90 ANOS DA
REVOLUÇÃO SOCIALISTA PROLETÁRIA RUSSA DE OUTUBRO DE 1917
MORAL E CONSCIÊNCIA, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO DAS LUTAS REVOLUCIONÁRIAS
DE EMANCIPAÇÃO
PROLETÁRIO-SOCIALISTA
TEXTOS DE CÉLEBRES
DIRIGENTES BOLCHEVIQUES SOBRE J. M. SVERDLOV
JAKOB MIKHAILOVITCH SVERDLOV:
O Diamante Bolchevique da Revolução Socialista Proletária
de
Outubro de 1917
ANATOLY
V. LUNATCHARSKY[1]
Concepção e Organização, Compilação e Tradução Asturig Emil von München,
Julho de 2000 emilvonmuenchen@web.de
Voltar ao Índice Geral http://www.scientific-socialism.de/SverdParteIVolI-A.htm
Encontrei-me, pela primeira vez, com Jakob Mikhailovitch Sverdlov imediatamente após meu retorno à Rússia.
Antes disso, dele tinha
apenas tomado conhecimento por ouvir falar.
Sabia que era um
lutador incansável em prol da social-democracia, do bolchevismo.
Sabia que vivia sendo
mandado para a prisão e para o desterro, de onde sempre acabava escapando.
Onde quer que o
agarassem, onde quer que o metessem atrás das grades, tinha sempre como
conseguir escapar.
Sem levar em
consideração para onde o destino poderia tê-lo arrastado, voltava,
imediatamente, a organizar comitês e células bolcheviques.
Naqueles dias,
havia-se tornado, com efeito, o arquétipo de trabalhador bolchevique clandestino.
Em sua carreira de
revolucionário proletário, adquiriu duas características marcantes que não
podem, segundo entendo, ser aprendidas em nenhum outro lugar do mundo que não
seja no próprio interior do movimento clandestino.
·
A primeira delas foi
a aquisição de um conhecimento
absolutamente enciclopédico de todo o Partido.
Parecia que Sverdlov havia realizado um estudo completo de cada uma das dezenas
de milhares de pessoas que formavam nossa organização.
Sua memória continha
algo semelhante a um dicionário biográfico do comunismo.
Podia julgar as
pessoas com extraordinária exatidão e fineza, em cada um de seus aspectos de
caráter que apontassem para as suas capacidades enquanto revolucionários.
Nisso, era um
verdadeiro psicólogo.
Nunca se esquecia de
nada. Conhecia as virtudes das pessoas e suas qualidades. Observava cada lapso,
cada mal-comportamento.
Essa foi a primeira
característica que trouxe consigo do trabalho clandestino do Partido.
·
A segunda foi sua inquestionável capacidade de
organização.
Evidentemente, não
posso dizer quão bem Sverdlov revelar-se-ia
enquanto organizador dos negócios quotidianos da economia e da política em
geral, no momento em que a Revolução se converteu na
gradual e prosaica realização de nossos ideais.
Porém, como operador
clandestino, no trabalho restrito, intensamente duro, de um organizador
revolucionário, era magnífico.
Toda essa experiência
equipou-o muito bem, de modo a torná-lo o autor de nossa Constituição Soviética, fazendo de Sverdlov um impressionante Presidente do Comitê Executivo Central, que combinava
com as atribuições deste cargo também as de direção do Bureau do Partido.
Até os Dias de Julho, Sverdlov foi parte da
direção central dos bolcheviques, protagonizando os eventos ao lado de Lenin, Zinoviev e Stalin.
Porém, no transcurso
dos Dias de
Julho, Sverdlov foi exposto
às luzes da ribalta.
Esse não é o lugar
apropriado para estender-me sobre as causas e o significado das Manifestações de Julho do proletariado de Petrogrado e de Kronstadt.
Porém, fato é que,
tendo-se revelado impossível deter tais manifestações, deveu-se sua organização técnica largamente ao trabalho de Sverdlov.
Foi ele quem passou
em revista a parada de dezenas de milhares de homens armados que desfilaram em
frente da sacada do Palácio
Kshessinskaya, homens estes que
deram aos destacamentos em marcha suas consignas de combate.[2]
Por alguma estranha
razão, quando se expediu a ordem de detenção de Lenin e Zinoviev e, no momento em que Trotsky, eu e muitos outros
bolcheviques e socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda, fomos postos na
prisão, Sverdlov não foi aprisionado, embora a imprensa burguesa tivesse
ressaltado, diretamente, seu papel dirigente no que denominaram de “insurreição proletária”.
Seja lá como for,
esse evento fez de Sverdlov o dirigente efetivo do Partido naquele momento
magnificente, o homem que incorporou o espírito do Partido, a despeito das
derrotas que tal momento conheceu.
Sverdlov foi elevado, mais
uma vez, à cumeeira da história, durante a Convenção da Assembléia Constituinte da República
Socialista Soviética Russa.
Com efeito, havia
sido apontado, provisoriamente, como seu Presidente, até o
advento da eleição de uma efetiva Presidência da Assembléia Constituinte.
Mais de uma vez em
meu livro sobre “Silhuetas
Revolucionárias”, tive a ocasião de
mencionar um traço que sempre admirei nos dirigentes revolucionários: sua
calma, seu absoluto autocontrole em momentos em que, segundo todas as
evidências, seus nervos deveriam ficar super-tensionados, em momentos em que
pareceria ser impossível preservar o equilíbrio.[3]
Em Sverdlov, essa característica era não apenas evidente, no grau mais
extremo, senão ainda parecia ser absolutamente natural.
Sempre acreditei que,
devido à sua inteira carreira e em virtude de seu aspecto ligeiramente
africano, já se anunciasse em relação à sua pessoa um homem extraordinariamente
temperamental.
Embora existisse,
obviamente, uma grande quantidade de fogo inextinguível em seu interior, Sverdlov, era, pelo contrário, inteiramente glacial, no seu agir
externo.
Sempre que se
encontrava no palanque, falava, invariavelmente, com voz calma.
Caminhava
tranqüilamente.
Todos os seus gestos
eram lentos, tal como se estivesse, tacitamente, dizendo aos ativistas ao seu
redor:
“ - Sem correria. Sem afobação. Isso tudo exige autocontrole !”
Se Moisés Solomonovitch Uritsky, comissário da Assembléia Constituinte, surpreendeu
muitas pessoas por sua calma, durante os dias do agudo conflito entre o Governo Soviético e os adeptos da Assembléia, surgia
positivamente fervoroso em comparação com Sverdlov, externamente
fleugmático ao extremo e, em seu interior, ilimitadamente confiante.
Naqueles dias,
imediatamente posteriores à Revolução Proletária de Outubro de 1917, já no início de Janeiro de 1918, a grande maioria dos delegados comunistas e
socialistas-revolucionários (SRs)
estavam excitados e todo o Palácio Tauride encontrava-se
zumbindo como uma colméia nervosa.
Os
socialistas-revolucionários (SRs) haviam
espalhado rumores de que os bolcheviques estavam conspirando para esmagar a ala
direita e o centro da Assembléia Constituinte.
D’outra parte,
rumores circulavam entre os bolcheviques no sentido de que os
socialistas-revolucionários (SRs) haviam-se decidido pela adoção de medidas
desesperadas, incluindo uma manifestação armada que - tal como viemos a saber a
partir das investigações contidas no processo jurídico-criminal de abril de
1922 -, estava efetivamente em preparação, ainda que jamais tivesse eclodido de
fato.
Os
socialistas-revolucionários (SRs)
estariam, assim, preparando-se para opor resistência armada à dispersão da Assembléia Constituinte e poderiam
tentar assassinar, diante das vistas de todo mundo e com o ”típico heroísmo daquele
partido”, alguns dos ”usurpadores que envergonhavam a
revolução” por sua ”tomada de cadeiras
governamentais com emprego de força bruta !”.
Com efeito, nem os
bolcheviques nem os socialistas-revolucionários
(SRs) perpetraram nenhum de tais excessos e não os estavam nem mesmo
arquitetando.
A única diferença no
comportamento desses dois partidos residia no fato de que os bolcheviques não
tinham a necessidade de recorrer às armas.
Em verdade, bastou ao
marinheiro Anatoli
Jeleznyakov gritar “Parem de conversa fiada e vão
para casa !”, para que a Assembléia Constituinte se dissolvesse.[4]
Os
socialistas-revolucionários (SRs), considerados em sua totalidade, prestaram a
esse comando grande “lealdade”.
Ulteriormente,
entretanto, essa manifestação de “lealdade” foi profundamente lamentada
por alguns deles, por considerarem-na claro sinal de covardia que acabaria
minando o prestígio desse Partido em relação àqueles que ainda acalentavam
certas ilusões em suas orientações políticas.
Foi nessa atmosfera
nervosa, quando todos haviam tomados seus lugares e a tensão havia atingido o
seu ápice, que a direita e o centro se levantaram para exigir a abertura da
sessão.
Entrementes, Sverdlov havia desaparecido.
Onde poderia estar ?
Alguns dos presentes
começaram a se tornar impacientes.
Um velho delegado de
barba cinzenta - escolhido, sem margem de dúvida, porque parecia ser o membro
mais velho da casa - já se encontrava
trovejando no palanque e estendendo seu braço em direção do sino.
Os
socialistas-revolucionários (SRs) haviam
decidido abrir a sessão por sua própria iniciativa, lançando mão de um dos
decanos propostos pela Assembléia Constituinte.
Porém, justamente
nesse momento, sem nenhuma pressa e sem acelerar o passo, a figura de Sverdlov surgiu como se tivesse emergido do chão.
Com seu habitual
caminhar medido, avançou para o palanque, sem literalmente levar em
consideração o venerável socialista-revolucionário (SR).
Removendo-o dali,
tocou o sino e, com uma voz despida de todo traço de emoção, declarou, em alto
volume e com calma glacial, aberta a primeira sessão da Assembléia Constituinte.
Menciono os detalhes
dessa cena porque foi ela que determinou, psicologicamente, o tom de todo o
curso subseqüente da sessão.
A partir daquele
momento, a esquerda demonstrou possuir um autocontrole absoluto.
O centro, ainda
fervilhando, parecia encolher os ombros e tremer de frio, por causa dessa ducha
de água fria propiciada por Sverdlov.
Penetrados por aquele
tom gélido, sentiram, de imediato, a completa solidez e a firmeza do Governo Revolucionário.
Não pretendo
demorar-me aqui em reminescências particulares relacionadas com o transcurso
das minhas reuniões com Sverdlov nem deter-me
demasiadamente na narração de meu trabalho, empreendido em conjunto com Sverdlov, durantre os primeiros anos da Revolução.
Penso que me caberia
apenas, nessa sede, voar alto sobre alguns aspectos dessa minha
experiência.
Se é verdade que
nossa Revolução fez emergir, realmente, um grande número de pessoas
incansáveis que pareciam exceder os limites da capacidade humana, então Sverdlov deve ser colocado na linha de frente da categoria de
tais companheiros.
Quando conseguia de
fato comer e dormir, efetivamente não o sei.
Cumpria seu dever,
dia e noite.
Se Lenin e uns outros poucos companheiros forneciam a direção intelectual da Revolução, fato é que entre
eles e as massas – entre o Partido, o aparato do Governo Soviético e, por fim, toda a Rússia – encontrava-se Sverdlov, tal como uma fiadeira em torno da qual tudo isso girava,
tal como um fio condutor, transmitindo tudo isso.
Nessa época, adotou
um costume, provavelmente instintivo, que expressava, visivelmente, toda a sua
personalidade interior.
Passou a usar
vestimentas de couro curtido, da cabeça aos pés.
De início, adotou-as
porque eram convenientes, visto que nunca tinha tempo para tirá-las por muito
tempo.
A seguir,
preservou-as, à guisa de roupa de trabalho do Comissário, Presidente do Comitê Executivo Central dos
Sovietes de Toda a Rússia (VTsIK).
Porém, aquela sua
vestimenta preta, brilhando como a jaqueta bem cuidada de um trabalhador,
conferia à pequena e simples figura de Sverdlov um sentido
ainda maior de estatura, gravidade e solidez.
Esse homem era como
um diamante, escolhido por sua absoluta rigidez para ser o eixo de uma peça de
mecanismo algo delicada, perpetuamente em rotação.
Era como gêlo. Como
um diamante.
Sua natureza moral
tinha, também, uma qualidade similar : era cristalina, fria e picante.
Até um tal grau
transparentemente livre de ambições pessoais ou de qualquer forma de cálculo
pessoal que se tornava mesmo um pouco sem face.
Tão pouco possuia
idéias próprias.
Expressava idéias
ortodoxas acerca de tudo, reflexos apenas da vontade geral, das diretivas
gerais do Partido.
Jamais inovou em nada.
Meramente transmitia
aquilo que recebia do Comitê Central e, às vezes,
diretamente de Lenin.
Sverdlov transmitia idéias
muito bem, de modo natural e claro, adaptando-as a cada situação concreta.
Quando falava em
público, seus discursos sempre traziam o selo solene e formal, tal como os
artigos principais de um diário oficial.
Tudo era
cuidadosamente ponderado.
Dizia o que era
necessário e nada mais.
Nenhum
sentimentalismo.
Nenhum fogo de
artifício intelectual.
Em um determinado lugar,
uma tal declaração haveria de ser protocolada.
Discursava-se,
comunicava-se, ratificava-se e, então, poder-se-ia pressupor a autorização de discutir o tema, fazer história etc. – o contexto
oficial tinha já sido estabelecido.
Não posso afirmar, com
certeza, se Sverdlov, nosso diamante, quebrou-se por excesso de trabalho.
Isso é sempre muito
difícil de aferir.
Acho que seus médicos
subestimaram a tensão na qual vive um revolucionário.
Sempre os ouvi dizer
:
“ - Naturalmente, a tensão excessiva desempenhou
um grande papel no caso de Sverdlov, porém a raiz da causa de sua enfermidade
reside em outro lugar e ter-se-ia revelado até mesmo em circunstâncias mais
favoráveis, embora talvez um pouco mais tarde”.
Creio que estão,
entretanto, enganados.
Entendo que a doença
latente no organismo de Sverdlov e os perigos externos
que sempre o cercaram combinaram-se, provocando-lhe sua desgraça fatal, porém
tão somente em conjunto com sua excessiva tensão : esse fator foi,
conseqüentemente, a causa dominante da catástrofe.
Apanhou um resfriado,
depois de um dos discursos nas províncias.
Porém, em razão de
ter-se recusado a admití-lo abertamente, voltou a arrebentar-se, literalmente,
sob o peso da azáfama das tarefas sobre-humanas que havia colocado a si mesmo.
Por essa razão,
embora Sverdlov
não tenha, diferentemente de alguns
revolucionários, morrido no campo de batalha, temos o direito de considerá-lo
como um homem que deu sua vida à causa que serviu.
Seu melhor epitáfio
foi aquele que lhe Lenin lhe conferiu :
“Tais homens são indispensáveis. Para
substituí-los, necessitamos de um inteiro esquadrão composto por tantos
outros”.
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. LUNATCHARSKI, ANATOLI VASSILIEVITCH. Yakob Mikhailovitch Sverdlov, in : A. Lunatcharsky, K. Radek, L. Trotsky.
Siluety : Polititcheskie Portrety (Silhuetas. Retratos Políticos), Moscou :
Politizdat, 1991, pp. 320 e s.
[2] Anotação de Emil Asturig von München : No bairro de Kshesinskaya – bairro este
denominado com o nome da renomada bailarina russa que outrora nele habitava -,
situava-se, nos dias de julho de 1917, a sede do Partido Bolchevique, na cidade de Petrogrado.
[3] Anotação de Emil Asturig von München : Acerca do tema, vide LUNATCHARSKI,
ANATOLI VASSILIEVITCH. Yakob
Mikhailovitch Sverdlov, in : A. Lunatcharsky, K. Radek, L. Trotsky.
Siluety : Polititcheskie Portrety (Silhuetas. Retratos Políticos), Moscou :
Politizdat, 1991, pp. 3 e s.
[4] Anotação de Emil Asturig von München : Observo que Anatoli Jeleznyakov foi o marinheiro que chefiou as guardas
do Palácio
de Tauride, onde a Assembléia Constituinte estava sediada. Depois de a Assembléia ter-se recusado a reconhecer o Governo
Soviético, Jeleznyakov, por
ordem de Lenin e Sverdlov, comandou,
militarmente, a sua dissolução.