Texto de Autoria
de
Portau Schmidt
von Köln
A
Enfermidade Gramsciana
no
Movimento Trotskysta Contemporâneo
e nas
Lutas de Emancipação do Proletariado
Polêmica
Trotsky e Gramsci : Gramsci e
Trotsky
O SU-QI e a
Corrente Franco-Gramsciana
de Atualização,
Correção
e Superação do
Marxismo
(O Meta-Marxismo
de Actuel Marx)
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Geral
http://www.scientific-socialism.de/SUCapa.htm
Porém, aqui
deve-se perguntar, efetivamente : quais os elementos fundamentais da doutrina
político-estratégica socialista de Antonio Gramsci ?
É, realmente,
razoável falar-se de gramscismo, tal como se o referiu ao
longo de todo o presente texto – diversamente de um simples neo-stalinismo
nello stilo italiano ?
A melhor forma de
posicionar-se cientificamente frente a esse enigma, pouco clarificado para
muitos teóricos e dirigentes de partidos e grupos do Secretariado Unificado da Quarta
Internacional (SU-QI), que abandonam, presentemente, o trotskysmo, em
favor de posicionamentos impregnados pelo gramiscismo, é prosseguir com a
instrutiva citação de Gramsci acerca da fábula
da menina de quatro anos que pretendiam estuprar, como forma que
utilizou para referir-se à concepção de Revolução Permanente, tal como
defendida por Trotsky.
Com efeito, Gramsci, em seus Cadernos do Cárcere, depois de impugnar, à maneira
burocrático-stalinista, as elaborações de Trotsky acerca da Revolução
Permanente, apresenta sua
segunda – não menos criativa e inovadora
- caracterização acerca da Revolução de Outubro, valendo-se, agora, de seus dois mais
originais conceitos teóricos, coroadores de sua doutrina profundamente inédita:
“guerra
de manobra e guerra de posição”.[1]
Já em seu artigo „A
Conquista do Estado“, Gramsci teve a oportunidade de
assinalar, nitidamente :
„Os socialistas aceitaram, excessivamente, de modo
freqüente, a realidade histórica, produto da iniciativa capitalista.
Caíram no erro da psicologia dos economistas liberais :
acreditar na perpetuidade das instituições do Estado Democrático, em sua perfeição
fundamental. ...
Dessa concepção errada acerca da transformação histórica,
da prática repugnante do compromisso e da tática „cretinamente“
parlamentarista, nasce a fórmula atual sobre a „conquista do Estado“.
Depois das experiências revolucionárias da Rússia, da
Hungria e da Alemanha, estamos persuadidos de que o Estado Socialista não se
pode encarnar nas instituições do Estado Capitalista, na medida em que é uma
criação fundalmentalmente nova em relação a esse, se não em relação à história
do proletariado. ..
O Estado Socialista ainda não é o comunismo, i.e. a
instauração de uma prática e de um costume econômico solidário, mas é o Estado
de transição que conseguiu suprimir a concorrência com a supressão da
propriedade privada, das classes, das economias nacionais : essa tarefa não
pode ser cumprida pela democracia parlamentar.
A fórmula „conquista do Estado“ deve ser entendida nesse
sentido : criação de um novo tipo de Estado, gerado pela experiência
associativa da classe proletária e substituição desse ao Estado
democrático-parlamentar(p. 221).[6]
Eis aqui o
nascimento do “Lenin do Ocidente”, i.e. do “Lenin Democrático”, tal
como o denominam certos intelectuais gramscianos do meta-marxismo, vindo ao
mundo após o trabalho de parto de desorientalização do autêntico e verdadeiro Lenin,
i.e. de Wladimir Ilitch ...[7]
Após ter concebido
essencialmente esse último Lenin como um orientalista - i.e. não como um dirigente cosmopolita,
superficialmente nacional e superficialmente ocidentalista, à la
Trotsky,
porém extremamente sagaz e realisticamente prático, a ponto de ter sido
capaz de revisar, estritamente, seu orientalismo revolucionário quando se
tratava de examinar as novas e possíveis transformações socialistas a terem
lugar na Europa Ocidental depois da irrupção da Revolução Russa -, o “Lenin
do Ocidente” situa, em sua
doutrina, todos os seus demais conceitos téorico-políticos com vistas a
consagrar, explicitamente, a ”guerra de posição”, i.e. a ”guerra de assédio”, cumpre
dizer, a via democrático-pacifista, ou ainda, segundo o peculiar
léxico-linguístico do gramscismo contemporâneo, a via democrática ao socialismo,
enquanto única estratégia ou única política possível para a edificação do
socialismo no Ocidente.
Mais uma vez nesse
domínio, seu principal antagonista político é o suposto cosmopolitanismo de Léon
Trotsky, considerado por Antonio Gramsci, i.e. o “Lenin
Democrático”, como o mais importante baluarte personificado da
revolução violenta mundial das massas exploradas e oprimidas contra a tirania
capitalista, protagonizador, em nível internacional, em todos os países do
globo, da extensão da “guerra de manobra, da guerra de movimento,
da guerra de ataque frontal”, i.e. da guerra civil do proletariado
contra o capital, em favor de sua emancipação ou libertação de classe,
voltada à implosão do Estado Burguês e a edificação da
Ditadura do Proletariado, enquanto incorporadora da mais ampla e
historicamente mais avançada Soberania proletária, enquanto
pressuposto transitório para o atingimento da primeira fase do comunismo e da abolição
da sociedade de classes.
No entender de Gramsci,
se necessário é considerar como péssima a teoria da Revolução
Permanente, tal como defendida por Trotsky, na medida em que nada mais fez senão predizer
vir a menina se tornar mãe aos seus vinte anos - não se recordando que, quando
caminhava sobre os seus quatro, queriam-na brutalmente violar -, haver-se-ia de se concluir necessariamente – i.e. à
maneira da alegoria do estrupo gramsciano - que a teoria política do ataque
frontal, de que Trotsky foi um dos maiores representantes em escala mundial,
responde pelo período dos fiascos revolucionários do período posterior à I
Guerra Mundial.
Tal raciocínio
resume excelente e estupendamente o fato de que os posicionamentos de Gramsci,
não sendo absolutamente compatíveis com os ensinamentos de Marx
e Engels, Lenin e Trotsky, revelam-se, porém, plenamente coerente com
mais dois de seus principais cânones sintetizadores da sabedoria gramsciana : o
primeiro “Na política, dizer a verdade às massas é uma necessidade política ...
” e o segundo “E
errar não é humano ?”[8]
Sim, errar há de
ser considerado como um fenômeno humano. Porém, no que concerne às questões
político-estratégicas, é indispensável constatar-se a existência de certos
intelectuais idealistas-subjetivistas, de linhagem burocrático-stalinista, que
acreditam poder ser mais humanos do que muitos dos mortais por recorrerem, mais
freqüente e ardilosamente, à prerrogativa do erro, valendo-se de conceitos
subreptícios para dizer a sua pretendida verdade às massas, desconsiderando que
também a séria e honesta apreciação dos fatos e das concepções revolucionárias
há de ser concebida como uma das mais exigentes e leais qualidades de todos os
seres racionais.
E, com efeito : do
cânone criativamente gramisciano concernente à ”guerra de posição ou de
assédio”, decorrem muitos outros corolários empregados adrede por Gramsci,
procurando pavimentar a via pacifista, i.e. a via democrática, segundo
Gramsci,
“a
via mais sacrificante para a vitória do socialismo”, enquanto única
estratégia ou único sendeiro possível para o atingimento do socialismo no Ocidente.
Entre tais
corolários conceituais utilizados por Gramsci – os quais não podem ser compreendidos
em seu significado teórico original se apartados do contexto de sua própria
doutrina da via ao socialismo através da “guerra de posição” nos países da Europa
Ocidental – destaca-se sua renomadíssima concepção relacionada com a conquista
da concentração inaudita da hegemonia pelas classes dominadas e dirigidas, plenamente
coerente com a passagem da “guerra de manobra ou de ataque frontal”,
de matiz eminentemente trotskysta, à ”guerra de posição ou de assédio, também no
campo político”, de índole inconfundivelmente gramsciana.[9]
Acerca dessa
temática, escreve Gramsci, em seus Cadernos do Cárcere, referindo-se,
mais uma vez, criticamente aos posicionamentos de Trotsky :
“Passagem da
guerra de manobra ( e do ataque frontal ) à guerra de posição também no campo
político.
Essa me parece ser a questão de teoria política mais
importante, colocada pelo período do após-guerra, e mais difícil de ser
resolvida justamente.
Ela está ligada às questões
levantadas por Bronstein (i.e. por Trotsky), o qual, de um modo ou de outro,
pode ser considerado o teórico político do ataque frontal, em um período em que
esse é apenas causa de fiascos.
Apenas indiretamente
(mediatamente), essa passagem na ciência política está ligada àquela ocorrida
no campo militar, ainda que exista um laço essencial.
A guerra de posição exige enorme sacrifícios de massas
ilimitadas da população..
Por isso, é necessária uma concentração inaudita da
hegemonia e, pois, uma forma de governo “intervencionista”, que mais abertamente
assuma a ofensiva contra os opositores e organize, permanentemente, a
“impossibilidade” de desagregação interna : controles de todo gênero,
políticos, administrativos etc., reforçando as posições hegemônicas do grupo
dominante, etc.
Tudo isso indica que se entrou em uma fase culminante da
situação político-histórica, posto que na política da “guerra de posição”, uma
vez vencida essa, torna-se ela definitivamente decisiva.
Na política, subsiste a guerra de movimento até quando se
trate de conquistar posições não decisivas, não sendo, pois, mobilizados todos
os recursos da hegemonia do Estado.
Mas, quando por uma razão ou por outra, essas posições
perderam o seu valor e apenas as posições decisivas têm importância, passa-se à
guerra de assédio, comprimida, difícil, em que se exige qualidade excepcional
de paciência e de espírito inventivo.
Na política, o assédio é recíproco, apesar de todas as
aparências, e apenas o fato de que o dominador deva fazer uso de todas as suas
reservas demonstra qual seja o cálculo que ele faz acerca do adversário.”[10]
Com efeito, não
poderia ser diferente : se se admite, teoricamente, como única possibilidade de perpectiva
revolucionária aquela de que, nos países do Ocidente, o socialismo
pode ser alcançado através da ”guerra de posição”, i.e via
democrático-pacifista, “sem ataque frontal” de despedaçamento do Estado
Burguês, “via mais sacrificante de atingimento do socialismo”, por
exigir uma “concentração inaudita de hegemonia”, no particular
léxico-político de Gramsci – perspectiva essa oposta diamentralmente à doutrina de
Marx,
Engels, Lenin e Trotsky -, então é necessário resituar todos os
conceitos relativos à luta de classes do proletariado, a fim de que os termos
linguístico-significantes se refiram a outros objetos, fatos e circurstâncias
significadas, pressupostamente de natureza social-relacional concreta.
Coerente com seus
objetivos de legitimação da passagem à ”guerra de posição”, i.e. à via
democrático-pacifista ao socialismo, travada preponderantemente mediante
conquistas de “trincheiras, fortalezas e casamatas”, Gramsci defende que tal
objetivo deve ser alcançado, em primeiro lugar, através da conquista dos aparelhos sociais
de direção moral-intelectual da burguesia dominante – i.e. conquista da
direção de associações político-educadoras e ético-culturais, escolas e
universidades, fábricas e sindicatos, como também de parlamentos, tribunais,
instituições político-administrativas etc.
Para tanto, Gramsci
afirma conceber o Estado, de maneira inovadora e criativa, sem qualquer critério efetivamente
classista, “não apenas como aparelho de governo, senão ainda como aparelho
“privado” de hegemonia ou sociedade civil”, i.e. como “sociedade
política + sociedade civil” ou ainda como hegemonia encouraçada pela
coerção” [11][12].
Nesse contexto de
reformulação idealista-subjetivista de inúmeros conceitos decisivos,
desenvolvidos de modo científico-socialista por Marx e Engels, Lenin e Trotsky,
Gramsci postula que os grupos oprimidos sob o capitalismo podem e devem
conquistar tais aparelhos sociais de direção moral-intelectual, antes
mesmo da tomada do poder de coerção do “Estado”, no quadro de
uma ampla reforma cultural e política, impulsionada ainda no interior dos “regimes
democrático-parlamentaristas”, que se pretenderia, então, democratizar
ao extremo[13][14].
Nesse sentido, a
concepção de Gramsci sobre o Estado é, notoriamente, antagônica daquela
elaborada e aperfeiçoada por Marx, Engels, Lenin e Trotsky, ao
longo praticamente de um século de experiências revolucionárias efetivas
voltadas à luta de classes de emancipação do proletariado.
No contexto do
pensamento de Gramsci, como também no gramscismo contemporâneo, a
conquista do momento de coerção estatal, no percurso da luta pelo poder dos
grupos sociais “dominados e dirigidos” sob o capitalismo, pressuporia sua
transformação em grupos “dominados-dirigentes”, propiciada
pela condução vitoriosa de uma ”guerra de posição” no terreno da
sociedade civil e política, extremamente complexa dos países industrializados
do Ocidente,
habilitando-os, sólida e seguramente, para o exercício de sua dominação
hegêmonica, de seu “domínio-dirigente”, i.e. de uma coerção ético-política sobre a
sociedade considerada como um todo, a qual lhes permetiria produzir um novo
consenso social e um novo senso comum, compatível com
atuação de um “Estado Socialista”.
Dessa forma, o Estado
é conquistado, após ser alcançada a direção
moral-intelectual, i.e. a hegemonia cultural sobre a sociedade civil e política
– o que, no quadro da doutrina de Gramsci vale dizer : o Estado não é
destruído, não é despedaçado, não é demolido pela violência revolucionária do
proletariado, visando à edificação da Ditadura do Proletariado, implacável
repressora das forças contra-revolucionárias e incorporadora soberana da mais
ampla e historicamente mais avançada Soberania proletária.
Segundo Gramsci,
a conquista
do Estado seria possível mediante uma máxima ampliação da democracia
das instituições civis e políticas, públicas e privadas, mediante “guerra
de posição ou de assédio”, no estilo da tomada de “trincheiras, fortalezas e
casamatas”, de modo a conduzir, seguramente, à vitória do socialismo.
Essa perspectiva
político-estratégica haveria de suscitar a gradativa, incessante e progressiva
erosão dos fundamentos de dominação e direção do capitalismo, permitindo, em um
primeiro momento, a conquista pelos grupos oprimidos de sua hegemonia
ético-política sobre o conjunto das instituições sociais.
Da lógica
político–etratégica de Gramsci resulta que o partido marxista-revolucionário
não tendo mais como objetivo central a promoção e o impulsionamento das lutas
sociais – econômicas, políticas e ideológicas – visando à preparação das forças
do proletariado hegemônico, no sentido dialético do materialismo-histórico, e
de seus aliados políticos, para a destruição violenta do Estado Burguês e
edificação da Ditadura do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania
proletária, haveria de, nos países do Ocidente, lutar, antes de
e sobretudo, pela conquista da hegemonia moral-intelectual, i.e. da
direção ético-política, de matiz idealista-subjetivista, ampliando,
sistemática e incessantemente, os espaços democráticos das instituições
sociais, civis e políticas, como forma de ascender ao socialismo, ”sem
ataque
frontal, sem guerra de movimento, sem guerra de manobra”.
O socialismo
venceria se tanto a democracia parlamentar como a experiência
democrático-associativa dos trabalhadores fossem desenvolvidas ao extremo, de
modo a substituir, dissolutivamente, as instituições do “Estado Capitalista-Democrático”,
e, sobretudo, se o socialismo, por essa via hipoteticamente atingido, as
desenvolvesse.[15]
Impulsionando-se
através da ”guerra de posição” essa via democrático-pacifista ao socialismo, os
grupos dominados e dirigidos, devendo se tornar hegemônicos, i.e. moral e
espiritualmente dirigentes, sobre a “sociedade civil e política”, antes
mesmo da tomada do poder de coerção do Estado, haveriam de, em
conformidade com a estratégia política de Gramsci, ampliar ao máximo os espaços
democráticos, sendo que tal ampliação dar-se-ia, decisivamente, através da
conquista de seu maior peso representantivo nas instituições estatais
conformadoras da forma democrático-representativa do Estado Burguês.
Nesse sentido, Gramsci
anota acerca da teoria da divisão de poderes, de autoria de Montesquieu,
opondo-se mais uma vez radicalmente aos ensinamentos legados por Marx,
Engels e Lenin ao trotskysmo acerca da matéria :
“Hegemonia
(sociedade civil) e divisão dos poderes.
A divisão dos poderes e toda a discussão ocorrida para a
sua realização e a dogmática jurídica nascida do seu advento são o resultado da
luta entre a sociedade civil e a sociedade política de um determinado período
histórico, com um certo equilíbrio instável das classes, determinado pelo fato
de que certas categorias dos intelectuais (a serviço direto do Estado,
especialmente burocracia civil e militar) encontram-se ainda excessivamente
ligados às velhas classes dominantes. ...
Importância essencial da divisão dos poderes para o
liberalismo político e econômico : toda a ideologia liberal, com suas forças e
suas fraquezas, pode ser resumida no princípio da divisão dos poderes e
transparece qual seja a fonte da fraqueza do liberalismo : é a burocracia, i.e.
a cristalização do pessoal dirigente que exercita o poder coercitivo e que, em
um certo ponto, se torna uma casta.
Daí a reivindicação popular da elegibilidade de todos os
cargos, reivindicação que é liberalismo extremo e, ao mesmo tempo, sua
dissolução (princípio da Constituinte em permanência etc.; nas Repúblicas, a
eleição a prazo do chefe do Estado dá uma satisfação ilusória a essa
reivindicação popular elementar.)
Unidade do Estado na distinção dos poderes : o Parlamento
mais ligado à sociedade civil, o Poder Judiciário entre Governo e Parlamento,
representa a continuidade da lei escrita (também contra o Governo).
Naturalmente, todos os três poderes são também órgãos da
hegemonia política, porém em diversa medida : 1) Parlamento; 2)Magistratura;
3)Governo.
Deve-se anotar como, junto ao público, produzem impressão
desastrosa as injustiças da administração da justiça : o aparelho hegemônico é
mais sensível nesse setor, ao qual podem ser reconduzidos também os árbitros da
polícia e da administração política.”[16]
Eis um texto
luminoso da estratégia política da “guerra de posição” e de conquista da
hegemonia, protagonizada por Gramsci não apenas contra Trotsky,
senão contra toda a tradição teórico-doutrinária de Marx,
Engels e Lenin.
Pois bem, Gramsci
apresenta-nos aqui sua receita de como avançar-se para o socialismo : mediante
a conquista da reivindicação popular - extremamente liberal (!) - concernente à
elegibilidade de todos os cargos, as classes oprimidas logram alcançar a “dissolução”
do liberalismo, i.e. a “dissolução” de seu máximo princípio,
consistente na divisão dos poderes de Montesquieu, i.e. a “dissolução”
da
unidade do Estado Burguês, na distinção dos poderes, rumando, assim, para
um socialismo
“democrático-popular”, emergente “sem guerra de movimento, sem guerra de
manobra, sem ataque frontal, protagonizado
por Trotsky, em um período em que esse é apenas causa de fiascos”.[17]
Gramsci, escorado em sua formulação político-estratégica acerca da
dissolução do princípio máximo do liberalismo, mediante liberalismo extremo –
caracterizadora de sua semi-fantástica via democrático-pacifista ao socialismo -
ainda possui a ambição de demonstrar que essa é a via dos maiores sacrifícios das
massas, mesmo menosprezando no
programa político do proletariado a inevitável tarefa de destruição,
despedaçamento, demolição ou quebra violenta das máquinas coercitivas dos Estados
Burgueses do “Ocidente”.
Com efeito, a
conquista supostamente possível da reivindicação extremamente liberal da
eligibilidade de todos os cargos do Parlamento, dos Tribunais e do Governo
já conduziria, mesmo no contexto da exploração e opressão do despotismo da
classe capitalista-burguesa, à “dissolução” da unidade do Estado, “na
distinção dos poderes” ...
Tal como é
possível verificar-se, entre o trotskysmo e o gramiscismo existe um
abismo intransponível no que concerne a tarefa do partido revolucionário do
proletariado, consistente no formar, em sentido dialético
histórico-materialista, o proletariado hegemônico e seus aliados políticos para
a revolução socialista que faça saltar pelos ares a máquina estatal de
violência física e ideológica da burguesia, permitindo, então, proceder, sem
entraves, à edificação do Estado Proletariado, i.e. da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, enquanto instrumento estatal
transitório para o atingimento do socialismo.
Apenas esse Estado
Proletário é capaz de promover a dissolução do liberalismo presente na
doutrina dos três poderes de Montesquieu, introduzindo não apenas
a eligibilidade de todos os cargos públicos, senão ainda sua remuneração por
salários médios de trabalhadores de indústria, bem como a consagração do
princípio jurídico-público de revogabilidade de mandatos eletivos a qualquer
tempo pelos organismo de poder do proletariado.[18]
Inversamente,
torna-se praticamente impossível conceber-se profundamente o sentido adquirido
pela consigna de ampliação máxima da cidadania nos dias de hoje senão
concebendo-o em face da problemática de fundo, traçada pelo gramiscismo, no
concernente à passagem à ”guerra de posição”, à via
democrático-pacifista ao socialismo, à conquista da hegemonia dos grupos
dominados e dirigidos, à produção de um novo consenso social e de um novo senso
comum.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS
[1] Acerca da primeira
caracterização, não menos criativa e
inovadora, de Gramsci acerca da Revolução Outubro, permito-me a
remeter o leitor a GRAMSCI, ANTONIO. La
Rivoluzione contro il „Capitale“ (Avanti!, 24 de Novembro de 1917, Il Grido del
Popolo, 5 de Janeiro de 1918), in : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma,
1967, pp. 80 e s. Quanto a essa temática, vide ainda as considerações
elaboradas no item III. C. da presente investigação.
[2] Cf. GRAMSCI, ANTONIO. Quaderni del Carcere, Nr. 7
(1928-1937) - Guerra di Posizione e Guerra Manovrata o Frontale, in: Antonio
Gramsci. Note sul Machiavelli sulla Politica e sullo Stato Moderno, Torino :
Editori Riuniti, 1991, pp. 84 e s.
[3] Acerca do tema, Gramsci
assinala, explicitamente : „Escreveram-se artigos teóricos em favor da
frente única em geral e do governo operário-camponês em geral, porém essas
palavras de ordem não foram jamais incorporadas às situações que se sucediam
rapidamente. Parece-me ser esse um defeito geral
de todos os nossos partidos e seria
necessário procurar-se as causas
para combatê-las. Uma causa é, sem
dúvida, o modo com é entendido o assim-denominado
centralismo do Komintern : até agora não se chegou a alcançar a existência de partidos que saibam fazer
uma política autônoma, criativa, que seja
automaticamente centralizada, enquanto
correspondente aos planos gerais de ação, esboçados nos congressos.“ Cf. GRAMSCI,
ANTONIO. Lettera a Terracini(27
de Março de 1924), in : Palmiro Togliatti. La
Formazione del Gruppo Dirigente del Partito Comunista Italiano nel 1923-1924,
Roma : Editori Riuniti, p. 261.
[4] Acerca
do tema, vide LENIN, VLADIMIR I., Gosudarstvo i Revolutsia.
Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (O Estado
e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as Tarefas do
Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, pp. 3 e s.; MARX, KARL. Der Bürgerkrieg
in Frankreich (A Guerra Civil na França)(1871),
in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XVII, pp. 336 e s.
[5] Cumpre destacar que Lenin, em O Estado e a Revolução, escrito em agosto de 1917, assinalou, expressamente, que, com a deflagração
da I
Guerra Mundial Imperialista, a reserva de Marx, contida no 18 Brumário de Luis Napoleão, concernente
à necessidade de despedaçamento
da máquina militar e burocrática do Estado Burguês apenas no quadro das revoluções proletárias do
continente Europeu, também estava, essencialmente, envelhecida. Na Inglaterra e nos EUA, últimos
representantes da liberdade
anglo-saxônica - consagradora
da ausência de um
militarismo e de uma burocracia
administrativa já existente nos Estados Burgueses da Europa Continental -, haviam emergido as mesmas instituições
militaristas e burocráticas
características da violenta dominação
burguesa, existentes nos países europeus-continentais.
A partir de então, a condição
preliminar de toda e qualquer revolução proletária nesses dois países
passava a ser, igualmente,
a quebra e a destruição de suas máquinas estatais
burguesas engendradas para reprimir violentamente as classes subalternas. Tal contexto, colocou, em escala
incomparavelmente mais ampla,
a tarefa contemporânea de concentração de todas as forças da revolução
proletária para a destruição dos Estados Burgueses
Imperialistas da atualidade.
Acerca do tema, vide LENIN, VLADIMIR I., Gosudarstvo i
Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v
Revoliutsi (O Estado e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as
Tarefas do Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. III.1 : O Estado e a Revolução.
A Experiência da Comuna de Paris(1871). A
Análise de Marx – Em que consiste o Heroísmo da Tentativa dos Communards, pp. 36 e s.
[6] Nesse
sentido particular, vide GRAMSCI, ANTONIO. La Conquista dello
Stato(L’Ordine Nuovo, 12 de Julho
de 1919), in : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma, 1967, p. 221. Mesmo em seus
célebres artigos, intitulados „Socialistas e Anarquistas“ e „O Estado e o Socialismo“, Gramsci, situado no quadro de sua penosa teoria acerca
da „conquista do Estado“ e do „Estado
Socialista“, não formula uma
palavra ou uma idéia sequer
no sentido de indicar que o
Estado Capitalista-Burguês
deve ser destruído, despedaçado, implodido, pela violência revolucionária do proletariado, como forma de
pavimentar-se a construção da Ditadura do Proletariado, incorporadora
da mais avançada Soberania
proletária, enquanto Estado
de transição para o atingimento
do socialismo, em que não subsistirá nem divisão de classes, nem poder
de Estado. Nesse sentido, vide IDEM.
Lo Stato e il Socialismo(L’Ordine Nuovo, 28 de Junho-5
de Julho de 1919), in : ibidem, pp. 210 e s.; IDEM. Socialisti e Anarchici(L’Ordine Nuovo, 20-27 de Setembro
de 1919), in : ibidem, pp. 237 e s.
[7] Nesse
sentido, vide ADLER,
A. Gramsci : Lénine en Occident, in : La Nouvelle Critique, Paris, 1978,
Nr. 115 pp. 13 e s.; BALIBAR, ETIENNE. Gramsci, Marx et le Rapport Social, in : Modernité de Gramsci, Actes du
Colloque Franco-Italien de Bensançon (23-25 Novembre 1989), Annales Littéraires
de l’Université de Besançon, Série Agon Nr. 4, Besançon : Paris IV, 1992, p.
265.
[8] Cf.
CERRONI, UMBERTO. Gramsci-Lexikon (Léxico –
Gramsci) : Gedanken Gramsci (Pensamentos de Gramsci), Hamburg-Roma :
VSA-Riuniti, 1978, p. 44.
[9] Também
nesse
sentido, parece-me, mais uma vez, substancialmente equivocado o parecer
defendido por Franco Grisolia, da Associazzione Marxista Rivoluzionaria
Proposta, quando escreve : “Na Itália,
encontra-se difundido um mito segundo o qual o conceito de hegemonia é uma
inovação teórica peculiar do pensamento de Antonio Gramsci, que o haveria
destacado do rígido “dogmatismo” da III Internacional leninista. Na realidade,
o grande revolucionário italiano, não fez senão retomar um conceito próprio dos
decênios do marxismo revolucionário russo (“Os promotores da idéia da hegemonia
do proletariado na revolução são Plechanov e Lenin” : assim Zinoviev, em sua
História, 1923). Gramsci, com grande brilhantismo, repropõe essa temática
central na Itália. Além disso, a utilização do termo “hegemonia” – mais vago, à
primeira vista, que os outros - no
período do cárcere – constituía para Gramsci também um elemento de prudência em
relação às medidas repressivas ulteriores de seus carcereiros fascistas”. GRISOLIA, FRANCO. La Natura ed il Ruolo
del Partito Leninista, in : Ottobre 1917. L’Assalto al Cielo : La Rivoluzione
Russa e le Sue Prospettive Internazionali, in: I Dossier di Proposta, 30 maggio
1999.
[10] Cf. GRAMSCI, ANTONIO. Quaderni del Carcere (1928-1937)
– Passagio dalla Guerra Manovrata (e dall’Attacco Frontale) alla Guerra di
Posizione anche nel Campo Politico, in: : Antonio Gramsci. Scritti Politici,
Roma, 1967, pp. 821 e s.
[11] Cf.
IDEM. Quaderni del Carcere, Nr. 6
(1928-1937) – Concetto di Stato, in : Antonio Gramsci. Note sul Machiavelli
sulla Politica e sullo Stato Moderno, Torino : Editori Riuniti, 1991, p. 164.
Nessa sede, Gramsci assevera, o seguinte : “Per Havély, « Estado » é o
aparelho representativo, sendo que ele descobre que os fatos mais importantes
da história francesa, de 1870 até hoje, não são devidos a iniciativas dos
organismos políticos derivantes do sufrágio universal, mas sim derivantes ou
dos organismos privados (sociedade capitalista, Estado-Maior etc.) ou dos
grandes funcionários desconhecidos do país etc. Porém, o que significa isso,
senão que por Estado deve ser entendido como sendo, além do aparelho de governo,
também o aparelho “privado” da hegemonia ou da sociedade civil(p. 164)”.
[12] Cf.
IDEM. Quaderni del Carcere, Nr. 6
(1928-1937) – Stato Gendarme-Guardiano Notturno, ecc., in : Antonio Gramsci.
Note sul Machiavelli sulla Politica e sullo Stato Moderno, Torino : Editori
Riuniti, 1991, p. 166. Nesse sítio, Gramsci escreve da forma seguinte :
“ ... é de assinalar-se que na noção geral de Estado entram elementos que devem
ser reportados à noção de sociedade civil (no sentido de que, poder-se-ia
dizer, Estado = sociedade política + sociedade civil, i.e. hegemonia
encouraçada de coerção)(p. 166).“
[13] Acerca da doutrina
marxista do Estado, vide, antes de tudo, MARX,
KARL. Der Bürgerkrieg in Frankreich (A Guerra Civil na França)(1871), in :
Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XVII, pp. 336 e s.; ENGELS, FRIEDRICH. Der Ursprung der Familie, des Privateigentums
und des Staates(A Origem da Família,
da Propriedade Privada e do
Estado)(1884), in : ibidem, Vol. XXI, pp. 27 e s.; LENIN,
VLADIMIR I., Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi
Proletariata v Revoliutsi (O Estado e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre
o Estado e as Tarefas do Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, pp. 3 e s.; TROTSKY, LÉON. Terrorismus und
Kommunismus. Anti-Kautsky, (Terrorismo e Comunismo. Anti-Kautsky)(1920), Berlim
: Dietz, 1990, pp. 9 e s.; IDEM. Agonia Kapitalizma i Zadatchi
IV Internatsionala. Mobilizatsia
Mass Vokruk Pererrodnyrr Trebovanii kak Podgotovka k Zavoievanniu Vlasti (A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da IV Internacional. A Mobilização das Massas em torno de Consignas Transitórias para
Preparar a Conquista do Poder ),
in : Biulietien Opozitsi Bolschevikov-Lenintsev (Boletim
de Oposição Bolchevique-Leninista), Nr. 66/67, Paris, 1938, pp. 14 e s.; IDEM. Predanaia Revoliutsia
(A Revolução Traída)
(1936), Ch.
3.3. Capitalismo e Estado -
O Duplo Caráter do Estado dos Trabalhadores,
Moscou, 1991, p. 44.
[14] Cf.
GRAMSCI, ANTONIO. Quaderno del
Carcere Nr.
19 (1928-1937) - Il Problema della Direzione Politica nella Formazione e nello
Sviluppo della Nazione e dello Stato Moderno in Italia, in : Antonio Gramsci.
Disgregazione Sociale e Rivoluzione. Scritti sul Mezzogiono,
Napoli : Liguori Editore,
1996, p. 188.
[15] Nesse
sentido, vide, particularmente,
IDEM. La Conquista dello Stato(L’Ordine Nuovo, 12 de Julho de
1919), in : Antonio Gramsci. Scritti Politici, Roma, 1967, p. 221 e s.; IDEM. Lo Stato e il Socialismo(L’Ordine
Nuovo, 28 de Junho-5 de Julho de 1919), in : ibidem,
pp. 210 e s.; IDEM. Socialisti e
Anarchici(L’Ordine Nuovo, 20-27 de Setembro
de 1919), in : ibidem, pp. 237 e s.
[16] Cf. IDEM. Quaderni del Carcere, Nr. 6
(1928-1937) – Egemonia (Società Civile) e Divisione dei Poteri, in : Antonio
Gramsci. Note sul Machiavelli sulla Politica e sullo Stato Moderno, Torino :
Editori Riuniti, 1991, p. 107.
[17] [17] Cf. IDEM, Quaderni del Carcere (1928-1937) – Passagio dalla
Guerra Manovrata (e dall’Attacco Frontale) alla Guerra di Posizione anche nel
Campo Politico, in: : Antonio Gramsci. Scritti
Politici, Roma, 1967, pp. 821 e s.
[18] Acerca
do tema, vide, especificamente, STUTCHKA, PIOTR. “Staryi i Novyi Sud(Tribunal Velho e Novo)”(3, 4 e 5 de
Janeiro de 1918, Tradução em Língua Portuguesa de Emil von München), in: Textos
Jurídicos de Formação dos Juristas Socialistas da Classe Trabalhadora.
Instituto Luís e Rosa Sunderman : Ed. Jurídica Socialista dos Trabalhadores,
São Paulo-Munique-Paris, 2000. Vide ainda MARX,
KARL. Der Bürgerkrieg in Frankreich (A Guerra Civil na França)(1871), in :
Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XVII, pp. 336 e s.; LENIN, VLADIMIR I. Gosudarstvo i Revolutsia.
Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (O Estado
e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as Tarefas do
Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. III.1 : O Estado e a Revolução. A Experiência da Comuna de Paris(1871). A
Análise de Marx – Em que consiste o Heroísmo da Tentativa dos Communards, pp. 36 e s.