Texto de Autoria de
Portau Schmidt
von Köln
Emil Asturig von München
A Enfermidade Gramsciana
no Movimento Trotskysta Contemporâneo
e nas Lutas de Emancipação do Proletariado
Polêmica Trotsky e Gramsci : Gramsci e Trotsky
O
SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana
de
Atualização, Correção
e
Superação do Marxismo
(O
Meta-Marxismo de Actuel Marx)
Voltar
ao Índice Geral
http://www.scientific-socialism.de/SUCapa.htm
„Nós
lutamos por um marxismo aberto que se relaciona com as concepções
e os debates da IV Internacional fundada por Trotsky
(e, em
particular, no caminho que ela trilhou sob a direção de Ernst Mandel),
no
diálogo com outras tradições e experiências,
tal como
a herança de Rosa Luxemburg, Antonio Gramsci,
a obra de
Che Guevara e a Revolução Cubana,
as
contribuições das comunidades religiosas de base
e a
Teoria da Libertação, o movimento ecológico,
a luta dos
negros, as novas dimensões abertas pelo movimento feminista e o movimento dos
gays e das lésbicas.
O valor
central da democracia.
Já o nome
„Democracia Socialista“ relaciona-se, expressamente,
com a
crítica das visões de um socialismo autoritário e burocrático,
tais como
divulgadas há vinte anos entre os ativistas de esquerda ...
No campo
programático, desenvolvemos uma compreensão para o potencial político das
aspirações democráticas
que,
partindo dos problemas mais urgentes da população, colocam em questão a ordem
existente e aguçam
a luta
pelo Socialismo.“[1]
É
necessário entender a existência de um marxismo vulgar
que
antecipava determinadas condutas a partir da posição da classe das pessoas.
Segundo
essa teoria, se alguém era operário, ia automaticamente tomar consciência
de sua
condição, entrar na luta, organizar-se e combater.
Porém, na
prática, não era isso o que sempre ocorria.
Alguns
setores, sim, adquiriram consciência. Outros, não.
Essa
forma mecânica de ver as coisas perdeu vigência com a Revolução Cubana,
particularmente
com os posicionamentos críticos de Che Guevara e de Fidel Castro,
precedidos dos de Lenin e Gramsci
que
falaram da importância das influências culturais e do entendimento
por parte das forças atuantes da História, do que ocorre ao redor.”[2]
“Existe um marxismo dogmático e um marxismo criativo.
Eu me
situo sobre o terreno desse último.”[3]
No
quadro da presente investigação, serão apresentadas ao leitor, crítica e
expositivamente, as premissas lógicas e as expressões políticas mais salientes,
segundo as quais as principais forças dirigentes do Secretariado
Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), desnaturam e refutam, nos
dias de hoje, ostensivamente, as experiências histórico-revolucionárias mais sólidas
da classe trabalhadora e as concepções socialistas-revolucionárias proletárias
mais basilares que dão sustentação às posições doutrinárias de Marx e
Engels, Lenin e Trotsky, mediante alegações falaciosas de que o
socialismo pode ser alcançado através da fase transitória da Democracia
Socialista, e não da Ditadura Revolucionária do Proletariado.
“Art.
9°. O problema fundamental da Constituição da República Federal Socialista
Soviética Russa envolve, em vista do presente período de transição, o estabelecimento
da Ditadura do Proletariado urbano e rural e dos camponeses pobres, na forma de
um poderoso poder soviético de toda a Rússia, com o objetivo de derrotar
completamente a burguesia, de aniquilar a exploração do homem pelo homem e de
instaurar o socialismo, no qual não existirá nem divisão de classes nem poder
estatal.”[5]
Seria a mais ousada falsificação histórica e o mais acabado
abandono de todo o legado histórico, transmitido até nossos dias por Trotsky, imaginar-se que o estabelecimento da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, tal como impulsionada
e desenvolvida no quadro da Revolução de Outubro, não consagrasse a mais ampla e historicamente superior Soberania
proletária, sendo devido e justificável, mediante
um “pequeno escorregão”, passar-se a falar,
mais preferentemente, de Democracia Socialista, “como pressuposto e condição para um processo de
transição rumo a uma sociedade realmente comunista”,
como o fazem, atualmente, os mais expressivos e renomados dirigentes políticos
e ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional
(SU-QI), tal como adiante restará comprovado.
Em suas Teses e Exposição acerca da Democracia
Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de
4 de março de 1919, Lenin teve a
oportunidade de esclarecer, notoriamente, no quadro do I Congresso da
Internacional Comunista – que indicou como
seus melhores representantes Karl Liebnecht e Rosa Luxemburg -, o significado do
exercício da Soberania proletária na Ditadura do Proletariado: [6]
“A
diferença fundamental entre a Ditadura do Proletariado e a Ditadura das outras
classes, da Ditadura dos Latifundiários na Idade Média, da Ditadura da
Burguesia em todos os países capitalistas civilizados, reside em que a Ditadura
dos Latifundiários e da Burguesia representava a opressão violenta da
resistência da maioria esmagadora da população, nomeadamente a opressão dos
trabalhadores.
Pelo
contrário, a Ditadura do Proletariado é a opressão violenta da resistência dos
exploradores, i.e. de uma minoria ínfima da população, dos Latifundiários e
Capitalistas.
Disso
resulta que a Ditadura do Proletariado deverá portar, consigo, inegavelmente,
não apenas, dito genericamente, uma modificação das formas e das instituições
da democracia, mas sim um tal modificação delas que os escravizados pelo
capitalismo, as classes trabalhadoras, execerão, efetivamente, a democracia em
uma medida jamais vista no mundo antes.
Realmente,
a forma da Ditadura do Proletariado, que já foi praticamente elaborada, i.e. o
Poder Soviético na Rússia, o Sistema de Conselhos na Alemanha, os Comitês de
Fábrica e outras instituições soviéticas análogas em outros países, significa e
materializa precisamente para as classes trabalhadoras, i.e. para a maioria
esmagadora da população, uma grande oportunidade para se servir dos direitos
democráticos e liberdades, tal como jamais existiu, mesmo que aproximadamente,
nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas(p. 479).”[7]
Precisando seu raciocínio acerca da Soberania
proletária, assinalou Lenin, em suas teses 16 e 20 :
“16. A
velha, i.e. a Democracia Burguesa e o Parlamentarismo foram organizados de tal
forma que precisamente as massas trabalhadoras eram estranhas ao aparelho
administrativo, na medida mais extrema.
O Poder
Soviético, i.e. a Ditadura do Proletariado é, pelo contrário, organizado de
modo a aproximar as massas trabalhadoras do aparelho administrativo.
Ao mesmo
objetivo serve, igualmente, a unificação do Poder Executivo e do Poder
Legislativo na organização soviética do Estado e a substituição das
circunscrições eleitorais territoriais pelas unidades de produção, tais como
oficinais e fábricas(p. 480). ....
20. A
cessação (no original alemão : Aufhebung) do Poder de Estado é o objetivo que
todos os socialistas colocaram a si mesmos, entre eles e, em seu ápice, Marx.
Sem a
materialização desse objetivo, o verdadeiro democratismo, i.e. a igualdade e a
liberdade são inatingíveis.
Apenas a
Democracia Soviética, ou Proletária, conduz, praticamente, a esse objetivo,
pois ela ruma, imediatamente, para a preparação do total perecimento de todo
Estado, na medida em que incorpora as organizações das massas dos trabalhadores
na participação permanente e incondicional da administração do Estado(p. 481).”[8]
Sendo assim, no que concerne à intransigente defesa da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, incorporadora, por
princípio, tal como visto, da mais ampla Soberania
proletária, é necessário recordar, ainda à guisa
de introdução, que ela não incorpora, de nenhuma forma, a mais ampla liberdade
política para as forças contra-revolucionárias.
Se tomados como base já mesmo os extratos, acima
reproduzidos, das Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a
Ditadura do Proletariado, de 4 de março de 1919,
formuladas por Lenin, na abertura do I
Congresso da Internacional Comunista, pode-se
verificar que a Ditadura Revolucionária do Proletariado pressupõe a idéia de opressão violenta da resistência dos
exploradores, i.e. de uma minoria ínfima da população de capitalistas e
latifundiários.
Além disso, nessa mesma sede, Lenin reconhece, expressamente, a possibilidade do uso da
violência até mesmo contra certos setores do proletariado, empenhados em
destruir, direta ou indiretamente, a Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania
proletária :
“Nossos
mencheviques percorreram, passo a passo, quase o mesmo desenvolvimento dos
teóricos dos Independentes na Alemanha (Lenin refere-se, nesse momento, a
Kautsky e Hilferding, entre outros).
Antes,
quando neles tinham a maioria, eram a favor dos Soviets.
Diziam :
“Viva os Soviets!” “Em defesa dos Soviets!”, “Os Soviets são a Democracia
Revolucionária!”.
Depois
de que nós, bolcheviques, alcançamos a maioria nos Soviets dizem que os Soviets
não podem existir ao lado da Assembléia Constituinte.
Diversos
teóricos dos mencheviques fizeram, além disso, a mesma proposta formulada pelos
Independentes Alemães de acoplar o Sistema Soviético à Assembléia Constituinte,
organizando-os nos limites do Estado(p. 484).”[9]
E, da maneira mais evidente, escreve Lenin, a seguir :
“A
grande maioria dos mencheviques passou para o lado da burguesia e luta na
guerra civil contra nós.
Nós
perseguimos, naturalmente, os mencheviques, nós até mesmo os matamos, se eles
lutam na guerra contra nós, contra o Exército Vermelho, se eles assassinam
nossos oficiais vermelhos.
À guerra
da burguesia respondemos com a guerra do proletariado.
Uma
outra saída não pode existir(p. 485).”[10]
Sendo assim, cumpre destacar ser plenamente coerente com o
patrimônio doutrinário e os ensinamentos político-práticos de Marx e
Engels, Lenin e Trotsky, o fato de que a Ditadura
Revolucionária do Proletariado pressupõe,
evidentemente, não apenas a estrita restrição de liberdade política e direitos
democráticos para forças contra-revolucionárias, p.ex. (neo)-fascistas ou
capitalistas-restauracionistas, senão ainda a possibilidade de uso da violência
até mesmo contra certos setores do proletariado que procurem destruir, direta
ou indiretamente, tal Ditadura,
incorporadora da mais ampla Soberania proletária.
Nesse mesmo sentido, Nahuel Moreno teve a oportunidade de assinalar, de maneira notoriamente
clara, o seguinte :
“Para Lenin, não era a liberdade política, porém apenas o
poder ditatorial que era “ilimitado”, após a Revolução de Outubro : « O
termo científico « Ditadura » significa nada mais nada menos do que
autoridade desvinculada de quaisquer leis, absolutamente irrestringida por
regras, quaisquer que forem, e baseada diretamente sobre a força » (Lenin,
Uma Contribuição à História das Questões da Ditadura, 1920).
Em O Estado e a Revolução, Lenin cita Engels :
« Enquanto o proletariado ainda necessitar (grifo no original) do
Estado, ele não o faz no interesse da liberdade, porém a fim de oprimir seus
adversários e, tão logo se torne possível falar de liberdade, o Estado enquanto
tal deixará de existir. » (Lenin, O Estado e a Revolução,
1917).
No « Programa do Partido Comunista », por ele
escrito e ratificado por Trotsky, em 1936, Lenin enfatiza as « restrições
.... de liberdade » até que o socialismo tenha vencido e a exploração do
homem pelo homem desapareça : « ...supressão de direitos políticos e
outras restrições de liberdade são meramente medidas provisórias que deixarão
de ser necessárias quando a possibilidade objetiva de exploração do homem pelo
homem deixar de existir... ».
Na Revolução Traída, o volume no qual o SU-QI procura
basear sua « norma programática e principista », Trotsky insiste que,
sob a Ditadura do Proletariado, devem existir « limitações estritas de
liberdade » (« Para estar assegurada, uma Ditadura Revolucionária
significa, por sua própria essência, estritas limitações de liberdade »). (Trotsky,
A Revolução Traída, 1936).
Próximo do exílio, ele nos alertou que « a Ditadura
do Proletariado é inconcebível sem o uso da força mesmo contra seções mesmo do
proletariado ».
Em 1938, o « Programa de Transição » repete
essa declaração « ... as fórmulas de democracia (liberdade de imprensa,
direito sindical etc.) significam, para nós, apenas consignas incidentais e
episódicas no movimento independente do proletariado ... »(Trotsky, A
Agonia Mortal do Capitalismo e as Tarefas da IV Internacional, 1938).“[11]
No que concerne à extensão da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, portadora histórica da
mais ampla Soberania proletária, já
é possível deduzir-se, coerentemente, a partir das citações e argumentações
retro-apresentadas, qual seria a postura dela exigível, no quadro dos processos
revolucionários do proletariado, em face das instituições mais típicas e
inseparáveis do Parlamentarismo Burguês, tal
como aquelas consubstanciadoras das concepções jurídico-burguesas de Assembléia
Nacional e Assembléia Nacional Constituinte.
Nada obstante, convém destacar, documentalmente, como Lenin abordou essa problemática, nas Teses e
Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de 4 de março de 1919 :
“A mais completa bancarrota dos socialistas que se
reuniram em Berna (Lenin refere-se aqui aos socialistas da Internacional
Amarela, Kautsky, Hilferding, Martov, Longuet, Turati, Branting etc.), sua mais
completa incompreensão para a nova, i.e. para a Soberania proletária, pode ser
atestada no seguinte :
Em 10 de fevereiro de 1919, Branting declarou encerrada a
Conferência Internacional da Internacional Amarela, em Berna.
Em 11 de fevereiro de 1919, seus participantes
publicaram, em Berlim, no jornal “A Liberdade” um apelo do Partido dos
“Independentes” ao proletariado.
Nesse apelo aceita-se o caráter burguês do governo
Scheidemann, acusa-se-o de querer eliminar os Conselhos (Räte), que são
chamados de portadores e guardiães (Träger und Schützer) da revolução, e
formula-se a proposta de legalizar os Conselhos (Räte), conferindo-se-lhes
Direitos de Estado, dando-se-lhes o Direito de Impugnação contra as decisões da
Assembléia Nacional, com o efeito de ter de decidir um plebiscito nacional.
Uma tal proposta desmascara a total falência ideológica
dos teóricos que defendem a democracia e não entenderam seu caráter burguês.
A tentativa ridícula de unificar o Sistema dos Conselhos,
i.e. a Ditadura do Proletariado, com a Assembléia Nacional, i.e. a Ditadura da
Burguesia, desvenda, definitivamente, às forças incessantemente crescentes da
nova Soberania proletária, tanto a pobreza de espírito dos Socialistas Amarelos
e dos Sociais-Democrátas e sua essência politicamente
reacionário-pequeno-burguesa quanto suas concessões medrosas(p. 479). ...
Nos primeiros oito meses da Revolução Russa foi por
demais discutida a questão da organização dos Soviets.
Para os trabalhadores não estava claro no que consistiria
o novo sistema e se seria possível fazer dos Conselhos um aparelho de Estado.
Procedemos em nossa revolução de modo prático e não
teoricamente.
A questão da Constituinte, p.ex., não a havíamos
colocado, teoricamente, antes.
Não havíamos dito que não reconhecíamos a Assembléia
Constituinte.
Apenas depois, i.e. depois de que as organizações
soviéticas se espalharam por todo o país e conquistaram o poder político,
apenas então ocupamo-nos de desbaratar a Constituinte(p. 486).”[12]
A luta pela clarificação desses conceitos teóricos
envolvendo a Ditadura do Proletariado, enquanto
incorporadora da mais ampla Soberania proletária, situa-se, plenamente, no quadro da mais impiedosa luta
teórica do proletariado, da qual falaram Engels e
Lenin por tantas vezes, sendo que será o
dever do presente trabalho impulsioná-la, crítica e documentalmente, prestando
informações claras, fornecendo subsídios específicos, ao leitor, particularmente
no que concerne à trajetória percorrida pelo Secretariado
Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) nos
últimos anos e à sua situação do momento atual, quando aproxima-se das portas
de seu XV Congresso Mundial. [13]
É
bem verdade que o presente trabalho demonstrará, au passage, que a ideologia, essencialmente idealista, de Gramsci – i.e. oposta aos fundamentos mais legítimos do
materialismo histórico e à dialética materialista de Marx e Engels – surge expressamente reivindicada ou coniventemente
admitida, no quadro do movimento trotskysta da atualidade, não apenas pelos principais
ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI) e de suas principais seções nacionais, como é o caso da Tendência
Democracia Socialista(DS), do
Brasil, senão ainda pelos mais
representativos teóricos da seção italiana da Oposição
Trotskysta Internacional(OTI), Associazzione
Marxista Rivoluzionaria Proposta (AMR-Proposta, de Franco Grisolia, Marco
Ferrando, Francesco Ricci), pelos grupos e
partidos nacionais intituladamente “trotskystas-luxemburgistas” defensores do Capitalismo de Estado(SWP - Tony
Cliff) e Socialismo
Revolucionário da Itália(SR), como também, de
maneira mais notável e diretiva, por representantes intelectuais do Partido
Obrero(PO - Jorge Altamira), do Partido
dos Trabalhadores pelo Socialismo (PTS – Fração Trotskysta), do Movimento ao Socialismo (MAS) e, de modo mais periférico e fragmentário – porém,
lamentavelmente, em considerável expansão - também por alguns expoentes
teórico-políticos do Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificados (PSTU), seção brasileira da Liga
Internacional dos Trabalhadores (LIT – IV Internacional).
Essa
apreciação analítica que aponta já para a ontologia de um trotskysmo
eclético-mediano, organicamente em movimento na abertura do século XXI -
resultado de uma mescla de matizes doutrinários originariamente antagônicos,
emergente de fusões e subtrações acomodadoras de lógicas gnosiológicas
primitivamente antípodas, proposições doutrinárias e concepções políticas
geneticamente paradoxais, tanto mais difícil de compreender-se quanto mais
sejam aparadas as pontas mais contundentes e determinadas das linhagens
doutrinárias antagônicas – essa apreciação possui, efetivamente, um caráter
restritivamente temporal e limitadamente atualizado ao presente em curso, sendo
plenamente seguro haver de variar, no curso dos próximos eventos históricos, em
sentidos multifacetados, idênticos ou inversos, conforme o caso do agrupamento
em análise, em função do grau de amplitude e de penetração do impacto
patológico gramscista sobre o trotskysmo contemporâneo e das tendências
propulsoras da luta de classes do proletariado, no caminho de sua luta
emancipadora rumo à Ditadura Revolucionária do Proletariado e do
socialismo.
Cada
uma dessas organizações cedem, segundo o seu mais próprio e incontrastável
estilo, na sua forma mais específica e determinada, ao gramscismo,
muitas vezes procurando, aqui e ali, acorbertá-lo, disfarçá-lo,
desidentificá-lo em suas implicações políticas mais gritantes, lançando mão da
idéia referente à sua suposta conciliabilidade lógico-teórica com o pensamento
e o percurso histórico-revolucionário seja de Marx e Engels, de Lenin,
Sverdlov e Trotsky, ou ainda de Luxemburg e Liebknecht,
tal como pode-se já atestar a partir mesmo da declaração de identidade política
da Tendência Democracia Socialista(DS), do Brasil, citada na introdução ao presente
texto.
De toda
sorte, o ponto de gravidade permanente, o centro de preocupação essencial da
presente investigação reside, entretanto, na análise mais detalhada das
políticas, programas e consignas do SU-QI em sua especificidade,
partindo do que afirma, oficial e abertamente, essa organização internacional,
sobretudo em seu órgão político oficial, i.e. a Revista INPREKORR
e, paralelamente, do que consta na litaratura produzida por seus principais ideólogos,
localizando-se, nesse contexto, seu característico revisionismo e seu mais
avançado estágio de enfermidade gramsciana, desenvolvendo-se, a
partir daí, a necessária polêmica político-teórica contra suas atuais
posições de desnaturação e renegação da teoria revolucionária do marxismo.
Com
efeito, os mais pronunciados intelectuais e dirigentes políticos da Ligue
Communiste Révolutionnaire (LCR), seção francesa do Secretariado
Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), e, por sua vez, também
dirigentes internacionais de maior influência do próprio SU-QI, i.e.
Michaël Löwy, Daniel Bensaïd, Catherine Samary, entre outros,
empreendem, desde há mais de uma década, uma manifesta colaboração
teórico-intelectual com os mais renomados expoentes teóricos da corrente
doutrinária meta-marxistafranco-gramsciana de Actuel Marx,
comandada por Jacques Texier e Jacques Bidet, dedicada
à assim chamada atualização, correção e superação do marxismo, em
sentido franco-gramsciano.[14][15]
“Os companheiros que provêm da experiência da seção
italiana da Quarta Internacional evitaram sempre autodefinir-se trotskystas, a
não ser em reação aos ataques caluniosos.
Antes de tudo, sempre dissemos, mesmo bem antes de
confluir ao Partido Refundação Comunista, que, se somos trotskystas, somos
também leninistas, luxemburguistas, guevaristas, gramscianos etc.
Procuramos sempre integrar no nosso patrimônio teórico
todas as grandes contribuições do pensamento marxista e revolucionário, do
marxismo crítico e criativo.
Poder-se-ia dizer também que hoje, para ser um marxista e um revolucionário, não basta Trotsky ...
Como explicamos mais detalhadamente na parte mais
propriamente histórica desse opúsculo, o assim-chamado “trotskysmo” não é nada
senão uma corrente do movimento operário, surgida inicialmente na URSS para
combater a involução burocrática e defender as aquisições da Revolução Russa,
uma corrente revolucionária anti-capitalista, fortemente internacionalista, que
levou ao centro da sua política e das suas preocupações a mobilização das
massas populares, a sua participação e auto-organização, e que defende uma
idéia democrática de socialismo, baseada em formas de democracia de conselhos,
de auto-gestão, de controle sobre os eleitos, contra qualquer forma de
verticalismo, burocratismo e centralismo autoritário.
Em outras palavras : a Democracia Socialista como
pressuposto e condição para um processo de transição rumo a uma sociedade
realmente comunista”.[17]
Nesse vale de lama pútrida – para usar-se as palavras de Lima
Barreto-, nesse clima profundamente insólito,
grotesco e nauseabundo de desfiguração, deturpação, corrupção e desnaturação da
doutrina revolucionária tradicional de Marx e Engels, de Lenin e Trotsky, de disfarçado abandono e hipócrita rejeição da Ditadura
Revolucionária do Proletariado em nome da Democracia
Socialista, “enquanto pressuposto e condição para um processo de transição rumo
a uma sociedade realmente comunista” - Democracia Socialista essa jamais comprovada por qualquer experiência histórica
da luta de classes de libertação do proletariado -, a presente investigação
procurará elaborar, nitidamente, em seus três capítulos, a seguir justapostos,
a presente configuração teórica e política da direção do SU-QI, situado, hoje, às vésperas de seu XV Congresso
Mundial.
No Capítulo
I intitulado Para onde foi e para onde vai a direção do SU-QI ? o
presente texto apresenta, segundo um modo de abordagem prospectivamente histórico-político,
os principais elementos que permitem delinear a trajetória da crescente
capitulação dessa organização internacional à ideologia fundamental que
inspirou o Euro-Comunismo nos anos 70, i.e. a
“ideologia gramisciana”, enquanto doutrina essencialmente
renegadora do trotskysmo, revisionista e parasitária da tradição
proletário-revolucionária marxista-leninista e mais sensivelmente adaptada aos
preconceitos democrático-burgueses que dominam e oprimem as massas proletárias
dos países capitalitas-imperialistas, e, adicionalmente, aquelas dos principais
países situados na periferia do processo de remundialização
capitalista-imperialista.
Nesse
primeiro capítulo, o recurso ao pensamento analítico de Nahuel Moreno, registrado
em seu livro de 1979 “A Ditadura Revolucionária do Proletariado”, tornou-se
imprescindível, a fim de poder elucidar, à luz das transformações históricas
operadas no interior do SU-QI, a natureza e a dimensão
teórico-políticas de sua crescente capitulação aos preconceitos democrático-burgueses
das massas proletárias ocidentais, ao longo das últimas décadas, e expressada,
recentemente, da maneira mais crucial, na palavra de ordem “Por uma
Europa Social e Democrática e um Mundo dos Cidadãos.”
Nessa
sede, são fornecidos elementos acerca da defesa falaciosa e funesta,
empreendida pelos principais expoentes do SU-QI, dos conceitos de
Democracia Socialista, Defesa da Cidadania, Conquista da Hegemonia para a
Transformação do Estado, Impôsto Tobin, entre outras, culminando com o
exame da natureza político-institucional do Orçamento Participativo, estabelecido
pelo Governo do Rio Grande do Sul, no Brasil.
Ao
leitor fica a advertência de que, também nesse caso, estamos nos umbrais da porta de entrada de uma avalanche polêmica, áspera e turbulenta, -
sobretudo em solo europeu e norte-americano – onde Antonio Gramsci é reverenciado, nos dias de hoje, como um “grande comunista”, e
tanto referido como reivindicado, abertamente, para dirimir disputas políticas
e ideológicas entre militantes e agrupamentos de esquerda. [18]
É
importante anotar, por fim, à guisa de introdução, visando a melhor situar o
leitor no quadrante dos temas desenvolvidos a seguir, que, até o presente
momento de preparação do XV Congresso Mundial do Secretariado Unificado
(SU-QI) – i.e. novembro de 2000 -, é possível identificar-se a formação
de duas correntes oposicionistas à atual direção preponderantemente
franco-ítalo-brasileira do SU-QI : a corrente encabeçada por Socialist
Action, de Gerry Foley, - mais débil e politicamente menos
estruturada, em razão sobretudo de seus posicionamentos essencialmente
pró-castristas – e a corrente do Bloco Oposicionista, comandada
até o presente momento por Solidarity P.C., de Steve Blum –
dotada de considerável trabalho em sindicatos norte-americanos - e pela Tendence
R !, atuante no interior da LCR Francesa e já
expressamente referida no presente trabalho.
Esse Bloco
Oposicionista revela-se, entretanto, bem heterogêneo, na medida em que
agrupa um expressivo arsenal de militantes oposicionistas à direção do SU-QI,
ligados seja a grupos mais sectários e menos estruturados, como a Revolutionärer
Sozialistischer Bund(Liga Socialista Revolucionária), de Jakob
Schäfer, da Alemanha, com seus 90 militantes, e o Peoples
Democracy, da Irlanda, com seus 15 militantes, seja
vinculados ao expressivo Partido Indiano de Skanthakumar,
Chattopadhyay e Krishnan, com cerca de 600 militantes,
posicionado, preponderamente, segundo a linha política da Oposição
Trotskysta Internacional(OTI).
Quanto
à OTI, cumpre observar que essa organização trotskysta
internacional encontra-se, presentemente, quase que totalmente expulsa do SU-QI.
Recentemente,
a direção do SU-QI declarou rejeitar a militância de Chris
Edwards, dirigente da OTI na Inglaterra,
por ter esse último atacado a tática entrista da seção britânica do SU-QI
no Socialist Labor Party e não abjurar sua militância na OTI.
O
grande cavalo de batalha da OTI no interior do SU-QI
é, presentemente, o partido indiano referido acima, sendo que esse partido
parece estar atuando dinamicamente e intervindo ativamente na política indiana,
segundo linha política fornecida prepondarentemente pela OTI, e
não pelo SU-QI.
Nesse
quadro, o único grupo da OTI no SU-QI seria, então,
presentemente, sua pequena seção dinamarquesa Trot, dirigida por Jette
Krommann.
A seção
italiana da OTI, a Associazzione Marxista Rivoluzionaria
Proposta, encabeçada por Franco Grisolia, Marco Ferrando, Tiziano
Bagarolo e Francesco Ricci, mantém, nos dias de hoje, trabalho muito
solidário com o Partido Obrero(PO) de Jorge Altamira e com o Partido
Revolucionário dos Trabalhadores da Grécia(EEK), de Michail
Savas-Matsas, distinguindo-se das demais seções da OTI que
avançam em seu criticismo ao sectarismo esquerdista e caudilhismo personalista
de Jorge Altamira.
Expressão
mais clara dessa mais recente colaboração política entre Proposta, EEK e
PO foi sua mais recente intervenção conjunta na mobilização contra o FMI
e o Banco Mundial, de 22 a 27 de setembro de 2000, em Praga,
com vistas a reavivar a perspectiva de refundação da IV Internacional, com
base no projeto da Convenção de Gênova, de 1997.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS
[1] Cf. EM TEMPO. 20 JAHRE „DEMOCRACIA SOCIALISTA“.
DELEGIERTEN-KONFERENZ VON „DEMOCRACIA SOCIALISTA“(Em Tempo. 20 Anos de
„Democracia Socialista. Conferência de Delegados de „Democracia Socialista“),
in : INPREKORR. Internationale Pressekorrespondenz, Nr. 337/338,
November/Dezember 1999, p. 39.
[2] Cf. PETRAS, JAMES. Lo Que Empezó Como un
Movimento Antiglobalización, Ahora Está Incluyendo La Lucha Anticapital,
Anticapitalista, Antiguerrerista, Entrevista de Alina Perera Robbio de
Juventude Rebelde (Cuba), in : Rebelion. Periódico Electrónico de Información
Alternativa, 2 de Fevereiro de 2003.
[3] Cf. STALIN, IOSSIF
VISSARIANOVITCH DJUGASCHVILI., Vystuplenia na VI S’ezde RSDRP
(Bol’shevikov) (Intervenção Pronunciada no VI Congresso do POSDR -
Bolchevique), especialmente 6.: Vozrajenie Preobrajenskomu Po Voprossu o 9-om
Punkte Resoliutsi “O Polititcheskom Polojenii”(Contestação a Preobrajensky
acerca da Questão do IX Ponto da Resolução “Acerca da Situação Política”), in :
Iossif Vissarianovitch Stalin. Sotchinienia (Obras de I. V. Stalin), Vol. 3,
Moscou : Gosud. Izd-vo, pp. 37 e s.; tb., em língua alemã, IDEM. Rede
auf dem VI. Parteitag der SDAPR (B) (Discurso Pronunciado no VI Congresso do
Partido Operário Social-Democrático Russo Bolchevique) (3 de Agosto de 1917),
especialmente Erwiderung an Preobrajensky zur Frage des 9. Punktes der
Resolution “Über die Politische Lage” (Contestação a Preobrajensky acerca da
Questão do IX Ponto da Resolução “Acerca da Situação Política”), in: J.W.
Stalin Werke, Vol. III, Dortmund : Roter Morgen, 1976, p. 173.
[4] Acerca dos fundamentos dessa matéria, vide, antes de
tudo, MARX, KARL Kritik des Gothaer Programms (Crítica do Programa de
Gotha)(1875), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim,
1962, Vol. XXIX, pp. 28 e s.; LENIN, VLADIMIR I. Gosudarstvo i
Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v
Revoliutsi (O Estado e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as
Tarefas do Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap.
5.2 : Os Fundamentos Econômicos da Extinção do Estado – Transição do
Capitalismo ao Comunismo, pp. 87 e s.
[5] Vide, acerca do tema, CONSTITUTION OF THE RUSSIAN
SOCIALIST FEDERATED SOVIET REPUBLIC, Adopted by the Fifth All-Russia
Congress of Soviets (Adotada pelo V Congresso dos Soviets de Toda Rússia),
Moscou, 10 de Julho de 1918, Chapter V, art. 9°. Vide tb. comentários de STUTCHKA,
PIOTR. Constitutsia Grajdanskoi Voinyi (1918 - A Constituição da
Guerra Civil. Tradução em Língua Portuguesa de Emil von München), in: Textos
Jurídicos de Formação dos Juristas Socialistas da Classe Trabalhadora.
Instituto Luís e Rosa Sunderman : Ed. Jurídica Socialista dos Trabalhadores,
São Paulo-Munique-Paris, 2000.
[6] Apreciando, resgatando e defendendo, devidamente, a
tradição essencialmente marxista de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg,
comprometida, antes e acima de tudo, com a perspectiva de organização da
revolução violenta do proletariado para a edificação da Ditadura Revolucionária
do Proletariado na Alemanha, Lenin afirmou, solenemente, em seu Discurso
de Abertura do I Congresso do Komintern : „Em nome do Comitê Central do
Partido Comunista da Rússia, declaro aberto o I Congresso da Internacional
Comunista. Em primeiro lugar, peço a todos os presentes que se levantem de suas
cadeiras em memória dos melhores representantes da III Internacional : Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburg.“ Cf. LENIN, VLADIMIR I. Rede bei der
Eröffnung des Kongresses 2. März. I Kongreß der Komm. Internationale (Discurso
na Abertura do Congresso de 2 de Março. I Congresso da Internacional
Comunista), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de
1919), Berlim, 1959, p. 469. Essas palavras de Lenin,
relacionadas com sua interpretação do papel histórico de Liebknecht e
Luxemburg, enquanto os melhores representantes da Internacional
Comunista, deveriam, em princípio, servir, por si mesmas, como látego
desferido frontalmente contra as desavergonhadas tentativas doutrinárias dos
principais ideólogos franco-gramscianos de Actuel Marx e do SU-QI,
voltadas a transformar Rosa Luxemburg em uma
social-oportunista vulgar, que carrega, eternamente, consigo, no caminho da
luta pelo socialismo, a auréola santificada da defesa de fórmulas de liberdade
essencialmente democrático-burguesas. Acerca dessa polêmica, com referências
claras aos posicionamentos de Jacques Texier e François
Vercammen, como também às próprias posições de Rosa
Luxemburg, vide mais precisamente o Capítulo II do presente texto.
[7] Cf. LENIN, VLADIMIR I. Thesen und Referat über
bürgerliche Demokratie und Diktatur des Proletariats 4. März. I Kongreß der
Komm. Internationale (Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e
Ditadura do Proletariado de 4 de Março. I Congresso da Internacional
Comunista), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de
1919), Berlim, 1959, p. 479.
[8] Cf. IDEM. ibidem, pp. 480 e 481.
[9] Cf. IDEM. ibidem, p. 484.
[10] Cf. IDEM. ibidem, p. 485.
[11] Cf. KARIM, DARIOUSH. The Revolutionary
Dictatorship of the Proletariat, Bogotá: Partido Socialista de los Trabajadores
of Colombia, 1979, pp. 25 e 26. Destaco, desde logo, que jamais se demonstrará
excessivo realçar sempre os penetrantes trabalhos de Nahuel Moreno, elaborados
em meio à sua luta ideológica acesa, deflagrada seja contra o euro-comunismo,
seja contra o mao-althusserianismo, seja contra o mandelismo, seja ainda
contra o lambertismo, em defesa do legado da Revolução Proletária de Outubro
de 1917 e, em particular, em prol dos princípios ético-organizativos do
partido marxista-revolucionário. Nada obstante, cumpre ressaltar que, entre
outros aspectos, seria efetivamente incorreto pretender apoiar, sem importantes
reparos, seus posicionamentos, quer no domínio da lógica marxista – onde Moreno
defende posições teóricas amplamente coniventes com o construtivismo
metodológico-radical de Piaget, incompatíveis essencialmente
com o socialismo científico de Marx e Engels -, quer no domínio da atualização
do programa de transição – onde Moreno propugna, abertamente,
posições idealistas-subjetivistas e democratistas, ao pretender inverter
infundadamente relações causais dos acontecimentos históricos, maximamente no
período posterior à I Guerra Mundial, afastando-se, assim, ostensivamente do método
materialista histórico-dialético, defendidos por Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e
Trotsky -, quer ainda no domínio ontológico do ser trotskysta nos
dias de hoje - onde Moreno, em sua excessiva acentuação
da atividade criticista e ânsia de superação do próprio trotskysmo, deixa de
destacar que o marxismo, por ser científico, deve ser considerado como um guia
para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação para o agir, instrução para
a prática de organização, mobilização e luta permanente, independente e
implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do
proletariado, em busca da construção de uma humanidade socializada ou ainda de
uma sociedade humanizada, o que
obsta, nos limites do marxismo revolucionário, qualquer tipo de criticismo
“criativo” e supostamente superador, elaborado em desconformidade e dissonância
com o rigoroso método do materialismo histórico-dialético. Acerca do tema, vide MORENO,
NAHUEL. Lógica Marxista y Ciencias Modernas, México-Colômbia :
Xólotl-Pluma, 1981, pp. 54 e 55.; IDEM. Actualización
del Programa de Transición, ed. CITO – Centro Internacional del Trotskysmo
Ortodoxo, 1980, pp. 7 e s.; IDEM. Ser
Trotskysta Hoy(1985), in: Cuadernos de Correo Internacional, 1988, pp. 3 e s.
[12] Cf. LENIN, VLADIMIR I. ibidem, pp. retro-mencionadas.
[13] Segundo Engels : „Será, nomeadamente, o
dever dos dirigentes adquirir clareza da vez maior acerca de todas questões
teóricas, libertar-se, cada vez mais, da influência das frases tradicionais,
pertencentes à concepção do mundo, e ter em vista, constantemente, que o
socialismo, desde que se tornou ciência, exige ser tratado como uma ciência,
i.e. exige ser estudado. Tudo dependerá de propagar, com zelo crescente, entre
as massas de trabalhadores, a visão, cada vez mais clarificada, assim
adquirida, de amarrar ( no original alemão : zusammenschließen ), cada vez mais
firmemente, o partido e as organizações sindicais.“ Cf. ENGELS, FRIEDRICH.
Ergänzung der Vorbemerkung von 1870 zu „Der deutsche Bauernkrieg”(Suplemento à
Prenotação de 1870 acerca da „Guerra Camponesa na Alemanha“ (1° de Julho de
1874), in: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol.
XVIII, p. 513. Em sua obra O Que Fazer ?, Lenin assinala,
literalmente : „No presente momento, gostaríamos apenas de declarar que o
papel de lutador de vanguarda pode ser cumprido apenas por um partido que é
guiado pela teoria mais avançada.“ Cf. LENIN, VLADIMIR I. Shto
Dielat ? Nabolievshie Voprosyi Nashevo Dvijeniia(1902), (O Que Fazer. Questões
Candentes do Nosso Movimento), Moscou : Izdatielstvo Polititcheskoi
Literaturyui, 1989, p. 23.
[14] É importante salientar, desde logo, que, em sentido
linguístico-humano – i.e. não no sentido da terminologia pseudo-científica do
meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx - o prefixo grego „μετά“,
no alfabeto latino „meta“, significa, precisamente, após,
depois, pós, além ou ainda transposto, transladado.
Assim, é costume ouvir falar-se, presentemente, p. ex., de metamorfose
(transformação de forma), metáfora (figura transladada, sentido
figurado ou transportado), metalinguagem (linguagem utilizada
para atingir e abordar uma outra linguagem) etc. Em sentido rigorosamente
histórico-científico, os filosófos helênicos tiveram a oportunidade de
utilizar, pela primeira vez, o vocábulo metafísica, no
sentido de τά μετά τά
φΰσικά, i.e. aquilo depois ou além
da física. A expressão „metafísica“, em
destaque, foi utilizada, em um primeiro momento, provavelmente, por Andronikus,
no século I A.C., por ocasião de sua edição dos escritos de Aristóteles.
Com efeito, em sua referida edição, Andronikus afirmava
que, em primeiro lugar, deviam ser considerados os escritos lógicos de Aristóteles,
a seguir os físicos ou científicos-naturais, e, por fim, a sua
„filosofia primeira“ ou ciência do ser, i.e. a ciência das razões últimas e dos
conceitos gerais do ser, bem como suas demais obras restantes. Nessa ordem de
apresentação, aquilo depois ou além da física de Aristóteles, i.e.
τά μετά τά
φΰσικά ou, mais simplesmente, o metafísico,
era representado pela „filosofia primeira“ aristotélica,
tal como constante na edição de Andronikus, em que Aristóteles
pretendeu fundamentar, desde de um ponto de vista dualista, de matiz
realista-naturalista, a essência do ser, da realidade e do sentido do mundo.
Posteriormente, no quadro da filosofia clássica alemã, Immanuel Kant, desde
uma perspectiva dualista, porém de matiz cético-idelista-subjetivista,
pretendeu fundar dois conceitos de metafísica : a metafísica dogmática
– ocupada em extrair o conhecimento do além-mundo a partir de simples
conceitos, o que para Kant seria, plenamente, impossível – e a metafísica
crítica – ocupada em investigar os fundamentos de tal conhecimento em
sua unidade sistêmica, provando o significado dos elementos
idealistas-apriorísticos. Essa lógica-epistemológica crítico-metafísica, foi
decomposta, então, por Kant, enquanto sistema, em metafísica
da natureza e metafísica dos costumes, essa última
subdividida, a seguir, em teoria dos princípios metafísicos da Ética e do
Direito. Cumpre observar que Karl Marx, desde seus primeiros
momentos de consciência intelectual, ainda em seus tempos de estudante da Universidade
de Berlim e de Jena, posicionando-se já sobre bases materialistas,
analisou, profundamente, e repudiou, como infrutíferas, toda teoria
ocupada em fazer prosperar abordagens metafísicas. Nesse sentido, assinalou Karl
Marx, em 1837 : „Sobretudo, surgiu, aqui(i.e. no Direito Público), de
modo pertubador, o mesmo oposto entre realidade e dever ser, próprio do
idealismo, tornando-se a matriz da divisão subseqüente, incorreta e
irrecuperável. De início, apareceu a Metafísica do Direito - assim por mim
denominada piedosamente, i.e. os fundamentos, as reflexões, as determinações
conceituais - separada de todo Direito real e de toda forma real do Direito,
tal como aparece em Fichte, apenas de modo mais moderno e sem conteúdo. ...
Pelo contrário, na expressão concreta do mundo do pensamento vivo, tal como é o
Direito, o Estado, a natureza, a inteira filosofia, deve o próprio objeto ser
escrutado em seu desenvolvimento. Divisões arbitrárias não podem se imiscuir. A
razão da própria coisa deve encontrar sua unidade em si, enquanto movimento em
si litigante. ... Na conclusão do Direito Privado Material, vi a
falsidade do todo que, no esquema fundamental, faz fronteira com o kantismo,
dele se esquivando totalmente na exposição, e, mais uma vez, tornou-se-me claro
que sem filosofia não é possível penetrar. Assim, permeti-me a, com boa
consciência, nela lançar-me novamente e escrevi um novo sistema fundamental
metafísico, em cuja conclusão fui forçado a admitir, novamente, o equívoco das
pretensões dele (i.e. do kantismo) e de todas as minhas pretensões precedentes.
... Do idealismo, o qual – dito de passagem – comparei e aproximei com o de
Kant e o de Fichte, passei, então, a procurar a idéia, na realidade mesma. Se
os deuses tivessem, anteriormente morado sobre a terra, teriam se tornado,
agora, o centro da mesma. ... Durante minha indisposição, havia conhecido Hegel
do início ao fim, juntamente com a maioria de seus discípulos. ...“ Cf.
MARX, KARL. Brief an den Vater(Carta ao Pai)(1837), in : Marx und Engels
Werke, Vol. XL, Berlim, 1962, pp. 5 e s. Nas obras posteriores de Marx e
Engels, as teorias metafísicas ou, digamos assim, as meta-teorias,
seriam consideradas, devido a seu caráter fantástico-idealista,
abstrato-subjetivo e obscurantista-conservador ou ainda reacionário,
propriamente como hostis ao materialismo histórico e à dialética materialista.
Nesse sentido, vide, sobretudo, ENGELS, FRIEDRICH. Die Entwicklung des
Sozialismus von der Utopie zu Wissenschaft (O Desenvolvimento do
Socialismo da Utopia à Ciência)(1880), in : ibidem, Vol. XIX, pp. 202 e s. No
Capítulo II do presente trabalho, será apresentada, pormenorizadamente, a
posição de um dos principais expoentes do meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel
Marx, Jacques Bidet, que, assinala em seu O Que é o Marxismo ?, intentar
o meta-marxismo(ou, diríamos nós, o pós-marxismo ou o
marxismo-do-além) inscrever o marxismo no sentido de uma teoria
supostamente mais larga, completando-o, corrigindo-o, atualizando-o,
superando-o, tal como em uma reelaboração da teoria marxista, tal como em uma
teoria acerca da teoria marxista, com os pressupostos teóricos do
idealismo-subjetivista de Immanuel Kant, Georg W. F. Hegel John Rawls e
Jürgen Habermas, de modo a conduzir à consagração de um Socialismo
Mercantil-Humanizado Ecológico, dotado de uma Contratualidade Estatal
Dirigente. Acerca do tema, vide BIDET, JACQUES. Capitalisme,
Communisme, Marxisme, Socialisme, in : Actuel Marx Confrontation. Colloque
International Sorbonne, 17-18-19 Mai 1990, organisé par la Revue Actuel Marx et
l’Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, sous la direction de Jacques
Bidet et Jacques Texier, Paris : PUF, 1991, pp. 24 e s. Por fim,
observo que o termo conceitual „meta“, em seu sentido mais
abrangente e mais genérico, tal como já bem assinalado por certos habitantes da
Catalunha, destaca a insuperável imperiosidade que assalta os
intelectuais revisionistas e parasitários, em sentido pequeno-burguês
classista-conciliacionista, relativamente à doutrina de Marx e Engels, de
„metar“ tudo aquilo que não logram por si mesmo fundar sobre
raízes lógico-epistêmicas sólidas, submetendo-se, para tanto, a incansáveis e
constantes seções de metapertubações mentais. Nesse último caso,
o prefixo grego „μετά“ é suscetível de
assumir, legitimamente, a forma verbal neo-latina „metar“, acima-referida.
[15] Com ver-se-á mais pormenorizadamente adiante, a presente
caracterização segue sendo rigorosamente válida, mesmo tendo-se em conta os novos
eventos políticos relacionados com a realização do último Congresso da
LCR, que teve lugar entre os dias 1°. e 4 de junho de 2000. Com efeito,
no que concerne à orientação político-ideológica dessa organização, no sentido
de sua crescente capitulaçãoo à ideologia gramsciana de Actuel Marx e
dos Espaces Marx, nenhuma cura puderam aportar os recentes
fenômenos políticos relacionados com sua aliança eleitoral com Lutte
Ouvrière, para a intervenção nas Eleições Parlamentares Européias
de 1999, a conquista por essa aliança eleitoral de 5 deputados
europeus, eleitos sobre a base da lista comum LCR-LO, enquanto
membros de suas direções nacionais, – i.e. pela LCR :
Alain Krivine e Roseline Vachetta, pela LO
: Arlette Laguiller, Armonie Bordes e Chantal Cauquil,
ou ainda a adesão às fileiras da LCR do agrupamento Voix
des Travailleurs (VdT), ruptura de 1997 da LO. O clima de
decadência intelectual e oportunismo político no domínio da doutrina marxista
dos principais quadros da LCR Francesa continua manifestamente
inconfundível. Ao que tudo indica – esperançosamente não seja a seguinte
afirmação inteiramente procedente -, mesmo o enfraquecimento político,
registrado desde meados dos anos 80, do agrupamento da maioria no interior da
LCR, em favor do nítido fortalecimento da Tendence R!, não
tem ainda contribuído, significativamente, para a regeneração teórico-política
da LCR. Com efeito, a partir de 1995, vem se estruturando uma
nova maioria no interior da LCR, composta por dirigentes da Tendence
R! em comum atuação com os mais legendários representantes da velha
maioria. Com efeito, Tendence R! surge enfrentando a tendência da
velha maioria, exclusiva ou prepoderantemente, no que tange à problemática da
promoção da aliança política eleitoral com LO - e
não manifestamente no concernente à defesa do trotskysmo em face da
desnaturação franco-gramsciana do marxismo, empreendida pela velha direção.
Nesse quadro, Tendence R ! apresenta-se apenas, ou – digamos
assim - antes de tudo, enquanto defensora incontrastável das alianças
eleitorais com LO, seja em eleições européias, nacionais ou
comunais, ressaltando todas as reservas políticas necessárias, como forma de
crítica mais incisiva ao projeto da „esquerda plural“, incorporado
no governo de Jospin. No último Congresso de Junho de
2000, lograram, sobre essa base, Tendence R! e os
principais representantes da velha maioria da LCR obter 58% dos
votos dos delegados, em favor de uma aliança com LO, no âmbito
das eleições municipais de 2001, tendo sido o apelo dirigido a LO em
favor de tal aliança sufragado, ao final, por 94 % dos delegados. Os restantes
42% do Congresso posicionou-se, entretanto, de início,
ceticamente em relação à LO, em favor de uma aliança com „outras
forças de esquerda“, não apenas da „esquerda alternativa“, senão
ainda da „esquerda plural“. Permance, entretanto, ainda incerto a
pretensão de LO selar uma aliança eleitoral com a LCR, no
quadro das próximas eleições comunais francesas. Acerca do Congresso
de 1° a 4 de Junho de 2000 da LCR, vide, de maneira,
entretanto, pouco crítica e excessivamente empírica BERGER, JOHANN D. Kongress
der LCR. Revolutionäres Bündnis ?(Congresso da LCR. Aliança Revolucionária ?),
in : Avanti. Zeitung des RSB der IV Internationale in Deutschland (Avanti.
Jornal da RSB da IV Internacional na Alemanha), September 2000, p. 21.
[16] O Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Milton
Temer, é, na atualidade, um dos mais expressivos adeptos da ideologia
gramsciana no Brasil. Sua referência intelectual e política
encontra-se vinculada, umbilicamente, ao quadrante ideológico de Gramsci
e o Brasil e da International Gramsci Society, de Carlos
Nelson Coutinho e de Valentino Gerratana, bem como é
solidária, em linhas gerais, à posição e ao projeto contidos no Correio
da Cidadania, de Plínio Arruda Sampaio. No quadro do II
Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado entre os
dias 24 e 28 de novembro de 1999, no Instituto-Escola Venda Nova, em
Santa Catarina, no Brasil, Milton Temer, enquanto Deputado
Federal e Presidente do PT do Rio de Janeiro, foi escolhido como
o candidato de consenso à Presidência do PT, pelas correntes
mandelista Tendência Democracia Socialista(Nosso Tempo) do SU-QI,
lambertista O Trabalho(Fiel à Origem do PT), bem como por
Articulação de Esquerda, Força Socialista, Movimento e diferentes
grupos regionais, esses reunidos em defesa da tese Socialismo e Barbárie.
Dos 912 votos expendidos no congresso em referência – dos quais dois brancos e
dois nulos -, o candidato, orientado pelo gramscismo internacional, Milton
Temer, obteve 296 votos, superando os 113 votos de Arlindo
Chinaglia, aliado a Tarso Genro, em defesa da tese Movimento
PT, sucumbindo apenas diante dos 496 votos de José Dirceu, da
corrente Articulação – Unidade na Luta(Revolução Democrática), de
Lula, apoiada por Democracia Radical(Por uma Democracia
Republicana), de José Genoíno, e PT – Luta de
Massas. No apoio a Milton Temer, Democracia Socialista – SU-QI contribuiu
com seus 90 votos. A seção brasileira do SU-QI no Brasil, logrou
alcançar, no âmbito desse II Congresso Nacional do Partido dos
Trabalhadores, 10 % dos votos do congresso, 8 membros na Direção
Nacional do PT e 2 membros no Comitê Executivo Nacional do PT. Acerca dos dados
empíricos aqui referidos, vide, p. ex., ESTIMA, FERNANDA & RAMOS,
ROSANA. Kongress der Arbeiterpartei Brasiliens(Congresso do Partido dos
Trabalhadores do Brasil), in : INPREKORR. Internationale Pressekorrespondenz,
Nr. 339/340, Januar/Februar 2000, p. 47.
[17] Cf. BANDIERA ROSSA. RIVISTA MARXISTA. Chi sono
questi Trotskisti, in: Chi Siamo, Milano, 1999. Especificamente acerca da
convivência de Lívio Maitan com a doutrina de Antonio
Gramsci, vide, além disso, MAITAN, LIVIO. Le Marxisme d’Antonio
Gramsci, in: Revue de la Quatrième Internationale, Nr. 24, Paris, 1987, pp. 5 e
s. A despeito de todo o exposto, BANDIERA ROSSA empreende uma análise
altamente superficial, profundamente apologética e manifestamente equivocada,
atingindo o ponto da mais total complacência acrítica, acerca do papel
histórico de Gramsci no processo de stalinização do antigo Partido
Comunista Italiano (PCI), quando escreve, procurando reabilitá-lo aos
olhos dos lutadores revolucionários de vanguarda : “Entretanto, também pelos
erros do movimento comunista (e os crimes socialistas), o fascismo tinha
triunfado na Itália e era imitado por muitos regimes autoritários, desde os
Balcães até a Polônia. Os partidos comunistas, ilegais quase por todos os
lados, tinham a necessidade de ajudas materiais e de certezas gratificantes,
sendo que se adaptaram, por isso, às pressões dos novos dirigentes da III
Internacional. Inicialmente, fê-lo também Gramsci, porém quando se deu conta do
que estava ocorrendo na URSS escreveu, já em 1926 ( em um momento em que se
estava ainda distante das expulsões, das deportações, dos assassinatos dos
opositores ), uma carta de severa crítica ao CC do Partido Russo, a qual foi
interceptada e retida por Togliatti, representante esse último do partido em
Moscou. O episódio foi sempre minimizado por aqueles que partem da convicção
radical de que tudo que ocorreu devia, de fato, ocorrer, sendo que toda
tentativa de se opor era, obviamente, em vão, tal como deduzem o fato de sua falência.
Gramsci pensava diferentemente. Em sua resposta pessoal a Togliatti, na qual
havia defendido que os partidos comunistas deviam limitar-se a “estudar as
questões russas” e a fazê-las conhecer, sem interferir, Gramsci havia formulado
um juízo severíssimo sobre o episódio : “Esse teu modo de raciocinar (...)
produziu-me uma impressão penosíssima”, escreve ele, “todo o seu raciocínio
está viciado de burocratismo”. A frase mais dura, que permitia entrever uma
ruptura de relações humanas e políticas, investe contra a raiz da mentalidade
de Toglilatti : “Seremos revolucionários bem deploráveis e irresponsáveis se
deixassemos, passivamente, ocorrer os fatos ocorridos, justificando a priori
sua necessidade”. Assim, pensava Gramsci, que permaneceu também por isso
isolado no cárcere. Não se procurou obter a sua libertação com uma troca de
prisoneiros entre a URSS e o Vaticano, o que era possível. Por anos, dele não
se falou, até que a campanha por sua libertação recomeçou às vésperas de sua
morte e quando não podia, de nenhuma forma, retomar sua atividade política.
Após sua morte, Gramsci tornou-se para Togliatti aquilo que Lenin foi para
Stálin ( entre outras coisas Togliatti meteu-lhe na boca frases jamais por ele
pronunciadas, tal como “Trotsky é a putana do fascismo”). Cf. BANDIERA
ROSSA. RIVISTA MARXISTA. E Infine, Un Po’ di Storia. Perché i Partiti
Comunisti hanno seguito Stalin, in: Chi Siamo, Milano, 1999.
[18] Nesse sentido, assinala Heiner Karuscheit,
desde uma perspectiva notoriamente neo-stalinista reciclada : „Precisamente
do partido que ele co-fundou e dirigiu, sob as condições mais difíceis,
impulsiona-se, hoje, um abuso incrível acerca da pessoa e dos ideais de
Gramsci. Outrora, reclamado por Togliatti, com base em seus escritos e méritos
políticos, como grande leninista e paradigma heróico dos comunistas italianos,
foi Gramsci, a seguir, utilizado pelo próprio Togliatti para legitimar a
passagem pacífica ao socialismo. Hoje, da antiga linha revolucionária do PCI
quase nada mais restou. O objetivo da Ditadura do Proletariado foi colocado ad
acta, o socialismo deve ser alcançado pela via pacífica e o pluralismo é o Alfa
e o Omega do partido. Tudo isso processa-se com fundamentação nos Cadernos do
Cárcere de Gramsci, que, para tal objetivo, são interpretados artificial e
muito unilateralmente. Não se fala mais de seus escritos políticos. O PCI
demonstra, de maneira exemplar, o modo segundo o qual um grande comunista pode
ser desnaturado como „um balaio de gatos“(no original alemão : Steinbruch, i.e.
uma jazida de exploração), visando a legitimar, com seu nome, a linha
respectivamente cambiante do partido“. Cf. KAMINSKI, FRANZ / KARUSCHEIT,
HEINER / WINTER, KLAUS. Antonio Gramsci. Philosophie und Praxis. Grundlagen
und Wirkungen der Gramsci-Debatte (Antonio Gramsci. Filosofia e Práxis.
Fundamentos e Efeitos do Debate Gramsci), Frankfurt a. M. : Sendler, 1982
p. 218. É, efetivamente, impressionante como a extensa obra de Kaminski,
Karuscheit e Winter acerca de Gramsci consiga ignorar e
omitir, em todos as suas principais formulações intelectuais, as principais e
mais decisivas questões relacionadas com o movimento revolucionário do século
XX. Embrigados em sua perspectiva neo-stalinista, mesmo que denunciando certos
pontos importantes do matiz idealista do pensamento filosófico e político de Gramsci,
esse coletivo de autores não logra, em nenhum momento, entrever o
horizonte da luta impiedosa de Gramsci dos Cadernos do
Cárcere, travada sob a base da lógica política do stalinismo-burocrático
contra-revolucionário, contra Trotsky e sua herança
proletário-revolucionária marxista. O que interessa a esses autores é, central
e exclusivamente, o modo como Togliatti e o PCI
interpretaram e fizeram uso da doutrina gramsciana, sendo que, mesmo nesse
sentido, sua visão surge mediada pelas lentes de contato de um stalinismo
reciclável. O presente texto demonstrará, mais adiante, o que precisamente do „balaio
de gatos“ gramsciano é, completamente, impossível retirar, i.e. a
perspectiva marxista de luta violenta revolucionária – seja no dos países do
ocidente, sejam nos países do oriente - do proletariado hegemônico – em
sentido leninista do termo -, voltada ao despedaçamento dos Estados
Burgueses e edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado,
incorporadora da mais ampla Soberania proletária, como forma
transitória para alcançar-se o socialismo, fase inferior do comunismo, visto
que Gramsci, em seu léxico mais próprio, prega a aberta e
sistemática passagem da „guerra de movimento“ de Bronstein(Trotsky),
„o teórico político do ataque frontal”, para a “guerra de posição
ou de assédio” de que é o próprio preconizador, seja no campo
especificamente militar, seja no campo político geral.
[19] Literalmente, afirma Eric Hobsbawm : „A
contribuição central de Gramsci para o marxismo consiste em ter aberto o
caminho para uma teoria marxista da política. .... De toda a forma, ele foi
levado a desenvolver os elementos de um teoria política desenvolta, no interior
do marxismo, sendo que foi, provavelmente, o primeiro marxista que o fez.“ Cf. HOBSBAWN,
ERIC J. Gramsci und die Theorie der Politik (Gramsci e a Teoria da
Política), in: Beiträge zum wissenschaftlichen Sozialismus, Nr. 5, 1977, pp. 43
e s.