90 ANOS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA PROLETÁRIA RUSSA DE OUTUBRO DE 1917

MORAL E CONSCIÊNCIA, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO DAS LUTAS REVOLUCIONÁRIAS

DE EMANCIPAÇÃO PROLETÁRIO-SOCIALISTA

TEXTOS DE CÉLEBRES DIRIGENTES BOLCHEVIQUES SOBRE J. M. SVERDLOV

 

JAKOB M. SVERDLOV

e a Primeira Constituição Soviética

 

MIKHAIL A. REISNER[1]

 

Compilação e Tradução, Compilação e Tradução Asturig Emil von München

Março de 2002 emilvonmuenchen@web.de

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Com Jakob Mikhailovitch Sverdlov, vim a encontrar-me, pela primeira vez, na Conferência de Tammerfors, em 1905.

Sverdlov era, então, um jovem cheio de energia e de impulso revolucionário.

Já depois da Vitória da Revolução de Outubro de 1917, aconteceu-me ter de encontrá-lo, novamente, em Moscou, em virtude de questões de diversos gêneros e devo confessar que sua juventude continuava sendo a mesma de antes : figura rija, fogosa por inteiro, que se convertia em autêntico gigante ativo, por todos os lados em que havia de ser dita uma palavra decisiva.

Dificilmente alguém se esqueceria de J. M. Sverdlov em sua qualidade de “colossal” presidente inteiramente exclusivo de nossos sovietes e do Comitê Executivo Central dos Sovietes de Toda a Rússia (VTsIK).  

Incomparabilíssima resultava ser sua intervenção contra nossos inimigos que, então, encontravam seu meio efetivo entre os mencheviques e - em maior ou menor parte – entre os socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda.

Desejo dedicar as presentes linhas especialmente às recordações que possuo do trabalho que realizei em conjunto com Sverdlov, no contexto da I Comissão Constitucional adjunta ao Comitê Executivo Central dos Sovietes de Toda a Rússia(VTsIK).

Tratava-se de um momento extraordinariamente sério.

Em meio aos incêndios e lances da Guerra Civil, em meio aos fragores da intervenção européia, desfraldada no marco de um complexo cerco que nos comprimia a partir de todos os lados do bloqueio, havia a Primeira República Soviética do mundo de acolher a sua nova Carta Magna.

Todos sabiam plenamente que, pela primeira vez, depois da Grande Revolução Francesa, irrompera na história da humanidade uma transformação de significado semelhante.

A declaração burguesa de convicções, insculpida na forma dos sagrados Direitos do Homem e do Cidadão e aferrada na série das “Grandes” Constituições do mundo europeu, tinha de ser suplantada, no país dos Sovietes (Conselhos), não apenas por honrosa rival, senão também por sua inimiga mortífera e vitoriosa.

O proletariado que emergiu vitorioso no imenso território do Czar Russo deveria encontrar, também ele, sua declaração e sua forma de vida política.

E se, já precisamente no primeiro dia da revolução, retumbou, por todas as partes, a “Declaração de Direitos do Povo Explorado e Oprimido”, cumpria assentar no papel, em 1918, pela primeira vez, o esqueleto arquitetônico da República dos Sovietes.

Outrora, a Monarquia conseguira fortalecer-se, milhares e milhares de vezes, por meio da palavra escrita, estudada e introduzida nas formas estatais, em escala generalizada.

D’outro lado, porém, tanto a República quanto o Estado federativo contavam, também, precisamente, com séculos de idade própria, tendo constituindo patrimônio e concepção político-científicos.

Já o Estado da classe dos trabalhadores havia surgido apenas de maneira esporadicamente respingada, ao longo da história.

Atingía-nos sua remota memória na forma de lacônicos sinais, havidos na antiga histórica do Egito, da Pérsia e da Grécia ...

Entretanto, a República dos Sovietes não havia existido ainda em lugar algum do planeta, devido ao fato de que, até então, jamais se verificara a existência de um proletariado industrial.

Tão somente entre nós, na Rússia de 1905, brotaram, pela primeira vez, vívidos cristais de Ditadura do Proletariado, na forma de Sovietes Classistas de produtores e grevistas.

Sem embargo, foram eles rapidamente destruídos por uma nova onda de reação arrebatadora.

Assim, recordo-me, espontaneamente, de meu encontro com Sverdlov, ocorrido naquele então, em 1905.

Encontramo-nos nos domínios incertos da edição de “Znanie(O Conhecimentos)”, sob o patrocínio de nosso contato comum, Piatnitsky.

A Insurreição de Moscou havia fracassado.

Era necessário partir, novamente, para o exterior, na medida em que todos se encontravam pisando em um terreno ainda mais devastador.

Quanto a mim, encontrava-me inteiramente repleto de desespero, ao dirigir-me a Lenin, defendendo uma concepção lúgubre.

Qual não foi minha surpresa quando me respondeu, sorrindo tranqüilamente :

 

”Em breve, voltaremos a tentar.”  

 

Olhei-o, com sobressalto.

Porém, Lenin estava certo : os Sovietes ressurgiram renovados, os bolcheviques retornaram à cena ...

Os novos Sovietes relevaram-se como impressionantes criações da Revolução.

Foram criados, literalmente, pelas massas, no quadro de um processo geológico-espontâneo.

Assim como uma camada de terra que irrompeu, impetuosamente, em avalanche, os Sovietes recobriram nosso rochedo político, conferindo sólido esqueleto à irrupção da obra coletiva.

No Departamento Legislativo do Comissariado do Povo para a Justiça (Narkomius), contemplamos, então, de maneira atenta, esse processo soviético de semeadura, gênese e crescimento.

Se até a Revolução de Outubro, os Sovietes haviam sido um fenômeno genérico, vieram a assenhorar-se, sem qualquer exagero, de toda a Rússia, já nos primeiros meses subseqüentes à Revolução.

Por fim, apenas em 1918, logramos conformar esse ato de criação espontânea, assegurando-lhe traços de organização consciente.

J. M. Sverdlov foi o Presidente da Comissão à qual os membros dessa última aportaram, a partir de diversas localidades, suas percepções, experiências e concepções relativas aos Sovietes.

O material era multifacetado, a ponto de chegar à balbúrdia.   

É imprescindível não esquecer do fato de que, naquele então, os socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda ainda estavam apenas preparando seus canhões contra o Kremlin Bolchevique.

Nada obstante, na comissão em tela, tanto eles quanto os anarquistas, como também os nossos comunistas trabalharam para a criação da Primeira Constituição Soviética do mundo.   

Uns trouxeram à reunião da comissão livros sacrossantos da Ciência Burguesa : volumes bastantes grossos de consagrados estadistas, tais qual Georg Jellinek.

Outros pensavam em criar, na forma de uma Federação dos Sovietes dos Sindicatos Trabalhistas, algo no estilo de uma União Anarquista de Associações Sindicais.

Os terceiros posicionavam-se do ponto de vista extremo da emancipação nacional e estavam dispostos, já desde os primeiros dias, a converter a Federação dos Sovietes em uma união de inúmeras nações russas.

Os quartos aspiravam a saltar por cima da época e aproximar-se já, de modo totalmente repentino, do portão de entrada da sociedade comunista.

Os quintos propugnavam a divisão já então esboçada do antigo Império em uma massa de minúsculas repúblicas, quase independentes.

Os sextos ...

Torna-se, porém, nessa sede, muito dificultoso ter de elencar todas as diferenças conceituais que, por um lado, atrelavam-se, ostensivamente, ao experimentado modelo democrático-burguês e que, por outro lado, começavam já a sucumbir à utopia ... 

J. M. Sverdlov era o Presidente dessa Comissão.

A bem da verdade, tão somente Sverdlov se encontrava em condições de dirigir essa comissão, partindo das contradições muito diversificadas existentes em seu seio, conferindo-lhe uma forma que, precisamente, exprimisse o essencial e, juntamente com isso, abrisse o sendeiro, assentando as pedras fundamentais para o futuro.

Evidentemente, para os que conheciam Sverdlov, já mesmo em virtude de seu trabalho executado na clandestinidade, não podia pairar dúvida sobre suas capacidades de organizador.

Todos conheciam sua energia inesgotável e sua habilidade de orientar-se, agrupar as pessoas e organizar movimentos táticos, no quadro das mais desesperadoras situações.

Entretanto, uma coisa é o trabalho clandestino, em cujo contexto prevalece a extrema tensão do trabalho, a restrição técnica, a penúria dos meios, bem como a estreiteza do campo de manobras.

Outra coisa, é a construção do aparato da Primeira República Proletária, circundada pelas grandes potências do mundo contemporâneo.

Lenin foi, permanentemente, um dirigente de ímpeto gigantesco, economista e estadista, no sentido mais elevado da palavra.

Porém, e quanto a Sverdlov ?

Lograria encontrar seu caminho, em uma circunstância de realização de prodigioso trabalho estatal, cambiando a técnica da clandestinidade pela dinamização de um aparato colossal de administração do Estado ?

Assim, surgia colocada essa indagação a muitos de nossos companheiros.

Sabemos maximamente bem que muitos dos velhos lutadores não conseguiram distanciar-se das restrições da clandestinidade e, no melhor dos casos, projetaram-se, em níveis de executivos e de técnicos do Partido, no quadro do impulsionamento do novo trabalho social.  

Eis que aqui, porém, há que fazer justiça a Sverdlov : sua projeção no amplo domínio da obra do Estado e da luta mundial constituiu momento não de interrupção, mas sim de um novo e, além disso, brilhante florescimento de seu talento profissional criativo.

A facilidade com que se familiarizou com a nova situação foi literalmente surpreendente. 

Sverdlov converteu-se, tal como se fosse de modo repentino, no Presidente ideal dos nossos congressos e do nosso Comitê Executivo Central dos Sovietes de Toda a Rússia(VTsIK), nos minutos mais críticos havidos na política soviética. Transformou-se no legislador refinado e célere, no poderoso dirigente de toda a construção dos Sovietes.

Junto à genialidade de Lenin, Sverdlov foi o autêntico virtuoso das questões práticas e organizativas.

É difícil esquecer sua participação na Primeira Comissão Constitucional que sessionou no hotel iluminado, situado na parte da esquina da antiga “Metropolia(Metrópole)”, onde Jakob Mikhailovitch nos reuniu, com vistas à realização dos trabalhos gerais.

Repartidor parcimonioso do seu próprio tempo e daquele de outras pessoas, Sverdlov conseguia transitar de uma matéria a seguinte como um mecanismo cronométrico que fixara a revolução para o curso de muitos anos.

A partir do primeiro minuto da reunião, Sverdlov arrastava todos os presentes para um trabalho ligeiro e preciso, concebido segundo sua essência, deixando de lado toda as coisas desnecessárias, superficiais, intrincadas.

Em suas mãos, a comissão multicolor transformou-se, muito rapidamente, em um inteiro unificado, solidamente repartido em divisões entre si separadas e harmônicas.

Particularmente nesse contexto, consegui eu mesmo, na qualidade de Presidente do Comissariado do Povo para a Justiça (Narkomius) – trabalhando conjuntamente, porém, com o colegiado desse comissariado -, sair com um Projeto de Constituição, elaborado por toda a comissão, sob a presidência de Jakob Mikhailovitch.

O projeto em relevo representava nossa concepção, alcançada naquele nível de aperfeiçoamento da organização soviética, a qual haveria de adquirir conformação em uma Constituição.         

Eu e o colegiado do Comissariado do Povo para a Justiça (Narkomius) apressamo-nos a dispor as conquistas aportadas pelos Sovietes, conferindo-lhes apurada expressão socialista.

Jakob Mikhailovitch, que melhor do que todos nós possuia conhecimento de todo o caos originário das condições soviéticas iniciais, era adepto das diversas declarações e das promessas ainda não realizáveis da Constituição, com vistas a, através delas, proporcionar possibilidade de maior institucionalização ao processo factual e, propriamente, encontrar, assim, sua forma de transição.

Nesse contexto, Sverdlov agiu, inteiramente, em consonância com Lenin, o qual, posteriormente, no âmbito do debate do projeto constitucional no interior da Comissão do Comitê Central, tomou partido, resolutamente, do projeto da comissão de Jakob Mikhailovitch, por ser, de modo geral, adversário das definições jurídicas e preferir, cem vezes mais, acolher exemplos claros do que realizar aparos, com a tesoura constitucional, no tecido vital do crescimento soviético.

Entretanto, essas ponderações não abarcaram a inserção de uma série de artigos advindos do projeto do Comissariado do Povo para a Justiça (Narkomius) naquele texto de Constituição que veio a caracterizar justamente a primeira fase de desenvolvimento da República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR).

Quantas vezes Jakob Mikhailovitch não me falou, posteriormente, sobre os singulares equívocos do projeto do Comissariado do Povo para a Justiça (Narkomius)  e sobre minhas propostas, propugnadas como se não tivéssemo em conta o tempo, rumando, extremamente, para adiante ...

Uma outra coisa eram as divergências com os socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda.

Sem embargo, graças à estratégia de presidência de Sverdlov, todas elas foram embotadas, em considerável dimensão.  

Porém, é possível que os próprios socialistas-revolucionários (SRs) de esquerda tenham enfraquecido sua oposição devido ao fato de terem preferido o caminho do ridículo ato armado, à maneira das “proclamações” dos sulistas norte-americanos ...

Ainda que não fosse de se esperar, Jakob Sverdlov conduziu seu trabalho até o fim.

Em virtude de sua iniciativa e de sua candente participação, a palavra indispensável era encontrada.

O fato histórico da gênese dos Sovietes recebeu, junto aos cerimoniais “outubrinos”, o nome imortal de Sverdlov.

Em face de todo o mundo, foi consolidada a união do proletariado e do campesinato revolucionários.

A Democracia Soviética unificou as eleições diretas e o sistema representativo.

A unidade organizativa aglutinou as massas desprovidas de organizações partidárias com a direção do Partido Comunista, a autonomia uniu-se, harmonicamente, com a centralização, e o princípio classista, com a emancipação nacional.

Se a Primeira Constituição não se apresentou com aquela perfeição a que, a seu tempo, aspirou o Comissariado do Povo para a Justiça (Narkomius), encerrou ela em si mesma, sob os auspícios de Sverdlov e também de Lenin -, toda a possibilidade de concretização do trabalho subseqüente dos Congressos de Toda a Rússia, acompanhados pela efetuação de inúmeras correções.

J. M. Sverdlov logrou despertar e atrair para sua própria pessoa a mais profunda e abrasadora simpatia, sendo ele mesmo um concentrado de energia cálida, incorporação de vida revolucionária.

O melhor de  tudo seria que nos referíssemos a Sverdlov por meio de uma analogia feita com o rádio, substância química radiotiva, que, permanentemente, lança ao mundo uma massa de energia ativa, transformando-o.

A diferença seria apenas esta : o rádio, enquanto substância material, vive 2.500 anos.

Surpreende e tragicamente, Jakob Mikhailovitch, porém, morreu ...

Jamais conseguiremos substituí-lo.

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cf. REISNER, MIKHAIL ANDREIEVITCH. Y. M. Sverdlov i Pervaia Sovetskaia Konstitutsia : Iz Litchnyx Vospominanii, (J. M. Sverdlov e a Primeira Constituição Soviética), in : Yakov Mikhailovitch Sverdlov. Sbornik Vospominanii i Statei (Jakob Mikhailovitch Sverdlov. Coletânea de Recordações e Ensaios), ed. ISTPART : Otdel TS.K.R.K.P.(b.) po Izutcheniiu Istorii Oktiabrskoi Revoliutsii i R.K.P.(b.), Leningrad : Gosudarstvennoe Izdatelstvo Leningrad, 1926, pp. 147 e s