90 ANOS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA
PROLETÁRIA RUSSA DE OUTUBRO DE 1917
MORAL E CONSCIÊNCIA, ORGANIZAÇÃO E
DIREÇÃO DAS LUTAS REVOLUCIONÁRIAS
DE EMANCIPAÇÃO
PROLETÁRIO-SOCIALISTA
TEXTOS DE CÉLEBRES
DIRIGENTES BOLCHEVIQUES SOBRE J. M. SVERDLOV
A ÚLTIMA VIAGEM DE
JAKOB MIKHAILOVITCH SVERDLOV :
Sua
Clara Posição Revolucionário-Permanentista e Bolchevique-Insurrecional
POLINA
S. VINOGRADSKAYA[1]
Concepção e Organização, Compilação e Tradução Asturig Emil von München,
Novembro de 2003 emilvonmuenchen@web.de
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De modo inteiramente casual, ocorreu-me realizar uma viagem à Ucrânia
juntamente com Jakob Mikhailovitch Sverdlov.
Esta foi a sua derradeira viagem em vida, aquela que precedeu à sua
morte.
Evidentemente, nem sequer de longe podia passar-me pela cabeça o fato de
que estava observando Sverdlov pela
última vez.
Lamentavelmente, desde então, não apenas nada escrevi, como também não me
esforçei absolutamente por recordar, de maneira ordenada, o muito que, naquela
viagem, pude ouvir de Sverdlov, por
ocasião das conversações e discussões que mantivemos, ao longo de todo o nosso
percurso.
Não mais me recordo daquelas palavras de ironia e sarcasmo com as quais Sverdlov conseguia tão sobejamente transmitir suas
narrativas e recordações, sejam as de sua própria vida, sejam as de outros
companheiros.
Precisamente ao longo desses anos, muito
- e parece-me que até mesmo o mais importante - dissipou-se na minha
memória.
Esse fato revela-se tanto mais deplorável porque ali estava avistando-me
justamente com Sverdlov em uma
circunstância inteiramente incomum para ele.
Sem embargo, pretendo apresentar aqui alguns fragmentos esparsos das
recordações que permaneceram invioladas em minha memória, esperando que possam
ser talvez de algum interesse para os nossos companheiros, por retratarem,
efetivamente, os dias finais da vida de Jakob Mikhailovitch Sverdlov.
Nossa viagem teve início nos primeiros dias de março de 1919, às 9 (nove)
horas da manhã, ali no Beco de Nikolaiev, para onde fora enviado um trem especial. Era uma manhã muito fria.
No inverno daquele ano, ninguém havia aplainado a neve. Apenas a
concentraram em montes, avolumados incomensuravelmente.
Ao longo de ambos os lados das ruas de Moscou, ondas enormes de neve movimentavam-se, repletas
de flocos inteiramente brancos : ondas, tais quais propositadamente
engendradas, de maneira compacta e direcionadas adrede até àquele “Beco”.
Instigando preguiçosamente seu cavalinho indolente, o choceiro que me
trouxera a esse local, deslocara-se, lentamente, em direção da linha do bonde,
assegurando-se inteiramente de que nenhum vagão pode-lo-ía abalroar.
De toda sorte, em meio àquela estação invernal, não havia absolutamente
nenhum movimento de bonde.
Logo a seguir, na hora convencionada, um trenzinho, composto de três ou
quatro vagões, partiu, silenciosamente, sem demora ou avisos, da Estação de Nikolaiev rumo a Kharkov, na Ucrânia.
No interior desse trem, Jakob Mikhailovitch Sverdlov ocupava toda uma cabine, situada no vagão do salão.
Tão logo o trem pôs-se em movimento, reunimo-nos em três pessoas - J. M. Sverdlov, L. P. Serebriakov e eu – naquele mesmo salão, do qual não
haveríamos de sair, durante quase todo o percurso.
A cada minuto que passava, o trem adquiria cada vez mais velocidade.
Com atraso, havíamos recebido de Benjamim Mikhailovitch Sverdlov - então Comissário do Povo para as Ferrovias – a informação relativa aos horários em que
chegaríamos às diversas estações, i.e. recebemo-la já mesmo depois de havermos
ultrapassado a estação subseqüente do nosso percurso.
Naquele vagão, descansávamos, trepidávamos, adormentávamo-nos, de maneira
muito agradável.
Apenas uma pessoa, Jakob Mikhailovitch Sverdlov, encontrava-se animado e, de tal modo, que suas
risadas e anedotas interrompiam nossa sesta.
Essa animação, essa vivacidade de Sverdlov eram-me tanto mais surpreendentes, porque,
segundo suas próprias palavras, havia trabalhado, na véspera, até altas horas
da noite, tendo adormecido apenas lá pelas 4 (quatro) da madrugada.
Porém, já estava acostumado a esse tipo de vida.
Confessou que, durante todos aqueles anos da revolução, não dormia mais
do que 4 (quatro) ou 5 (cinco) horas por dia.
E, freqüentemente, já depois de ter adormecido, este ou aquele
companheiro vinha ainda bater à sua porta, por causa de alguma questão.
Recordo-me de Sverdlov ter
contado, certa vez, como, depois de um imenso dia de trabalho, marcado por
inúmeros atendimentos a companheiros e diversas assembléias, foi dormir,
inteiramente fatigado, já às 4 (quatro) horas da madrugada.
Porém, logo a seguir, veio a ser arrancado do sono com inesperadas
pancadas, desferidas em sua porta.
Indo atendê-la, ainda rosnando muito, porém, sobretudo surpreendido com o
caso, indagou :
“- Quem é que ainda está aí ?”
“- Sou eu, Tchitcherin !”, denunciou a voz deste último. “Tenho aqui comigo ainda uma questão para tratar com você, a qual não pude
comunicar-lhe, durante o dia !”
“Disse-lhe, então, dessa vez, já enervado : « - Vá dormir, Gregory
Vassilievitch. Por hoje, já é demais !”
É inteiramente compreensível o fato de que Sverdlov, por representar, costumeiramente, todo o
aparato do Comitê Central e do Secretariado do Partido, com todas as suas repartições, incluindo o Orgotdel (Departamento de Organização) e o Utchraspred (Comitê de Distribuição de Militantes), através de sua única e exclusiva pessoa –
acompanhada apenas de um livrinho de anotações -, e encontrando-se
permanentemente sobrecarregado por questões, atendimentos a companheiros,
reuniões de negociação etc., haveria de sentir-se agora, i.e. naquela especial
circunstância de estadia no vagão, de algum modo extraordinariamente
particular.
Para Sverdlov, tudo isso
era, de alguma maneira, muito incomum, pela própria ausência de metas,
correriais, chamadas telefônicas etc.
Na realidade, tinha pela frente um grandioso trabalho a ser realizado no Congresso do Partido
Comunista da Ucrânia - Bolchevique (PCU – B).
Teria de conciliar companheiros de diferentes orientações, desanuviar
aquela atmosfera que emergira no interior do Partido Ucraniano, não perdendo de vista o fato de que, para trás,
em Moscou, haviam
permanecido muitas questões irresolvidas, cujo tratamento fora interrompido por
força da viagem urgente e imprevista.
Sem embargo, naquele momento, o trem já o transportava para bem longe de Moscou, sem tê-lo ainda entregue à Ucrânia, de tal sorte que nada havia que, entrementes,
pudesse ser feito.
Alguma coisa de juvenil e de despreocupado desenhava-se na feição de Sverdlov.
A falta da sua jaqueta de couro privara-o, repentinamente, de sua
fisionomia de homem de ferro.
Sorrindo como um jovenzinho que começava a entoar uma canção, passou,
repentinamente, de sua inação ao desembaraço, ao procurar limpar o seu famoso
trompete vocal que lhe servia para fumar.
Em seu fronte, iluminou-se, dali a pouco, um certo tipo de tranqüila
satisfação, expressada, simultaneamente, através de sua voz, emitindo um tipo
de “dó-ó-ó”
prolongado.
Veio, entretanto, a censurar-me porque impliquei com aquele seu canto e
embirrei com o seu intento de purificar a sua própria embocadura musical,
causando-lhe, assim, um certo desgosto.
Procurei fazer-lhe crer, então, que aquele seu aparelho vocálico era
ainda de produção capitalista, razão por que por ele não me responsabilizava
absolutamente.
Valia realmente a pena observar como aquele “ser humano de ferro” – tal
como os Guardas Brancos o chamavam – sempre atarefado, sentava-se ali, agora, inclinando-se
sobre suas pernas, com um sorriso infantil e suave, esboçado em seu rosto.
Deslocando-se ininterruptamente, todo o vagão soava com o júbilo e a risada
movimentada de Sverdlov.
Repreendeu-me, a seguir, pelo meu pessimismo, por minhas lamúrias de
intelectual.
Falou da imensa alegria da vida, sobre sua vontade e sede de viver.
Contou, então, como conseguiu precisamente manter o amor pela vida e apreciar
o seu imenso valor, ao ter sido exilado no Círculo Polar Norte, situado em meio à neve e às imensas massas
de gelo.
Disso tudo, o mais interessante era o fato de que, a partir do exílio, Sverdlov enviara à região do Volga cartas alegres, entusiasmando todos os seus
habitantes a conquistarem a liberdade.
Nas cartas que dirigiu a uma menina de 14 anos, publicadas há pouco tempo
em “Petatchi Revolutsii (Imprensa da Revolução)”, forneceu uma concepção otimista da vida à
estudante esmorecida, justificando a totalidade das palavras utilizadas.
Ao longo do nosso caminho, convenci-me do fato de que, em Sverdlov, existia não apenas um certo tipo de entusiasmo
congênito do espírito, alegria de viver e imenso otimismo, senão ainda – o que
era ainda mais importante – todos esses traços forneciam-lhe uma determinada
juventude que jamais permitia o envelhecimento de seu caráter.
Assim, é possível esclarecer-se a razão pela qual conseguia manter uma
linguagem comum também ao tratar com uma pequena jovem estudante.
Contou-me, além disso, como amava desesperadamente ler contos,
lamentando-se do fato de que possuíamos, então, pouco autores talentosos do
calibre de Bassov-Verkhoiantsev.
Por diversas vezes, Sverdlov interrompeu, inesperadamente, nossa conversação,
ao gritar :
“- Levanid ! Oh Levanid !”
Com efeito, o companheiro Leonid Petrovitch Serebriakov encontrava-se ali, divertindo-se muito com um
ventilador niquelado, dotado de hélices, situado no teto do vagão, o qual
apenas se movimentava depois de ser puxado por um barbantinho.
Puxando-o constantemente, Serebriakov direcionava o ventilador, forçando-o a girar e, de boca semi-aberta, tal
como um pequeno guri, perseguia, com os olhos levantados para o teto, os
movimentos giratórios, produzidos com esse seu pequeno engenho astucioso.
Rindo-se à socapa, Sverdlov
observava Serebriakov e,
freqüentemente, não conseguindo conter-se, chamava-o, retirando-lhe a atenção.
Perturbado, Serebriakov
interrompia sua ocupação com seu brinquedinho.
Mas, passado um certo momentinho, voltava a meter-se com ele.
Assim, prosseguiu fazendo, até que chegamos a Kharkov, na Ucrânia.
De toda forma, esse seu passatempo não lhe atrapalhou absolutamente de
tomar parte em nossa conversação em curso e adendar as suas réplicas.
No final das contas, passávamos, como sempre, das vulgaridades e anedotas
à política.
Começamos a falar, então, entre outras coisas, sobre as Revoluções de
Fevereiro e Outubro de 1917.
Sverdlov contou-nos,
então, que, encontrando-se no exílio distante, não recebendo notícias de
ninguém e inteiramente separado do mundo e das questões quotidianas do Partido,
ficou apenas sabendo da Revolução de Fevereiro depois de terem-no libertado do exílio.
Chegando aos Urais e sendo ali informado, pela primeira vez, sobre os detalhes dessa revolução, Sverdlov declarou aos companheiros locais do Partido,
ainda antes mesmo do regresso de Lenin à Rússia - e, consegüintemente, ainda antes mesmo da publicação de suas Teses de Abril -, que a revolução não se deteria naquele estágio.
Para surpresa de muitos, Sverdlov demonstrou,
precisamente naquele momento, que, para além da Revolução de Fevereiro, cumpria inevitavelmente perseguir uma segunda
revolução, uma Revolução Proletária,
na medida em que as consignas e as reivindicações das massas trabalhadoras não
seriam realizadas, na vida prática, pela Revolução Fevereiro.
Se levarmos em consideração o fato de que, mesmo depois da chegada de Lenin à Rússia,
mesmo depois
da publicação de suas Teses de Abril
e de suas intervenções pessoais, não apenas muitos dos bolcheviques, ao
ouvirem, pela primeira vez, a colocação leninista da questão hesitaram, mas
também muitos dos que estiveram juntamente com Lenin, durante todo o tempo de sua emigração, é indispensável
reconhecer que Sverdlov, tendo
tomado, autonomamente, logo de antemão, uma clara posição
bolchevique-revolucionária, revelou uma grande intuição insurrecional, um
grande instinto bolchevique.
A seguir, passamos a conversar sobre a Assembléia Constituinte e a tomada do poder.
Desse tema, permaneceu em minha memória a narração de Sverdlov sobre o seguinte incidente : o Presidente da Assembléia Constituinte era, segundo o regimento jurídico da casa, o membro mais antigo, no caso
um socialista-revolucionário (SR).
Porém, a barulhada que se expandiu por todos os lados tornara-se
incontrolável.
Em particular, nossa fração fazia alardes, não demonstrando nem mesmo a
menor consideração para com a “Augusta Assembléia”.
O presidente decano socialista-revolucionário (SR) havia tentado tocar o
sino e gritar também, porém, sua fraca voz não bastava para atingir
absolutamente ninguém.
Encontrava-se já inteiramente desperado, em meio à inacreditável confusão
que emergia de todos os lados.
Constatando a irremediável impotência do Presidente Decano da Assembléia Constituinte, alguns
bolcheviques que se encontravam ao seu lado decidiram socorrê-lo.
O companheiro Avanessov começou
a deslocar, de uma maneira discretamente imperceptível, a débil figura do
decano e Sverdlov, tomando
o sino em suas mãos, começou a tocá-lo e a discursar para os presentes, de modo
potente, ao som de sua poderosa voz metálica.
Imediatamente, a calma voltou a reinar e restituiu-se a ordem.
Na realidade, durante essa cena, em face da surpresa e do estarrecimento
gerados, muitos dos presentes teriam perdido até mesmo a capacidade de falar.
Trocamos idéias, a seguir, sobre Fronte Tchecoslovaco, naquele então ainda mal estruturado para os
combates a serem travados.
Naquele momento, verificavam-se apenas os primeiros momentos da Guerra Civil.
Não pensávamos e nem sabíamos que a Guerra Civil haveria tanto de se estender, quer em sentido
temporal, quer em amplitude espacial.
De toda sorte, já então, encontrava-se interceptado nosso acesso aos
celeiros de trigo do Volga.
A fome fazia-se sentir muito intensamente.
As Insurreições Camponesas
expandiam-se e as Forças Armadas Vermelhas ainda mal se encontravam estruturadas.
Então, Sverdlov formulou, desde logo, uma suposição :
“ – Pode ser que ainda tenhamos de reconhecer o erro de não haver permitido
que os tchecoslovacos, que desejavam regressar às suas casas, transitassem por
Vladivostok.”
Porém, logo a seguir, socorrendo-se com um minuto de reflexão, acrescentou
:
“ – Pelo contrário, porém : esse raciocínio é naturalmente equivocado.
As reivindicações dos tchecoslovacos haviam sido formuladas apenas como
disfarces e pagaríamos por elas a todos os inúmeros patifes que expulsamos das
localidades em que se encontravam.
Seria ridículo se não tentassem voltar, tão cedo quanto pudessem.
Os tchecoslovacos constituíam apenas um pretexto.
Eram apenas uma ingenuidade.
Além disso, teríamos em torno de nós um cordão de ferro, formado a partir
de inimigos internos e externos.
Os tchecoslovacos não representam nem o primeiro nem o último fronte”, concluiu Sverdlov.
Reconheço que, então, essa sua profecia não fazia para mim absolutamente
nenhum sentido, havendo-se tornado até mesmo pertubadora.
Porém, hoje, contemplando o passado, entendo que Sverdlov entreveu maravilhosamente bem todas essas coisas.
Passamos a conversar, então, sobre o trabalho soviético, sobre as “insuficiências do
nosso mecanismo”.
Sverdlov estava
seguro de que tudo isso se esclarecia em virtude das difíceis condições
objetivas que existiam.
Acreditava e comprovava profundamente seu raciocínio, afirmando que, tão
logo essas condições se modificassem, todo o caráter do poder tornar-se-ia
diferente.
Como forma de comprovação da circunstância de que para nós haveria de ser
fácil poder erradicar o burocratismo,
referiu a unidade existente dos Poderes Executivo e do Legislativo, na Rússia
Soviética.
Demonstrou a vantagem propiciada pela organização do poder quando é
possível decidir rapidamente as questões e, dessa mesma forma, aplicar as
decisões tomadas na vida prática.
Recordou-nos que, sobre esse tema, havia sido necessário discutir muito
com os nossos companheiros - entre eles, também o companheiro Sosnovsky que, outrora, tanto o sobressaltara -, com vistas a demonstrar-lhes a
vantagem existente em nossa organização centralizada do poder, em contraste com
aquela de origem européia-ocidental, em que prevalece a divisão entre os Poderes Executivo e
Legislativo.
Seja como for, cabe observar que me equivoquei consideravelmente, ao
afirmar, de modo precipitado, no início do presente artigo que, durante nossa
viagem, Sverdlov
haver-se-ia inteiramente distanciado de suas atividades comuns.
Ao longo do caminho, nas estações em que parávamos, vinham a encontrá-lo
representantes do poder local que o próprio Sverdlov convocara, já os tendo, evidentemente, informado, de
modo antecipado, a partir de Moscou, sobre
sua presença na localidade em questão.
Assim, na cidade de Belgorod, um grupo
de companheiros que compunham o Comitê Revolucionário daquela municipalidade esforçou-se por aparelhar a cidade com demarcações
– tendo o Governo de Belgorod alegado, em particular consideração, “as condições históricas e geográfias especialíssimas que assim separavam
Belgorod de Kursk.”
O Comitê Revolucionário de Belgorod era encabeçado por um certo Meranvil-de-Sep-Kler que possuía jeito de bom dirigente camponês e
estranho aspecto, pois trajava vestimentas elegantes, produzindo brilhante
aparência, em meio àqueles simples bolcheviques do período do Comunismo de Guerra.
Sem embargo, dele diziam que, com grande ousadia e coragem, lutara pela
tomada do poder, adquirindo mérito incontestavelmente reconhecido junto aos
olhos dos revolucionários dali.
Sverdlov ouviu
seus convidados, recolheu de suas mãos todos os seus relatórios e materiais,
visando a com eles familiarizar-se, ao longo da viagem, e, no caminho de
retorno, organizar com os membros do comitê em foco uma conferência
deliberativa.
Com efeito, por ocasião de nossa viagem de regresso a Moscou, veio ainda a reunir-se, certa feita, às 2 (duas)
horas da magrudada, com esses revolucionários de Belgorod.
Sverdlov manteve
diversas dessas conferências e conversações, ao longo do caminho.
Não raramente, os poderes locais, mesmo sem terem sido convocados por
ninguém, ao saberem de sua chegada, dirigiam-se até ele, com vistas a
apresentarem-lhe suas reivindicações.
E, em verdade, não se tratava apenas de representantes do poder.
Também simples camponeses locais, sabendo que se encontrava em movimento
o “Poder Central”, vinham ter com o trem e, durante sua parada na estação ferroviária,
conversavam com Sverdlov.
Assim, na estação de Kursk, descemos de
nosso vagão, pretendendo ir até um vagão vizinho, onde se encontrava o
companheiro Berzin que, no
caminho, havia-se somado ao nosso comboio. Por sua vez, o companheiro Berzin queria dar-nos de comer uma sopa bem quente.
Foi quando, na plataforma, um agrupamento de camponeses locais
aproximou-se de Sverdlov e, em tom
pacífico, tal quais representantes do “velho poder”, começaram a queixar-se do novo poder local, dos
altos impostos, exigindo que os camponeses de Kursk pudessem realizar uma marcha autorizada até Moscou.
Por aquele tempo, a imprensa da Guarda Branca veio a retratar a conversação em tela de modo a
dar a entender que Sverdlov não
teria conhecido uma morte natural, mas sim que haveriam sido os camponeses os
que o teriam assassinado.
Efetivamente, esse encontro teve ligação com a morte de Sverdlov, só que, porém, em um sentido inteiramente
distinto.
Em minha opinião, Sverdlov adoentou-se precisamente durante essa conversação, mantida
com os camponeses da região de Kursk.
Uma vez que pretendia apenas transitar rapidamente de um vagão ao outro,
não vestiu - tal como cumpria fazer - nem mesmo o seu casaco forrado
corta-vento.
Nada obstante, permaneceu cerca de meia hora na plataforma, conversando
com esse grupo de camponeses.
Fazia ainda um frio muito intenso e ventava muito.
Em nossa chegada a Kharkov, Sverdlov foi recebido pelos companheiros Rakovsky, Podvoisky e outros.
Recepcionou-o também uma orquestra que tocava marchas militares.
Com ela, ficou, entretanto, completamente importunado, posto que não
gostava de pompas.
À sorrelfa, amaldiçoou essa veneração de “autoridade”.
Depois disso, avistei-me com Sverdlov tão
somente no Congresso do Partido Comunista da Ucrânia - Bolchevique (PCU-B).
Sverdlov exercia
a presidência congressual, ali em um cantinho, instruindo um companheiro
qualquer, junto àquela escadinha, exprimindo-se por meio de sussuros, compondo
a lista do futuro Comitê Central do Partido Comunista da
Ucrânia - Bolchevique (PCU-B).
O congresso em tela teve lugar no Prédio do Teatro de Kharkov.
Foi muito barulhento e encontrava-se repleto de pessoas.
Nele, confrontavam-se duas tendências : as assim denominadas Tendência de Esquerda e Tendência de Direita.
A Tendência de Esquerda
reivindicava a concessão fática de maior autonomia às organizações locais etc.
A Tendência de Direita
defendia uma linha mais centralista.
Além disso, entre ambas essas tendências, havia ainda outra divergência
sobre a Proteção da Ucrânia pela Margem
Direita ou a Proteção da Ucrânia pela Margem
Esquerda.
Uma exigia a declaração da cidade ucraniana de Kharkov como centro para a tomada de decisões, por estar
situada mais proximamente de Donbass.
Outra se posicionava em favor de Kiev.
As relações travadas, no seio do congresso ucraniano, entre a Tendência de Esquerda e a Tendência de Direita eram extremamente tensas.
A atmosfera geral do congresso era terrivelmente esgotante.
Havia tanto barulho que quase, durante uma hora inteira, não foi possível
acalmar as gritarias e desavenças, promovidas candentemente por ambas as alas
do congresso.
Caso não se registrasse na ocasião a presença de Sverdlov que, com sua voz única, resoluta e poderosa,
lograva impor silêncio a ambos os lados, é de se admitir que os participantes
do congresso passariam a fazer vibrar socos e pontapés entre si.
Tão somente em virtude de seu poder pessoal e de seu prestígio, enquanto
representante do centro, foi-lhe possível produzir, em uma circunstância tão
complicada como aquela, um equilíbrio ainda que precário, propondo a adoção de
decisões e acordos a serem implementados por ambos os lados.
Pode-se bem compreender que o mais complicado para Sverdlov resultou ser a prestação de
ajuda aos companheiros ucranianos, visando à formação do novo Comitê Central, em face das condições que haviam sido
engendradas.
Como se hoje fosse, recordo-me de Sverdlov, sentado naquela escadinha espiral que levava da
mesa da presidência do congresso a algum lugar lá embaixo, de onde
corajosamente trompeteava, segurando um pequeno pedacinho de papel.
Neste, bosquejou diferentes combinações para a composição do novo Comitê Central, mesclando ininterruptamente “esquerdistas” com “direitistas” e estes novamente com aqueles.
Quem a não ser Sverdlov era
capaz de habilmente combinar a composição de comitês e produzir unidade entre
diversidades ?
Obviamente, sempre agia assim, sem cálculos de ordem pessoal, com imenso
tato e proveito para a causa.
Quando retornamos a Moscou, já havia
nos jornais notícias sobre a fundação da Internacional Comunista (Komintern) e a realização de seu Primeiro Congresso.
Recordo-me de Sverdlov
sorrindo, ao empreender a leitura de um telegrama, redigido por oportunistas
estrangeiros e dirigido a Rakovsky, denominado
ali de “Governador da Ucrânia” que, sob a titulação de “chefe
dos bolcheviques”, recepcionou suas saudações.
Sverdlov regojizou-se
com a notícia da fundação da Internacional
Comunista (Komintern), expressando, porém, apenas, o seu lamento de que, durante os últimos
dois anos, não se havia logrado organizá-la como cumpria.
Recordou-se de que, já em 1917, Vladimir Ilitch Lenin propusera aos companheiros que interviessem a
favor da fundação de uma nova Internacional.
Nada obstante, muitos haviam ainda discordado da proposição de Lenin, naquela época.
“- Em vão, não deram ouvidos a Vladimir Ilitch.
Há muito tempo, já havia chegado a hora”, concluiu Sverdlov.
No caminho de volta, registrou-se ainda muito barulho em nosso vagão.
Vieram a sentar-se também junto a nós mais alguns companheiros: Sosnovsky, Latsis e outros.
Além disso, quadros profissionais locais que não ficaram sabendo antes da
vinda de Sverdlov ou
conseguido com ele avistar-se, em sua viagem de ida a Kharkov, apressaram-se a não perder a oportunidade de
fazê-lo, durante sua viagem de regresso a Moscou.
Em Orel, foi organizado
um ato público dos trabalhadores ferroviários, perto da estação de trem da
cidade.
O companheiro Volin que era
então Presidente do Comitê Executivo da Província de Orel veio pedir ainda a Sverdlov que interviesse na manifestação em tela.
No entanto, já se
sentia indisposto: sua febre começara, então, a manifestar-se.
Propôs que Sosnovsky interviesse
no ato, em seu nome.
Sem embargo, não se conteve e, dentro de poucos minutos, dirigiu-se,
pessoalmente, juntamente com Sosnovsky, ao ato público, onde discursou diante dos
trabalhadores e muito se entusiasmou por entrar, mais uma vez, em contato
direto com eles.
Ao retornar ao trem, encontrava-se já inteiramente afônico.
Não dedicando suficiente atenção a seu estado físico já notoriamente debilitado,
mergulhou novamente em seu trabalho, logo depois de ter chegado a Moscou.
Durante sua ausência, todo aquele seu trabalho havia-se acumulado ainda
muito mais do que de costume.
Entrementes, sua temperatura saltava, ininterruptamente, para cima.
Iniciava-se a infecção de seus pulmões.
Poucos dias depois, Sverdlov deixou
de existir.
EDITORA
DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. VINOGRADSKAYA,
POLINA SEMENOVNA. Poslednii Jiznenyi Reis Y. M. Sverdlova (Última Viagem em
Vida de J. M. Sverdlov), in : Yakov Mikhailovitch Sverdlov. Sbornik
Vospominanii i Statei (Jakob Mikhailovitch Sverdlov. Coletânea de Recordações e
Ensaios), ed. ISTPART : Otdel TS.K.R.K.P.(b.) po Izutcheniiu Istorii
Oktiabrskoi Revoliutsii i R.K.P.(b.), Leningrad : Gosudarstvennoe Izdatelstvo
Leningrad, 1926, pp. 184 e s.