gramsci concebeu, nos Cadernos -
ora, pois ! – que, no movimento histórico, a tese, longe de ser superada, pode
ser conservada por uma antítese fragmentada, de tal sorte que a antítese pode
deixar de ser antagônica – apesar de não deixar de ser antitética -, se surgir
precisamente de um processo evolutivo, não rupturista, quando passa a ser,
então, um conjunto desconexo de acontecimentos moleculares múltiplos.
É isso mesmo ... ! Em
todos esses casos gerais, o que vai ser superado não é a tese ...,
não é a tese ..., não é a tese ... Não, não é a tese ... : o que
vai resultar superado é efetivamente o marxismo revolucionário ..., com essa
sua dialética histórico-materialista das antíteses não-fragmentárias,
juntamente com a dialética dos antagonismos conexos de acontecimentos
moleculares unificados ...
Como se vê, Gramsci superou tudo isso e descobriu que a antítese
pode ser um conjunto desconexo, deixando de ser antagônica, para ser
molecularmente múltipla.
E isso pode ser historicamente
comprovado ... , historicamente comprovado ..., historicamente comprovado...,
historicamente comprovado ..., se ... se
... se ... se analisarmos justamente os casos da “Revolução Passiva” Gramsciana...
Pois, nos casos em que
empregamos o “critério de interpretação histórica (conteúdo universal) (sic)” da “Revolução Passiva” Gramsciana, o resultado
é o de que a tese não é superada pela antítese antagônica, mas sim que o
marxismo revolucionário com essa sua dialética histórico-materialista da
antítese antagônico-conexa, molecularmente única, é que é superado.
Se quisermos dizer
isso, na leitura croceana pós-hegeliana da coisa toda, diremos
que, na “Dialética da Passivização” – sim, pois a
dialética aqui é evidentemente uma outra, i.e. a dialética de o “Outro Gramsci” – tese insuperada e
antítese molecular fragmentariamente desconexa
não são contrárias : são distintas, por não serem nem antagônicas, nem
contraditórias, nem de fato historicamente materialistas.
Sufragando as posições do trotskysmo
gramscista-luckásiano – como se possível fosse coerentemente conciliar a
perspectiva
revolucionária trotskysta com o stalinismo reciclado de Gramsci e Lukács -
encontraremos, no interior do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado do Brasil), ainda a figura de relevo de um dos principais
porta-vozes dessa organização partidária, Valerio Arcary, publicamente
anunciado como Historiador, Professor do Centro Federal de Educação
Tecnológica de São Paulo, Doutor em História pela Universidade de São Paulo e
assíduo membro colaborador da Revista Outubro.
Urdida, no domínio intelectual universitário-burguês, a
estranha simbiose de raízes trotskystas, vindas de meios
extra-escolásticos, com as premissas intelectuais escolásticas do gramscismo
stalinista-reciclado, sob a batuta da professora livre-docente Zilda
Iokoi, especialista em elaborações ideológicas referentes à perspectiva
de um socialismo cristão – inspirados por José Carlos Mariátegui, o assim
denominado ”Gramsci latino-americano”, e pela suposta “ação
libertária das Pastorais da Terra e do Movimento Sem Terra” -, penetrou
o projeto de um novo trotskysmo gramscista-luckásiano,
pela destacada capacidade retórico-sofística de Arcary, nas fileiras das
organizações jornalísticas, partidárias e sindicais, dirigidas pelo PSTU,
de modo a praticamente a neutralizar o potencial de produção
intelectual-revolucionário, de matiz essencialmente trotskysta, que possuía
toda uma geração de revolucionários, no curso dos anos 80 e 90.[60]
Cumpre registrar a absorção das posições gramscianas e
luckásianas por Arcary, em sentido lógico-doutrinário, de
maneira mais ostensiva, apenas a partir de 2000, como decorrência de sua
recepção – ocorrida em meios essencialmente acadêmico-universitários - de
posicionamentos especulativamente semi-fantasmagóricos, defendidos por intelectuais
de renome do stalinismo reciclado europeu, na forma moderna do gramscismo
korsch-luckásiano cuja linha diretriz paradigmática pode ser entrevista
nas produções do historiador e sociólogo Perry Anderson, editor da New Left Review (Revista da Nova Esquerda).
Anderson é
também reconhecido por Arcary, em diversos de seus raciocínios,
como referência de ideologia significativamente revolucionária.
Como
é bem sabido, Perry Anderson é conhecido mundialmente pela
difusão, desde longa data, do gramscismo luckásiano, energicamente
hostil ao trotskysmo revolucionário.
Nas
páginas da New Left Review
(Revista da Nova Esquerda) de Perry Anderson, encontraremos o próprio cinismo de Luckács,
inimigo visceral do trotskysmo revolucionário, sendo interrogado
hipocritamente por Perry Anderson, sobre suas visões de
reciclagem do stalinismo, na pespectiva korsch-gramsciana[61] :
“Nos anos 20, Korsch,
Gramsci e eu tentamos agarrar, segundo os nossos modos distintos, o
problema da necessidade social e sua interpretação mecanicista, herança da II
Internacional.
Herdamos esse problema, porém
nenhum de nós – nem mesmo Gramsci que foi talvez o melhor de nós todos –
pôde o resolver ...
Estou trabalhando agora em meu
livro “Ontologia do Ser Social” que espero poderá resolver os
problemas que foram postulados, de modo inteiramente errado, em um de meus
primeiros trabalhos, em particular “História e Consciência de Classe”.
(p. 51) ....
Fui, porém, introduzido a Lenin
por Lunatcharsky.
Lenin encantou-me por completo.
Também tive, naturalmente, a
possibilidade de vê-lo trabalhar nas comissões do Congresso (SvK.: III
Congresso da Internacional Comunista, em Moscou).
Devo dizer que achei os outros
líderes bolcheviques antipáticos.
Trotsky, repudiei imediatamente.
Entendi que era um fanfarrão
exibicionista.
Sabe, existe uma passagem de Lenin
nas memórias de Gorki
onde Lenin, após a Revolução, embora reconhecendo
as realizações organizativas de Trotsky, no curso da Guerra
Civil, afirma que Trotsky possuía algo de Ferdinand
Lassalle. ...
Não posso me recordar
absolutamente do próprio Stalin, no Congresso.
Como muitos outros comunistas
estrangeiros, não possuía nenhuma consciência sobre a sua importância no
interior do Partido Russo.(pp. 54 e 55).”[62]
É precisamente
a esses ídolos decaídos do stalinismo reciclado, Gramsci,
Lukács et alii, defensores de uma forma de reciclagem de
stalinismo, abertamente hostil ao trotskysmo revolucionário,
que Arcary se prosta, lamentavelmente, em tom de reverência
espiritual-ideológica.
Não
satisfeito com o fato de o próprio Lukács ter afirmado – como
vimos acima – que, em sua própria obra “História e Consciência de
Classe”, os problemas concernentes à necessidade social e sua
interpretação mecanicista “foram postulados de modo inteiramente errado” –
pois Lukács, nessa obra, atinge as raias de um subjetivismo
idealista-voluntarista na abordagem dessa questão -, procura
Arcary, em seu afã de conciliar trotskysmo com gramscismo
lukácsiano, salvar Lukács, naquilo que o próprio Lukács
condenou em si próprio, como erros por ele mesmo perpetrados :
“Sobre o tema da desumanização
e consciência de classe, uma das obras de referência no marxismo clássico foi História
e Consciência de Classe, hoje muito desvalorizada pelo entusiasmo com
que defende o protagonismo do proletariado.
Ocorre que, nesse texto, Lukács
sistematiza de forma irretocável, algumas conclusões teóricas
sobre as contradições entre a existência enquanto classe, e a formação da
consciência de classe que permanecem até hoje, para o fundamental
insuperáveis.”[63]
No
mesmo diapasão, ressalta Arcary:
“Se o paradigma lukácsiano
do marxismo como método e não como dogma continua de pé (ou deveria), as
possibilidades teóricas, de uma visão do ângulo de “totalidade”, são certamente
menores que o entusiasmo político dos anos imediatamente posteriores à
revolução russa, apoiado nas premissas de um crescente protagonismo proletário,
nos países centrais faziam supor. Mas sempre vale a pena renovar o desafio.”[64]
E,
adverte, em tom de filiação ideológica :
“A referência clássica para
a discussão sobre ideologia e consciência de classe é o trabalho de Lukács de
1922, que mais pelas suas virtudes do que pelas suas limitações, foi
severamente criticado, até por ele mesmo, com amargura, como se pode
conferir nesta passagem do prefácio de 1967, como sendo uma ideologização
hegeliana do proletariado, e portanto uma concessão a uma visão “finalista” da
História.
Quarenta e cinco anos depois,
sob o impacto de mais de duas décadas de relativa passividade e pacto social no
Ocidente, o velho Lukács iria admitir que talvez a sua obra de maior
significado teórico, estivesse prenhe de uma visão teleológica do
protagonismo do proletariado.
Talvez, por outro lado, o intervalo histórico, para uma
avaliação definitiva, ainda seja demasiadamente curto.”[65]
E
clamando pelos “grandes” ensinamentos ideologizantes de Lukács
- esse velho stalinista reciclado, inimigo irreconciliável do
trotskysmo revolucionário -, arremata Arcary, apologeticamente,
em tom de censura a supostas “fortes propensões objetivistas” dos
marxistas revolucionários :
“Resumo da ópera: o
impressionismo em relação às derrotas, é, em geral, fruto de uma análise pouco
dialética. A seguir, o trecho de Lukács:
“Não pode haver marxistas no
sentido da objetividade do laboratório, do mesmo modo que tampouco pode
existir uma seguraça da vitória da revolução mundial com a garantia das “leis
naturais”.”[66]
Arcary esforça-se
por construir uma combinação eclética e nauseabunda de trotskysmo e
gramscismo, tolerante, compreensivo e até mesmo solidário, seja com as
posições inteiramente stalisnistas-recicladas de Lukács, seja com
as posições de outros paredros do reformismo social e da traição à causa
da emancipação do proletariado.
Todos
estes surgem indevidamente nivelados nas mãos de Arcary - que os trata, em sentido retórico-literário,
como se simples “interlocutores mútuos” fossem, por seus supostos
“talentos e dons extraordinários”, superiores ao “horizonte
mais imediato de sua geração” - a autênticos revolucionários marxistas
que deram suas vidas à causa da Revolução Proletária Mundial :
“Os homens pensam e agem dentro
de uma totalidade, que é o meio e o tempo histórico em que vivem e atuam, mas
alguns, pelos seus talentos e dons extraordinários, se elevam acima
do horizonte mais imediato de sua geração, e portanto, das pressões mais
imediatas nas quais estão inseridos.
Esses homens e mulheres, Bernstein,
Kautsky, Rosa, Lenin, Trotsky, Bukharin, Paul Levy, Lukács e Gramsci, entre
outros, foram gigantes do seu tempo, foram interlocutores mútuos e se
influenciaram reciprocamente, mesmo quando se afastavam e polemizavam
duramente entre si.”[67]
Ignorando,
essencialmente, o sentido e significado revolucionários do socialismo
científico de Marx e Engels e depreciando-o até mesmo em
sua importância histórico-revolucionária, Arcary cerra fileiras
com os habitantes do pântano gramsciano e luckásiano que
desprezam as palavras de Marx de que o socialismo
científico é uma expressão por ele perfeitamente utilizada “em
oposição ao socialismo utópico que pretende impingir novas quimeras ao povo, em
vez de limitar sua ciência ao conhecimento do movimento social, realizado pelo
próprio povo.”[68]
Nesse
sentido, argumenta Arcary, da seguinte forma, inteiramente
solerte:
“A
fórmula do socialismo científico soa, no entanto, envelhecida ou até irritativa
nesse final de século.
Essa discussão
tem uma história, também no interior do marxismo, que remonta aos esforços de Engels,
depois da morte de Marx, de demonstrar que a dialética materialista
seria o instrumento teórico-lógico, que permitiria explicar, de forma mais
apropriada, os fenômenos que governam, tanto as transformações da natureza,
quanto na sociedade, e, por essa via, afirmar a condição científica do
marxismo.
A crítica
aos esforços de Engels, uma velha discussão filosófico-histórica, afirma
que ele teria diminuido a especificidade da operação da dialética na história,
no seu esforço de defesa do materialismo. E teria, assim, escorregado para excessos
deterministas, e para uma leitura evolucionista do progresso.
Se a
diferença metodológica entre essas obras filosóficas de Engels e a
aproximação de Marx à questão são somente matizes ou não, é uma questão
muito discutida.
A esse
propósito, transcrevemos um fragmento de Ricardo Musse, que relocaliza
bem o marco da preocupação de Engels, e explica as razões dos seus “excessos”
cientificistas :
“A adoção,
por Engels, de uma dialética uniforme, abrange o suficiente para
compreender seja o andamento histórico seja o processo natural, não
chamou tanto a atenção quanto a novidade da atribuição da natureza como “pedra
de toque” da dialética, em torno da qual concentrou-se, em grande parte, o
debate na geração de Korsch e Lukács. ...
O
prestígio, crescente e incontestado, dessas ciências prestava-se tanto a
reativações da insepulta filosofia da natureza, à maneira do sistema
filosófico de Dühring, quanto à disseminação de variantes do materialismo
francês do século XVIII, tarefa empreendida na Alemanha por Büchner,
Voigt, Moleschott & Cia. ...
Para demonstrar a veracidade e a
universalidade de tais “leis”, Engels, dado o caráter indutivo-dedutivo do seu
empreendimento, optou pela via de um acompanhamento exaustivo, isto é, pelo
procedimento infindável de decifração caso a caso das mais importantes
descobertas da ciência em seu tempo.(Musse, Ricardo).”[69]
Salta
aos olhos como, em todo esse debate, sobre o “envelhecimento e
irritabilidade” da fórmula do socialismo científico por causa dos “esforços
de Engels, depois da morte de Marx”, de demonstrar a
dialética materialista tanto nas transformações da natureza quanto na
sociedade, afirmando, assim, a condição científica do marxismo, Arcary
não encontre palavras para destacar que Marx – antes mesmo de sua própria
morte - , dirigindo-se Moritz Kaufmann, não poupou seu
latim para destacar que :
“Por correio, enviar-lhe-ei igualmente - caso o Sr. dele já
não disponha - um novo escrito de meu
amigo Engels, intitulado "A
Subversão da Ciência do Sr. Eugen Dühring", escrito
esse muito importante para a uma correta apreciação do socialismo
alemão.”[70]
Para
Marx, toda a leitura da dialética da natureza de Engels e
de sua polêmica contra a filosofia da natureza de Dühring era “muito
importante para a correta apreciação do socialismo alemão”.
Para
os gramscianos, para os luckásianos e para Arcary, “a fórmula
do socialismo científico soa envelhecida ou até irritativa”, pelo que
procura, sofregamente, à maneira gramsciano-luckásiana, encontrar as razões
históricas desse fênomeno senil-irritativo.
Provas adicionais do surgimento desse seu perfil gnosiologicamente
eclético, são-nos apresentadas por Arcary, em seu artigo,
intitulado “A Polêmica sobre a « Ausência » do Proletariado e a
Atualidade da Estratégia Revolucionária », de fevereiro de 2002.
Aqui, assinala, em aberta tentativa de tornar discretamente
admissível o perfil subjetivista-idealista de Gramsci, no seio
das concepções marxistas-engelsianas, rigorosamente dialético-materialistas, o
seguinte :
“Quanto à
possibilidade histórica de que se desenvolvam nos porões do capitalismo elementos
de um modo de produção socialista, e as correspondentes hipóteses gradualistas
de uma transição sem ruptura e luta armada, a tradição marxista se dividiu no
último século em distintas opiniões. Acerca deste tema compartilhamos a
mesma tradição que Anderson reivindica no fragmento a seguir, colocando a
polêmica sob uma óptica histórica:
« O advento político de uma situação de duplo poder, acompanhada pelo início de
uma crise econômica, não permite uma resolução gradual. Quando a unidade do
Estado Burguês e a reprodução da economia capitalista se quebram, o tremor
social subseqüente deve opor, rápida e fatalmente, revolução e contra-revolução
em uma violenta convulsão. Em um tal conflito, o capital sempre disporá de uma
base de massas, maior do que um punhado de monopolistas (...). O capitalismo
não triunfou em nenhum país avançado do mundo atual (Inglaterra, França,
Alemanha, Itália, Japão ou Estados Unidos), sem um conflito armado ou uma
guerra civil. A transição econômica do feudalismo ao capitalismo é, sem
embargo, a transição de uma forma de propriedade privada a outra. É imaginável
que uma mudança histórica muito maior, implícita na transição da propriedade
privada à coletiva, que precisa de medidas mais drásticas para a expropriação
do poder e da riqueza, assuma formas políticas menos duras? (...) A tradição
a que pertencem essas concepções é, falando em termos gerais, a de Lenin e
Trotsky, Luxemburgo e Gramsci. (grifo do próprio Arcary.)”[71]
Com base em tal declaração grifada, pode o leitor
certificar-se de que Valerio Arcary inscreve-se
nas fileiras ecléticas e semi-fantásticas do troskysmo
gramscista-luckásiano.
Como forma de
insuflar, lentamente, o gramscismo e o lukácsianismo
idealista-subjetivista nas fileiras do marxismo revolucionário moderno,
i.e. o trotskysmo revolucionário, de modo a corromper a cientificidade
dialética-materialista deste, a fim de torná-lo susceptível e moldável às
necessidades políticas, sindicais e eleitoral-parlamentares das forças
socialistas pequeno-burguesas do Brasil e da América Latina –
subjulgando -o às forças intelectuais de conciliação de classes, representadas
por pensadores como Carlos Nelson Coutinho, Milton Temer, Chico Alencar, Leandro Konder
etc., Arcary, sempre se ocultando por detrás de referências e
supostos exemplos históricos, seguidos por Marx e Engels, apresenta Gramsci
como dotado de uma hipotética “honestidade intelectual inflexível”. Com
efeito, segundo a sua ótica, quer Valerio que seja o seguinte :
“Gramsci
entre os marxistas de sua geração, é sempre uma referência nas questões
metodológicas mais complexas, pela sua honestidade intelectual inflexível ...”[72]
Até mesmo para
impulsionar sua polêmica de conteúdo essencialmente teórico-abstrato contra Jacob
Gorender em torno de pontos que envolvem primordialmente o
trotskysmo, Arcary não pode abrir mão de referências dramáticas a Gramsci
- tomado como paradigma histórico-revolucionário, ao lado de Karl
Marx e Rosa Luxemburgo – como forma de supostamente produzir uma “explicação
marxista rigorosa e até impiedosa, se necessária” :
“Que os trabalhadores foram (e são) sindical e
politicamente reformistas em condições não revolucionárias, e com mais razão em
situações contra-revolucionárias, não é uma descoberta que impressione. Na
verdade, as amplas massas proletárias são até hostis às idéias revolucionárias
nessas circunstâncias.
A esse propósito, Gorender
usa a imagem de “amor não correspondido” para definir com humor cáustico as relações dos trotskystas e o proletariado.
O relativo isolamento dos trotskystas certamente merece uma explicação marxista
rigorosa, e até impiedosa, se necessária.
E é certo que a marginalidade
das organizações da Quarta Internacional teve como sequela uma crise
crônica, que se manifestou tanto em adaptações às pressões das correntes
majoritárias, quanto no enrijecimento sectário em torno de diferenças que podem
parecer minúcias talmúdicas.
Não parece todavia que seja um privilégio dos trotskystas terem sido desprezados, em algum momento,
pelos trabalhadores que pretendiam representar: Marx, Rosa e Gramsci e muitos outros tiveram, no seu tempo, em
grande medida, as mesmas vicissitudes.”[73]
Elencando,
equivocadamente, Gramsci, pensador supostamente equipado “com honestidade intelectual
inflexível”, entre os “herdeiros da tradição identificada com o
marxismo revolucionário” – pois que Gramsci era eminentemente hostil não apenas ao
materialismo histórico-dialético de Marx e Engels, senão ainda à concepção de revolução permanente
e de conquista da hegemonia do proletariado nas versões materialistas
elaboradas por Marx, Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky – ao passo que
prestava louvores a Stalin, por considerá-lo o “grande teórico mais recente” - Arcary eleva Gramsci, de modo inteiramente
indevido, às alturas do trotskymo, ao clamar [74]:
“Neste campo estão a maioria dos herdeiros da tradição
identificada como o marxismo revolucionário: entre outros, uma parte da
literatura inspirada na herança de Antonio
Gramsci, que coloca o eixo dos processos históricos nos desenlaces das
lutas políticas, mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a
corrente histórica (divida em muitas frações)
que se reclama de Leon Trotsky e da Quarta Internacional.”[75]
O próprio Arcary,
dando-se conta do patente desequilíbrio analítico de sua colocação
retórico-sofística, procura, ao menos, imediatamente, moderá-lo, justificando a
sua “utilidade
por razões didáticas de ênfase”(!), no que, porém, não se pode sair
melhor:
“Na verdade, é só por
razões didáticas de ênfase, que se pode trabalhar com esta esquemática
classificação: qualquer marxista recusaria uma absolutização tão simplista. Mas
ainda assim, com os devidos descontos, ela
é útil.”[76]
Arcary compartilha,
juntamente com Perry Anderson, não
apenas a mesma tradição de Lenin, Trotsky e
Luxemburgo – tradição legitimamente fundada na formulação científica do socialismo
de Marx e Engels de luta pela
libertação das massas proletárias, visando à edificação de uma sociedade
socialista-humanizada -, senão ainda a “tradição” metafísico-stalinista
do demiourgós subjetivista-idealista Gramsci, posicionamento híbrido, dualista e dicotômico,
este esgrimido também por todos os Pontífices
Trotskystas-Gramscistas, entre os quais, no Brasil, destacam-se,
insuperavelmente, Carlos Nelson Coutinho, Chico Alencar, Osvaldo Coggiola e a Trombeta de Jericó que, em meio ao
proletariado brasileiro, é, presentemente, a Revista Outubro,
orquestrada por Álvaro Bianchi e
Ruy Braga.
É também esse mesmo trotskysmo gramscista-luckásiano
que, em um amplo leque de variantes, estende-se amplamente a ponto de – tal
como veremos a seguir - incorporar adicionalmente, de maneira complacente, a
defesa da “tradição” que também fora exortada por Ernst Mandel e, presentemente, o é por inúmeros mentores ideológicos do Secretariado Unificado da Quarta
Internacional (SU – QI), sejam os que, por um lado, sustentam direta ou
indiretamente a Frente Popular, encabeçada por Lula
e integrada pelo ex-Ministro do (contra) o Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto (SU
– QI), sejam os que, por outro,
protagonizam e reivindicam a orientação ideológica e política do Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), tais quais Carlos Coutinho, Milton Temer,
Chico Alencar, Leandro Konder e che più ne ha, più ne metta.[77]
Em apologia à “tradição”
precisamente marxista-leninista-trotskysta-luxemburguista-gramsciana,
prossegue
Arcary, no artigo supra-citado :
“Não
parece todavia que seja um privilégio dos trotskistas terem sido desprezados, em
algum momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Outras correntes revolucionárias da história tiveram,
fora de situações revolucionárias, melhor sorte?
Marx,
Rosa, Gramsci e muitos outros não tiveram, no seu tempo, em grande medida, as mesmas
vicissitudes? Combateram em situações em que o isolamento
político demonstrou-se inevitável. Por outro lado, quis a ironia da
história que, energúmenos incorrigíveis, mas favorecidos pelas circunstâncias
dos tempos políticos que são, em grande medida, acidentais, já que as
oportunidades são ingratas, fossem carregados pela força de ventos históricos
que estavam longe de compreender, se vissem à cabeça de gigantescas
mobilizações que nem sequer suspeitavam serem possíveis, porque eram o material
humano disponível. (...)”[78]
Já em seu artigo Reforma e Revolução no
Brasil de Lula, Arcary, defendendo, sem estorvo, referida
“tradição” eclética, concomitantemente dialético-materialista e
idealista-subjetivista, ao buscar clarificar importante polêmica com a esquerda
do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva,
relativa ao título em realce, não sente qualquer embaraço intelectual ao citar,
já na abertura de seu artigo, reflexão redondamente equivocada de Antonio
Gramsci, encadeando-a com um brilhante apotegma de Rosa
Luxemburgo, de modo a torná-lo caput mortuum.
Se não, vejamos :
“Reforma &
Revolução no Brasil de Lula : uma polêmica com a esquerda petista ou a invenção de uma esquerda
internacionalista para o novo século, à luz dos dilemas alemão e russo de há
cem anos atrás.
« Estamos de
punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos. » Rosa Luxemburgo
« Fala-se de
capitães sem exército, mas, na realidade, é mais fácil formar um exército do
que formar capitães. Tanto isto é verdade que um exército já existente é
destruído se faltam os capitães, ao passo que a existência de um grupo de
capitães, harmonizados, de acordo entre si, com objetivos comuns, não demora a
formar um exército, até mesmo onde ele não existe. » Antonio Gramsci.”[79]
Seria exorbitante esperarmos de Gramsci
algum raciocínio materialisticamente fundado no domínio da arte militar, onde
sabidamente jamais atuou diretamente, para daí revestir suas posições no
domínio da política.
Não obstante,
o voluntarismo sofômano idealista-subjetivista de Gramsci jamais o inibiu
de pronunciar-se também nesse campo.
O
resultado não poderia ser outro, senão o produto de uma visão inteiramente
falaciosa e desprovida de qualquer conhecimento prático efetivamente
verificado.
E assim
: camelus
desiderans cornua etiam aures perdidit, i.e. quem tudo quer tudo perde.
Extasiado
por seu radical anti-trotskysmo e sem contar com suficiente bagagem
prático-revolucionária para versar sobre tema dessa envergadura, também aqui,
no domínio das questões militares, Gramsci defende uma abordagem
inteiramente idealista, no que tange à formação de exércitos e capitães.
Bastar-nos-á
referir aqui a concepção coerentemente dialético-materialista de Trotsky,
que, além de avaliar justamente o processo de formação de sua própria
experiência militar-revolucionária dirigente, aborda o exemplo da formação do “capitão”
Frunze, o « motor da máquina das Forças Armadas Vermelhas e da
Revolução Proletária Mundial»[80]:
“Antes do fim de
1917, nunca esperei ocupar-me com assuntos militares.
Lia livros sobre
questões militares do mesmo modo que lia livros – digamos assim – sobre
astronomia ou sobre outros temas.
Lia-os na prisão.
Porém, tornei-me mais interessado por questões militares durante a Guerra
Imperialista, quando vivi na França.
Não possuía nenhum
conhecimento militar.
Em
minha opinião, existem certos métodos gerais que são aplicáveis a todas as
esferas da vida e da atividade criativa.
As
pessoas falam, por exemplo, de lógica jurídica.
Na
realidade, trata-se aí de lógica humana, aplicada às questões jurídicas.
De modo semelhante, na esfera da administração, um
bom administrador de fábrica será, assim, um bom administrador militar.
Os métodos
de administração são, em grande linhas, precisamente os mesmos.
A
lógica humana encontra a mesma aplicação, seja na esfera militar seja em outras
esferas : precisão, perseverança. Todas essas qualidades são necessárias, em
todos os domínios em que as pessoas querem construir, criar e aprender.
Adquirimos conhecimento técnico elementar através da experiência : estivemos sob
fogo cruzado durante todo o tempo.
Cometemos
muitos erros e sustentamos vários frontes de combate.
Fizemos
muitas observações e, assim, fomos capazes de aprender.
Frontes inteiros foram comandados por homens que
jamais haviam estado no exército, tal como, p.ex., o companheiro Frunze.
Para ser um bom soldado artilheiro – e,
particularmente, para ser um soldado artilheiro competente – é necessário que
se tenha freqüentado uma academia de artilharia, porém, para desempenhar um
papel dirigente na formação de um exército, não é necessário que se tenha tido
nenhuma educação especial como artilheiro ou de qualquer outro gênero: há de se
possuir apenas certas qualidades políticas e administrativas.”[81]
Em seu artigo intitulado Ir ou não ir
além da CUT, Arcary recalca a mesmíssima falsa perspectiva apológética
da “tradição”, ao destacar que :
“Nunca
existiu, portanto, nem para Marx, nem para Lenin, nem para Rosa, Trotsky ou
Gramsci, um décimo primeiro mandamento que prescreve lealdade incondicional a
uma Central sindical.”[82]
Mas, porque precisamente tais asserções
exemplificativas envolvendo, justamente,
“Marx, Rosa, Gramsci e ... muitos outros”, poderia
indagar o leitor ressabiado, ao sobressaltar-se acerca do porquê de Gramsci haver de surgir ladeando Marx, Rosa e .... muitos outros ?
Se voltarmos nosso
olhar à História, a grande Professora da Humanidade (Wenden wir unseren Blick
der Geschichte, der großen Lehrerin der Menschheit zu ...), poderemos concluir, parafrastica e
precisamente, contemplando através das lentes de óculos
dialético-materialistas, que Rosa foi e permanece sendo uma águia
da revolução socialista, proletária internacionalista, ao passo que Gramsci
revelou-se
inteiramente como uma reciclagem de um “marxismo” de matiz
stalinista, i.e. uma atualização meta-marxista, teórico-pedagógica vulgarizadora,
que permitiu fosse expandida a lógica epistemológica do stanilismo
burocrático e anti-cosmopolita junto à civilização européia-ocidental.[83]
Submetendo o filistinismo do “livre pensar” e o stalinismo a um novo ciclo de
operações intelectuais de matiz idealista-subjetivista, Gramsci
propiciou
seu refinamento e sua refuncionalização, produzindo como resultado um novo
freio ideológico, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente
proletário-internacionalistas, inspirados por posições marxistas
revolucionárias, leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania
proletária, enquanto forma de transição ao socialismo e ao comunismo.
Cerrando seus olhos a uma análise
conseqüentemente histórico-materialista do fenômeno histórico do gramscismo, Arcary
pretende esclarecer o atraso da revolução socialista nos países centrais de
modo fundamentalmente eclético-visionário, i.e. inteiramente de acordo seja
como o método materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, seja como o método
voluntarista idealista-subjetivista de Gramsci.
Compartilhando conseqüentemente a mesma “tradição” que Perry Anderson reinvidica
para si, Arcary encontra argumentos para defender o seguinte :
“Por quê o atraso da revolução socialista nos países centrais?
A segunda hipótese é aquela que insiste em explicações, em última análise,
subjetivas, ou seja, que reconhecem as mudanças materiais socioeconômicas, mas não
concluem que elas sejam a principal determinação e procuram, no curso da luta
de classes e, portanto, em fatores sociopolíticos, o atraso histórico do
processo de mobilização proletária no sentido de uma ruptura anticapitalista,
em particular, nos países imperialistas. Neste campo estão a maioria dos
herdeiros da tradição identificada como marxismo revolucionário: entre
outros, uma parte da literatura inspirada na herança de Antonio Gramsci,
que coloca o eixo dos processos
históricos nos desenlaces das lutas políticas; mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a corrente
histórica (dividida em muitas frações) que se reclama de Leon Trotsky e da
Quarta Internacional. Evidentemente não seria razoável discutir o
crescimento prolongado da economia capitalista no pós-guerra, e o deslocamento
do centro da luta de classes para os países dependentes ou periféricos, sem
buscar a articulação entre causalidades objetivas e subjetivas. A Quarta
Internacional, antes da sua divisão em 1952/53, compreendia, entretanto, de
forma unânime que a participação dos PC’s em governos de união nacional no
pós-guerra, teria sido fundamental, para conter a onda revolucionária que se
abriu com a derrota do nazi-fascismo, e garantir a paz social.”[84]
As postulações levantadas por Gramsci veiculam, em versão teórico-refinada, o
subjetivismo idealista no retratamento do stalinismo contra-revolucionário e
não do marxismo revolucionário, bem como, em sentido político, a colaboração de
classes entre proletários e burgueses, e, em sentido partidário-organizativo, a
“bolchevização do Partido Comunista Italiano (PCI)”,
i.e. a sua stalinização, o que permitiu a mais absoluta erradicação dos
elementos trotskystas em seu interior, tal como veremos logo a seguir.
Com efeito, o stalinismo,
enquanto expressão ideológica e política de um “marxismo”
burocrático-proletário – auto-denominado “marxismo-leninismo” -
sistematicamente voltado a promover a colaboração de classes
proletário-burguesa em todos os domínios da luta de classes de emancipação do
proletariado, em nome da defesa de supostos valores proletários – do que
dão-nos nitidamente exemplo as posturas políticas de Stalin e seus aliados no período pós-revolucionário
de Fevereiro de 1917, na questão do Pré-Parlamento e do Conselho da República, na Insurreição de Outubro e, posteriormente, na
defesa e execução das políticas de Socialismo em um
Só País, submissão das lutas de emancipação do proletariado chinês ao Kuomintang, esquerdização das
lutas do comunismo alemão contra o Social-Fascismo
Social-Democrático, enfim, sua política de Frente-Popular ... – o stalinismo,
enquanto método de promoção dissimulada da complacência do proletariado com as
forças burguesas e pequeno-burguesas, em prejuízo dos valores proletários,
possui como fundamento epistemológico o racionalismo escolástico da colaboração
de classes.
Gramsci posiciona-se
em face das posturas stalinistas de modo a promover a sua absorção,
reciclando-a epistemologicamente, desde um ângulo subjetivista-idealista,
volutarista-metafísico, denunciando, para isso, o materialismo dialético de Marx e Engels por estar "contaminato di incrostazioni positivistiche e
naturalistiche" (contaminado de incrustrações positivistas e
naturalistas).
Gramsci
reatualiza, sofisticadamente,
o “marxismo”
burocrático-proletário stalinista, defendendo não apenas posições
organizativo-partidárias de índole manifestamente burocrática, senão também
teses políticas, tal como as famosas Teses de Lyon do Partido Comunista Italiano
(PCI), de janeiro de 1926, cuja
essência é a desbragada confirmação do conciliacionismo de classes
proletário-burguês, impulsionada, na Itália, por Gramsci e seus seguidores,
desde o assassinato do Deputado Socialista Giacomo
Matteotti, em 1924, e estendida para todas as questões
teórico-doutrinárias da luta de classes de emancipação do proletariado.
Gramsci
retifica, assim,
palavras de ordem de natureza supostamente democrático-intermediária,
readaptando-as à aspiração de Democratização do Estado, supostamente viabilizadora
de um Socialismo Democrático, no estilo: Assembléia
Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses
ou, por assim dizer, em Assembléias
Operárias e Camponesas.
Extraordinariamente atento ao tema, Trotsky teve a oportunidade de assinalar, entretanto, já mesmo em novembro de
1929, que, na Itália, todos
!!! (grifo nosso), todos os
dirigentes de formação burocrático-stalinista adotavam uma posição oportunista,
para depois, eventualmente, a seguir, retificá-la mediante aventuras de
ultra-esquerda.
Isso se expressava, ao mesmo tempo, na tentativa de adaptar
à Itália a idéia de “ditadura democrática do
proletariado e dos camponeses”, sob a forma de uma palavra de ordem de
assembléia constituinte, apoiada sobre uma assembléia operária e camponesa.[85]
Em maio de 1930, regressando ao mesmo tema, Trotsky, então, observou, incisivamente, fornecendo um ensinamento histórico
inolvidável para as futuras gerações de marxistas revolucionários :
“A
Assembléia Republicana constitui, inegavelmente, um organismo do Estado
Burguês.
O que são,
pelo contrário, os Comitês Operários e Camponeses ?
É evidente que, de alguma forma, são um equivalente
dos Sovietes de Operários e Camponeses. ...
Como é possível,
nessas condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do Estado
Burguês – tenha como base organismos do Estado Proletário.”[86]
Em face dessa clara e cristalina citação de Trotsky que aferroa todos!!! os dirigentes de formação burocrático-stalinista
– entre eles, necessariamente, também Gramsci -, resulta,
verdadeiramente, surpreendente ouvir-se, então, dos tribunos da defesa da “tradição” – tal como o faz Arcary -,
os seguintes argumentos, esgrimidos, obviamente, em defesa da própria “tradição”, ao tratar da polêmica
sobre as aptidões revolucionárias do proletariado :
“Se o impressionismo de jovens é tanto explicável como
desculpável, porque lhes falta a perspectiva que somente os anos e a
experiência podem oferecer, o mesmo não se pode dizer da dedicação
incansável com que intelectuais torturam os clássicos da literatura marxista
para demonstrar qualquer coisa.
Não estamos, contudo, entre os que enxergam a tradição
socialista como as tábuas da lei.
Mas reivindicamos uma tradição.
Não vamos recorrer a citações de Marx, Lenin, Rosa
Luxemburgo, Gramsci, Trotsky ou Moreno.
Não se encontrará nas linhas que se seguem uma polêmica
fundamentada em argumentos de autoridade.
Nos apoiaremos somente em apreciações de processos históricos.”[87]
Perguntar-se-ia, então, de modo a
esclarecer-se a metodologia de trabalho da “tradição” : o que
seria da Revolução Socialista de Outubro de 1917, se intelectuais
de dedicação incansável – entre eles, com principal destaque Lenin,
em seu Estado e Revolução – não tivessem torturado os clássicos
da literatura marxista para demonstrar alguma coisa e recorrido a argumentos de
autoridade ?
Com efeito, o alvoroço do “bloco
histórico” trotskysta-gramsciano guarda, em si, também um
enigma profundo que há de permanecer indecifrável, na medida em que
intelectuais de dedicação incansável não torturem os clássicos da literatura
marxista para demonstrar qualquer coisa e não recorram a argumentos de
autoridade, visando a elucidar seus posicionamentos : um enigma, não porque
envolve uma forma ideológico-política requintada e translúcida de
defesa de uma das complexas variantes de sustentação dos governos
de colaboração de classes, seja em contexto de existência, seja de inexistência
de dualidade de poderes - e oportunismo relativamente às lutas de emancipação
do proletariado, o que, ademais, já bastaria para justificar, do modo mais
vulgar, o mais pleno repúdio da “tradição” que acalenta os
posicionamentos ideológicos de Gramsci.
Senão pelo contrário : o mistério do
“bloco histórico” trotskysta-gramsciano é o de
possuir uma lógica-epistemológica que, através de múltiplas
formas intrincadas, complexas, obscuras, fantásticas, objetivam desviar os
processos revolucionários da luta socialista do proletariado de seu rumo
conseqüentemente emancipatório – e, por conseguinte, de toda a humanidade –,
impedindo que assumam a genuína via materialista-dialética, consagrada por Marx
e Engels e consagradora da indispensabilidade da preparação permanente e
execução tecnicamente precisa das tarefas necessárias ao despedaçamento do Estado
Burguês.
Apenas
com a derrubada do capitalismo pela via revolucionária da luta de classes,
hegemonizada pelo proletariado no quadro de uma coalizão selada com seus mais
autênticos aliados históricos, explorados e oprimidos pelo capitalismo – entre
os quais, em particular, o campesinato pobre -, apenas com o despedaçamento do
aparelho do Estado colocado a serviço das ínfimas minorias exploradoras e
opressoras, autocráticas, latifundiárias e burguesas, resulta, pois, aberta a
via de transição da Ditadura Revolucionária do Proletariado, rumo
ao atingimento de uma sociedade socialista mundial humanizada, livre da
opressão de todo Estado e imune às dilacerações decorrentes dos embates
sangrentos, travados entre classes sociais irreconciliavelmente hostis :
primeiro estágio para o estabelecimento de relações sociais autenticamente
comunistas.
Essa
severa missão revolucionária encabeçada pelo proletariado pressupõe,
necessariamente, não apenas uma luta de cunho econômico e político, senão ainda
de natureza essencialmente ideológica, envolvendo, pois, uma defesa meticulosa
da mais legítima tradição emancipatória, fundada por Marx e Engels.
No quadro da tradição trotskysta-gramsciana,
encontramos, entretanto, por força de sua própria lógica intelectual,
um vínculo para recepcionarmos, refinadamente, o “marxismo” de matiz stalinista.
Sendo assim, a questão do inimigo
não se encontra apenas colocada relativamente à já difícil tarefa de sua
identificação, senão ainda concerne ao método acertado de como combatê-lo.
Nesse sentido, porém, o não
reconhecimento conseqüente da verdadeira tradição histórico-revolucionária
do proletariado e das tarefas impostas à defesa dessa tradição, como
forma de elevação da consciência e da disposição das massas trabalhadoras e
seus aliados às tarefas da revolução proletário-internacionalista, tornam a
derrota definitiva do inimigo, historicamente
identificado, inteiramente impossível, bem como o atingimento de uma
sociedade humanamente socializada, completamente inviável.
Não obstante, para Arcary,
toda a análise dos sujeitos sociais e dos fatores histórico-subjetivos, dos
conceitos de situação e de crise revolucionária, dos momentos em que a “humanidade”
se encontra com as suas “esquinas perigosas”, traduz-se em
uma versão
eclética, fundada, por conseqüência, no subjetivismo idealista,
inteiramente alheio ao marxismo revolucionário, solidária, porém, com as
necessidades do socialismo de matiz pequeno-burguês, alimentado pela intelectualidade
acadêmica, vinculada ao stalinismo reciclado.
Por isso, Arcary afirma, coroando o
método de seus empreendimentos literários:
“Ou
seja, (Perry) Anderson reconhece que
o lugar dos sujeitos sociais vêm se alterando ao longo do processo histórico, e
que uma nova articulação de causalidades
poderia se observar ao longo do século XX.
Essa
consideração é chave para a discussão dos conceitos de situação e crise
revolucionária e para a compreensão da releitura que Lenin, Trotsky e Gramsci farão do papel dos chamados fatores
subjetivos, na História, em particular nos momentos em que a humanidade se
encontra com as suas esquinas perigosas.”[88]
Com efeito, acolhendo acriticamente os
posicionamentos do ultra-gramiscista, stalinista-reciclado, aliado ao Actuel
Marx e ao Partido Comunista Francês, Jacques Texier, Arcary procura trabalhar
com uma nova tática política, uma nova hipótese política, que,
efetivamente, corresponde ao gramscismo, mas não às exigências do
marxismo
revolucionário.
A nova tática política é,
entretanto, muito antiga, pois trata de deturpar, descaradamente, o sentido e o
significado das formulações de Engels, constantes em sua célebre
texto, redigido entre 14 de fevereiro e 6
de março de 1895 e intitulado “Introdução à Luta de Classes na França de
1848 a 1850 de Karl Marx”.[89]
Legitimando, porém, o pensamento do
ultra-gramsciano – declaradamente anti-leninista - Jacques Texier, Arcary destaca,
abonando inteiramente a sua tão decantada “tradição” :
“Já no que diz respeito à necessidade de uma
nova tática política, quando se oferecem condições de disputa, na legalidade e acumulando posições que permitam um
processo de aprendizagem da classe, tanto no terreno eleitoral, quanto
sindical, as observações de (Jacques)
Texier procedem.
O
paralelo histórico com Gramsci
parece correto, e corresponde de fato às primeiras formulações em torno a uma nova hipótese estratégica, que
considera a importância de preservar e explorar as conquistas democráticas,no
marco de um pensamento que se complexifica com o estudo da correlação de forças
à escala nacional e internacional, e que deve responder ao problema do regime
democrático burguês.”[90]
Evidentemente, Arcary cala-se sobre o sentido e o significado contextual das palavras de Jacques Texier, procurando justificar seu suposto acerto em parte – “no que diz respeito à necessidade de uma nova tática política” - e esconde ao leitor quais são os verdade