90 ANOS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA PROLETÁRIA RUSSA DE OUTUBRO DE 1917

MORAL E CONSCIÊNCIA, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO DAS LUTAS REVOLUCIONÁRIAS

DE EMANCIPAÇÃO PROLETÁRIO-SOCIALISTA

TEXTOS DE CÉLEBRES DIRIGENTES BOLCHEVIQUES SOBRE J. M. SVERDLOV

 

 

 

J. M. SVERDLOV

NO PERÍODO DA REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO A OUTUBRO DE 1917 :

O VI CONGRESSO DO POSDR (BOLCHEVIQUE)

 

LARISSA R. MENJINSKAYA[1]

 

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Asturig Emil von München,

Junho de 2003  emilvonmuenchen@web.de

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Minhas recordações de Jakob Mikhailovitch Sverdlov concernem, principalmente, ao período da Revolução de Fevereiro de 1917.

Nesse contexto, ocorreu-me avistá-lo, em junho de 1917, por algumas vezes, quando freqüentei a Secretaria do Comitê Central e executei diversas ordens.

Aqui, terei de utilizar, em grande parte, também as recordações de minha irmã, Vera Rudolfovna Menjinskaya, uma das secretárias do Comitê Central, naquele tempo.

Em fins de junho, iniciou-se meu trabalho realizado diretamente na Secretaria.

O tempo apagou muito das minhas recordações que, em parte, perderam o seu brilho.

O presente artigo constitui, assim, um fragmento das memórias que me assaltam a recordação.  

 

INÍCIO DE JUNHO DE 1917 – O PALÁCIO KSHESSINSKAYA 

 

A Secretaria trabalhava tranqüila e regularmente, das 10 horas da manhã até às 9 horas da noite, caso não existissem assembléias a serem realizadas ali mesmo, no Palácio Kshessinskaya, em que devessem intervir companheiros que a integravam.

Em comparação com os meses precedentes, nos quais o traballho prolongava-se ao longo de dias e noites, tudo parecia estar transcorrendo em boa ordem.

A sala de refeições encontrava-se situada no térreo e havia efetiva possibilidade de fazermos pausas para alimentações.

Porém, isso tudo apenas em comparação com o período anterior.

Pois, na realidade, ali surgia um ininterrupto caleidoscópio de fisionomias, dotadas de suas próprias perguntas e reivindicações das mais variadas espécies.

O Comitê Central dirigia o trabalho da Secretaria através de três companheiros, membros daquele organismo : os companheiros Stalin, Sverdlov e Smilga.

Porém, era Sverdlov quem penetrava mais profundamente em todas as questões.

O traço fundamental de seu trabalho era o de concluir, rápida e resolutamente, todos os problemas.

Jamais deixava para o dia seguinte a decisão que havia de ser tomada, na hipótese de esta depender exclusivamente da Secretaria.

 

Acerca das cartas e perguntas que chegavam das províncias, Sverdlov sempre redigia uma pequena resolução, transformada, então, pela Secretaria em carta a ser enderaçada às organizações.

Do mesmo modo, transcorria rapidamente o atendimento dos companheiros, provenientes das localidades.

Se Sverdlov se encontrava presente, impulsionava ele mesmo todas as conversações, nas quais, inicialmente, formulavam-se perguntas aos companheiros recém-chegados, concedendo-se-lhes, às vezes, a possibilidade de se desviarem da conversa, procurando, no quadro de evasivas inoficiosas, colher aspectos fortes e fracos da organização em causa.

Além disso, sacavam-se rápidas conclusões.

Estas resultavam em conselhos.

A seguir, Sverdlov passava ao próximo atendimento.

 

Demonstrava-se preocupação histórica com a preservação de todos os fatos ocorridos na Secretaria. 

Durante o atendimento, era realizada uma ata de tudo o que era comunicado precedentemente pelo companheiro e formulavam-se conclusões, elaborando-se a partir daí um “informe”, sendo que apenas essa expressão era empregada naquele tempo.

As cartas recebidas e os esboços de respostas eram colocados em uma pasta, sendo que o companheiro Vesselovsky possuía a tarefa especial de manter o arquivo em ordem e registrar, em um grande livro, o balanço das nossas conquistas, ocorridas nas localidades.

 

Nada obstante, essas condições satisfatórias eram freqüentemente perturbadas pela pressão da vida que não levava em conta a pequena quantidade de colaboradores da secretaria e, por inúmeras vezes, nem mesmo o próprio Sverdlov, embora fosse ele mesmo o que estabelecia a maioria das regras de funcionamento daquele organismo.

Assim, p.ex., estava estabelecido que Sverdlov deveria conduzir o atendimento dos companheiros em presença das secretárias, o que nos concederia a possibilidade de elaborar a ata e estar a par de todas as conversações.

Porém, costumava ocorrer de Sverdlov recepcionar sozinho o companheiro recém-chegado, esquecendo-se do que havia sido estabelecido antes, e dele se despedir, já depois de anotar seu endereço ou alguns detalhes da conversação. 

 

“- Jakob Mikhailovitch, por que é que você está violando então as nossas regras ?”, perguntávamos.

 

Em face disso, Sverdlov transmitia, então, em duas palavras, o conteúdo da conversação e passava ao atendimento do próximo companheiro.

Sua vivacidade, despida de inquietação, conferia-lhe a possibilidade de distribuir-nos a massa de assuntos a partir do minuto em que surgia no Palácio Kshessinskaya, processar o material da Secretaria, com grande interesse e facilidade, e, além disso, dirigir-se à reunião vespertina, a qual haveria de presidir ou nela intervir.

 

Naquele tempo, a atmosfera encontrada junto aos bolcheviques era muito positiva, favorecendo, assim, a intensidade do trabalho, fato esse que podia ser atestado por qualquer um.

Bastava surgir Jakob Mikhailovitch e todos ficavam entusiasmados.

Tudo realizava tão facilmente, tão rapidamente, distinguindo-se por sua ausência de detalhes, que também às outras pessoas resultava fácil e animado trabalhar nesse extraordinário desembaraço e completa imparcialidade, desenvolvidos entre os seus colaboradores.

Naquele então, toda a secretaria era composta, em seu conjunto, por duas secretárias do Comitê Central, a saber : as companheiras Helena D. Stassova e Vera R. Menjinskaya.

Além disso, ali também atuava o companheiro Vesselovsky na qualidade de secretário.

 

Evidentemente, existia a possibilidade de cometer erros, tanto mais porque, em uma série de questões, era necessário recorrer a companheiros que trabalhavam no Comitê de Imprensa valiamo-nos do fato de que o Comitê Central e o Comitê de Imprensa situavam-se um ao lado do outro.

Assim, encarregávamo-los com essa ou aquela tarefa, colocada, então, sob sua direta responsabilidade ou, ainda, dirigiamo-nos a qualquer companheiro que chegava até nós para transmitir-lhes tarefas da localidade.

Sverdlov não se detinha na atividade de ficar clarificando quem havia sido o culpado por alguma coisa.

Quando possível, os erros eram corrigidos e o trabalho seguia adiante.

 

O primeiro sinal de que o trabalho havia de ser restruturado, de que havia de buscar-se novas formas e, até mesmo, um novo local de sede, foi o cancelamento da Manifestação de 10 de Junho de 1917.

Essa manifestação - e, em particular, a questão do seu direcionamento rumo ao prédio em que se reunia o I Congresso dos Sovietes (antigo 1° Corpo de Cadetes Militares) - provocou uma disputa entre os bolcheviques.

Porém, decidiu-se impulsioná-la ao longo do itinerário fixado.

Ao saberem dessa manifestação, os mencheviques e os socialistas-revolucionários (SRs) promoveram uma terrível gritaria no congresso.

Os bolcheviques reuniram-se nas proximidades do salão das classes.

Ocorreu, a seguir, um forte enfrentamento entre os adeptos do cancelamento e os adeptos da realização da manifestação em tela. 

No final das contas, decidiram, já por volta das 3 (três) horas da madrugada, cancelá-la, depois de que, tendo chegado tarde da noite, Vladimir Ilitch concordou com o cancelamento.

Muitos estavam seguros de que os Cem-Negros seriam lançados contra nossa manifestação e ocorreria um combate, em meio às ruas.

Sverdlov comportou-se, naquela ocasião, de modo inteiramente tranqüilo : era favorável ao cancelamento.

Sentia-se claramente que desempenharia um papel revolucionário, na hipótese de ser determinado o avanço dos manifestantes, posicionando-se à frente da manifestação.

Sverdlov exigia disciplina dos militantes. Ele mesmo era um membro inteiramente disciplinado do nosso Partido.

Nesse contexto, o Dia 10 de Junho não ofereceu nenhum panorama da influência bolchevique.

 

Na semana seguinte, houve, então, bastante tempo para a preparação da Manifestação de 18 de Junho de 1917.

O Comitê Central Bolchevique haveria de partir do Distrito de Vyborg, outrora a fortaleza do bolchevismo.

Uma concentração foi convocada para ocorrer na Rua Nijn Gorod.

Representando o Comitê Central, para lá se dirigiram os companheiros Sverdlov, Stalin, Tomsky, i.e. o Bureau do CC de então.

Os bolcheviques do Distrito de Vyborg marcharam, então, em massa compacta, sob as consignas de luta do 18 de Junho.

Pelo caminho, ultrapassaram uma lânguida coluna de mencheviques que levantavam consignas de conciliação do estilo “Ensino Geral para Todos !”, “A Revolução Acabou – Passemos à Construção Pacífica !”   

Os bolcheviques – em particular, o companheiro Tomsky – puderam assaltá-los, com nossos militantes que se metiam entre eles.

No Distrito de Vyborg, existia, sem dúvida, uma supremacia da influência bolchevique.

A despeito disso, em outros bairros da cidade, aquelas mesmíssimas consignas atraíam para si grandes massas.

Porém, em 18 de Junho, a vitória da idéias do bolchevismo revelou-se claramente.

Cada vez mais aguçavam-se as relações mantidas com as esferas governamentais e, em função disso, estas passaram a exigir, insistentemente, a saída dos bolcheviques do Palácio Kshessinskaya.

O Comitê Central resolveu, então, tranferir imediatamente o seu local de funcionamento, ao passo que o Comitê de Imprensa e a Organização Militar abandonaram esse prédio apenas depos dos Dias de Julho de 1917.

 

A secretaria do Comitê Central mudou-se, a seguir, para a habitação da companheira E. D. Stassova, onde passamos a trabalhar, de manhã, à tarde e à noite. 

Tendo em conta que, nesse período, a questão da alimentação havia-se complicado muito, Stassova assumiu a organização dos almoços para todos os companheiros funcionários da Secretaria.

Isso nos concedeu a possibilidade de não nos virmos forçados a abandonar sua habitação, durante o transcurso da jornada de trabalho.

Porém, não foi possível permanecermos por muito tempo nessa localidade e, há poucos dias do início do mês de julho, foi necessário transferir novamente a Secretaria do Comitê Central para o prédio do Ginásio Municipal Masculino, situado na esquina da Rua Kolomen com a Rua Raziezja.

O diretor desse ginásio - um homem sem filiação partidária de nome A. D. Sokolov - concedeu-o, durante o verão, à utilização de nossa Organização Partidária do 1° Distrito Municipal.

Ali, encontrava-se sediado nosso Clube do Partido da III Internacional, nossa Organização Militar Distrital, nosso organismo de ferroviários.

Ali, também ocorreram as assembléias inter-distritais do Partido.

Para lá, foi assentar-se também a Secretaria do Comitê Central e, seguidamente, a Redação do “Pravda (A Verdade)”.

Nas portas das salas, pendurou-se um cartaz de papel com os seguintes dizeres : “Secretaria do Comitê Central dos Bolcheviques.”

Nos Dias de Julho, esse cartaz foi arrancado pelos arruaceiros.

Não o recolocamos em seu lugar, ainda que a Secretaria houvesse permanido naquela mesma sede.

 

COMO SE PROCESSAVA O TRABALHO NA RUA KOLOMEN 

 

Na Rua Kolomen, a própria secretaria compunha-se de duas secretárias, a saber : E. D. Stassova – eleita posteriormente membro do Comitê Central, no VI Congresso do Partido, - e V. R. Menjinskaya.

Além disso, ali passaram a trabalhar ainda alguns outros companheiros funcionários : Bronislav (Vesselovsky), V. L. Mekhonoschin, a datilógrafa Gani e eu mesma.

Ao todo, éramos seis pessoas.

O dia de trabalho começava, tal como antes, às 9 horas da manhã.

Primeiramente, eram respondidas as cartas, os pedidos de esclarecimento, preparados os materiais para o jornal e, a partir das 14 horas, começavam a chegar os companheiros da Província, do Comitê de Imprensa e, às vezes, também dos Distritos.

Por essas horas, chegava ainda também alguém do Bureau do Comitê Central.

 

Na maioria das vezes, tratava-se, tal como antes, de Sverdlov.

De ordinário, vinha, diariamente, para avistar-se com os companheiros que chegavam de viagens, examinar o que de novo havia sido enviado a partir da Província, conversar com algumas pessoas, com as secretárias e transmitir as novas tarefas à Secretaria.

Permanecia, por via de regra, até por volta das 16 ou 17 horas.

Uma grande sala - uma sala de aula – foi colocada foi colocada à disposição do trabalho da Secretaria, porém, considerando-se que, de manhã, todos os recintos permaneciam vazios, nossos companheiros, funcionários da secretaria, espalhavam-se pelas salas de aula, onde faziam impressões no mimeógrafo, colavam faixas, elaboravam protocolos etc.

As conferências ocorriam na grande sala de aula.

Por volta das 16 horas, traziam um grande samovar e servia-se chá.

Tudo o que trazíamos de casa era colocado sobre a mesa.

Tinha lugar, então, o momento de tomarmos chá e conversarmos sobre os acontecimentos do dia.

 

Sverdlov esforçava-se por manter a Secretaria bem informada sobre as coisas.

A inundação de notícias frescas vindas da Província contribuía para isso.

Graças à ampla informação, resultante da natureza do trabalho técnico que se impulsionava na Secretaria, resultavam evidentes a necessidade, a importância e a urgência deste organismo para todos nós, companheiros funcionários, dotados de plena consciência.

O dia de trabalho prolongava-se até as 20 ou 21 horas e, em caso de trabalhos marcados com prazo, até  tarde da noite.

Feriados não existiam, porém, aos domingos, trabalhava apenas uma composição incompleta da Secretaria.

De modo geral, não me recordo de reclamações e insatisfações.

Depois da partida dos companheiros que apenas haviam chegado de viagem, colocavam-se os jornais em pacotes, contava-se o dinheiro, pagavam-se os trabalhadores do jornal (essa era a atividade mais demorada, visto que os valores a serem pagos eram literalmente contados até os centavos de copeques), transcreviam-se os endereços, imprimia-se no mimeógrafo aquilo que devia ser submetido à impressão.

Ao sairmos da Secretaria, cumpria arrumar e levar conosco todos os documentos, bem como carregar os pacotes preparados e também a nossa caixa postal.

No melhor dos casos, éramos poupados pelas reuniões distritais que transcorriam aqui mesmo, na grande sala : os companheiros levavam consigo os pacotes e, com isso, facilitavam nosso trabalho.

 

A presença animada e permanente da Organização Distrital do Partido tornava extremamente confortável nosso trabalho.

Era sempre possível encontrar entre seus membros ajudantes para organizar os trabalhos dotados de prazo, preparar comunicações para os encontros mais clandestinos, trocar de salas para a ocultação de documentos.  

Por outro lado, também a Organização Distrital encontrava-se em permanente conexão com o Comitê Central e lançava mão de todas as ocasiões para incorporar-se nos informes prestados por Sverdlov ou por qualquer outro dos companheiros profissionais que chegavam, clarificando, ali mesmo no local, a utilidade de um passo qualquer a ser dado.

E, em tudo, sentia-se precisamente o pulsar de toda a vida do Partido de Petersburgo, sonhando-se com o regresso ao Palácio Kshessinskaya.     

 

Os Dias de Julho de 1917 surpreenderam-nos em meio ao trabalho costumeiro.

Sua primeira notícia foi dirigida ao palácio e, no entanto, desencontrou-se de Sverdlov.

Este não se encontrara na reunião dos representantes distritais da noite de 3 de Julho.

Com efeito, naquele mesmo dia, sua família havia regressado da Sibéria, tendo-se dirigido à Secretaria.

Apenas com dificuldade foi possível, então, localizarmos Sverdlov, pois, antes mesmo das assembléias, deixara a Secretaria para descontrair-se com suas crianças e buscar um lugar para alojar toda a sua família. Retornara e, novamente, saira.

De todo modo, em 4 de Julho pela manhã, foi possível a Sverdlov pronunciar um importante discurso, logo depois de Lenin e Lunatcharsky, a partir da sacada diante da qual desfilavam as colunas de lutadores.

Posteriormente, já na tarde de 4 de Julho, colunas escarsas de marinheiros e outros destacamentos militares voltaram a aproximar-se do Palácio Kshessinskaya.

Visando à defesa da manisfestação, trafegaram blindados de escolta bolcheviques pela Ponte Troitsk.

Pouco a pouco, a presença dos lutadores tornou-se cada vez menor.

Começava a anoitecer.

Surgiram, então, boatos sobre a possibilidade de um assalto a ser desferido contra o palácio.

Alguns companheiros do Comitê Central foram designados para a guarda noturna e propôs-se aos restantes que disperssassem, dirigindo-se às suas casas, evitando passar pelos piquetes de cossacos.

Bem me recordo dessa ocorrência.

Rumávamos para a casa de minha irmã pela Ponte Troitsk, protegida, de início, pela proximidade dos blindados de escolta bolcheviques.

Estava cinzento e anoitecia.

Descemos pelo passeio da margem do rio.

Por detrás da esquina, avistava-se um piquete de cossacos.

Repentinamente, estes irromperam em galope contra os transeuntes, sacudindo no ar seus chicotes.

O público esgueirou-se para o lado.

Começou-se, então, a correr para todos os lados, de qualquer maneira, aos berros de salve-se quem puder.

Quanto a nós, metemo-nos por um calçadão, seguidas por cavalos que saltavam impetuosamente.

Porém, o perigo veio, em verdade, a partir do outro lado.

Os destacamentos bolcheviques, visíveis através do Rio Neva, saltaram sobre os cossacos, entrando em cena.

Diversos disparos zuniram, em torno de meus próprios ouvidos.

De seus cavalos feridos, dois ou três cossacos foram lançados ao chão.

O pânico aumentou e o piquete de cossacos desapareceu de vista.

Na manhã seguinte, teve lugar a repressão de todo o movimento, bem como a prisão de vários bolcheviques, tornando necessária a fuga dos companheiros Lenin e Zinoviev.

As organizações bolcheviques foram decepadas.

 

Porém, na Secretaria do Comitê Central, em três ou quatro dias, as coisas retomaram o seu curso normal.

A mão firme de Sverdlov voltava a direcionar todo o trabalho, seja no campo da sustentação das relações mantidas com as organizações locais - provendo-as com materiais do novo jornal bolchevique -, seja ainda no domínio da preparação do VI Congresso do Partido, o que era o principal.

As organizações bolcheviques começaram, rapidamente, a recuperar-se do esmagamento sofrido.

Os diversos anos de experiência com o trabalho clandestino, a capacidade de unificar formas ilegais com formas legais de trabalho revolucionário contribuíram, extraordinariamente, para a reconstrução da organização.

Lamentavelmente, em alguns lugares não puderam ser recuperados os livros retorcidos, preenchidos com as anotações dos companheiros dos distritos, versando sobre as condições das atividades do mês de Julho de 1917, quando se procurava não apenas restaurar as ruínas das “Liberdades de Fevereiro”.   

 

A partir de meados de julho, cada nova carta alertava e despertava confiança em nossas próprias forças.

O temor de que o VI Congresso do POSDR (Bolchevique) não se reunisse dissipava-se, a cada dia.

Os sociais-democratas unidos da Organização Inter-Distrital que não haviam ingressado, desde o início da Revolução de Fevereiro de 1917, em uma única organização com os bolcheviques decidiram, após algumas conversações preliminares, fundirem-se conosco, no quadro do VI Congresso.[2]

 

No Bureau de Organização (Orgbureau) do Partido, encarregado da convocação do congresso, ingressaram também os representantes dos sociais-democratas unidos inter-distritais.[3]

 

 

Depois do I Congresso do Partido, esse VI Congresso foi o primeiro a ocorrer em território da Rússia. 

Porém, se comparado com o nosso congresso de 1898 que ocorreu em um momento de relativa margem de liberdade sob o Czarismo, o VI Congresso, convocado para ocorrer na Rússia “Livre e Democrática”, teve de ser realizado clandestinamente.

O Partido sofreu uma grande perda com o fato de que, nesse VI Congresso, Lenin não pôde estar presente.

Apesar disso, tudo foi realizado de modo que ele mesmo pudesse dirigí-lo através dos mais confiáveis companheiros profissionais e membros do Comitê Central. 

 

De início, o congresso em tela transcorreu no Prédio da Igreja, situado na Avenida B. Sampson do distrito vermelho de Vyborg.

Sob a proteção da mais forte organização bolchevique de Petersburgo, i.e. a organização de Vyborg, o VI Congresso assumiu forma semi-clandestina.

A sala em que ocorreu encontrava-se repleta.

Nas pausas, comia-se em uma mesa comum, colocada sob céu aberto.

Porém, esse contexto perdurou apenas por dois dias.

Difundiram-se, então, boatos renitentes de que o congresso seria dispersado.

Em meio aos trabalhos congressuais, resultou, assim, ser necessário realizar uma reunião extremamente fechada, com vistas a efetuar a eleição dos novos membros do Comitê Central.

A característica dos candidatos apresentados foi a de que haviam sido apresentados ou como membros do antigo Comitê Central Bolchevique ou como membros lançados por suas próprias organizações.

De todo modo, teve lugar uma eleição secreta, realizada por meio de cédulas eleitorais.

 

As reuniões subseqüentes transcorreram, no Distrito de Narva, já sem a presença dos convidados, havendo sido necessário, também nesse caso, mudar, por duas vezes, o local de reunião.

As condições conspirativas nas quais ocorreu o VI Congresso dificultaram extremamente a elaboração de protocolos.

Nós, funcionários da Secretaria do Comitê Central, e o companheiro Moskvin estávamos encarregados de formular curtos registros protocolares e responder por todo o Setor de Protocolos.  

Nessa atividade foram incorporados também alguns outros companheiros, provenientes tanto dos sociais-democratas unidos inter-distritais quanto de nossa organização bolchevique, todos ocupados com a elaboração de registros literalmente rigorosos.

Porém, nem todos esses companheiros demonstravam possuir experiência suficiente nesse domínio.

Além disso, o companheiro Moskvin incluiu também na atividade em realce uma estenografista e um protocolista muito experimentado, que assumiram, naquele momento, a realização dos registros.

Estes encontravam-se próximos do nosso Partido, porém não eram, de fato, pessoas militantes de nossa organização.

Sua presença não foi admitida nas reuniões secretas do Comitê Central e, a partir da realização destas, não mais permaneceram no congresso.

No final das atividades congressuais, o companheiro Moskvin e eu realizamos um grande trabalho para compilar todos os registros efetuados e produzir os protocolos congressuais.

 

As questões fundamentais do congresso foram as seguintes :

 

·            Balanço dos resultados do trabalho “legal” do Partido ;

·            Apresentação da situação atual ;

·            Determinação das tarefas políticas e econômicas do presente momento.

 

Em conexão com esses temas, levantou-se e debateu-se, fervorosamente, a questão dos Sovietes.

Questionava-se se depois dos Dias de Julho de 1917, poderiam ainda apresentar-se os Sovietes como “orgãos da insurreição” ou seria necessário substituí-los por outras organizações, tais quais os comitês fabris-industriais ou comitês partidários.

 

Um papel maior nesse VI Congresso foi desempenhado pelos companheiros Stalin e Sverdlov.

Através de seus informes, o congresso aprovou a linha do Comitê Central do POSDR (Bolchevique), formulada no período da Revolução de Fevereiro.

O companheiro Sverdlov presidiu muitas das sessões congressuais, aplainou discussões e conferiu aplicação às diretivas centrais do Comitê Central.[4]

 

O Partido deve a ele o mérito de, no momento de uma provável ruptura do congresso, ter sabido dirigir, cuidadosamente, graças à sua energia e habilidade, o fechamento das sessões, assegurando a eleição do novo Comitê Central, o Glorioso Comitê Central da Revolução de Outubro.[5]

 

Ao fazermos, hoje, a leitura dos protocolos do VI Congresso, torna-se até mesmo interessante observar que toda uma série de medidas, adotadas durante o período do Comunismo de Guerra, possuem o seu embrião, o seu paradigma, precisamente nas resoluções desse congresso, ocorrido de maneira semi-clandestina.

Visando a construir uma vida autêntica no presente, o Partido Bolchevique sempre direcionou, no passado, sua visão para o futuro.

Esse fato expressa-se não apenas na circunstância de que, no quadro da definição das tarefas do momento atual, foi adotada também uma série de resoluções que indicavam, efetivamente, o desenvolvimento de medidas econômicas, a serem implementadas já “no dia subseqüente à Revolução Socialista”.

Expressa-se também no aspecto de que, já nos dias de julho e agosto do IV Congresso, havia-se contemplado, adequadamente, o trabalho a ser impulsionado pela Organização da Juventude, conferindo-se-lhe instruções apropriadas, no estilo de como realizar atividades, com vistas à preparação de uma nova geração.

 

É desnecessário repetir que todas as resoluções adotadas pelo congresso em foco, todos os seus registros protocolares, precisaram ser, imediatamente, transportados para um local seguro.

Nesse tempo, exigia-se uma multiplicação muito rápida de resoluções, tendo em conta a partida dos delegados em viagens.

 

Recordo-me do fechamento festivo do VI Congresso do POSDR (Bolchevique) e do discurso de Sverdlov, apresentado naquela ocasião.

Logo depois de seu rápido pronunciamento, dirigiu-se a mim com as seguintes palavras :

 

“ – Então ! Não percam tempo ! Necessitamos das resoluções para amanhã de manhã !”

                                                                                                                                      

Assim que minha irmã, Vera Rudolfovna Menjinskaya, concluiu todas as suas tarefas congressuais - destaque-se que era a secretária do congresso -, fomos apanhar os materiais e dirigimo-nos à Secretaria do Comitê Central.

Durante toda a noite, cumpriu-nos transcrever para o mimeógrafo dezenas de resoluções e imprimí-las, em centenas de exemplares.

 

No Ginásio Municipal Masculino da Rua Kolomen com a Rua Raziezja, não se encontrava ninguém.

Vera Menjinskaya e eu, nós duas, já havíamos dado início à realização da nossa tarefa e trabalhávamos, a todo vapor.

Já havíamos chegado à Resolução sobre o Momento Político, considerada particularmente conspirativa.

Era cerca de meia-noite.

Subitamente, pelo ginásio soou a campainha : uma primeira vez, uma segunda vez.

Na sala ao lado, já era possível ouvir passos, muitos passos.

 

“- Provavelmente, é a polícia !”, veio-nos imediatamente à cabeça.

 

Em nossa sala, não era possível inutilizar os exemplares já preparados.

Os passos não cessavam, mas haviam-se tornado mais silenciosos.

Estrondeou, então, quando bateram na porta de nossa sala.

Não podíamos esperar mais : bem devagar, fui abrir a porta, deslizando os olhos para a sala ao lado.

O que foi que encontrei ?

Em meio às luzes todas ascesas, encontravam-se, agora, em plena noite, as crianças que haviam retornado da excursão ao campo, construindo um palco de teatro para o espetáculo da escola.

Utilizando, então, essa cobertura, viemos a concluir todo o trabalho, quando já era tarde da noite.

 

No outro dia, Sverdlov chegara desde cedo à secretaria e, com impaciência, perguntou sobre as resoluções.

Já se encontravam distribuídas aos delegados.

Apenas a última delas estava um pouco confusa.

Porém, os delegados, ao saberem que essa última fora produzida com parágrafos mal-impressos, apenas riram e apanharam exemplares bem mais nítidos.    

 

Depois do VI Congresso do POSDR (Bolchevique), o trabalho fluiu de modo ainda mais vivo.

Os Dias de Kornilov aglutinaram em torno dos bolcheviques todas as forças revolucionárias do país.

À secretaria, vieram ter Spiridonova e outros socialistas-revolucionários (SRs), a fim de estabelecerem conversações sobre contatos.

 Sverdlov rejeitou, vigorosamente, todo e qualquer tipo de subordinação dos bolcheviques aos outros partidos e elucidou-lhes a linha bolchevique relativa à resistência contra o Golpe de Kornilov.

 

Começava o outono.

Aproximava-se o fim das férias escolares.

Voltava a ser necessário tranferirmos nossa sede, ainda situada no ginásio da Rua Kolomen com a Rua Raziezja.

Uma nova habitação foi então encontrada na Rua Furshtadts, localizada perto daquela casa em que vivia E. D. Stassova.

Tratava-se de uma casa de uma dessas comunidades eclesiásticas.

As portas de entrada e as escadas estavam todas decoradas em estilo de cruzes.

Para uma maior segurança, a sede da Secretaria do Comitê Central situava-se atrás de uma livraria.

Naturalmente, essa dissimulação era, ainda assim, insegura, porquanto todos sabiam que a livraria pertencia ao Partido.

A habitação em referência, tomada em aluguel, não possuía móveis e, além disso, no caixa do Comitê Central, existia muito pouco dinheiro disponível.

Sem embargo, levantaram-se cerca de 200 rublos e, juntamente com minha irmã, Sverdlov dirigiu-se ao negociante de móveis usados mais próximo.

Compraram, então, diversas peças, ali mesmo reparadas e polidas.

 

Depois de muito tempo transcorrido, tive de comparecer, certa vez, em uma das atividades do Partido, ocorrida na Rua Furshtadts, e ali reencontrei nossa velha escrivaninha, com sua cadeira talhada e giratória. 

Logo depois da mudança para a Rua Furshtadts, parei de trabalhar na Secretaria do Comitê Central, por proposta de Sverdlov.

Ele aconselhou-me, insistentemente, a mais uma vez, voltar a trabalhar no distrito.

Dali a pouco tempo, fui eleita, de início, membro do Comitê do I Distrito Municipal e, a seguir, também do Comitê Central do Partido.

 

Posteriormente, vim a rencontrar-me com Sverdlov, de modo extremamente raro.

De meus ulteriores encontros com ele, dois deles permaneceram de modo particularmente nítido em minha recordação.

 

Aproximavamo-nos de Outubro.

A questão concernente à Insurreição Armada tornava-se, visivelmente, uma realidade.

Convocou-se, então, uma assembléia de militantes ativos, visando à apreciação da questão relativa à sublevação.

De início, expressaram-se os adversários da imediata deflagração insurrecional.

Reportavam-se às relações hesitantes existentes entre as tropas, à insuficiência de armamento dos trabalhadores, ao risco de perdermos importantes das massas, ao sermos aniquilados em meio à batalha etc. etc.

Existiram também intervenções, destacando que, embora a insurreição não tivesse a mínima esperança de triunfar, a única saída existente seria a de morrermos nas barricadas a permanecermos inativos.

No justo momento, interviram, então, alguns defensores da imprescindibilidade e adequabilidade da Insurreição Armada.

Discussões não houve. Foram postergadas para o dia seguinte.

No entanto, parecia que o resultado já havia sido tomado de antemão : o repúdio da Insurreição Armada.

Na tarde seguinte, o clima dos militantes havia aparentemente melhorado, porém ouviram-se, novamente, as prédicas pessimistas.

Nessa assembléia, encontrava-se, entretanto, Sverdlov.

Valendo-se de sua poderosa tonalidade vocal, comunicou aos companheiros que o Comitê Central do POSDR (Bolchevique) já havia apreciado a questão, quando ponderara todos os fatores pró e contra, estabelecendo que a deflagração da Insurreição Armada haveria de ocorrer nos próximos dias.

Segundo Sverdlov, essa decisão do Comitê Central seria vinculante para toda a organização.

Os discursos a serem pronunciados pelos companheiros na assembléia poderiam versar, agora, apenas sobre os detalhes.

Essa intervenção de Sverdlov foi decisiva : a voz dos adeptos da Insurreição Armada ressoou  mais firmemente.

A votação concedeu, então, maioria à imediata deflagração da sublevação.

Muitos companheiros, que haviam votado contra tal decisão ou mesmo se abstido de nela votar, usaram, então, da palavra para declarar que, a despeito de suas dúvidas, lutariam de armas na mão, até o verter da última gota de sangue.

Honraram a sua palavra.

 

A subseqüente recordação de reencontro com Sverdlov de que disponho refere-se ao Dia da Assembléia Constituinte, o dia 5 de Janeiro de 1918.  

A abertura dos trabalhos havia sido declarada para ocorrer às 12 horas.

O público aglomerava-se com suas identidades, desde de manhã  cedo.

Os delegados encontravam-se reunidos.

Ocorriam conferências por frações políticas.

Às doze horas e quarenta e cinco minutos, os delegados começaram a concentrar-se no grande salão e a ocupar seus lugares.

Pouco a pouco, o salão tornava-se repleto, permanecendo vazias apenas as cadeiras dos deputados bolcheviques.

Nossa fração continuava em meio à sua conferência, na qual encontravam-se presentes os representantes do Comitê Central.

Era preciso decidir a questão extraordinariamente complicada relativa à dissolução da Assembléia Constituinte.

Entrementes, um grande desassossego percorreu o salão e havia sinais de impaciência.

Seria possível que os bolcheviques não dariam abertura à assembléia ? 

Os grupos populistas decidiram, então, iniciar, imediatamente, a assembléia e exigiram que o seu decano, de nome S. P. Shvetsov, desse abertura à sessão.

Este subiu lentamente à tribuna e, com voz de ancião, começou a discursar.

Disso deram-nos notícia, em nossa fração.

No intervalo de um minuto, os bolcheviques apareceram no salão e Sverdlov, na qualidade de Presidente do Comitê Executivo Central dos Sovietes de Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponêses de Toda a Rússia (VTsIK), movimentou-se, a passos largos, em direção à tribuna.

Com uma das mãos, afastou, de improviso, o decano que pronunciava seu discurso e, em nome do Comitê Executivo Central, proclamou, com voz poderosamente metálica, aberta a Assembléia Constituinte.    

O primeiro corpo de comando dos socialistas-revolucionários (SRs) revelou-se destroçado.

Até mesmo esses acontecimentos desenvolveram-se de tal sorte que anteciparam a tática dos bolcheviques, i.e. a tática do destacamento avançado do proletariado mundial.

 

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Agora, depois da morte de Jakob Mikhailovitch Sverdlov, recordo-me freqüentemente de sua imagem, da maneira como interviu nos Dias da Assembléia Constituinte.

Aquele leve movimento de mãos que eliminava barreiras aparentemente inexpugnáveis, aquela voz firme e confiante que lograva impor-se à audição das massas enfurecidas, tais como se incorporassem o traço fundamental de sua personalidade : sua vontade inquebrantável de luta.  

Essa vontade inabalável, porque não conhecia concessões, fez de Sverdlov um dos mais importantes participantes da Revolução de Outubro : ela mesma conduziu-o à morte precoce por faina desumana, encontrando-o no posto de concretrização das medidas fundamentais da Revolução Proletária.

Vida maravilhosa, maravilhosa morte !

 

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 



[1] Cf. MENJINSKAYA, LARISSA RUDOLFOVNA. Yakov Mikhailovitch Sverdlov v Period Febralskoi Revolutsii (Jakob Mikhailovitch Sverdlov no Período da Revolução de Fevereiro), in : Yakov Mikhailovitch Sverdlov. Sbornik Vospominanii i Statei (Jakob Mikhailovitch Sverdlov. Coletânea de Recordações e Ensaios), ed. ISTPART : Otdel TS.K.R.K.P.(b.) po Izutcheniiu Istorii Oktiabrskoi Revoliutsii i R.K.P.(b.), Leningrad : Gosudarstvennoe Izdatelstvo Leningrad, 1926, pp. 87 e s.  

[2] Anotação de Emil Asturig von München : Observo, por oportuno, que Trotsky e seus colaboradores abandonaram, em 1912, o Bloco de Agosto, por este haver-se convertido em um instrumento do menchevismo liquidacionista. Deslocaram-se, então, rumo à fundação, em novembro de 1913, da Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos de Petersburgo (Comissão Inter-Distrital) que haveria de conformar-se, a seguir, em centro aglutinador fundamental no interior do POSDR de reagrupamento geral em toda a Rússia dos militantes advindos seja da antiga fração pública unionista “não-fracionalista” de Trotsky – composta por Antonov-Ovseienko, Ioffe, Riazanov e outros -, seja da fração pública avanteísta (vperiodista) de Lunatcharsky, Pokrovsky e Manuilsky, seja ainda do restante da fração interna dos bolcheviques conciliadores-virtuosos “não-fracionalistas”, encabeçados por Iurenev e Sokolnikov, que não se haviam realinhado no POSDR(Bolchevique), por ocasião da VI Conferência de Praga de 1912.

Acerca do tema, permito-me remeter o leitor interessado ao estudo de IURENEV, CONSTANTIN. Bor’ba za Edinstvo Partii. Otcherk’ Vozniknovenia i Deiatel’nosti Petrogradskavo Mejduraionnavo Komiteta. C Prilojeniem Rezoliutsii Obschegorodskoi Konferentsii Petrogradskavo Mejduraionnavo Komiteta Ob’edinennykh S.-D. Sostoiavsheitsia 7-11 Maia 1917(Luta pela Unidade do Partido. Quadro da Origem e das Atividades do Comitê Inter-Distriral de Petrogrado. Com Apenso da Resolução da Conferência do Comitê Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos de Toda a Cidade de Petrogrado, Realizada de 7 a 11 de Maio de 1917), Petrogrado : Sklad’ Izdania, 1917, pp. 3 e s.

De toda sorte, cumpre destacar que tanto o Bloco de Agosto quanto a Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos (Comissão Inter-Distrital) surgiram em um quadro de integral dissolução do sistema de frações do POSDR, confrontaram-se, efetivamente, com o movimento de integral ruptura promovido pelo POSDR (Bolchevique), dirigido por Lenin e pelos principais dirigentes bolcheviques.

Os clamores inteiramente serôdios da Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos (Comissão Inter-Distrital), levantados em prol da unidade do Partido, a ser assegurada mediante a unificação de todas as diversas frações públicas e agrupamentos ideológicos de caráter fracional, atuantes no interior do POSDR, já não contaram mais, absolutamente, com a simpatia seja dos antigos bolcheviques da fração oficial-ortodoxa de Lenin, seja da parte daqueles bolcheviques que haviam composto anteriormente a fração conciliadora-virtuosa, sob a direção de Rykov, Dubrovinsky e Noguin.  

Cabe destacar que, já no período posterior à Revolução Democrático-Burguesa de 1917, a Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos (Comitê Inter-Distrital), por defender caracterizações políticas mais alinhadas aos novos posicionamentos de Lenin, contidos nas Teses de Abril de 1917, propiciou ao POSDR (Bolchevique) o lançamento de um novo chamado em prol de um processo de reunificação de todas forças proletário-internacionalistas, tal como aprovado pela VII Conferência de Toda a Rússia (Conferência de Abril).

Com base na nova política bolchevique de reunificação de todas as forças proletárias internacionalistas, verificou-se, a partir de maio de 1917, a formação de duas tendências no interior da Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos (Comitê Inter-Distrital): uma delas a de Trotsky - mais disposta a ingressar, sem mais demora, no POSDR (Bolchevique) -, sendo a outra, encabeçada por Iurenev – mais recalcitrante em relação à decisão de ingresso.

Com base em acordo selado com Lenin, coube a Trotsky permanecer, de maio a julho de 1917, no interior da Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos (Comitê Inter-Distrital), com o objetivo de conquistar todos os seus militantes para o ingresso no POSDR (Bolchevique).      

Acerca do tema, vide TROTSKY, LÉON D. Vokrug Oktiabria (Em Torno de Outubro)(06.04.1924), Parte 1: Pered Oktiabriem (Antes de Outubro), in: L.D. Trotsky. Iz Arkhivov Russkoi Revoliutsii 1917-1937 (Dos Arquivos da Revolução Russa. 1917-1937) Moscou :  Biblioteca Magister-MSK, pp. 1 e s.       

[3] Anotação de Emil Asturig von München : Destaco que os membros do Bureau de Organização (Orgbureau), encarregado da convocação do VI Congresso do POSDR (Bolchevique), eram Sverdlov, Smilga, Vera Menjinskaya, Ioffe e Uritsky. Vide a respeito SVERDLOV, JAKOB MIKHAILOVITCH. Izbrannye Proizvedenia v Trekh Tomakh (Obras Escolhidas em Três Volumes), Vol. 2, Moscou : Gosud. Izd-vo – Pol. Literatury, 1957, p. 14.

[4] Anotação de Emil Asturig von München : Entre os dias 26 de julho (8 de agosto) e 3 de agosto (16 de agosto) de 1917 ocorreu o IV Congresso do POSDR (Bolchevique) de Toda a Rússia, também denominado de “Congresso da Unificação”. Apenas então, pela primeira vez em toda a sua vida, Sverdlov participou de um congresso do POSDR (Bolchevique) de Toda a Rússia. Representando cerca de 200.000 militantes, reunidos em 162 organismos partidários, em contraste com os 80.000 militantes, reunidos em 78 organismos partidários, do mês de abril de 1917 -, cerca de 300 delegados reuniram-se no Distrito de Vyborg, em Petrogrado, para a abertura do congresso semi-clandestino em destaque. Em primeiro lugar, Sverdlov, dando início aos trabalhos, foi eleito membro da presidência congressual, seguido por Olminsky, Lomov, Iurenev e Stalin. Imediatamente após a eleição da presidência, Sverdlov propôs fossem Zinoviev, Kamenev, Trotsky e Lunatcharky eleitos presidentes honorários. Anunciou as regras que disciplinariam os trabalhos congressuais e a lista dos informes locais a serem apresentados, propondo a formação de uma Comissão de Verificação de Credenciais. Nesse congresso, Sverdlov interveio com a apresentação de um documento, formulado em nome do Bureau de Organização (Orgbureau), sobre a convocação do congresso, assinalando que Trotsky e Lunatcharky passavam a integrar esse organismo, com vistas a fortalecer os esforços de unificação de bolcheviques e sociais-democratas unidos interdistritais. Pronunciou-se sobre a associação de Trotsky com os bolcheviques e apresentou um pequeno resumo sobre o trabalho de convocação do congresso, agradecendo ao proletariado de Vyborg por tornar possível a ocorrência daquele evento naquele distrito.

Encontrando-se Lenin provisoriamente refugiado na Finlândia, Sverdlov presidiu o VI Congresso do POSDR (Bolchevique), seguindo a orientação estratégica prédefinida e formalizando solenemente a incorporação nas fileiras bolcheviques dos sociais-democratas unidos interdistritais – sem prejuízo do fato de Trotsky e Lunatcharky encontrarem-se, então, nos cárceres do Governo Provisório Burguês-Latifundiário, integrado, agora, também por mencheviques sociais-chauvinistas.

Tendo em conta os rumores de que este governo dissolveria pela força o congresso em andamento, prendendo todos os seus participantes, providenciou exitosamente, sob a proteção da Guarda Vermelha, a transferência parcialmente clandestina, do local dos trabalhos congressuais para o Distrito de Narva.  

Na sessão secreta que elegeu o novo Comitê Central Bolchevique Unificado – da qual não se dispõe de minutas históricas -, foi eleito entre os 5 mais bem votados, em meio aos 22 novos membros e candidatos.

Vide, acerca do tema, PROTOKOLY S’EZDOV I KONFERENTSII VSESSOIUZNOI KOMMUNISTITCHESKOI PARTII : SHESTOI S’EZD RSDPR(b) AVGUST 1917 G. (Protocolos dos Congressos e Conferências do Partido Comunista de Toda a Rússia : VI Congresso do POSDR(b) Agosto de 1917), Moscou : A. S. Bubnov et al., 1934, p. 36.

[5] Anotação de Emil Asturig von München : Assinalo que, em 27 de julho (9 de agosto) de 1917, Sverdlov interveio no VI Congresso do POSDR (Bolchevique), apresentando o relatório organizativo do Comitê Central, após assinalar que o informe político prestado por Stalin e elaborado sob a direção imediata de Lenin, a partir do exílio, refletia inteiramente a atividade desempenhada pelo Comitê Central no último período, de tal sorte que o informe de organização incumbiria, agora, a ele – Sverdlov, apresentar.

Destacando a duplicação das forças bolcheviques em toda a Rússia, registrada a partir de abril de 1917 e fornecendo bases objetivas para o desenvolvimento dos debates, Sverdlov formulou uma análise de todas as principais regiões e referiu os esforços de coordenação do trabalho revolucionário das províncias, empreendidos pelo Secretariado Bolchevique, nos meses precedentes. Segundo Sverdlov : “O Comitê Central – através do Pravda – executou tanto a direção ideológica como organizativa de todo o Partido.” Com efeito, presidiu, firme e eficientemente, a maioria das sessões do congresso em tela. Cf. PROTOKOLY S’EZDOV I KONFERENTSII VSESSOIUZNOI KOMMUNISTITCHESKOI PARTII : SHESTOI S’EZD RSDPR(b) AVGUST 1917 G. (Protocolos dos Congressos e Conferências do Partido Comunista de Toda a Rússia : VI Congresso do POSDR(b) Agosto de 1917), Moscou : A. S. Bubnov et al., 1934, p. 36.