90 ANOS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA PROLETÁRIA RUSSA DE OUTUBRO DE 1917

MORAL E CONSCIÊNCIA, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO DAS LUTAS REVOLUCIONÁRIAS

DE EMANCIPAÇÃO PROLETÁRIO-SOCIALISTA

TEXTOS DE CÉLEBRES DIRIGENTES BOLCHEVIQUES SOBRE J. M. SVERDLOV

 

Primeiros Anos de Distância entre

LENIN E SVERDLOV

 

NADEJDA K. KRUPSKAYA[1]

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Asturig Emil von München

Março de 2003 emilvonmuenchen@web.de

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A Insurreição de Dezembro de 1905 havia sido esmagada e o Governo acertava brutalmente as contas com os insurgentes.

Em um artigo de 4 de janeiro de 1906, intitulado « O Partido Operário e suas Tarefas no Quadro da Situação Atual », Vladimir Ilitch Lenin avaliou da seguinte forma o novo contexto :

   

“A Guerra Civil está furiosa.

A greve política enquanto tal começa a extinguir-se, desloca-se para o passado, como uma forma obsoleta de movimento.

Em Petersburgo, p. ex., os trabalhadores esgotados e extenuados demonstraram estar fora de condições de executar a Greve de Dezembro.

Por outro lado, o movimento em seu conjunto, ainda que pressionado em certo momento pela reação, ergueu-se, indubitavelmente, a um nível enormemente mais elevado. (...)

Os canhões de Dubassov revolucionaram, em medida jamais vista, as novas massas de pessoas. (...)

E agora ? Vejamos a realidade diretamente em sua própria face.

Agora, surge pela frente um novo trabalho de assimilação e processamento da experiência das últimas formas de lutas, o trabalho de preparação das forças nos principais centros do movimento (N. K. K.: grifos de minha autoria).

 

Ilitch sentiu com grande pesar a derrota de Moscou.

Estava claro que os trabalhadores encontravam-se pobremente armados, a organização era débil e, até mesmo Petersburgo, encontrara-se mal conectada com Moscou.

Recordo-me de como Ilitch ouviu a narração de sua irmã, Ana Ilitchina, que se havia encontrado na Estação Ferroviária Central de Moscou com uma trabalhadora moscovita, a qual amargamente reprovou os ativistas de Petersburgo :

 

“Obrigado a todos vocês de Petersburgo pelo seu apoio : foram vocês que nos enviaram os militares do Regimento Semenovsky.”

 

Tal como se tratasse de uma resposta a essa reprovação, Ilitch escreveu :

 

“Seria muito proveitoso para o Governo esmagar as ações isoladas dos proletários, do modo como antes o fez.  

O Governo gostaria de chamar, imediatamente, os trabalhadores a lutarem em Petersburgo, no quadro de condições para eles extremamente desvantajosas.

Porém, estes não se deixarão levar por essa provocação e conseguirão manter-se em seu caminho de preparação da próxima ação, a ser desencadeada em toda a Rússia.

 

Ilitch acreditava que o campesinato haveria de sublevar-se, na primavera de 1906, e que isso acabaria refletindo-se também nas forças armadas.

Sendo assim, afirmou o seguinte :

 

“É necessário colocarmos, de modo mais definido e mais prático, as tarefas colossais de uma nova intervenção ativa, preparando-nos para ela da maneira mais resistente, sistemática e pertinaz, poupando, tanto quanto possível, as forças do proletariado, esgotadas pela luta grevista.(N.K.K.: grifos de minha autoria)  (...)

Permitamos que o Partido Operário execute bem claramente as suas tarefas.

Abaixo as ilusões constitucionais !

É imprescindível reunir as novas forças adjacentes às forças do proletariado.( N. K. K.: grifos de minha autoria) (...)

Cumpre “reunir a experiência” de dois meses de revolução (novembro e dezembro).

Importa capacitarmo-nos, novamente, para enfrentar à autocracia reconstituída e conseguirmos, por toda parte onde for necessário, passar, mais uma vez, para a clandestinidade.”

 

E passamos, de fato, para a clandestinidade, tecendo a rede de uma organização conspirativa.

A partir de todos os recantos da Rússia, chegavam companheiros com os quais conversávamos sobre o trabalho, sobre a linha que havia de ser impulsionada.

De início, as pessoas vinham aos locais clandestinos, onde eram recebidas por mim ou por Vera Rudolfovna (Menjinskaya) ou ainda por Mikhail Sergeievitch.

Para aqueles mais próximos e valorosos, eu arranjava encontros com Ilitch e, quando se tratava mais precisamente de questões militares, Mikhail Sergeievitch organizava encontros com Nikitch (Krassin).

Essas entrevistas ocorriam em diferentes lugares : ora no Consultório Dentário de Dora Dvoires (em algum lugar na Avenida Nevsky), ora no Consultório Dentário de Lavrentieva (na Avenida Nikolaievskaya), ora na Livraria “Vperiod (Avante)” e na casa de diversos simpatizantes.

Recordo-me de dois episódios.

Certo dia, Vera Rudolfovna (Menjinskaya) e eu predispussémo-nos a recepcionar visitantes na Livraria “Vperiod (Avante)”, onde uma sala especial, destinada a esse objetivo, fora-nos colocada separadamente à disposição.

Um dos companheiros do bairro veio ao nosso encontro com um pacote de proclamações, enquanto um outro sentou-se, esperando pela sua vez.

Subitamente, a porta se abriu, um agente de policía meteu a cabeça para dentro dela e exclamou :

 

“- Aha !”, trancafiando-nos, então, no interior daquele recinto.

 

O que haveríamos de fazer ?

Não era razoável sair trepando pela janela.

Então, sentamo-nos ali e ficamos olhando um para outro, de modo atônito.

A seguir, decidimos queimar as proclamações e todas as outras coisas ilegais e, sentados, acordamos em dizer que estávamos ali coletando literatura popular para os vilarejos do campo.

E assim viemos a contar toda a história.

O agente de polícia lançou-nos um olhar com escárnio, porém não nos prendeu.

Nossos nomes e endereços foram anotados. De todo modo, tratavam-se, evidentemente, de nomes e endereços falsos.

 

Em uma outra vez, quase levei a pior.

Dirigi-me, pela primeira vez, para um local clandestino, na Avenida Lavrentieva.

Porém, em vez do Nr. 32, passaram-me o Nr. 33.

Aproximei-me da porta e surpreendi-me com o fato de que a plaquinha de identificação do nome do morador havia sido arrancada.

Pensei : que tipo estranho de conspiração ... 

Então, um soldado subalterno veio a abrir-me a porta.

Sem perguntar absolutamente nada, carregando todos os endereços cifrados e toda a literatura, caminhei diretamente ao longo do corredor.

Atrás de mim, vinha correndo o soldado em tela, terrivelmente pálido e inteiramente trêmulo.

Detive-me e perguntei :

 

“ – Será que hoje não é dia de atendimento ? Estou com muita dor de dente. “       

 

Balbuciando, disse o soldado :

 

“- Hoje, o coronel não está em casa.”

 

“ – Que coronel ?”

 

“- O Coronel Riman.”

 

Parece que havia-me dado mal ao bater no apartamento de Riman, o coronel do Regimento Semenovsky, o qual esmagara a Insurreição de Moscou e ordenara a represália contra os ferroviários das Estradas de Ferro de Moscou-Kazan.

Obviamente, Riman temia um atentado contra sua vida, sendo que por essa razão fora arrancada da porta a plaquinha de identificação do nome do morador.

E eu aparecera, de repente, em sua habitação, percorrendo o corredor, sem prestar qualquer esclarecimento.

      

“ – Então, vim ao lugar errado. Sabe, preciso ir ao Doutor “, disse, virando-me e pondo-me a caminho de volta.

 

Ilitch esgotava-se por causa dos pernoites tão incomodativos, realizados em diferentes casas.

Em geral, era muito acanhado e a solicitude cortês dos amáveis anfitriões pertubava-o.

Adorava trabalhar na biblioteca ou em casa, porém, nesses pernoites, tinha de adaptar-se, todas as vezes, às novas situações.

Encontrava-me com Ilitch no “Restaurante Viena”.

Porém, como lá não era muito conveniente para conversarmos, devido à presença das pessoas, sentávamo-nos no restaurante por um certo tempo ou encontrávamo-nos em algum lugar de rua previamente combinado, pegávamos uma charrete-táxi e íamos ao hotel que se situava em frente à Estação Ferroviária Nikolaievsky.

Nesse hotel, alugávamos um quarto e pedíamos o jantar.

Recordo-me de que, certa feita, avistamos na rua Josef (Dzerjinsky).              

Detivemos a charrete-táxi em que estávamos e convidamos Josef (Dzerjinsky) a acompanhar-nos.

Ele sentou-se ao lado do motorista.

Ilich estava inteiramente preocupado em saber se o nosso convidado encontrava-se confortado.

Rindo, porém, Josef (Dzerjinsky) contou que crescera no campo e conseguia montar no banco de um transporte qualquer.

No fim das contas, Ilitch ficou saturado dessa vida enfadonha e com ele mudei-me para a Avenida Panteleimonovskaya, passando a viver em uma casa grande, situada em frente à igreja de mesmo nome.

Nossa locatária era uma adepta reacionária dos Cem-Negros.

Entre as intervenções de Ilitch relacionadas com esse período, recordo-me da reunião dos propagandistas de diversos bairros, ocorrida na habitação de Knipovitch.

Ilitch pronunciou-se acerca da questão do campo.

Lembro-me de que Nikolai do Distrito Nevskaya formulou-lhe uma pergunta qualquer.

Recordo-me que, naquela ocasião, a postulação esteriotipada da questão e a maneira de falar de Nikolai desagradou-me terrivelmente. Depois da reunião, perguntei à tiazinha, responsável pela organização do Distrito Nevskaya, que tipo de trabalhor era o Nikolai.   

Disse-me que era um rapaz talentoso, fortemente ligado com o campo, sendo de lamentar-se, porém, o fato de que não conseguia realizar trabalho sistemático de massas e perdia tempo apenas com um pequeno grupo de trabalhadores.

Apesar de tudo, Nikolai era, em 1906, um dos trabalhadores mais ativos. Nos anos da reação, tornou-se, então, um agente secreto provocador, porém não veio a suportar essa condição e acabou suicidando-se.

Nikolai pertencia a um grupo de companheiros que pretendiam inserir-se em todas as camadas da população pobre.

Recordo que, certa vez, foi a um albergue noturno, a fim de fazer agitação.

Recordo-me também de que o companheiro Krylenko era, então, um rapaz inteiramente jovem e encrenqueiro, quando caiu em uma dessas reuniões de adeptos de seitas religiosas que quase o espancaram.

Sergei Voitinsky era outro que se encontrava, permanentemente, metido em todas as confusões.

  

Por aquela época, começaram a espionar Ilitch.

Uma certa vez, foi a uma reunião qualquer – creio que na habitação de Tcherekul-Kush -, onde apresentou um informe.

Já depois, começaram a perseguí-lo e de tal maneira que decidiu não retornar à casa.

Assim, fiquei sentada junto à janela durante toda a noite até o raiar do dia, tendo concluído que o haviam prendido em algum lugar. 

Mal tendo-se livrado dos espiões e contando com o auxílio de Bask – esse último então um proeminente membro do Distrito Spilka – rumou para a Finlândia e, lá, permaneceu até a realização do Congresso de Estocolmo.

Nessa cidade, durante o mês de abril, Ilitch escreveu a brochura intitulada “A Vitória dos Constitucionais-Democratas (Cadetes) e as Tarefas do Partido dos Trabalhadores”, bem como preparou as resoluções do Congresso da Unificação.

Essas resoluções congressuais foram apreciadas, então, em Petersburgo, para onde Ilitch se dirigiu a seguir.

Na Casa Vitmer, existia um ginásio e os trabalhos congressuais transcorreram em uma das suas salas.

Depois do II Congresso do Partido, esse novo congresso foi a primeira ocasião em que bolcheviques e mencheviques reuniram-se conjuntamente.

Apesar de que os mencheviques já haviam tido a possibilidade de demonstrar suficientemente suas verdadeiras faces ao longo dos meses precendentes, Ilitch ainda contava com a esperança de que o novo ascenso revolucionário - do qual não duvidava – poderia consigo arrastá-los, reconciliando-os com a linha bolchevique.

Atrasei-me um pouco para o congresso.

Para ele me dirigi juntamente com Tuchapsky - a qual havia conhecido no quadro da preparação do I Congresso – e com Klavdia Timofeievna Sverdlova.

Jakob Mikhailovitch Sverdlov pretendeu também dirigir-se para o Congresso da Unificação.

Porém, nos Urais, Sverdlov exercia uma enorme influência.

Os trabalhadores não quiseram, por nada desse mundo, permitir que ele partisse.

Quanto a mim, possuía um mandato de Kazan, porém, em minha mãos, encontrava-se um pequeno número de votos.

Por isso, a Comissão de Credenciamento concedeu-me apenas um voto consultivo.

Um curto contato mantido com a Comissão de Credenciamento já bastava para, de imediato, penetrar na atmosfera congressual, marcada por um aspecto bastante fracional. (...)

    

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS



[1] Cf. KRUPSKAYA, NADEJDA KONSTANTINOVNA. Vospominania o Lenine (Recordações de Lenin), Vypusk I(Parte I) (1926), Moscou-Leningrado : Gosudarstvennoe Izdatelstvo, 1930, pp. 135 e s.