90 ANOS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA PROLETÁRIA RUSSA DE OUTUBRO DE 1917

MORAL E CONSCIÊNCIA, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO DAS LUTAS REVOLUCIONÁRIAS

DE EMANCIPAÇÃO PROLETÁRIO-SOCIALISTA

TEXTOS DE CÉLEBRES DIRIGENTES BOLCHEVIQUES SOBRE J. M. SVERDLOV

 

 

LENIN E SVERDLOV

EM MOSCOU  

 

NADEJDA K. KRUPSKAYA[1]

 

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Asturig Emil von München,

Julho de 2004  emilvonmuenchen@web.de

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O avanço dos alemães e a captura por eles realizada da cidade de Pskov demonstraram a que perigo o Governo de Lenin encontrava-se exposto, ao permanecer em Petrogrado. 

Na Finlândia, irrompera a Guerra Civil.

Decidiu-se, então, evacuar a cidade de Petrogrado e tranferir a sede do Governo Soviético para a Moscou.

Do ponto de vista organizativo, a adoção de tal medida era também essencial. 

O trabalho revolucionário subseqüente haveria de ser executado no centro da vida econômica e política do país.

Sendo assim, em 12 de março de 1918, o Governo Soviético instalou-se em Moscou, centro da Rússia Soviética.

 

Se comparada com Petrogrado, Moscou é, com efeito, uma cidade localizada a uma maior distância de todas as fronteiras, proporcionando, assim, mais expressiva segurança.

Ao mesmo tempo, encontra-se mais próxima de um expressivo número de províncias, com as quais cumpria, então, manter contato bem mais estreito.

No dia anterior, em 11 de março, dia em que foi efetuada a evacuação, Lenin redigira um artigo, intitulado “A Principal Tarefa do Nosso Dia”, publicado no “Izvestia (Notícias)”, em 12 de março.  

O artigo em foco era programático e, ao mesmo tempo, caracterizava manifestamente o espírito de Lenin, durante aqueles dias.

Principia com uma citação do poema de Nekrassov de nome “Quem Pode ser Feliz e Livre na Rússia” :  

 

 “És tão gentil,

pobre e tão triste,

porém, repleta de grande tesouro,

poderosa e omnipotente,

Rússia, minha mãe!”

 

Sucintamente, em poucas sentenças marcantes, Lenin tratou, a seguir, do significado da Grande Revolução Proletária e, então, mencionou o caráter humilhante do Tratado de Brest.

Além disso, escreveu sobre a luta em prol de uma ”Rússia poderosa e abundante” : 

 

“A Rússia será assim (EvM.: i.e. poderosa e abundante), se deixar de lado todo o abatimento e todo o palavrório, cerrar seus dentes, reunir todas as suas forças, tensionar todos os seus nervos, enrijecer todos os seus músculos e entender que a salvação reside tão somente no curso do caminho da Revolução Socialista Internacionalista que estamos trilhando.    

É marchando para adiante, ao longo do caminho - sem temer as derrotas -, assentando os fundamentos socialistas, pedra sobre pedra, trabalhando com todas as forças para construir a disciplina e a auto-disciplina, consolidar, por todos os lados, a organização, a ordem, a eficiência, a cooperação harmônica de todas as energias do povo, empreendendo o registro e o controle geral da produção e da distribuição de produtos, que avançaremos na edificação do poder militar e do Poder Socialista.” (cf. V. I. Lenin, Obras Completas, Vol. 27, p. 135)

 

No mesmo sentido, frisou :

 

“Desde 25 de outubro de 1917, somos defensistas. Estamos em favor da « defesa da pátria ».

Porém, essa Guerra Patriótica que estamos promovendo é uma guerra em favor da Pátria Socialista, em favor do socialismo enquanto Pátria, em favor da República Soviética, enquanto destacamento do Exército Mundial do Socialismo.” (ibidem, pp. 136-137) (...)

 

Lenin encontrava-se com plena energia e preparado da cabeça aos pés para a luta.

De início, nós - Lenin, Maria Ilitchna e eu) -, fomos instalados no Hotel Nacional, em Moscou – denominado, então, “Primeira Casa dos Sovietes” -, onde tínhamos dois quartos e um banheiro, situados no primeiro andar.

Era primavera e o sol generoso de Moscou resplandecia de modo jovial.

Okhotny Ryad, uma praça aberta às atividades de mercado, havia começado a funcionar justamente do lado do hotel.

Era uma marca colorida da velha Moscou, com suas tendas e lojas comerciais, cujos donos haviam outrora abusado dos estudantes.

Milhares de pessoas vieram para ver Lenin chegar, estando muitas delas engajadas em atividades militares.   

 

Em 18 de março de 1918, os ingleses haviam acantonado na cidade de Murmansk, dotada de uma unidade de 400 a 500 fuzileiros, com a pretensão de ali controlar os armazéns construídos pela Entente, sob a égide do Governo Czarista.  

A idéia, situada por detrás desse acantonamento, era eminentemente clara.

No Hotel Nacional, alimentavamo-nos, porém, praticamente com a mesma carne conservada, com que os ingleses davam de comer aos seus soldados no fronte.

Certa vez, durante uma refeição, Lenin observou:

 

“Estou curioso para saber com o que alimentaremos nossos próprios soldados nos frontes!”   

 

Contudo, a vida no Hotel Nacional era como um acampamento ao ar livre.

Lenin estava, por isso, ansioso para poder instalar-se em quartos permanentes, onde pudesse dedicar-se regularmente ao trabalho.

 

Ficou decidido, então, alojarem-se no Kremlin as repartições governamentais e os principais membros do governo.

Também deveríamos ir viver ali.

Recordo-me de Sverdlov e Bontch-Bruyevitch conduzindo-nos ao Kremlin, pela primeira vez, a fim de visitarmos nosso futuro apartamento.

Foi-nos concedido um aposento no prédio do Pátio da Chancelaria. 

Uma velha escadaria de pedra, cujos degraus estavam desgastados pelas pegadas das gerações precedentes de visitantes, conduziu-nos ao segundo andar, onde o Procurador do Estado do Supremo Tribunal costumava usar o seu apartamento.

Planejou-se que nos fossem concedidos três quartos adjacentes e uma cozinha, dotada de uma entrada em separado, permanecendo o resto do apartamento destinado ao acolhimento das repartições do Conselho dos Comissários do Povo.

O quarto maior haveria de servir como sala de conferências...

Ao lado dessa sala, situava-se o escritório particular de Lenin, localizado mais próximo da entrada principal, utilizada pelos visitantes.

Tudo era muito confortável.

Porém, o prédio encontrava-se em estado de imensa imundície.

Fogões e tetos encontravam-se quebrados.

Nosso futuro apartamento era o lugar mais sujo do mundo : os síndicos do prédio haviam ali morado.

O local carecia de ser renovado.

Recebemos, então, alojamentos temporários – dois quartos limpos -, situados nas assim denominadas Câmaras dos Cavaleiros do Kremlin.  

 

Lenin gostava de caminhar pelo Kremlin que nos brindava com uma abrangente vista da cidade.

Do que mais gostava era andar ao longo do pavimento que dava de frente para o Grande Palácio, onde muitas coisas ocupavam nossos olhos.

Também adorava fazer caminhadas ao longo do muro baixo, rodeado por muita grama e poucas pessoas. (...)

 

Negociada a questão do Tratado de Paz com os alemães, Lenin considerou que o novo contexto proporcionaria uma interrupção temporária de hostilidades, a ser sumamente utilizada para o desenvolvimento das atividades do Governo Soviético, no interior do país.

Começou, então, a redigir a sua brochura “As Tarefas Imediatas do Governo Soviético”.

 

Sverdlov visitava-nos freqüentemente nas Câmaras dos Cavaleiros do Kremlin.

Ao observar as condições de trabalho de Lenin, persuadiu-o, com inúmeros argumentos, a trabalhar com um taquígrafo.

Enviou-lhe um dos melhores disponíveis no quadro de funcionários.

Nada de positivo, porém, resultou disso.

Lenin embaraçava-se imensamente com a presença do taquígrafo e a tentativa deste de persuadí-lo a que não se desse conta de sua presença não levou absolutamente ao progresso do trabalho.

O método de trabalho de Lenin era o de redigir, em primeiro lugar, algumas páginas e, então, despender bom tempo cogitando acerca de como melhor expressar suas idéias.

Não lograva executar esse ritual na presença de um estranho.

 

Não foi antes do ano de 1923, quando então já se encontrava seriamente enfermo e incapacitado de elaborar fisicamente seus próprios escritos, que começou a ditá-los a taquígrafas, ainda que opinasse ser extremamente difícil proceder dessa maneira.

Ditou-os a Fotieva, Glyaser, Manutcharyants e Voloditcheva.

Essas companheiras haviam trabalhado durante um longo tempo junto à secretaria do Partido e Lenin não demonstrou, então, ficar tão acanhado com suas presenças.

Ainda assim, era possível avistar, freqüentemente, seu sorriso embaraçado, por detrás da porta de seu quarto.      

Entre o fim de março e o início de abril de 1918, trabalhou assiduamente em seu artigo intitulado “As Tarefas Imediatas do Governo Soviético”.

Este foi publicado no “Izvestia (As Notícias)”, em 28 de abril, e serviu de guia à ação dos bolcheviques, durante os anos que a seguir vieram.

Em meu entender, em nenhuma outra sede, Lenin tratou das principais dificuldades da construção socialista em nosso país, de modo tão simples, vivaz e incisivo.

Nos dias da Revolução de Outubro de 1917, nosso país era uma nação de pequenos camponeses agricultores.

Milhões de camponeses da Rússia encontravam-se penetrados pela psicologia característica do pequeno proprietário, segundo a qual cada qual pensa apenas no seu próprio benefício pessoal, no seu próprio orçamento e no seu próprio pedaço de solo, não se importando com mais nada e ninguém.

O lema desse camponês era o seguinte :

 

“Cada um por si e Deus por todos!”

 

Vezes sem conta, Lenin escrevera sobre a mentalidade do pequeno proprietário e sua nocisividade.

Agora. porém, em um momento em que a questão do poder havia sido definitivamente solucionada por meio da dissolução da Assembléia Constituinte e da Paz de Brest, emergia a possibilidade de respirarmos, com toda a sua aplitude, encarando o problema de reeducar as massas, nelas cultivando uma nova psicologia, uma psicologia coletivista. (...)

 

*

*  *

 

Os alemães celebraram a Paz de Brest com a Rússia Soviética, dando encerramento às hostilidades praticadas contra ela.

Porém, não abandonaram seus planos de conquista de nosso país.

Durante as negociações de Brest, o Governo Alemão concluiu um acordo com a Rada Central Ucraniana, prometendo-lhe sua assistência na luta contra os bolcheviques.

Depois de terem ocupado a Ucrânia e derrubado o Poder Soviético lá existente, os alemães destituíram, em seguida, também a Rada, nomeando, em seu lugar, o General Czarista Skoropadsky, enquanto caudilho títere da Ucrânia.

A Ucrânia  tornou-se, então, praticamente uma colônia do Império Alemão.

Cereais, gado, açúcar e matérias primas eram embarcados em grandes quantidades da Ucrânia para a Alemanha.

Os imperialistas alemães fizeram o máximo que puderam para inflamar a chama da Guerra Civil.

O ditador cossaco Krasnov que escapara do Danúbio, recorreu aos alemães, com vistas a pedir-lhes assistência.

Estes auxiliaram-no a organizar e reunir unidades cossacas da Guarda Branca.

Além disso, os alemães ajudaram os Finlandeses Brancos a suplantar a Revolução da Finlândia, tomando represálias brutais contra os finlandeses revolucionários.

Porém, os imperialistas alemães não eram os únicos a promoverem ações agressivas.

 

No início de abril de 1918, japoneses e britânicos desembarcaram em Vladivostok. 

Nesse mesmo mês de abril, um certo número de partidos anti-soviéticos uniram-se, visando a formar a Liga da Renovação.

Esta era composta por socialistas-revolucionários (SRs.), constitucionais-democratas (Cadetes), socialistas-populares, mencheviques e o Grupo Unidade.

A liga de partidos em tela celebrou, então, um acordo com a Entente, a fim de que as tropas desta fossem enviadas à Rússia para lutarem contra os bolcheviques, mobilizando as Corporações Tchecas, utilizadas para a orquestração de um golpe de Estado na Rússia, capaz de derrubar o Governo Soviético.

No tempo de Kerensky, as Corporações Tchecas haviam contado com 42.000 homens, havendo incorporado em suas fileiras muitos generais e oficiais russos reacionários.

O plano da revolta foi discutido por membros do Comitê Central Socialista-Revolucionário e representantes dos socialistas-revolucionários (SRs) siberianos com a Missão Militar Francesa.

Decidiu-se, então, que, evacuadas para o fronte do leste, as tropas tchecoslovacas ocupariam os pontos decisivos das linhas ferroviárias dos Urais, Sibéria e Ussuri.

Em fins de maio, os tchecoslovacos ocuparam, com efeito, as cidades de Tchelyabinsk, Petropavlovsk, Tomsk e a estação ferroviária de Taiga.

No primeiros dias de junho, as cidades de Omsk e Samara. 

Já em fins de maio, uma conspiração contra-revolucionária, empreendida pela Guarda Branca e financiado pela Liga da Renovação, havia sido também descoberta, em Moscou.

 

Paralelamente, uma revolta fora igualmente articulada na Criméia, como forma de orquestrar o cenário para um motim da Flota do Báltico.

Em 4 de junho, formou-se um governo burguês-nacionalista naquela região.

Dias depois, em 19 de junho, um revolta contra-revolucionária teve lugar em Irkutsk.

A seguir, no dia 20, levantaram-se Kozlov e Ekaterinburgo. 

 

Além disso, uma sedição monarquista foi descoberta, em 29 de junho, na cidade de Kostroma e, em 30, um governo burguês foi proclamado pela Duma Regional Siberiana. 

Naquele então, os socialistas-revolucionários (SRs) encontravam-se trabalhando de mãos dadas com a burguesia.

Depois da tomada de Samara, em 8 de junho, efetuada pelas Corporações Tchecas, institui-se ali uma Assembléia Nacional Constituinte.

No dia 19 do mesmo mês, os socialistas-revolucionários (SRs) de direita articularam uma rebelião, em Tambov, e, no dia subqüente, assassinaram nosso grande companheiro bolchevique Volodarsky, em Petrogrado.

   

Também os socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda penetraram no sendeiro da contra-revolução.

Decidiram, em 24 de junho, assassinar o Embaixador Alemão, Conde Mirbach, articulando, nesse contexto, uma revolta armada contra o Poder Soviético.

Dias depois, em 27 do mesmo mês, os britânicos viriam a desembarcar em Murmansk.

Porém, em 1°de julho, trens que transportavam tropas da Guarda Branca, operando sob a direção da Missão Militar Francesa, foram arrestados, em Moscou.

 

A despeito de tudo isso, foi aberto, em 4 de julho, o Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, o qual seria marcado por dois eventos de expressiva importância : a concretização do assassinato do Conde Mirbach, em 6 de julho, e a irrupção de uma insurreição, em Moscou e Yaroslavl.

 

Discursando, em 5 de julho de 1918, no V Congresso dos Sovietes, Lenin havia colhido a oportunidade de censurar os socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda por seu confucionismo, por semearem pânico e fracassarem inteiramente em compreeder a situação então existente.

Porém, não chegara a concebê-los como capazes de rebaixarem-se tanto ao nível infâme da contra-revolução.

Com efeito, naquele 6 de julho, os socialista-revolucionários (SRs) de esquerda Bliumkin e Andreiev haviam-se dirigido à Casa da Embaixada da Alemanha, em Moscou, com vistas a solicitarem uma audiência particular com o Conde Mirbach.

Havendo lançado uma bomba contra ele, assassinando-o de tal maneira, lograram escapar.

Rumaram, então, ao encontro do destacamento da Tcheka, colocada sob o comando do socialista-revolucionário (SR) de esquerda Popov, acantonado na Rua Trekhsviatiteisky.

Simultaneamente, para lá também se deslocou todo o Comitê Central do Partido Socialista-Revolucionário.

O chefe da Tcheka, nosso companheiro bolchevique Dzerjinsky, havendo-se dirigido àquele mesmo local, a fim de prender os assassinos, acabou sendo preso por estes.

O destacamento de Popov enviou, a seguir, patrulhas às ruas circunjacentes.

Estas prenderam o Presidente do Soviete de Moscou, Smidovitch, o Comissário do Povo para os Correios e Telégrafos, Podbelskv, um dos chefes da Tcheka, Lacis e outros, tomando, momentos depois, de assalto o Departamento Geral dos Correios.  

O Comitê Central dos socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda espalhou, então, por toda a Rússia e também pelo fronte da Tchecoslováquia, um informe que anunciava a Revolta de Moscou, conclamando todos a deflagrarem guerra contra a Alemanha.

 

Diante das hostilidades desencadeadas pelos socialistas-revolucionários (SRs)de esquerda, o Conselho de Comissários do Povo decidiu empreender uma ação militar contra o destacamento de Popov, mobilizando, para isso, cerca de 2 mil combatentes revolucionários de infantaria, com 8 armas pesadas e um carro blindado.

Em 8 de julho de 1918, a Rua Trekhsviatiteisky foi isolada e alvejada.

Os socialistas-revolucionários (SRs) tentaram retaliar, abrindo fogo sobre o Kremlin, cujo pátio foi atingido, então, por diversos disparos.

Depois de opor curta resistência, o destacamento de Popov retirou-se, batendo em fuga através da Estrada Vladimir, onde, logo a seguir, dispersou-se.

Fizeram-se cerca de 300 prisioneiros.

 

Depois da retirada dos socialistas-revolucionários (SRs) da Rua Trekhsviatiteisky, Lenin quis examinar a casa em que os rebeldes haviam sediado temporariamente seu quartel-general.

Dirigimo-nos juntos até ela, deslocando-nos em carro aberto.

Ao passarmos pela Estação Oktiabrsky, ouvimos um grito de “Alto lá!”, vindo de uma esquina lateral.

Não avistando quem gritava, nosso motorista, Gil, continuou a trafegar, sem deter-se.

Porém, Lenin disse-lhe, então, que estacionasse.

Entrementes, alguém começou a disparar um revólver a partir de todas os ângulos da esquina e um grupo de homens armados veio correndo, em nossa direção.

Eram nossos próprios companheiros.

Lenin censurou-os :

 

“- Que tipo de idéia é essa, companheiros, ficar atirando de todos os cantos da esquina, sem verificar contra quem estão disparando!”

 

Ficaram muito pertubados com essas palavras.

Lenin perguntou-lhes, então, qual o caminho que devíamos percorrer, visando a chegar a casa da Rua Trekhsviatiteisky, em que se haviam abrigado os rebeldes.

Acompanhando-nos sem demora, permitiram, a seguir, que ingressássemos na casa em foco, conduzindo-nos através das salas.

Lenin estava muito ansioso para conhecer a razão por que os socialistas-revolucionários (SRs) haviam escolhido aquela casa em particular como seu quartel-general e descobrir o modo segundo o qual haviam organizado sua defesa.

Porém, logo perdeu toda a sua atração pela questão, visto que a localidade em que se situava a casa e suas articulações interiores não possuíam o mínimo interesse, desde o ponto de vista referido.   

Por outro lado, o que ali nos impressionou foram os assoalhos, densamente recobertos com pedacinhos de papel picado.

Durante a luta havida naqueles recintos, os socialistas-revolucionários (SRs) haviam aparentemente rasgado todos os seus documentos.

 

Apesar de estarmos já no final da tarde, Lenin quis, então, dar uma volta no Parque Sokolniki.

Depois de atravessarmos uma certa imediação, passamos por uma patrulha juvenil do Komsomol.

 

“- Alto lá ! ”

 

Paramos.

 

“- Documentos !”

 

Lenin apresentou seus documentos.

 

“- Vladimir Ilitch Ulianov, Presidente do Conselho dos Comissários do Povo.

Conte uma outra história !”, ironizaram os jovens homens ali presentes.

  

Então, decidiram prender Lenin.

Conduziram-no rua abaixo, rumo à estação miliciana mais próxima.

Ali, porém, foi imediatamente reconhecido e os milicianos de serviço, libertando-o, riram amistosamente.

Depois de retornar ao local onde eu me encontrava, pretendemos partir imediatamente.

Antes, porém, demos uma volta no Parque Sokolniki e, quando estávamos descendo por uma das ruas, ouvimos disparos novamente.

Parecia que estávamos passando por perto de um paiol, repleto de munição.

Controlados mais uma vez, nossos documentos foram minuciosamente examinados, antes que nos permitissem passar, sob a admoestação rumorejante de evitarmos passeios sabe lá por onde, em horas arredias.

No caminho de volta, tivemos de passar pelo mesmo posto de patrulha juvenil do Komsomol, porém, logo que os jovens avistaram nosso carro de longe, desapareceram, imediatamente. 

 

Em 8 de julho, o V Congresso dos Sovietes decidiu expulsar de suas fileiras os socialistas-revolucionários (SRs.) de esquerda que haviam apoiado a rebelião dos Dias 6 e 7 de Julho de 1918.

A seguir, em 10 de julho, o congresso em referência adotou, então, a Constituição Soviética, dando encerramento às suas sessões deliberativas.  

 

Porém, a situação permaneceu extremamente difícil, ao longo de todo aquele mês de julho.

O comandante das tropas que combatiam os Tchecoslovacos era o renomado socialista-revolucionário (SR.) de esquerda Muravyov.

Depois da Revolução Proletária de Outubro, havia-se posicionado ao lado do Poder Soviético, combatera as tropas de Kerensky e Krasnov que haviam atacado Petrogrado, lutara contra a Rada Central Ucraniana e atuara no fronte da Romênia.

Entretanto, quando os socialistas-revolucionários (SRs.) se revoltaram, nos Dias 6 e 7 de Julho de 1918, Muravyov passou para o lado deles, pretendendo direcionar suas tropas contra Moscou.

Não obstante, as unidades, colocadas sob sua confiação e direção, recusaram-se a obedecer ao seu comandante.

Muravyov  contava com o apoio do Soviete de Simbirsk, porém também este retirou-lhe o apoio, ordenando sua prisão.

Depois de esboçar resistência, acabou sendo executado.

Pouco depois, porém, Simbirk seria tomada pelos Tchecoslovacos que avançavam rumo a Ekaterinburgo, onde Nicolau II era mantido prisioneiro.

Em 16 de julho de 1918, o czar e sua família foram, então, fuzilados.

Os Tchecoslovacos chegaram muito tarde para salvá-lo, ainda que se houvessem demonstrado capaz de tomar Ekaterinburgo, em 23 de julho.

 

No norte, tropas britânicas e francesas assenhoraram-se de parte da ferrovia de Murmansk.

Os mencheviques de Baku pediram às forças armadas britânicas que ingressassem na cidade.

O Exército Branco Voluntário tomou Tikhoretskaya e, então, Armavir.

 

Nesse contexto, os imperialistas alemães exigiram que um batalhão das suas tropas fosse autorizado a ingressar em Moscou, a fim de custodiar sua embaixada.

Apesar de a situação ser desesperadora, Lenin jamais perdeu a cabeça.

Seu humor revelou-se, naquele momento, da melhor forma, em sua carta, dirigida a Clara Zetkin, em 26 de julho.

Nela, escreveu :

 

“Minha cara companheira Clara Zetkin,

 

Muitíssimo obrigado por sua missiva de 27 junho p.p. que a companheira Gerta Gordon veio entregar-me.

Farei tudo o que puder para ajudá-la.

Estamos encantados por saber que você, o companheiro Franz Mehring e outros “companheiros spartakistas” da Alemanha, estão do nosso lado «de coração e alma».

Isso nos torna mais confiantes de que os melhores elementos da classe trabalhadora ocidental-européia, a despeito de todas as dificuldades, virão em nosso auxílio.

Estamos conhecendo agora as semanas talvez mais difíceis de toda a Revolução.

A luta de classes e a Guerra Civil penetraram nas profundezas da população : por todos os lados, no interior do país, existe uma fissura.

Os pobres estão conosco e os kulaks, furiosamente contra nós.

A Entente comprou os Tchecoslovacos.

A rebelião contra-revolucionária está furiosa e toda a burguesia encontra-se promovendo todos os esforços para derrubar-nos.

Contudo, acreditamos, firmemente, que seremos capazes de evitar aquele “costumeiro” resultado das revoluções - tal como em 1794 e 1849 -, derrotando a burguesia.    

Minhas sinceras saudações,

Cordialmente seu

Lenin.” (cf. V. I. Lenin, Obras Completas, Vol. 35, p. 282)

 

A essas palavras, Lenin agregou no post-scriptum :

 

“Acabam de me trazer o novo selo do Estado.

Eis aqui um exemplar.

Nele está escrito: República Federativa Socialista Soviética Russa. Trabalhadores de Todo Mundo, Uni-vos !”

 

A rebelião contra-revolucionária continuava a campear furiosa e irrestritamente.

Os Tchecoslovacos tomaram Kazan e as tropas franco-britânicas capturaram Arkhangelsk, onde formou-se um Governo Supremo Socialista-Revolucionário da Região Nordeste.

Em Idjevsk, os socialistas-revolucionários (SRs.) deflagaram uma outra revolta.

As tropas dos SRs. de direita de Idjevsk ocuparam Sarapul, ao mesmo tempo em que as tropas soviéticas abandonavam Tchita.

O Exército de Voluntários Brancos assumiu, a seguir, Ekaterinodar.

Porém, o fracasso das Insurreições de Moscou e Yaroslavl casou algumas vacilações nas fileiras dos socialistas-revolucionários (SRs.)

Os combates, travados entre alemães e aliados, reiniciados com força renovada, desviou a atenção para fora da Rússia.

 

Em 16 de agosto de 1918, os Tchecoslovacos foram, então, derrotados no Rio Belaya.

A consolidação de todas das Forças Armadas Soviéticas começava a tomar corpo.

Adotou-se um importante número de medidas organizativas, editaram-se novos Decretos, recrutaram-se organizações trabalhadoras para a realização da atividade de fornecimento de cereais, dispondo-se sobre a organização de destacamentos de colheitas e de distribuição localizada.

A situação dos cereais havia melhorado um pouco e o fechamento dos jornais burgueses detera a exasperação pública.

Intensificamos a agitação contra a intervenção imperialista entre os trabalhadores estrangeiros.

Então, em 19 de agosto, o Comissariado Soviético dos Negócios Estrangeiros dirigiu ao Governo dos EUA uma oferta de paz, a ser celebrada com todos os Poderes Aliados.

 

Ao perceberem que estavam perdendo terreno, os socialistas-revolucionários (SRs.) de direita decidiram assassinar um certo número de dirigentes bolcheviques, incluindo Lenin entre estes.

Assim, foi precisamente no dia 30 de agosto de 1918 que Lenin foi informado sobre o assassinato de Uritsky, chefe da Tcheka de Petrogrado, perpetrado às 10 horas da manhã daquele mesmo dia.

Naquela mesma tarde, o Comitê de Moscou havia pedido a Lenin que discursasse nos atos públicos dos Distritos de Basmanny e Zamoskvoretsky.

Bukharin jantava conosco naquele dia quando, durante a refeição, pediu insistentemente a Lenin que não fosse discursar.

Porém, com um sorriso, Lenin desfez os temores de Bukharin e, então, de modo a encerrar a discussão, disse que simplesmente não iria.

Maria Ilynichna havia-se sentido mal naquele dia, não podendo sair de casa.

Aprontando-se realmente para sair, Lenin chegou, porém, a avistá-la, pedindo-lhe para que a levasse consigo.

 

“- De jeito nenhum. Você fica em casa hoje”, disse, ao abrir a porta de casa, com a intenção de comparecer aos atos públicos, mesmo sem se encontrar acompanhado de qualquer segurança.

 

Quanto a mim, dirigi-me, a seguir, a uma conferência sobre educação no prédio da Segunda Universidade Estatal de Moscou, onde dois dias antes Lenin havia discursado.

Quando a conferência estava já terminando e me preparava para voltar à casa, prometi dar uma carona a um professor de segundo grau, um conhecido meu, que vivia no Distrito de Zamoskvoretsky.

Um carro do Kremlin esperava-nos, porém, do lado de fora, sendo-me, porém, estranha a pessoa do motorista.

Apesar de ter-lhe dito que conduzisse primeiro nosso passageiro até sua casa, insistiu em levar-nos ao Kremlin.

O motorista mantinha-se em silêncio, porém, ao aproximar-se do Kremlin, parou o carro e pediu que meu acompanhante saísse do carro.

Surpreendida com o modo autocrático com o qual se comportava, estava já para lhe dar um conselho, quando precipitou-se sobre nossa entrada particular, que dava para o pátio do Comitê Executivo Central, onde Gil, nosso motorista costumeiro, já se encontrava do lado de fora.

Este começou a dizer-me que levara Lenin à Fábrica Michelson, onde uma mulher havia disparado contra ele, ferindo-o levemente.

Evidentemente, tentava repassar-me a notícia de modo tranqüilizador.

Parecia, porém, muito nervoso.

 

“- Diga-me, Ilitch está vivo ou morreu?, perguntei.

 

Estava vivo. Corri para dentro.

Nosso apartamento estava lotado. Casacões estranhos, pendurados no armário do corredor. Todas as portas, escancaradas.

Próximo do armário, encontrava-se Sverdlov, com um ar sério e macabro.

Ao avistá-lo, decidi que tudo estava acabado.

 

“- O que é que vamos fazer?”, foi tudo o que pude dizer.

 

“- Estamos ajeitando tudo para assistir Lenin”, disse.

 

Meus piores sentimentos estavam confirmados, pensei.

Cumpria-me atravessar uma pequenina sala, porém o trajeto parecia tratar-se de uma eternidade.

Entrei, finalmente, em nosso quarto de dormir.

A cama de Lenin havia sido deslocada para o centro do quarto, onde encontrava-se deitado sobre ela, com uma feição lívida.

Ao me ver, disse, em voz baixa, depois de uma pausa de um minuto.

 

“- Você acabou de chegar. Deve estar cansada. Vá deitar-se.”

 

As palavras eram irrelevantes, porém seus olhos diziam-me algo inteiramente diferente :

 

“- É o fim! “

 

Sai do quarto de modo a não perturbá-lo. Detive-me na soleira da porta, para vê-lo sem poder ser vista por ele.

No interior do quarto, não percebera exatamente quem lá estava.

Porém, agora, diante da porta, via Lunatcharsky ali dentro.

Entrara há pouco ou ali já encontrava antes da minha chegada.

De pé, do lado da cama de Lenin, olhava para baixo, com olhos aterrorizados e piedosos.

 

“- O que é que há para ficar olhando aí?”, disse-lhe Lenin, então.

 

Nosso apartamento era um campo de batalha.

Vera Bontch-Bruyevitch e Vera Krestinskaya – ambas médicas – caminhavam estrondosamente em torno da cama do doente.

Uma estação cirúrgica havio sido instalada no pequeno quarto, junto à cama, máscaras de inalação, trazidas para ali, assistentes de medicina, enviados e providenciados todos os tipos de ampolas, remédios, algodões.

Nossa auxiliar doméstica temporária, uma mulher letã, estava tão horrorizada que foi-se trancar, em seu quarto.

Alguém estava tendo o que fazer na cozinha.

O fogão a óleo estava asceso e o companheiro Kizas lavava as roupas e toalhas cobertas de sangue, na banheira.

Seu olhar fazia-me recordar as primeiras noites da Revolução de Outubro de 1917, no Smolny, quando Kizas permanecerá acordada durante noites a fio, sem sequer piscar os olhos, cuidando atentamente dos telegramas que chegavam tais quais rios de chuva, de todos os rincões do país.

 

Por fim, chegaram os cirurgiões Vladimir Rozanov, Mints e outros.

Não havia dúvida : a situação de Lenin era delicada, sua vida encontrava-se suspensa por um fio.

Quando Gil, juntamente com alguns outros companheiros da Fábrica Michelson, transportaram-no até o Kremlin e quiseram carregá-lo em seus braços para dentro, Lenin os proibiu de assim procederem.

Subira ao segundo andar com suas próprias forças.

O sangue inundava seus pulmões.

Por isso, os cirurgiões temiam realizar uma punção na fenda provocada pelo ferimento.

Proibiram-no de beber qualquer coisa e Lenin sofria por sentir uma imensa sede.

 

Realizada, por fim, a intervenção cirúrgica e havendo partido os cirurgiões, uma enfermeira permaneceu para cuidar de Lenin.

Pouco depois, pediu-lhe que saísse e me chamasse.

Quando entrei, ficou em silêncio por um instante e, então, disse:

 

“- Você poderia ir buscar um copo de chá para mim?”

 

“- Mas, os doutores não disseram que você não poderia beber nada ?”, respondi.

 

Sua manobra não havia funcionado.

Fechou os olhos, dizendo:

 

“- Tudo bem! Já pode ir.”

 

Maria Ilitchna ocupou-se de acompanhar todos os doutores. Fiquei junto à porta.

 

Por três vezes durante a noite, fui ao escritório particular de Lenin, situado no fim do corredor.

Sverdlov e outros companheiros ficaram de plantão durante toda a noite, sentados em cadeiras.

O atentado contra a vida de Vladimir Ilitch Lenin deixou preocupado não apenas todas as organizações do Partido, senão também as mais amplas massas de trabalhadores, camponeses e militares das Forças Armadas Vermelhas.

O que Lenin representava para a Revolução Proletária Socialista foi repentinamente percebido por eles, com particular intensidade.

Os boletins de imprensa relacionados com suas condições de saúde eram acompanhados com grande ansiedade.

Na noite de 30 de agosto de 1918, uma Declaração do Partido, firmada por Sverdlov, tratando da questão do atentado contra a vida de Lenin, proclamou o seguinte:

 

“A classe trabalhadora responderá aos atentados perpetrados contra as vidas dos dirigentes de sua Revolução reunindo forças e deflagrando um impiedoso terror de massas contra todos os seus inimigos contra-revolucionários.”

 

O atentado perpetrado contra a vida de Lenin fez com que a classe trabalhadora cerrasse suas fileiras e trabalhasse ainda mais firmemente.

O partido dos socialistas-revolucionários (SRs) pôs-se em debandada.

Entretanto, já no dia subseqüente ao atentado, foi publicada pelo Bureau de Moscou uma declaração nos jornais, afirmando que o Partido Socialista-Revolucionário (SR) não havia provocado o crime.

Depois da Rebelião dos Dias 6 e 7 de Julho de 1918 dos Socialistas-Revolucionários (SRs) de Esquerda, seus membros haviam começado a abandonar o partido, em particular seus membros trabalhadores.

Além disso, uma fração do partido, auto-denominada “Comunistas-Narodnik(Comunistas-Populistas), já havia rompido.

Essa fração, encabeçada por Kolegayev, Bitsenko, A. Ustinov e outros, opôs-se à ação violenta, desencadeada contra a celebração da Paz de Brest, protestando contra os atos terroristas e a luta ativa contra o Partido Comunista da Rússia (Bolchevique).

Os militantes que permaneceram no Partido Socialista-Revolucionário (SR) tenderam a mover-se ainda mais para a direita, apoiando as Revoltas dos Kulaks, posto que declinasse visivelmente sua influência.

O atentado contra a vida de Lenin intensificou esse processo de desintegração do Partido Socialista-Revolucionário (SR), minando, ainda mais, sua influência entre as massas.

Desvaneceram-se as esperanças dos inimigos do Governo Soviético.

Lenin sobreviveu.

Os relatórios médicos tornavam-se cada vez mais otimistas.

Médicos e todas as demais pessoas que vinham visitá-lo regozijavam-se com as boas novas.

Lenin contava-lhes piadas.

Estava proibido de locomover-se, porém, quando ninguém se encontrava no quarto, procurava sentar-se.

Estava ansioso para retornar à ativa.

Finalmente, em 10 de setembro de 1918, o “Pravda(A Verdade)” noticiou que Lenin encontrava-se fora de perigo, ao que se adendou um nota, formulada pelo próprio Lenin, afirmando que estava convalescendo e, por isso, pedia ao povo para parar de perturbar os médicos com chamadas telefônicas, indagando sobre seu estado de saúde.

Em 16 de setembro, permitiram que Lenin comparecesse à reunião Conselho dos Comissários do Povo.

Excitado e nervoso, mal podia esperar para levantar-se da cama.

Entretanto, a alegria dominava-o por encontrar-se capaz de, enfim, poder retomar o trabalho. (...)

 

 

*

*  *

 

Recebíamos relatórios regulares em Gorki (EvM.: cidade em que Lenin se encontrava em período de convalescença), atestando que, na Alemanha, a revolução estava atingindo seu ápice.  

Em 1° de outubro de 1918, Lenin escreveu a Sverdlov que se encontrava em Moscou:

 

“1/X.1918

Aos companheiros J. M. Sverdlov e L. D. Trotsky[2]

As coisas “estão-se acelerando” tanto na Alemanha que também não podemos ficar para trás. Hoje, porém, já estamos atrasados.

É necessário convocar para amanhã uma sessão conjunta do Comitê Executivo Central ;

do Soviete de Moscou ;

do Soviete Distrital ;

dos Sindicatos etc. etc.  

Devemos realizar uma série de palestras sobre o início da revolução da Alemanha. 

(Vitória da nossa tática na luta contra o imperialismo alemão. Etc.)

Há de ser adotada uma resolução : A revolução internacional aproximou-se em uma tal dimensão no espaço de uma semana que temos de contar com ela enquanto fatos dos próximos dias.

Nenhum tipo de acordos nem com o Governo de Wilhelm nem com o Governo de Wilhelm II + Ebert e outros canalhas.

Porém, para as massas trabalhadoras alemãs, para os milhões de trabalhadores alemães, quando forem tomadas pelo espírito de revolta (provisoriamente apenas pelo espírito), começaremos a preparar uma aliança fraternal, pão, ajuda militar.

Todos nós daremos nossas vidas para ajudar os trabalhadores alemães a impulsionarem para adiante

a revolução que se iniciou na Alemanha.

 

Conclusão : 

1) Esforços decuplicados no confisco de cereais (todas as reservas devem ser esvaziadas tanto para nós como para os trabalhadores alemães);

2) Dez vezes mais notas de prontidão para o Exército. No início da primavera, deveremos possuir um Exército de três milhões de combatentes, visando ao apoio da revolução internacional dos trabalhadores. 

Essa resolução deve ser enviada, na quarta-feira, para o mundo inteiro, por telégrafo.

Marque a sessão para quarta-feira, às 2h.

Começaremos às 4h.

Conceda-me a palavra para uma intervenção de 15 minutos.

Irei até aí e, logo a seguir, retornarei[3].

Envie-me amanhã de manhã um automóvel (no telefone diga apenas : de acordo).

Com saudações !

Lenin” (cf. V. I. Lenin, Obras Completas, Vol. 35, pp. 301 e 302)

 

O consentimento para que Lenin se dirigisse a essa reunião não foi, porém, concedido, a despeito de seu mais sério pedido.

Sua saúde era uma questão de grande preocupação.

A mencionada reunião conjunta haveria de ser agendada para a quinta-feira, 3 de outubro, e, em 2 do mesmo mês, Lenin enviou uma carta à sua atenção.

Nessa reunião conjunta, leu-se a carta em tela, adotando-se uma resolução em conformidade com as diretrizes por Lenin sugeridas.

Essa resolução foi transmitida por telégrafo a todos os países e por toda a Rússia Soviética, sendo publicada, no dia seguinte, nas colunas do “Pravda(A Verdade)”.

Lenin sabia, porém, que nenhum carro seria enviado para buscá-lo.

Apesar disso, sentou-se, naquele dia, na beira da rua, esperando por ele.

 

“- Sabe como é ! Não se pode jamais imaginar o que vai acontecer !” 

 

A inquietude continuava a crescer entre os trabalhadores alemães.

Lenin dedicava sempre tremenda importância à luta teórica, à clareza das posições envolvendo a teoria.

Sabia que Karl Kautsky, por ter escrito uma série de trabalhos de popularização da doutrina de Karl Marx e criticado as concepções oportunistas de Eduard Bernstein, gozava de considerável prestígio na Alemanha.

Estava, por isso, tanto mais apreensivo e chocado com os extratos do artigo de Kautsky dirigidos contra o bolchevismo e publicados no “Pravda(A Verdade)”, em 20 de setembro.

De imediato, escreveu a V. V. Vorovsky que se encontrava, então, vivendo na Suíça, atuando como representante oficial da Rússia Soviética, com o objetivo de que intercedesse junto a Clara Zetkin, Franz Mehring e outros  para que publicassem uma Declaração de Princípios Teóricos, deixando claro que, em questões de Ditadura, Kautsky encontrava-se defendendo o ponto de vista do bernsteinianismo vulgar e não do marxismo.        

Lenin escreveu que se fazia necessário traduzir para o alemão, tão logo quanto possível, seu livrinho “O Estado e a Revolução”, no qual examinava a plataforma reformista Kautsky.

Pediu que uma cópia da brochura de Kautsky, intitulada “A Ditadura do Proletariado”, fosse-lhe enviada, tão logo lançada e, igualmente, remetidos todos os seus artigos sobre o bolchevismo já existentes.

Durante sua recuperação em Gorki, Lenin assumiu a tarefa de desmarcarar Kautsky.

O resultado disso foi o surgimento de sua brochura “A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky”.

As últimas linhas dessa obra, redigida em 9 de novembro de 1918, são finalizadas com as seguintes palavras:

 

“Naquela mesma noite, notícias foram recebidas da Alemanha, anunciando o início da Revolução Vitoriosa, primeiro em Kiel e em outras cidades do nordeste e portos, onde o poder passou para as mãos dos Sovietes dos Deputados Trabalhadores e Soldados e, então, em Berlim também o poder passou para as mãos de um Soviete.

A conclusão que ainda restava a ser redigida para a presente brochura sobre Kautsky e a Revolução Proletária tornou-se agora supérflua.”

 

Em 18 de outubro, Lenin retornou a Moscou.

Em 23, escreveu ao nosso embaixador, em Berlim:

 

“Transmita imediatamente nossos mais veementes cumprimentos a Karl Liebknecht.

A libertação dos representantes encarcerados dos trabalhadores revolucionários da Alemanha é um sinal da nova época, a época do socialismo vitorioso que está sendo agora introduzido tanto na Alemanha como no mundo inteiro.

 

Em nome do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia (Bolchevique)

 

Lenin, Sverdlov, Stalin. 

 

Ainda nesse mesmo dia, quando Karl Liebknecht foi liberado da prisão, os trabalhadores alemães realizaram uma manifestação do lado de fora da Embaixada Russa.

Em 5 de novembro de 1918, o Governo Alemão acusou os representantes soviéticos, situados em Berlim, de terem participado do movimento revolucionário alemão, e exigiu que tais representantes, diplomáticos e consulares, encabeçados pelo embaixador soviético Ioffe, abandonassem imediatamente o país.

Em 9 de novembro, Ioffe – ainda sob a ameaça de seu regresso forçado à Rússia, quando se faria acompanhar de todo um quadro de funcionários emissários – foi reconduzido à Berlim revolucionária pelos Deputados Trabalhadores e Soldados do Soviete de Berlim.

 

O primeiro aniversário do Poder Soviético foi celebrado em clima de exaltação.

Em fins de outubro, Lenin também tomara parte no envio de uma conclamação aos trabalhadores austríacos, realizado em nome do Comitê Executivo Central e do Conselho dos Comissários do Povo, e, a seguir, em 3 de novembro, discursou em uma manifestação, organizada em honra da Revolução Austro-Húngara.

 

Decidiu-se realizar o VI Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia durante os dias que rodeavam o primeiro aniversário da Revolução Russa de Outubro.

O referido congresso foi aberto, então, em 6 de novembro, com um discurso de Lenin, intitulado “Sobre o Aniversário da Revolução Proletária”.

No mesmo dia, pela tarde, discursou em uma cerimônia dos Conselhos Central e de Moscou dos Sindicatos de Toda a Rússia, bem como na comemoração realizada pelo Proletkult de Moscou.

No dia 7, pronunciou-se na inauguração do Monumento Dedicado à Memória dos Lutadores Caídos na Revolução de Outubro.

Nesse mesmo dia, Lenin expôs pela primeira vez ao público o Monumento de Karl Marx e Friedrich Engels, discorrendo sobre a importância de seus ensinamentos e sua visão perspectivística do futuro.

 

“Estamos vivendo em tempos felizes, nos quais a profecia dos grandes socialistas começa a realizar-se.

Vemos a aurora da Revolução Socialista Internacional do Proletariado, irrompendo em uma série de países.

Os horrores inauditos do morticínio imperialista que sacode as nações estão evocando, por todos os lados, um ascenso heróico das massas oprimidas e decuplicando suas forças, na luta por sua emancipação.

Que o memorial dedicado a Karl Marx e Friedrich Engels recorde, sempre renovadamente, aos milhões de trabalhadores e camponeses o fato de que não estamos sozinhos em nossa luta.

Lado a lado, caminhando conosco, estão-se levantando os trabalhadores dos países mais avançados.

Duras batalhas ainda esperam por eles e por nós.

Na luta comum, o jugo do capital será quebrado e o socialismo, finalmente, vencerá.”

(cf. V. I. Lenin, Obras Completas, Vol. 28, pp. 146 e 147) 

 

Em 8, 9, 10 e 11 de novembro, Lenin foi inteiramente absorvido pelas notícias advindas da Revolução Alemã.

Discursava, continuamente, em reuniões.

Seu rosto esplandecia de ventura, tal como esplandecera no dia 7 de Novembro de 1917.

Os dias do Primeiro Aniversário da Revolução de Outubro foram os mais felizes da sua vida. (...)    

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE - PARIS



[1] Cf. KRUPSKAYA, NADEJDA KONSTANTINOVNA. Vospominania o Lenine (Recordações de Lenin), Vypusk III (Parte III), Moscou-Leningrado : Gosudarstvennoe Izdatelstvo, 1936, pp. 57 e s.  

[2] Cf. LENIN, VLADIMIR ILITCH ULIANOV.  Y. M. Sverdlovu i L. D. Trotskomu (Carta a Jakob M. Sverdlov e a L. D. Trotsky)(01.10.1918), in: V. I. Lenin. Polnoe Sobranie Sotchinenii (Obras Completas), Moscou : GIPL, 1965, Vol. 50, pp. 185 e s. O texto em destaque, agora traduzido literalmente para a língua portuguesa, possui também similaridade gráfica com o manuscrito da missiva original de Lenin. Advirto o leitor para o fato de que, na tradução do presente texto, cotejei o original russo com sua falsificação promovida por Stalin e seus historiadores da contra-revolução operário-burocrática, publicada pela primeira vez em 1933, nas obras de Lenin, em 21 volumes, onde todas as referências feitas por Lenin ao nome de Trotsky foram inteiramente suprimidas, preservando-se, em geral, apenas o texto original da carta em destaque. Inconfundível prova dessa falsificação historiográfica stalinista pode ser encontrada também na edição da obras completas de Lenin, em língua alemã. Nesse sentido, vide LENIN, WLADIMIR ILICHT ULIANOV. An J. M. Swerdlow (Carta a J. M. Sverdlov), in: W. I. Lenin Werke (Obras de V. I. Lenin), Vol. 35, Berlim : Dietz Verlag, 1962, pp. 340 e 341. Na edição das obras completas de Lenin surgida em língua inglesa, a carta aqui objeto de tradução nem sequer foi incluída

[3] Cumpre assinalar, de passagem, que, em conformidade com a presente carta de Lenin, teve lugar, na quinta-feira, 3 de outubro de 1918, uma sessão conjunta do Comitê Executivo Central de Toda a Rússia, do Soviete de Moscou, dos Comitês de Fábrica-Indústria e dos Sindicatos. Por encontrar-se na cidade de Gorki, recuperando-se dos ferimentos decorrentes do atentado perpetrado contra sua vida, Lenin não obteve permissão médica para participar da sessão em destaque. Enviou-lhe, porém, uma carta, a qual foi lida publicamente a todos os presentes. Na resolução, adotada na referida sessão, foram incluídas as orientações fundamentais, expostas na presente carta de Lenin a Sverdlov e Trotsky. Naquele mesmo 3 de outubro, a resolução expressamente acolhida foi transmitida por telégrafo para o mundo inteiro, conforme a orientação de Lenin. Acerca do tema, vide, ainda, p.ex. minha tradução de Cf. IDEM. Pis’mo Ob’ediniennomu Zacedaniu VTsIK, Moskovskovo Sovieta s Predstavitieliami Fabritchno-Zavodskikh Komitietov i Professional’nykh Soiuzov (Carta à Sessão Conjunta do Comitê Executivo Central de Toda a Rússia e do Soviete de Moscou, com Representantes dos Comitês de Fábrica-Indústria e Sindicatos)(03.10.1918) in: V. I. Lenin. Polnoe Sobranie Sotchinenii (Obras Completas), Moscou : GIPL, 1961, Vol. 37, pp. 97 e s.