Voltar à Primeira Parte –
Introdução do Capítulo III
Texto de Autoria de
Portau Schmidt von
Köln
A Enfermidade Gramsciana
no Movimento Trotskysta Contemporâneo
e nas Lutas de Emancipação do Proletariado
Polêmica Trotsky e Gramsci :
Gramsci e Trotsky
de Atualização, Correção
e Superação do Marxismo
(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)
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Em sua Luta sem Quartel contra Trotsky e a Revolução Permanente
“Porém, um
inimigo – seja ele sincero ou desonesto, seja ele vivo ou morto –
permanece sendo
um inimigo, máxime tratando-se
de um escritor, o
qual vive em suas obras, mesmo depois de sua morte.
Calando-nos a seu
respeito, cometemos um crime social.”
Cf. TROTSKY,
LÉON DAVIDOVITCH BRONSTEIN. In : Sotchinenia (Obras), Vol. XX : Kultura
Starovo Mira
(Cultura do Velho Mundo)(23 de Dezembro de
1900), Moscou-Leningrado : Gosud. Izd-vo, 1926, pp. 7 e s
Tal como antes ficou dito, o socialismo
alegórico do corrente século XXI que defluiu, mais diretamente, da
versão moderna do gramscismo meta-marxista - inimigo visceral e sibilino da Revolução
Permanente, defendida inflexivelmente já por Marx, já por Engels,
já por Lenin, já por Sverdlov, já por Trotsky
- possui suas mais tenras origens no filistinismo
do “livre pensar”.
Este último manifestou-se, densamente,
no quadro das lutas de emancipação do proletariado alemão, em verdade, muito
antes de que Gramsci pudesse formular sua idéia cerebrina de que a teoria da
Revolução
Permanente de Trotsky não havia sido boa nem quinze anos antes nem
quinze anos depois, pois “quando aveva quattro anni si voleva
stuprare la bambina sicuri che sarebbe diventata madre“, i.e. quando a
menina tinha quatro (4) ... quatro (4) ... quatro (4) ... quatro (4) ... anos
queriam-na estuprar, seguros que haveria de se tornar mãe.[1]
O filistinismo do “livre pensar” exprimiu-se
já, embrionariamente, nas fileiras dos revolucionários proletários, durante o
processo de fusão que pariu – como diz Engels - o Programa Podre de
Gotha de 1875, adotado no Congresso
Fundacional que
selou a aliança ideológico-programática entre os então existentes Partido
Social-Democrático dos Trabalhadores (SDAP), dirigido pelos
declaradamente “marxistas”, encabeçados por August Bebel e Wilhelm Liebknecht
– contando com 9.121 militantes - e a Associação Geral dos
Trabalhadores Alemães (ADAV), encabeçada pelos convictos lassalleanos Wilhelm
Hasselmann e Jean Baptist Schweitzer – dispondo de 15.322 militantes.
A seguir, foi aperfeiçoado gradativamente por Karl Kautsky, Eduard Bernstein,
Georg von Vollmar, Konrad Schmidt e seus colaboradores intelectuais ejusdem
generis a partir da década de 90 daquele mesmo século, surgindo como
fenômeno consolidado teórica, política, estratégica e taticamente nos primeiros
anos do século XX.
De todo modo, já na metade da década de 70 do século XIX
e em face das ciftras numérico-partidárias supra-indicadas, os declaradamente “marxistas”
August
Bebel e Wilhelm Liebknecht, nada mais faziam senão acalentar, piamente,
em seus corações “marxistas” o desejo de fusão, unificação, coalizão de toda a
classe trabalhadora alemã, sob a bandeira de um único só Partido, seja lá da
natureza que fosse, na medida em que a unidade, a todo transe, seria, custe o
que custasse, o fator mais importante.
Para o atingimento de tal aspiração de fundição de todas
as forças do proletariado alemão, os declaradamente “marxistas”, capitaneados
por
A. Bebel e W. Liebknecht, estavam dispostos a fazer concessões aos
lassalleanos – como efetivamente acabaram por fazê-las no quadro do Programa
Podre, redigido na cidade de Gotha - recebendo
em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca “um monte de reivindicações puramente
democráticas, bastantes confusas, entre as quais muitas eram coisas
genuinamente da moda...“[2]
O método de atuação ideológico-programática dos
declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht – agora convertidos, em
verdade, sob o impacto do lassalleanismo, em fiéis defensores
do filistinismo
do “livre pensar” - era, sem qualquer margem de dúvida, já naquela
época, i.e. em 1875 – portanto muito antes que os gramscianos meta-marxistas pensassem
em vir ao mundo – o método meta-marxista alegórico-socialista.
Vejamos, pois, disso um exemplo fático :
Diante da aparentemente inequívoca crítica de Karl
Marx relativa ao ponto relativo à Questão da Religião, contido no
esboço do Programa Podre que os declaradamente “marxistas” pretendiam, a
todo custo, fazer aprovar juntamente com os lassalleanos em Gotha,
diziam A. Bebel e W. Liebknecht que a questão da religião surgia, em
suma, para os “marxistas”, como uma questão privada, em cujo contexto
cumpriria defender, « exatamente », a ampla liberdade de consciência, i.e.
a permissão de cada um escolher livremente e particularmente no que quer acreditar.
Uma maior claridade sobre essa matéria, pode ser atingida
através da referência das seguintes fontes
:
Formulação contida no Programa Podre :
“ « PROGRAMA DE
GOTHA DO PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES DA ALEMANHA »
(...)
O Partido
Socialista dos Trabalhadores da Alemanha reivindica enquanto fundamentos do
Estado :
(...)
6. Declaração da
religião enquanto questão particular de cada um.”[3]
Palavras do comentário crítico redigido pela pena do
próprio Marx ao ponto 6 em destaque :
„Liberdade
de Consciência !“
Se se pretendeu com isso, nesse momento de Guerra Cultural, levar à mente do liberalismo
sua velha palavra chave, então isso poderia ter ocorrido apenas da seguinte
forma : Todos podem satisfazer tanto sua
necessidade religiosa como sua necessidade corporal sem que a Polícia meta o
nariz no meio.
Porém, o Partido
dos Trabalhadores deveria, pelo contrário, declarar, nessa ocasião, sua
convicção de que a “liberdade de
consciência” burguesa nada é
senão a tolerância de todas as espécies
possíveis de liberdade de
consciência religiosa, sendo que ele se esforça, muito mais, por libertar as consciências do fantasma
religioso.
Prefere-se, porém, não ultrapassar o nível “burguês”.[4]
Traduzida, meta-marxisticamente,
i.e. em sentido meta-marxista, a idéia acima formulada por Marx, i.e. expondo-a na
linguagem e concepção dos declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht, pais
do filistinismo
do “livre pensar”, teríamos, porém, o seguinte :
“Como já é sabido, Marx
escreve certo por linhas tortas, ao referir-se a questões filósificas e históricas ..., valendo-se, até mesmo, em alguns
casos, do idioma latino.
Daí, a necessidade da aplicação de anexim para a
compreensão de sua formulação acima : obscurum per obscuris, i.e. há que
explicar o obscuro pelo mais obscuro ainda.
Sabemos que Marx defende,
há muito tempo, o refrão que se tornou famoso : “A religião é o ópio do povo”.
Portanto ... portanto ..., portanto ..., portanto ..., no
texto de Marx, contido em sua crítica ao nosso Programa
de Unificação, quis ele dizer «
exatamente » que... que ... que ... que ... : devemos defender a mais ampla liberdade de ciência e consciência e que
cada um escolha acreditar no que bem lhe aprouver, sem que a Polícia meta o
nariz no meio.”
Algumas retraduções dessa linguagem meta-marxista
do filistinismo
do “livre pensar” feita por marxistas não meta-marxistas que
entenderam o excerto redigido por Marx de maneira distinta, i.e. em
conformidade com o socialismo científico, apresentam-se, porém, da seguinte
forma :
“Eu nem quero seguir falando que tais reivindicações como
: liberdade de ciência - liberdade de consciência figuram em todo e
qualquer programa burguês-liberal e aqui produzem o clima de alguma coisa
embusteira.”[5]
“(Wilhelm) Liebknecht está, naturalmente, furioso,
posto que toda a crítica foi cunhada, especialmente,
contra ele.
Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselmann,
pariu esse programa podre ...”[6]
“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...
Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira
indiferente frente à falta de
consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo
das crenças religiosas.
Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim
de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente
ideológicas e exclusivamente com armas
ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.
Porém, fundamos
nossa associação, entre outras coisas, precisamente para travar essa luta contra a estupidificação dos
trabalhadores.
Para nós, a luta
ideológica não é uma questão particular,
mas sim de todo o Partido, de todo o proletariado.”[7]
Eis aí porque o “marxismo criativo”, enquanto
rótulo do meta-marxismo gramsciano não pode ser considerado, a bem da
verdade, como propriamente original.
Preocupado em estudar as raízes do filistinismo
do “livre pensar” – fonte de todo o meta-marxismo gramsciano
contemporâneo, produzido pelos declaradamente “marxistas” -, Lenin recomenda-nos
examinar detidamente a história do Partido Social-Democrático Alemão,
começando com as declarações evasivas, contidas nos artigos de seus líderes
ideológicos, terminando com a postura do Partido frente ao “Los-von-Kirche-Bewegung(Movimento
de Abandono da Igreja)”.[8]
Nesse sentido,
esclarece Lenin, com sua costumeira precisão e nitidez :
“Outra observação incidental de Engels, também relacionada com a questão do Estado, trata da religião.
É sabido que a Social-Democracia
Alemã na medida em que se degenerava, tornando-se cada vez mais oportunista,
descambava, mais e mais, para o diz-que-diz filistino da célebre fórmula : « Declaração da Religião como Questão
Privada. »
Isso significa que : essa fórmula foi interpretada de tal
modo que também para o Partido do Proletariado Revolucionário a
questão da religião haveria de ser uma questão
privada !
Contra essa mais
completa traição do programa revolucionário do proletariado, levantou-se Engels em 1891, contemplando, então,
apenas os mais poucos perceptíveis
rudimentos do oportunismo no interior de seu próprio Partido,
expressando-se, por essa razão, com grande cautela :
“Tendo em conta que, na Comuna de Paris, sessionavam
quase apenas trabalhadores ou reconhecidos representantes dos trabalhadores,
suas resoluções revestiam-se de caráter decididamente proletário.
Ou decretavam reformas que a burguesia republicana,
apenas devido à sua covardia, havia deixado de aprovar que constituíam, porém,
um fundamento necessário para a livre ação da classe trabalhadora – tal como a
execução do princípio de que a religião
é pura questão particular em relação
ao Estado ; ou, então, promulgavam resoluções que correspondiam diretamente
ao interesse da classe trabalhadora e, em parte, dilaceravam, profundamente, a
velha ordem social.”[9]
Engels enfatizou deliberadamente as palavras “em relação ao Estado” de modo a dar um empurrão direto no oportunismo alemão que declarara a
religião como uma questão particular em
relação ao Partido, degradando, assim, o Partido do Proletariado Revolucionário até ao nível mais vulgar do filistinismo do “livre pensar” que se
encontra preparado a admitir um status não-religioso, recusando-se, porém, a
travar a luta do Partido contra o ópio da religião que estupidifica o povo.”[10]
Eis aí como Lenin
revela, de modo não meta-marxista, o sentido e
significado do pensamento de Marx, destacando que,
particularmente no domínio da Questão da Religião, o filistinismo do
“livre pensar” encontra-se preparado a admitir um status não religioso, i.e.
uma posição liberal em relação à religião, uma postura de defesa da liberdade de
religião, tanto em relação ao Estado, quanto em relação Partido
marxista-revolucionário.
O filistinismo
do “livre pensar” – desenvolvido, na Alemanha,
embrionariamente, por A. Bebel e W. Liebknecht, em meados da
década de 70 do século XIX e aperfeiçoado por K. Kautsky et alii, a
partir da década de 90 daquele mesmo século, sob a designação de “marxismo”,
negou-se, por outro lado, a considerar a religião muito mais como uma questão não-privada dos indivíduos
em face do Partido marxista-revolucionário, desarmando, assim, a luta em prol
da mais importante defesa da liberdade da religião – i.e. a
liberdade de consciência frente à religião -, i.e. da luta a
ser travada em prol da libertação das consciências frente ao fantasma
religioso, frente à estupidificação dos trabalhadores, frente às
trevas ou, ainda, frente ao obscurantismo, expressados no modo das
crenças religiosas.
Acreditavam,
assim, em estilo meta-marxista, que Marx, entrevendo a necessidade
histórica de superar-se o princípio ainda feudal do cujus regio, ejus religio, i.e.
a religião é de quem é a região, houvera propugnado, incondicionalmente, muito
mais - tal como Descartes, Spinoza, Hobbes, Kant et alii -,
a liberdade de religião, a liberdade de cada um satisfazer tanto sua
necessidade religiosa como sua necessidade fisiológica, sem que a Polícia meta
o seu bedelho no meio, a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de
consciência religiosa, o que surge mais bem expressado, sinteticamente, na
fórmula meta-marxista : os “marxistas” defendem ..., defendem ..., defendem ..., defendem a mais integral
separação entre o Estado e a Igreja, pois isso é o mais importante, sendo que o
resto é que cada um deve ter a liberdade de escolher aquilo em que bem quiser
acreditar.
Na Rússia
Czarista, até mesmo os adeptos de Plekhanov e de Martov, i.e. os mencheviques - i.e. não apenas os bolcheviques - que acolheram o Programa do Partido
Social-Democrático Russo (POSDR) de 1903, julgavam ser correto defender,
pública
e programaticamente, não apenas a mais total separação entre o Estado e
a Igreja, senão também a “confiscação da propriedade e da posse dos
mosteiros e da Igreja”[11].
E, apesar de tudo isso, Lenin possuiu a perspicácia
necessária para destacar, em seu Socialismo
e Religião, redigido em 1905 – quando
o Estado
Czarista ainda era essencialmente religioso e nem sequer essencialmente
burguês-liberal o seguinte :
“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...
Essa associação não pode e não deve posicionar-se de
maneira indiferente frente à falta
de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no
modo das crenças religiosas.
Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim
de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente
ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com
as nossas palavras.”[12]
Defendendo posição
diametralmente oposta a de Marx, Engels e Lenin, o filistinismo
do “livre pensar” defendera, invariavelmente, desde a década de 70 do
século XIX, que os verdadeiros “marxistas”,
no estilo de A. Bebel e W. Liebknecht, haveriam de declarar, pelo contrário,
em face da religião, em “rigorosa conformidade” com o
pensamento de Marx, muito mais, o seguinte :
“Non olet religio
quae est tamen opiu populi !”
Assim procedendo,
limitavam a propaganda marxista anti-religiosa unicamente a declaração de que a
religião
é o ópio do povo, mas que não cheira à retrete pública do
Imperador Vespasiano, não avançando, portanto, além das concepções
propugnadas primitivamente já nos tempos longínguos de Seneca, para quem post
mortem nihil est, i.e. depois da morte não nada, ou mesmo nos de Statius
- para quem já estava
inteiramente claro que primus in orbe deos fecit timor, i.e.
foi o temor que primeiro fez os deuses.[13]
A defesa da liberdade de religião teve uma
tonalidade mais significativa na luta contra os Estados Religiosos - como
foi a Rússia Czarista até 1917 - ou, tem ainda, no curso dos nossos
dias, na luta pela laicização de Estados, tais quais os da África do Norte e do
Oriente Médio.
Mas, no quadro da maioria dos Estados Burgueses “de Direito” ocidentais,
desde o século XIX, mais precisamente desde Marx, esse não é o ponto
absolutamente central para o marxismo revolucionário, apesar dos resquícios que
ficaram aqui e ali da velha fusão existente entre Igreja e Estado, seja na
Europa, sejam nas Américas, seja na maioria dos países capitalistas de todo o
mundo.
A consigna de defesa da separação entre Estado e Igreja e da
“confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja” não colocou absolutamente um ponto final no posicionamento de Marx
sobre o tema, sendo indevido, pois, acreditar que, a partir de suas obras, seja
possível, de alguma forma, extrair alguma declaração de defesa de ampla
liberdade de consciência e que cada um escolha no que quiser acreditar ou não,
seja na religião, seja na areligiosidade, seja no ocultismo, seja no ateísmo.
Em particular no que tange aos partidos marxistas-revolucionários
que travam sua luta contra a dominação capitalista burguesa-latifundiária,
assegurada pelos Estados burgueses monárquicos ou republicanos, liberais, sociais e
neo-liberais, devem fazê-lo não apenas nos domínios econômico e
político, senão também no ideológico e no organizativo, programático e
estatutário.
Sobretudo para esses partidos, a questão da democracia burguesa tem
como calcanhar
de Aquiles, pedra de toque,
ponto essencial, as tão veneradas “liberdade de consciência”, “liberdade
religiosa”, “liberdade de ciência” e outras tantas liberdades
ancoradas, nos dias de hoje, em praticamente todos os programas e constituições
burguesas-liberais.
Sem compreender a precisa posição de Karl Marx acima enunciada
relativamente à questão religiosa um partido marxista-revolucionário moderno
possui poucas chances de superar os limites democrático-burgueses.
Esse foi mais um dos grandes méritos do Partido Bolchevique,
encabeçado por Lenin, Sverdlov e Trotsky, qual seja o de travar uma luta
rigorosamente marxista seja no domínio ideológico e seja no domínio
programático, razão pela qual Lenin, precisamente em agosto
de 1917, i.e. sob os auspícios de uma forma política democrática
de um Estado Burguês-Latifundiário Republicano destacou, precisamente
:
“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...
Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira
indiferente frente à falta de
consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo
das crenças religiosas.
Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim
de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente
ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com
as nossas palavras.”[14]
Sem essa última - tal como o passado demonstra – máxime no caso dos “marxistas”
da Social-Democracia Alemã –
a tendência é a de os Partidos Revolucionários do Proletariado crescerem,
sobejarem, incharem, medrarem, na mesma medida em que vão se degenerando,
decompondo, estragando, cadaverizando, se nada for feito evidentemente para a
correção de simples erros que, de início, surgem como equívocos e
mal-entendidos.
Com efeito, os marxistas revolucionários não são os que projetam seus
próprios conceitos subjetivos e valores ideológicos no trato das concepções
redigidas e defendidas por Marx e Engels, declarando-as, após
interpretação efetuada segundo a conveniência particular de seu “livre
pensar”, como se expressões do marxismo ou de “marxismos” fossem, no
estilo quisquis amat cervam, cervam putat esse Minervam, i.e. quem uma
cerva ama, julga que essa cerva seja Minerva, deusa das ciências e da
artes.
Marxistas revolucionários são esses que, através do atento estudo das obras
de Marx
e Engels, nelas refletem, com adequatio intellectus et rei, dispondo-se
a operar de modo histórico-dialético na realidade de seu tempo com o método de Marx
e Engels, tal como um guia para a ação (Anleitung
zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática não de
colaboração de classes no estilo stalinista, stalinista-gramsciano ou
gramsciano-meta-marxista, com prostração diante da dominação burguesa e
latifundiária, mas de organização, mobilização e luta permanente, independente
e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica
do proletariado[15].
Assim,
a compreensão do marxismo pelos marxistas revolucionários de um determinado
tempo em causa implica, pois – em inteira divergência relativamente ao modo de
enfoque e de proceder dos adeptos do gramscismo meta-marxista - ,
elaboração de intervenção militante-revolucionária nas lutas de emancipação do
proletariado, fundada não apenas nas próprias lições obtidas por meio de
experiências multifacetadas, obtidas a partir de suas próprias experiências
práticas do dia a dia corrente, senão ainda fundamentada nas posições teóricas,
no programa político e no método de atividade revolucionária daqueles que
lançaram as bases do socialismo científico, i.e. Marx
e Engels, e dos que foram os seus melhores representantes nos grandes
processos revolucionários de libertação de toda a classe trabalhadora e seus
aliados políticos, tais quais Lenin, Sverdlov, Trotsky, Liebknecht e
Luxemburgo, rumo à construção de uma sociedade sem classes e sem
Estado, i.e. do comunismo, fase superior do socialismo.
Eis aí um traço diferenciador claro e marcante que serve ao
reconhecimento de Partidos marxistas-revolucionários, i.e. defensores da herança
de luta proletária e do método revolucionário mais legítimo dos fundadores do socialismo
científico, em contraste com os Partidos prosélitos, com os
Partidos apóstatas, desafeitos aberta ou veladamente ao rigor disciplinar da dialética
histórico-materialista e as precisas exigências do socialismo científico.
O socialismo alegórico
gramsciano-meta-marxista de nosso corrente século XXI é um renovo dos trotskystas-gramscianos
e gramsciófilos que foram procriados pelos meta-marxistas gramscianos que
nasceram dos stalinistas-maoístas gramscianos, gerados pelos neo-stalinistas
gramscianos-reciclados cuja origem é a ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista
de Gramsci,
que dimanou das diversas mutações histórico-ideológicas do filistinismo
do “livre pensar”.
Não constituem todas essas
vertentes, defluentes do filistinismo do “livre pensar”,
absolutamente, uma corrente gnoseológica única e solitária, mas sim são
distintas correntes que
conformam uma única substância, força e poder, i.e. sed unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis.
Dessa sorte, muitos anos cumpriu
esperar para que viessem ao mundo as seguintes frases manifestamente meta-marxistas
de Gramsci, expressões do processo de refundição, reciclagem,
refinamento e retratamento pelo qual passou a obra de Marx, Engels e Lenin, com
objetivo de produzir, adrede, um freio ideológico inteiramente renovado,
destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletários
internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, i.e.
leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto
forma de transição a uma sociedade sem classes e sem Estado :
“[Internazionalismo
e Politica Nazionale.] …
Sobre esse ponto,
parece-me assentar o dissídio fundamental entre León Davidovitch (i.e. Trotsky) e Vessarione (i.e. Stalin), como intérprete do movimento majoritário.
As acusações de
nacionalismo (i.e. formuladas por Trotsky
contra Stalin) são ociosas, se se
referem ao núcleo da questão. (...)
O conceito de hegemonia
é aquele no qual se enfeixam as exigências de caráter nacional e se compreende
o modo segundo o qual certas tendências de tal conceito não falam ou apenas o
desfloram.
Uma classe de
caráter internacional, enquanto dirige estratos sociais estreitamente nacionais
(intelectuais) e, freqüentemente, até menos ainda do que nacionais,
particularistas e municipalistas (os camponeses), deve “nacionalizar-se”, em um
certo sentido, e esse sentido não é, entretanto, mais estreito porque, antes de
que se formem as condições de uma economia segundo um plano mundial, é
necessário atravessar múltiplas fases, nas quais as combinações regionais (de
grupos de nações) possam ser variadas.
Contudo, não se
deve jamais esquecer que o desenvolvimento histórico segue as leis da
necessidade até que a iniciativa não tenha claramente passado da parte das
forças que tensionam à construção segundo um plano de divisão pacífica e
solidária do trabalho.
Que os conceitos
não nacionais (i.e. não referíveis a nenhum país singular) sejam errôneos vê-se
pelo seguinte absurdo : eles conduziram à passividade e à inércia, em duas
fases bem distintas : 1) na primeira fase, ninguém acreditava ter de começar,
i.e. considerava que começando encontrar-se-ia isolado; 2) a segunda fase é
talvez pior, porque se espera uma forma de “napoleonismo” anacrônico e
anti-natural (posto que nem todas as fases históricas se repetem da mesma
forma).
As fraquezas
teóricas dessa forma moderna do velho mecanicismo encontram-se mascaradas pela teoria geral da revolução
permanente que outra coisa não é senão uma previsão genérica, apresentada
como dogma e que se destrói por si mesma pelo fato de que não se manifesta
efetivamente.”[16]
Ignorando, consciente ou
inconscientemente, a gênese, o significado e o sentido mais essenciais do gramscismo
meta-marxista - sendo que, tal como Tácito assinala, omne
ignotum pro magnifico est, i.e. tudo o que se ignora é tido por
magnífico -, emerge estreitamente aliado às posições trotskystas-gramscianas
de Álvaro Bianchi, também Ruy Braga, membro do
conselho editorial e secretário de redação da Revista Outubro, pesquisador
do “Centro de Estudos Marxistas (CEMARX)” da Universidade de Campinas, no
Brasil, e Professor da Universidade de São Paulo.
Em obra cujo lançamento foi organizado
por Osvaldo Coggiola, Papa insuperável do “trotskysmo gramsciano”
da América Latina, Braga contempla, no conceito de “Revolução
Passiva” de Gramsci uma verdadeira maravilha teórica e dedica-se
a explorar sua validade interpretativa não apenas para o caso do “capitalismo,
em seu período contra-revolucionário (sic)”, senão ainda para a análise
da degeneração da Revolução Bolchevique.
Aproximando-se, então, dos
posicionamentos teóricos, esposados pelo mencionado koryphaios trotskysta-gramsciano
utriusque, Ruy Braga, em seu artigo intitulado “Risorgimento,
Fascismo e Americanismo : a Dialética da Passivização”, assinala, de
modo inteiramente embriagado pelo fascínio incorrompidamente idealista-subjetivista
gramsciano :
“A revolução passiva seria, também, uma resposta
precisa às questões ligadas aos grandes materiais históricos representados pela
Revolução Bolchevique, assim como, a derrota do movimento revolucionário nos
países imperialistas e a afirmação de uma solução organicamente capitalista
para a crise gerada pelos grandes embates entre as classes nas primeiras
décadas do século.”[17]
Braga devota-se, então, à
questão da “Revolução Passiva” de Gramsci procurando
demonstrar ao leitor o que é possível obter-se de positivo com o reconhecimento
histórico generalizado desse conceito surpreendemente metafísico e
fantasmagórico, onde, simplesmente enquanto “critério de interpretação
histórica (conteúdo universal) (sic)”, Gramsci pretende
alucinadamente demonstrar como, em processos dialético-restauracionistas, a
tese envolveria, incorporaria, engajaria a antítese, i.e. o governo
conservador-moderado envolveria as forças antitéticas radicais-revolucionárias,
impedindo rupturas espetaculares e traumas históricos.
Assim, conclui Ruy Braga,
já plenamente rendido à lógica dialética essencialmente idealista-subjetivista
de Gramsci :
“De modo como encontra-se
desenvolvido ao longo dos Cadernos, o conceito de
revolução passiva, além de expressar um programa
de ação política das classes dominantes, criticado por Gramsci, constitui-se em critério de interpretação totalizante e
repleto de possibilidades enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de
investigação da realidade, unificando análise histórica e política.
Em Gramsci, temos que a leitura croceana da dialética como relação entre distintos
e não entre contrários, supõe que, no
movimento histórico, a tese, longe de ser superada, é conservada por uma
antítese fragmentada, dando lugar a um movimento
previsível nos termos de uma repetição mecânica e pré-fixada.
A antítese não é
mais antagônica, visto que surge através de
uma evolução da tese, mas sim o conjunto desconexo de acontecimentos moleculares
múltiplos.
O presente passa a ser visto, segundo a concepção
pós-hegeliana de Croce, como uma determinada repetição
ampliada do passado, a inovação não é algo além do que um tipo de conservação
reformista.” [18]
Eis, portanto, como a lógica
dialética de Gramsci, projetada em seu conceito de “Revolução Passiva” superou a dialética
histórico-marxista de Marx e Engels, constituindo-se
em “critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades
enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de investigação da
realidade, unificando análise histórica e política.”
E, com razão, dirão os
Sträublinge em sinfonia : tendo
obtido um novo “critério de interpretação totalizante e repleto
de possibilidades”, Gramsci concebeu, nos Cadernos -
ora, pois ! – que, no movimento histórico, a tese, longe de ser superada, pode
ser conservada por uma antítese fragmentada, de tal sorte que a antítese pode
deixar de ser antagônica – apesar de não deixar de ser antitética -, se surgir
precisamente de um processo evolutivo, não rupturista, quando passa a ser,
então, um conjunto desconexo de acontecimentos moleculares múltiplos.
É isso mesmo ... ! Em
todos esses casos gerais, o que vai ser superado não é a tese ...,
não é a tese ..., não é a tese ... Não, não é a tese ... : o que
vai resultar superado é efetivamente o marxismo revolucionário ..., com essa
sua dialética histórico-materialista das antíteses não-fragmentárias,
juntamente com a dialética dos antagonismos conexos de acontecimentos moleculares
unificados ...
Como se vê, Gramsci superou tudo isso e descobriu que a antítese
pode ser um conjunto desconexo, deixando de ser antagônica, para ser
molecularmente múltipla.
E isso pode ser historicamente
comprovado ... , historicamente comprovado ..., historicamente comprovado...,
historicamente comprovado ..., se ... se
... se ... se analisarmos justamente os casos da “Revolução Passiva” Gramsciana...
Pois, nos casos em que
empregamos o “critério de interpretação histórica (conteúdo universal) (sic)” da “Revolução Passiva” Gramsciana, o
resultado é o de que a tese não é superada pela antítese antagônica, mas sim
que o marxismo revolucionário com essa sua dialética histórico-materialista da antítese
antagônico-conexa, molecularmente única, é que é superado.
Se quisermos dizer
isso, na leitura croceana pós-hegeliana da coisa toda, diremos
que, na “Dialética da Passivização” – sim, pois a
dialética aqui é evidentemente uma outra, i.e. a dialética de o “Outro Gramsci” – tese insuperada e
antítese molecular fragmentariamente desconexa
não são contrárias : são distintas, por não serem nem antagônicas, nem
contraditórias, nem de fato historicamente materialistas.
Sufragando as posições do trotskysmo
gramscista-luckásiano – como se possível fosse coerentemente conciliar a
perspectiva
revolucionária trotskysta com o stalinismo reciclado de Gramsci e Lukács -
encontraremos, no interior do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado do Brasil), ainda a figura de relevo de um dos principais
porta-vozes dessa organização partidária, Valerio Arcary, publicamente
anunciado como Historiador, Professor do Centro Federal de Educação
Tecnológica de São Paulo, Doutor em História pela Universidade de São Paulo e
assíduo membro colaborador da Revista Outubro.
Urdida, no domínio intelectual universitário-burguês, a
estranha simbiose de raízes trotskystas, vindas de meios
extra-escolásticos, com as premissas intelectuais escolásticas do gramscismo
stalinista-reciclado, sob a batuta da professora livre-docente Zilda
Iokoi, especialista em elaborações ideológicas referentes à perspectiva
de um socialismo cristão – inspirados por José Carlos Mariátegui, o assim
denominado ”Gramsci latino-americano”, e pela suposta “ação
libertária das Pastorais da Terra e do Movimento Sem Terra” -, penetrou
o projeto de um novo trotskysmo gramscista-luckásiano,
pela destacada capacidade retórico-sofística de Arcary, nas fileiras das
organizações jornalísticas, partidárias e sindicais, dirigidas pelo PSTU,
de modo a praticamente a neutralizar o potencial de produção
intelectual-revolucionário, de matiz essencialmente trotskysta, que possuía
toda uma geração de revolucionários, no curso dos anos 80 e 90.[19]
Cumpre registrar a absorção das posições gramscianas e
luckásianas por Arcary, em sentido lógico-doutrinário, de
maneira mais ostensiva, apenas a partir de 2000, como decorrência de sua
recepção – ocorrida em meios essencialmente acadêmico-universitários - de posicionamentos
especulativamente semi-fantasmagóricos, defendidos por intelectuais de renome
do stalinismo
reciclado europeu, na forma moderna do gramscismo korsch-luckásiano
cuja linha diretriz paradigmática pode ser entrevista nas produções do
historiador e sociólogo Perry Anderson, editor da New
Left Review (Revista da Nova Esquerda).
Anderson é
também reconhecido por Arcary, em diversos de seus raciocínios,
como referência de ideologia significativamente revolucionária.
Como
é bem sabido, Perry Anderson é conhecido mundialmente pela
difusão, desde longa data, do gramscismo luckásiano, energicamente
hostil ao trotskysmo revolucionário.
Nas
páginas da New Left Review
(Revista da Nova Esquerda) de Perry Anderson, encontraremos o próprio cinismo de Luckács,
inimigo visceral do trotskysmo revolucionário, sendo interrogado
hipocritamente por Perry Anderson, sobre suas visões de
reciclagem do stalinismo, na pespectiva korsch-gramsciana[20] :
“Nos anos 20, Korsch,
Gramsci e eu tentamos agarrar, segundo os nossos modos distintos, o
problema da necessidade social e sua interpretação mecanicista, herança da II
Internacional.
Herdamos esse problema, porém
nenhum de nós – nem mesmo Gramsci que foi talvez o melhor de nós todos –
pôde o resolver ...
Estou trabalhando agora em meu
livro “Ontologia do Ser Social” que espero poderá resolver os
problemas que foram postulados, de modo inteiramente errado, em um de meus
primeiros trabalhos, em particular “História e Consciência de Classe”.
(p. 51) ....
Fui, porém, introduzido a Lenin
por Lunatcharsky.
Lenin encantou-me por completo.
Também tive, naturalmente, a
possibilidade de vê-lo trabalhar nas comissões do Congresso (SvK.: III
Congresso da Internacional Comunista, em Moscou).
Devo dizer que achei os outros líderes
bolcheviques antipáticos.
Trotsky, repudiei imediatamente.
Entendi que era um fanfarrão
exibicionista.
Sabe, existe uma passagem de Lenin
nas memórias de Gorki
onde Lenin, após a Revolução, embora reconhecendo
as realizações organizativas de Trotsky, no curso da Guerra
Civil, afirma que Trotsky possuía algo de Ferdinand
Lassalle. ...
Não posso me recordar
absolutamente do próprio Stalin, no Congresso.
Como muitos outros comunistas
estrangeiros, não possuía nenhuma consciência sobre a sua importância no
interior do Partido Russo.(pp. 54 e 55).”[21]
É
precisamente a esses ídolos decaídos do stalinismo reciclado, Gramsci,
Lukács et alii, defensores de uma forma de reciclagem de
stalinismo, abertamente hostil ao trotskysmo revolucionário,
que Arcary se prosta, lamentavelmente, em tom de reverência
espiritual-ideológica.
Não
satisfeito com o fato de o próprio Lukács ter afirmado – como
vimos acima – que, em sua própria obra “História e Consciência de
Classe”, os problemas concernentes à necessidade social e sua
interpretação mecanicista “foram postulados de modo inteiramente errado” –
pois Lukács, nessa obra, atinge as raias de um subjetivismo
idealista-voluntarista na abordagem dessa questão -, procura
Arcary, em seu afã de conciliar trotskysmo com gramscismo
lukácsiano, salvar Lukács, naquilo que o próprio Lukács
condenou em si próprio, como erros por ele mesmo perpetrados :
“Sobre o tema da desumanização
e consciência de classe, uma das obras de referência no marxismo clássico foi História
e Consciência de Classe, hoje muito desvalorizada pelo entusiasmo com
que defende o protagonismo do proletariado.
Ocorre que, nesse texto, Lukács
sistematiza de forma irretocável, algumas conclusões teóricas
sobre as contradições entre a existência enquanto classe, e a formação da
consciência de classe que permanecem até hoje, para o fundamental
insuperáveis.”[22]
No
mesmo diapasão, ressalta Arcary:
“Se o paradigma lukácsiano
do marxismo como método e não como dogma continua de pé (ou deveria), as possibilidades
teóricas, de uma visão do ângulo de “totalidade”, são certamente menores que o
entusiasmo político dos anos imediatamente posteriores à revolução russa,
apoiado nas premissas de um crescente protagonismo proletário, nos países
centrais faziam supor. Mas sempre vale a pena renovar o desafio.”[23]
E,
adverte, em tom de filiação ideológica :
“A referência clássica para
a discussão sobre ideologia e consciência de classe é o trabalho de Lukács de
1922, que mais pelas suas virtudes do que pelas suas limitações, foi
severamente criticado, até por ele mesmo, com amargura, como se pode
conferir nesta passagem do prefácio de 1967, como sendo uma ideologização
hegeliana do proletariado, e portanto uma concessão a uma visão “finalista” da
História.
Quarenta e cinco anos depois,
sob o impacto de mais de duas décadas de relativa passividade e pacto social no
Ocidente, o velho Lukács iria admitir que talvez a sua obra de maior
significado teórico, estivesse prenhe de uma visão teleológica do
protagonismo do proletariado.
Talvez, por outro lado, o intervalo histórico, para uma
avaliação definitiva, ainda seja demasiadamente curto.”[24]
E
clamando pelos “grandes” ensinamentos ideologizantes de Lukács
- esse velho stalinista reciclado, inimigo irreconciliável do trotskysmo
revolucionário -, arremata Arcary, apologeticamente, em tom de
censura a supostas “fortes propensões objetivistas” dos marxistas
revolucionários :
“Resumo da ópera: o impressionismo
em relação às derrotas, é, em geral, fruto de uma análise pouco dialética. A
seguir, o trecho de Lukács:
“Não pode haver marxistas no
sentido da objetividade do laboratório, do mesmo modo que tampouco pode
existir uma seguraça da vitória da revolução mundial com a garantia das “leis
naturais”.”[25]
Arcary
esforça-se por construir uma combinação eclética e nauseabunda de trotskysmo
e gramscismo, tolerante, compreensivo e até mesmo solidário, seja com
as posições inteiramente stalisnistas-recicladas de Lukács, seja
com as posições de outros paredros do reformismo social e da traição à
causa da emancipação do proletariado.
Todos
estes surgem indevidamente nivelados nas mãos de Arcary - que os trata, em sentido retórico-literário,
como se simples “interlocutores mútuos” fossem, por seus supostos
“talentos e dons extraordinários”, superiores ao “horizonte
mais imediato de sua geração” - a autênticos revolucionários marxistas
que deram suas vidas à causa da Revolução Proletária Mundial :
“Os homens pensam e agem dentro
de uma totalidade, que é o meio e o tempo histórico em que vivem e atuam, mas
alguns, pelos seus talentos e dons extraordinários, se elevam acima
do horizonte mais imediato de sua geração, e portanto, das pressões mais
imediatas nas quais estão inseridos.
Esses homens e mulheres, Bernstein,
Kautsky, Rosa, Lenin, Trotsky, Bukharin, Paul Levy, Lukács e Gramsci, entre
outros, foram gigantes do seu tempo, foram interlocutores mútuos e se
influenciaram reciprocamente, mesmo quando se afastavam e polemizavam
duramente entre si.”[26]
Ignorando,
essencialmente, o sentido e significado revolucionários do socialismo
científico de Marx e Engels e depreciando-o até mesmo em
sua importância histórico-revolucionária, Arcary cerra fileiras
com os habitantes do pântano gramsciano e luckásiano que
desprezam as palavras de Marx de que o socialismo
científico é uma expressão por ele perfeitamente utilizada “em
oposição ao socialismo utópico que pretende impingir novas quimeras ao povo, em
vez de limitar sua ciência ao conhecimento do movimento social, realizado pelo
próprio povo.”[27]
Nesse
sentido, argumenta Arcary, da seguinte forma, inteiramente
solerte:
“A
fórmula do socialismo científico soa, no entanto, envelhecida ou até irritativa
nesse final de século.
Essa
discussão tem uma história, também no interior do marxismo, que remonta aos
esforços de Engels, depois da morte de Marx, de demonstrar que a
dialética materialista seria o instrumento teórico-lógico, que permitiria explicar,
de forma mais apropriada, os fenômenos que governam, tanto as transformações da
natureza, quanto na sociedade, e, por essa via, afirmar a condição científica
do marxismo.
A crítica
aos esforços de Engels, uma velha discussão filosófico-histórica, afirma
que ele teria diminuido a especificidade da operação da dialética na história,
no seu esforço de defesa do materialismo. E teria, assim, escorregado para excessos
deterministas, e para uma leitura evolucionista do progresso.
Se a
diferença metodológica entre essas obras filosóficas de Engels e a
aproximação de Marx à questão são somente matizes ou não, é uma questão
muito discutida.
A esse
propósito, transcrevemos um fragmento de Ricardo Musse, que relocaliza
bem o marco da preocupação de Engels, e explica as razões dos seus “excessos”
cientificistas :
“A adoção,
por Engels, de uma dialética uniforme, abrange o suficiente para
compreender seja o andamento histórico seja o processo natural, não
chamou tanto a atenção quanto a novidade da atribuição da natureza como
“pedra de toque” da dialética, em torno da qual concentrou-se, em grande
parte, o debate na geração de Korsch e Lukács. ...
O
prestígio, crescente e incontestado, dessas ciências prestava-se tanto a
reativações da insepulta filosofia da natureza, à maneira do sistema
filosófico de Dühring, quanto à disseminação de variantes do materialismo
francês do século XVIII, tarefa empreendida na Alemanha por Büchner,
Voigt, Moleschott & Cia. ...
Para demonstrar a veracidade e a universalidade
de tais “leis”, Engels, dado o caráter indutivo-dedutivo do seu empreendimento,
optou pela via de um acompanhamento exaustivo, isto é, pelo procedimento
infindável de decifração caso a caso das mais importantes descobertas da
ciência em seu tempo.(Musse, Ricardo).”[28]
Salta
aos olhos como, em todo esse debate, sobre o “envelhecimento e
irritabilidade” da fórmula do socialismo científico por causa dos “esforços
de Engels, depois da morte de Marx”, de demonstrar a
dialética materialista tanto nas transformações da natureza quanto na
sociedade, afirmando, assim, a condição científica do marxismo, Arcary
não encontre palavras para destacar que Marx – antes mesmo de sua própria
morte - , dirigindo-se Moritz Kaufmann, não poupou seu latim
para destacar que :
“Por correio, enviar-lhe-ei igualmente - caso o Sr. dele já
não disponha - um novo escrito de meu
amigo Engels, intitulado "A
Subversão da Ciência do Sr. Eugen Dühring", escrito
esse muito importante para a uma correta apreciação do socialismo
alemão.”[29]
Para
Marx, toda a leitura da dialética da natureza de Engels e
de sua polêmica contra a filosofia da natureza de Dühring era “muito
importante para a correta apreciação do socialismo alemão”.
Para
os gramscianos, para os luckásianos e para Arcary, “a
fórmula do socialismo científico soa envelhecida ou até irritativa”, pelo
que procura, sofregamente, à maneira gramsciano-luckásiana, encontrar as razões
históricas desse fênomeno senil-irritativo.
Provas adicionais do surgimento desse seu perfil
gnosiologicamente eclético, são-nos apresentadas por Arcary, em
seu artigo, intitulado “A Polêmica sobre a « Ausência » do Proletariado e
a Atualidade da Estratégia Revolucionária », de fevereiro de 2002.
Aqui, assinala, em aberta tentativa de tornar
discretamente admissível o perfil subjetivista-idealista de Gramsci,
no seio das concepções marxistas-engelsianas, rigorosamente
dialético-materialistas, o seguinte
:
“Quanto à
possibilidade histórica de que se desenvolvam nos porões do capitalismo
elementos de um modo de produção socialista, e as correspondentes hipóteses
gradualistas de uma transição sem ruptura e luta armada, a tradição marxista se
dividiu no último século em distintas opiniões. Acerca deste tema compartilhamos
a mesma tradição que Anderson reivindica no fragmento a seguir, colocando a
polêmica sob uma óptica histórica:
« O advento político de uma situação de duplo poder, acompanhada pelo início de
uma crise econômica, não permite uma resolução gradual. Quando a unidade do
Estado Burguês e a reprodução da economia capitalista se quebram, o tremor
social subseqüente deve opor, rápida e fatalmente, revolução e contra-revolução
em uma violenta convulsão. Em um tal conflito, o capital sempre disporá de uma
base de massas, maior do que um punhado de monopolistas (...). O capitalismo
não triunfou em nenhum país avançado do mundo atual (Inglaterra, França,
Alemanha, Itália, Japão ou Estados Unidos), sem um conflito armado ou uma
guerra civil. A transição econômica do feudalismo ao capitalismo é, sem
embargo, a transição de uma forma de propriedade privada a outra. É imaginável
que uma mudança histórica muito maior, implícita na transição da propriedade
privada à coletiva, que precisa de medidas mais drásticas para a expropriação
do poder e da riqueza, assuma formas políticas menos duras? (...) A tradição
a que pertencem essas concepções é, falando em termos gerais, a de Lenin e
Trotsky, Luxemburgo e Gramsci. (grifo do próprio Arcary.)”[30]
Com base em tal declaração grifada, pode o
leitor certificar-se de que Valerio Arcary inscreve-se
nas fileiras ecléticas e semi-fantásticas do troskysmo
gramscista-luckásiano.
Como forma de
insuflar, lentamente, o gramscismo e o lukácsianismo
idealista-subjetivista nas fileiras do marxismo revolucionário moderno,
i.e. o trotskysmo revolucionário, de modo a corromper a cientificidade
dialética-materialista deste, a fim de torná-lo susceptível e moldável às
necessidades políticas, sindicais e eleitoral-parlamentares das forças
socialistas pequeno-burguesas do Brasil e da América Latina –
subjulgando -o às forças intelectuais de conciliação de classes, representadas
por pensadores como Carlos Nelson Coutinho, Milton Temer, Chico Alencar, Leandro Konder
etc., Arcary, sempre se ocultando por detrás de referências e
supostos exemplos históricos, seguidos por Marx e Engels, apresenta Gramsci
como dotado de uma hipotética “honestidade intelectual inflexível”. Com
efeito, segundo a sua ótica, quer Valerio que seja o seguinte :
“Gramsci
entre os marxistas de sua geração, é sempre uma referência nas questões
metodológicas mais complexas, pela sua honestidade intelectual inflexível ...”[31]
Até mesmo para
impulsionar sua polêmica de conteúdo essencialmente teórico-abstrato contra Jacob
Gorender em torno de pontos que envolvem primordialmente o
trotskysmo, Arcary não pode abrir mão de referências dramáticas a Gramsci
- tomado como paradigma histórico-revolucionário, ao lado de Karl
Marx e Rosa Luxemburgo – como forma de supostamente produzir uma “explicação
marxista rigorosa e até impiedosa, se necessária” :
“Que os trabalhadores foram (e são) sindical e
politicamente reformistas em condições não revolucionárias, e com mais razão em
situações contra-revolucionárias, não é uma descoberta que impressione. Na
verdade, as amplas massas proletárias são até hostis às idéias revolucionárias
nessas circunstâncias.
A esse propósito, Gorender
usa a imagem de “amor não correspondido” para definir com humor cáustico as relações dos trotskystas e o proletariado.
O relativo isolamento dos trotskystas certamente merece uma explicação marxista
rigorosa, e até impiedosa, se necessária.
E é certo que a marginalidade
das organizações da Quarta Internacional teve como sequela uma crise
crônica, que se manifestou tanto em adaptações às pressões das correntes
majoritárias, quanto no enrijecimento sectário em torno de diferenças que podem
parecer minúcias talmúdicas.
Não parece todavia que seja um privilégio dos trotskystas terem sido desprezados, em algum
momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Marx, Rosa e Gramsci e muitos outros tiveram, no seu tempo, em
grande medida, as mesmas vicissitudes.”[32]
Elencando,
equivocadamente, Gramsci, pensador supostamente equipado “com honestidade intelectual
inflexível”, entre os “herdeiros da tradição identificada com o
marxismo revolucionário” – pois que Gramsci era eminentemente hostil não apenas ao
materialismo histórico-dialético de Marx e Engels, senão ainda à concepção de revolução permanente
e de conquista da hegemonia do proletariado nas versões materialistas
elaboradas por Marx, Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky – ao passo que
prestava louvores a Stalin, por considerá-lo o “grande teórico mais recente”[33] - Arcary
eleva Gramsci, de modo inteiramente indevido, às alturas do
trotskymo, ao clamar:
“Neste campo estão a maioria dos herdeiros da tradição
identificada como o marxismo revolucionário: entre outros, uma parte da
literatura inspirada na herança de Antonio
Gramsci, que coloca o eixo dos processos históricos nos desenlaces das
lutas políticas, mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a
corrente histórica (divida em muitas frações)
que se reclama de Leon Trotsky e da Quarta Internacional.”[34]
O próprio Arcary,
dando-se conta do patente desequilíbrio analítico de sua colocação
retórico-sofística, procura, ao menos, imediatamente, moderá-lo, justificando a
sua “utilidade
por razões didáticas de ênfase”(!), no que, porém, não se pode sair
melhor:
“Na verdade, é só por
razões didáticas de ênfase, que se pode trabalhar com esta esquemática
classificação: qualquer marxista recusaria uma absolutização tão simplista. Mas
ainda assim, com os devidos descontos, ela
é útil.”[35]
Arcary compartilha,
juntamente com Perry Anderson, não
apenas a mesma tradição de Lenin, Trotsky e
Luxemburgo – tradição legitimamente fundada na formulação científica do socialismo
de Marx e Engels de luta pela
libertação das massas proletárias, visando à edificação de uma sociedade
socialista-humanizada -, senão ainda a “tradição” metafísico-stalinista
do demiourgós subjetivista-idealista Gramsci, posicionamento híbrido, dualista e dicotômico,
este esgrimido também por todos os Pontífices
Trotskystas-Gramscistas, entre os quais, no Brasil,
destacam-se, insuperavelmente, Carlos Nelson Coutinho, Chico Alencar, Osvaldo Coggiola e a Trombeta de Jericó que, em meio ao
proletariado brasileiro, é, presentemente, a Revista Outubro,
orquestrada por Álvaro Bianchi e
Ruy Braga.
É também esse mesmo trotskysmo gramscista-luckásiano
que, em um amplo leque de variantes, estende-se amplamente a ponto de – tal
como veremos a seguir - incorporar adicionalmente, de maneira complacente, a
defesa da “tradição” que também fora exortada por Ernst Mandel[36] e, presentemente,
o é por inúmeros mentores ideológicos do Secretariado Unificado da Quarta
Internacional (SU – QI), sejam os que, por um lado, sustentam direta ou
indiretamente a Frente Popular, encabeçada por Lula
e integrada pelo ex-Ministro do (contra) o Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto (SU
– QI), sejam os que, por outro,
protagonizam e reivindicam a orientação ideológica e política do Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), tais quais Carlos Coutinho, Milton Temer,
Chico Alencar, Leandro Konder e che più ne ha, più ne metta.
Em apologia à “tradição”
precisamente marxista-leninista-trotskysta-luxemburguista-gramsciana,
prossegue
Arcary, no artigo supra-citado :
“Não
parece todavia que seja um privilégio dos trotskistas terem sido desprezados,
em algum momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Outras correntes revolucionárias da história tiveram,
fora de situações revolucionárias, melhor sorte?
Marx,
Rosa, Gramsci e muitos outros não tiveram, no seu tempo, em grande medida, as
mesmas vicissitudes? Combateram em situações em que o isolamento
político demonstrou-se inevitável. Por outro lado, quis a ironia da
história que, energúmenos incorrigíveis, mas favorecidos pelas circunstâncias dos
tempos políticos que são, em grande medida, acidentais, já que as oportunidades
são ingratas, fossem carregados pela força de ventos históricos que estavam
longe de compreender, se vissem à cabeça de gigantescas mobilizações que nem
sequer suspeitavam serem possíveis, porque eram o material humano
disponível. (...)”[37]
Já em seu artigo Reforma e Revolução no
Brasil de Lula, Arcary, defendendo, sem estorvo, referida
“tradição” eclética, concomitantemente dialético-materialista e
idealista-subjetivista, ao buscar clarificar importante polêmica com a esquerda
do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva,
relativa ao título em realce, não sente qualquer embaraço intelectual ao citar,
já na abertura de seu artigo, reflexão redondamente equivocada de Antonio
Gramsci, encadeando-a com um brilhante apotegma de Rosa
Luxemburgo, de modo a torná-lo caput mortuum.
Se não, vejamos :
“Reforma &
Revolução no Brasil de Lula : uma polêmica com a esquerda petista ou a invenção de uma esquerda
internacionalista para o novo século, à luz dos dilemas alemão e russo de há
cem anos atrás.
« Estamos de
punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos. » Rosa Luxemburgo
« Fala-se de
capitães sem exército, mas, na realidade, é mais fácil formar um exército do que
formar capitães. Tanto isto é verdade que um exército já existente é destruído
se faltam os capitães, ao passo que a existência de um grupo de capitães,
harmonizados, de acordo entre si, com objetivos comuns, não demora a formar um
exército, até mesmo onde ele não existe. » Antonio Gramsci.”[38]
Seria exorbitante esperarmos de Gramsci
algum raciocínio materialisticamente fundado no domínio da arte militar, onde
sabidamente jamais atuou diretamente, para daí revestir suas posições no
domínio da política.
Não
obstante, o voluntarismo sofômano idealista-subjetivista de Gramsci
jamais o inibiu de pronunciar-se também nesse campo.
O
resultado não poderia ser outro, senão o produto de uma visão inteiramente falaciosa
e desprovida de qualquer conhecimento prático efetivamente verificado.
E assim
: camelus
desiderans cornua etiam aures perdidit, i.e. quem tudo quer tudo perde.
Extasiado
por seu radical anti-trotskysmo e sem contar com suficiente bagagem prático-revolucionária
para versar sobre tema dessa envergadura, também aqui, no domínio das questões
militares, Gramsci defende uma abordagem inteiramente idealista, no que
tange à formação de exércitos e capitães.
Bastar-nos-á
referir aqui a concepção coerentemente dialético-materialista de Trotsky,
que, além de avaliar justamente o processo de formação de sua própria
experiência militar-revolucionária dirigente, aborda o exemplo da formação do “capitão”
Frunze, o « motor da máquina das Forças Armadas Vermelhas e da
Revolução Proletária Mundial»[39]:
“Antes do fim de
1917, nunca esperei ocupar-me com assuntos militares.
Lia livros sobre
questões militares do mesmo modo que lia livros – digamos assim – sobre
astronomia ou sobre outros temas.
Lia-os na prisão.
Porém, tornei-me mais interessado por questões militares durante a Guerra
Imperialista, quando vivi na França.
Não possuía nenhum
conhecimento militar.
Em
minha opinião, existem certos métodos gerais que são aplicáveis a todas as
esferas da vida e da atividade criativa.
As
pessoas falam, por exemplo, de lógica jurídica.
Na
realidade, trata-se aí de lógica humana, aplicada às questões jurídicas.
De modo semelhante, na esfera da administração, um
bom administrador de fábrica será, assim, um bom administrador militar.
Os
métodos de administração são, em grande linhas, precisamente os mesmos.
A
lógica humana encontra a mesma aplicação, seja na esfera militar seja em outras
esferas : precisão, perseverança. Todas essas qualidades são necessárias, em
todos os domínios em que as pessoas querem construir, criar e aprender.
Adquirimos conhecimento técnico elementar através da experiência : estivemos sob
fogo cruzado durante todo o tempo.
Cometemos
muitos erros e sustentamos vários frontes de combate.
Fizemos
muitas observações e, assim, fomos capazes de aprender.
Frontes inteiros foram comandados por homens que
jamais haviam estado no exército, tal como, p.ex., o companheiro Frunze.
Para ser um bom soldado artilheiro – e,
particularmente, para ser um soldado artilheiro competente – é necessário que
se tenha freqüentado uma academia de artilharia, porém, para desempenhar um
papel dirigente na formação de um exército, não é necessário que se tenha tido
nenhuma educação especial como artilheiro ou de qualquer outro gênero: há de se
possuir apenas certas qualidades políticas e administrativas.”[40]
Em seu artigo intitulado Ir ou não ir
além da CUT, Arcary recalca a mesmíssima falsa perspectiva apológética
da “tradição”, ao destacar que :
“Nunca existiu,
portanto, nem para Marx, nem para Lenin, nem para Rosa, Trotsky ou Gramsci, um
décimo primeiro mandamento que prescreve lealdade incondicional a uma Central
sindical.”[41]
Mas, porque precisamente tais asserções
exemplificativas envolvendo, justamente,
“Marx, Rosa, Gramsci e ... muitos outros”, poderia
indagar o leitor ressabiado, ao sobressaltar-se acerca do porquê de Gramsci haver de surgir ladeando Marx, Rosa e .... muitos outros ?
Se voltarmos nosso
olhar à História, a grande Professora da Humanidade (Wenden wir unseren Blick
der Geschichte, der großen Lehrerin der Menschheit zu ...)[42], poderemos concluir, parafrastica e
precisamente, contemplando através das lentes de óculos
dialético-materialistas, que Rosa foi e permanece sendo uma águia
da revolução socialista, proletária internacionalista, ao passo que Gramsci
revelou-se
inteiramente como uma reciclagem de um “marxismo” de matiz
stalinista, i.e. uma atualização meta-marxista, teórico-pedagógica vulgarizadora,
que permitiu fosse expandida a lógica epistemológica do stanilismo
burocrático e anti-cosmopolita junto à civilização européia-ocidental.
Submetendo o filistinismo do “livre pensar” e o stalinismo a um novo ciclo de
operações intelectuais de matiz idealista-subjetivista, Gramsci
propiciou
seu refinamento e sua refuncionalização, produzindo como resultado um novo
freio ideológico, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente
proletário-internacionalistas, inspirados por posições marxistas
revolucionárias, leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania
proletária, enquanto forma de transição ao socialismo e ao comunismo.
Cerrando seus olhos a uma análise
conseqüentemente histórico-materialista do fenômeno histórico do gramscismo, Arcary
pretende esclarecer o atraso da revolução socialista nos países centrais de
modo fundamentalmente eclético-visionário, i.e. inteiramente de acordo seja
como o método materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, seja como o método
voluntarista idealista-subjetivista de Gramsci.
Compartilhando conseqüentemente a mesma “tradição” que Perry Anderson reinvidica
para si, Arcary encontra argumentos para defender o seguinte :
“Por quê o atraso da revolução socialista nos países centrais?
A segunda hipótese é aquela que insiste em explicações, em última análise,
subjetivas, ou seja, que reconhecem as mudanças materiais socioeconômicas, mas
não concluem que elas sejam a principal determinação e procuram, no curso da
luta de classes e, portanto, em fatores sociopolíticos, o atraso histórico do
processo de mobilização proletária no sentido de uma ruptura anticapitalista,
em particular, nos países imperialistas. Neste campo estão a maioria dos
herdeiros da tradição identificada como marxismo revolucionário: entre
outros, uma parte da literatura inspirada na herança de Antonio Gramsci,
que coloca o eixo dos processos
históricos nos desenlaces das lutas políticas; mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a corrente
histórica (dividida em muitas frações) que se reclama de Leon Trotsky e da
Quarta Internacional. Evidentemente não seria razoável discutir o
crescimento prolongado da economia capitalista no pós-guerra, e o deslocamento
do centro da luta de classes para os países dependentes ou periféricos, sem
buscar a articulação entre causalidades objetivas e subjetivas. A Quarta
Internacional, antes da sua divisão em 1952/53, compreendia, entretanto, de
forma unânime que a participação dos PC’s em governos de união nacional no
pós-guerra, teria sido fundamental, para conter a onda revolucionária que se
abriu com a derrota do nazi-fascismo, e garantir a paz social.”[43]
As postulações levantadas por Gramsci veiculam, em versão teórico-refinada, o subjetivismo
idealista no retratamento do stalinismo contra-revolucionário e não do marxismo
revolucionário, bem como, em sentido político, a colaboração de classes entre
proletários e burgueses, e, em sentido partidário-organizativo, a “bolchevização do Partido Comunista Italiano (PCI)”,
i.e. a sua stalinização, o que permitiu a mais absoluta erradicação dos
elementos trotskystas em seu interior, tal como veremos logo a seguir.
Com efeito, o stalinismo,
enquanto expressão ideológica e política de um “marxismo”
burocrático-proletário – auto-denominado “marxismo-leninismo” -
sistematicamente voltado a promover a colaboração de classes
proletário-burguesa em todos os domínios da luta de classes de emancipação do
proletariado, em nome da defesa de supostos valores proletários – do que
dão-nos nitidamente exemplo as posturas políticas de Stalin e seus aliados no período pós-revolucionário
de Fevereiro de 1917, na questão do Pré-Parlamento e do Conselho da República, na Insurreição de Outubro e, posteriormente, na
defesa e execução das políticas de Socialismo em um
Só País, submissão das lutas de emancipação do proletariado chinês ao Kuomintang, esquerdização das
lutas do comunismo alemão contra o Social-Fascismo
Social-Democrático, enfim, sua política de Frente-Popular ... – o stalinismo,
enquanto método de promoção dissimulada da complacência do proletariado com as
forças burguesas e pequeno-burguesas, em prejuízo dos valores proletários,
possui como fundamento epistemológico o racionalismo escolástico da colaboração
de classes.
Gramsci posiciona-se
em face das posturas stalinistas de modo a promover a sua absorção,
reciclando-a epistemologicamente, desde um ângulo subjetivista-idealista,
volutarista-metafísico, denunciando, para isso, o materialismo dialético de Marx e Engels por estar "contaminato di incrostazioni positivistiche e
naturalistiche" (contaminado de incrustrações positivistas e
naturalistas).
Gramsci
reatualiza,
sofisticadamente, o “marxismo” burocrático-proletário stalinista, defendendo não
apenas posições organizativo-partidárias de índole manifestamente burocrática,
senão também teses políticas, tal como as famosas Teses de Lyon do Partido
Comunista Italiano (PCI), de janeiro de 1926, cuja essência é a desbragada confirmação
do conciliacionismo de classes proletário-burguês, impulsionada, na Itália,
por Gramsci e seus seguidores, desde o assassinato do Deputado
Socialista Giacomo Matteotti, em 1924, e estendida para
todas as questões teórico-doutrinárias da luta de classes de emancipação do
proletariado.
Gramsci
retifica, assim,
palavras de ordem de natureza supostamente democrático-intermediária,
readaptando-as à aspiração de Democratização do Estado, supostamente viabilizadora
de um Socialismo Democrático, no estilo: Assembléia
Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses
ou, por assim dizer, em Assembléias
Operárias e Camponesas.
Extraordinariamente atento ao tema, Trotsky teve a oportunidade de assinalar, entretanto, já mesmo em novembro de 1929,
que, na Itália, todos
!!! (grifo nosso), todos os
dirigentes de formação burocrático-stalinista adotavam uma posição oportunista,
para depois, eventualmente, a seguir, retificá-la mediante aventuras de
ultra-esquerda.
Isso se expressava, ao mesmo tempo, na tentativa de adaptar
à Itália a idéia de “ditadura democrática do
proletariado e dos camponeses”, sob a forma de uma palavra de ordem de
assembléia constituinte, apoiada sobre uma assembléia operária e camponesa[44].
Em maio de 1930, regressando ao mesmo tema, Trotsky, então, observou, incisivamente, fornecendo um ensinamento histórico
inolvidável para as futuras gerações de marxistas revolucionários :
“A
Assembléia Republicana constitui, inegavelmente, um organismo do Estado
Burguês.
O que são,
pelo contrário, os Comitês Operários e Camponeses ?
É evidente que, de alguma forma, são um equivalente
dos Sovietes de Operários e Camponeses. ...
Como é
possível, nessas condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do
Estado Burguês – tenha como base organismos do Estado Proletário.”[45]
Em face dessa clara e cristalina citação de Trotsky que aferroa todos!!! os dirigentes de formação
burocrático-stalinista – entre eles, necessariamente, também Gramsci -, resulta,
verdadeiramente, surpreendente ouvir-se, então, dos tribunos da defesa da “tradição” – tal como o faz Arcary -,
os seguintes argumentos, esgrimidos, obviamente, em defesa da própria “tradição”, ao tratar da polêmica
sobre as aptidões revolucionárias do proletariado :
“Se o impressionismo de jovens é tanto explicável como
desculpável, porque lhes falta a perspectiva que somente os anos e a
experiência podem oferecer, o mesmo não se pode dizer da dedicação
incansável com que intelectuais torturam os clássicos da literatura marxista
para demonstrar qualquer coisa.
Não estamos, contudo, entre os que enxergam a tradição
socialista como as tábuas da lei.
Mas reivindicamos uma tradição.
Não vamos recorrer a citações de Marx, Lenin, Rosa
Luxemburgo, Gramsci, Trotsky ou Moreno.
Não se encontrará nas linhas que se seguem uma polêmica
fundamentada em argumentos de autoridade.
Nos apoiaremos somente em apreciações de processos
históricos.”[46]
Perguntar-se-ia, então, de modo a
esclarecer-se a metodologia de trabalho da “tradição” : o que
seria da Revolução Socialista de Outubro de 1917, se intelectuais
de dedicação incansável – entre eles, com principal destaque Lenin,
em seu Estado e Revolução – não tivessem torturado os clássicos
da literatura marxista para demonstrar alguma coisa e recorrido a argumentos de
autoridade ?
Com efeito, o alvoroço do “bloco
histórico” trotskysta-gramsciano guarda, em si, também um
enigma profundo que há de permanecer indecifrável, na medida em que
intelectuais de dedicação incansável não torturem os clássicos da literatura
marxista para demonstrar qualquer coisa e não recorram a argumentos de
autoridade, visando a elucidar seus posicionamentos : um enigma, não porque
envolve uma forma ideológico-política requintada e translúcida de
defesa de uma das complexas variantes de sustentação dos governos
de colaboração de classes, seja em contexto de existência, seja de inexistência
de dualidade de poderes - e oportunismo relativamente às lutas de emancipação
do proletariado, o que, ademais, já bastaria para justificar, do modo mais
vulgar, o mais pleno repúdio da “tradição” que acalenta os
posicionamentos ideológicos de Gramsci.
Senão pelo contrário : o mistério do
“bloco histórico” trotskysta-gramsciano é o de
possuir uma lógica-epistemológica que, através de múltiplas
formas intrincadas, complexas, obscuras, fantásticas, objetivam desviar os
processos revolucionários da luta socialista do proletariado de seu rumo
conseqüentemente emancipatório – e, por conseguinte, de toda a humanidade –,
impedindo que assumam a genuína via materialista-dialética, consagrada por Marx
e Engels e consagradora da indispensabilidade da preparação permanente e
execução tecnicamente precisa das tarefas necessárias ao despedaçamento do Estado
Burguês.
Apenas com
a derrubada do capitalismo pela via revolucionária da luta de classes,
hegemonizada pelo proletariado no quadro de uma coalizão selada com seus mais
autênticos aliados históricos, explorados e oprimidos pelo capitalismo – entre
os quais, em particular, o campesinato pobre -, apenas com o despedaçamento do
aparelho do Estado colocado a serviço das ínfimas minorias exploradoras e
opressoras, autocráticas, latifundiárias e burguesas, resulta, pois, aberta a
via de transição da Ditadura Revolucionária do Proletariado, rumo
ao atingimento de uma sociedade socialista mundial humanizada, livre da
opressão de todo Estado e imune às dilacerações decorrentes dos embates
sangrentos, travados entre classes sociais irreconciliavelmente hostis :
primeiro estágio para o estabelecimento de relações sociais autenticamente
comunistas.
Essa
severa missão revolucionária encabeçada pelo proletariado pressupõe,
necessariamente, não apenas uma luta de cunho econômico e político, senão ainda
de natureza essencialmente ideológica, envolvendo, pois, uma defesa meticulosa
da mais legítima tradição emancipatória, fundada por Marx e Engels.
No quadro da tradição trotskysta-gramsciana,
encontramos, entretanto, por força de sua própria lógica intelectual,
um vínculo para recepcionarmos, refinadamente, o “marxismo” de matiz stalinista.
Sendo assim, a questão do inimigo
não se encontra apenas colocada relativamente à já difícil tarefa de sua
identificação, senão ainda concerne ao método acertado de como combatê-lo.
Nesse sentido, porém, o não
reconhecimento conseqüente da verdadeira tradição histórico-revolucionária
do proletariado e das tarefas impostas à defesa dessa tradição, como
forma de elevação da consciência e da disposição das massas trabalhadoras e
seus aliados às tarefas da revolução proletário-internacionalista, tornam a
derrota definitiva do inimigo, historicamente
identificado, inteiramente impossível, bem como o atingimento de uma
sociedade humanamente socializada, completamente inviável.
Não obstante, para Arcary,
toda a análise dos sujeitos sociais e dos fatores histórico-subjetivos, dos
conceitos de situação e de crise revolucionária, dos momentos em que a “humanidade”
se encontra com as suas “esquinas perigosas”, traduz-se em
uma versão
eclética, fundada, por conseqüência, no subjetivismo idealista,
inteiramente alheio ao marxismo revolucionário, solidária, porém, com as
necessidades do socialismo de matiz pequeno-burguês, alimentado pela intelectualidade
acadêmica, vinculada ao stalinismo reciclado.
Por isso, Arcary afirma, coroando o
método de seus empreendimentos literários:
“Ou
seja, (Perry) Anderson reconhece que
o lugar dos sujeitos sociais vêm se alterando ao longo do processo histórico, e
que uma nova articulação de causalidades
poderia se observar ao longo do século XX.
Essa
consideração é chave para a discussão dos conceitos de situação e crise
revolucionária e para a compreensão da releitura que Lenin, Trotsky e Gramsci farão do papel dos chamados fatores
subjetivos, na História, em particular nos momentos em que a humanidade se
encontra com as suas esquinas perigosas.”[47]
Com efeito, acolhendo acriticamente
os posicionamentos do ultra-gramiscista, stalinista-reciclado, aliado ao Actuel
Marx e ao Partido Comunista Francês, Jacques Texier, Arcary procura trabalhar
com uma nova tática política, uma nova hipótese política, que,
efetivamente, corresponde ao gramscismo, mas não às exigências do
marxismo
revolucionário.
A nova tática política é, entretanto,
muito antiga, pois trata de deturpar, descaradamente, o sentido e o significado
das formulações de Engels, constantes em sua célebre texto, redigido entre 14 de fevereiro e 6 de março de 1895 e intitulado “Introdução
à Luta de Classes na França de 1848 a 1850 de Karl Marx”.[48]
Legitimando, porém, o pensamento do
ultra-gramsciano – declaradamente anti-leninista - Jacques Texier, Arcary destaca,
abonando inteiramente a sua tão decantada “tradição” :
“Já no que diz respeito à necessidade de uma
nova tática política, quando se oferecem condições de disputa, na legalidade e acumulando posições que permitam um
processo de aprendizagem da classe, tanto no terreno eleitoral, quanto
sindical, as observações de (Jacques)
Texier procedem.
O
paralelo histórico com Gramsci
parece correto, e corresponde de fato às primeiras formulações em torno a uma nova hipótese estratégica, que
considera a importância de preservar e explorar as conquistas democráticas,no
marco de um pensamento que se complexifica com o estudo da correlação de forças
à escala nacional e internacional, e que deve responder ao problema do regime
democrático burguês.”[49]
Evidentemente, Arcary
cala-se sobre o sentido e o significado contextual das palavras de Jacques
Texier, procurando justificar seu suposto acerto em parte – “no
que diz respeito à necessidade de uma nova tática política” - e esconde ao leitor quais são os
verdadeiros propósitos desse velho stalinista reciclado, saído das filerias do Partido
Comunista Francês.
Vejamos como Texier
compreende a questão da “nova tática política” :
“Acredita-se conhecer o pensamento político de Marx e Engels, porém dele não se
conhece senão certos fragmentos que um
certo discípulo célebre isolou e integrou em um sistema (obs. Texier
refere-se aqui à Lenin).
É necessário,
portanto, retomar tudo do zero ou quase do zero.
O que é bem conhecido não é conhecido.
Daí a idéia de realizar uma investigação minuciosa,
segundo diferentes percursos, para retomar a questão central : Marx e Engels subestimaram a democracia
política como às vezes se diz ?
Não parece. Teóricos da revolução, eles, de início, foram
atraídos pelo problema das relações da revolução e da democracia.
Mas, existe um pensamento político de Marx e Engels e, se
existe, quais são suas categorias específicas ?
Revolução violenta e passagem pacífica, conquista da
democracia e ditadura do proletariado, revolução permanente e guerra de
posição, Estado instrumento de uma classe e relativa autonomia do Estado,
revolução pela base e revolução pelo ápice etc.
Os conceitos para pensar a política são numerosos e as
articulações, difíceis.
Primeira experiência decisiva : a revolução de 1848, com o pano de fundo do modelo da Revolução Francesa.
Marx e Engels são blanquistas?
Em caso positivo, permaneceram blanquistas?
Com efeito, seu pensamento político conheceu
transformações profundas no curso do século.
De 1885 a 1895, Engels
introduziu algumas inovações políticas nos quadros teórico-políticos introduzidos
pela Comuna ?
Ainda aí, a importância
das evoluções, se as tomamos em consideração, coloca em causa a idéia do
sistema.
Contrariamente a uma idéia fixa, trata-se de um
pensamento atento às instituições e às formas políticas. Essa riqueza foi transmitida
?
Deploravelmente não.
Um livro célebre
de Lenin, o Estado e a Revolução, desempenha seu papel nesse empobrecimento.
Nele está ausente
esse pensamento móvel, complexo, contrastado, sensível às mutações históricas,
multidimensional.”[50]
Eis como Arcary ao declarar que “no
que diz respeito à necessidade de uma nova tática política ... as observações
de Texier procedem”, afasta-se inteiramente da tradição marxista-revolucionária,
cultivada por Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky.
Repudiando-a, procura descobrir em Marx
e Engels – no estilo gramscista de Texier – o oportunismo da “importância
das evoluções”, pois o livro de célebre de Lenin, o Estado
e a Revolução, desempenharia um
papel de empobrecimento, por causa de pensamento supostamente sem mobilidade,
sem complexidade, sem contrastes, sem mutações históricas, sem multidimensão
....
Sem qualquer criatividade
intelectual, o próprio Arcary – seguindo ainda as pegadas
do ultra-gramsciano Jacques Texier – atribui, falsamente, a Rosa Luxemburgo apenas “fortes
propensões objetivistas”, e a Lenin e a Gramsci - esse último no extremo, o mérito de
destacarem o lugar da consciência de classe – tal como se Rosa simplesmente o
ignorasse ou o menosprezasse :
“Existiram
tanto objetivistas que retiraram como conclusão de suas análises, mais ou menos
fatalistas, uma estratégia política quietista, como Kautsky, quanto subjetivistas que chegaram, para o fundamental, ao
mesmo endereço partindo de premissas opostas, como Bernstein, que acreditava na possibilidade da escolha consciente da
opção pela democracia.
O mesmo
se pode dizer da corrente revolucionária, que reunia desde Rosa, com fortes propensões
objetivistas, até um Lênin, e no
extremo um Gramsci, que destacavam
acima das “férreas leis da necessidade”,
o lugar da consciência de classe e
da construção dos fatores de
subjetividade, isto é, da vontade
consciente.”[51]
Verifique o leitor que no texto
acima a expressão “férreas leis da necessidade”,
redigida entre aspas e postado em aparente contradição à expressão ”construção
dos fatores de subjetividade”, não se encontra aí presente por motivo
de somenos.
Pois, para Gramsci, Marx
havia-se contaminado com “incrustações positivistas e naturalistas”,
das quais os bolcheviques teriam supostamente se distanciado:
„Os bolcheviques renegam Karl Marx, afirmam com o testemunho da ação explicada, das
conquistas realizadas, que os cânones do
materialismo histórico não são assim tão férreos como se poderia pensar e se
pensou.“[52]
Enquanto palavra-de-ordem de seu
pensamento, Arcary formula, então, sua fórmula mágica para a construção de
seu socialismo
da “igualdade social” e da “liberdade humana” que do socialismo
científico de Marx e Engels afasta-se diametral e
substancialmente, por repudiar o fato de que o projeto de sociedade socialista
do marxismo
revolucionário opõe-se claramente à concepção de socialismo enquanto
reino do igualitarismo social[53] :
“No
século XX, o poder deve procurar legitimidade
no terreno da política:
em termos gramscianos, deve dirigir além de dominar.”[54]
A operação intelectual de Arcary
é, intrinsicamente, gramsciana, resguardando-se, porém, extrinsicamente, da
autoridade revolucionária de Marx, Engels, Lenin, Trotsky e Rosa
Luxemburgo.
Nesse sentido, assinala,
depudoradamente, procurando salvar Kautsky e Gramsci, para o
refinamento de seu próprio projeto eclético-revisionista, como se simplesmente
não existissem as acirradas e duríssimas polêmicas travadas entre o marxismo
revolucionário, através da pena de Lenin, Rosa Luxemburgo e Trotsky, a
partir de 1909, contra Kautsky, o renegado da Ditadura
Revolucionária do Proletariado e mentor intelectual dos programas
políticos de colaboração de classes seja Social-Democracia Alemã Independente,
seja da Social-Democracia Alemã :
“Mas
trata-se de uma dupla injustiça: nem Gramsci
merece o papel de kautskista “après la lettre”, nem Kautsky merece o limbo ao qual foi condenado.”[55]
Vê-se, pois, que Arcary
anseia retirar Kautsky e Gramsci do lugar onde se deitam as coisas sem valor.
Ao menos no que tange a Gramsci,
Arcary
destaca a lucidez de Gramsci quanto à questão ideológica do
castatrofismo, argumento esse evindentemente contra o mito das “fortes
propensões objetivistas” de Rosa Luxemburgo[56]:
“A lucidez de Gramsci sobre esta questão ideológica do catastrofismo
pode ser conferida (na passagem citada in loco)
: .... “[57]
Arcary procura reconstruir, “em termos gramscianos”,
i.e. de modo idealista subjetivista - à la Jacques Texier - toda a história da luta de classes, havida na
Alemanha
– onde atuaram revolucionariamente Marx e Engels, Karl Liebknecht e Rosa
Luxemburgo.
Dessa reconstrução gramsciana,
formulada segundo o próprio sabor e conveniência subjetivista de Arcary,
pretende encontrar pontos de apoio que possam servir de fôrro ideológicos para
seus próprios propósitos de conquista de influência ideológica, sindical e
política-eleitoral sobre o movimento de emancipação do proletariado, em aliança
com outros gramscianos, stalinistas reciclados, no estilo de
Chico Alencar, Milton Temer, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder
etc. que, em essência, conduzem inexoravelmente a um refinado projeto de
conciliação de classes.
E, sem dúvida, o mais impressionante
de toda essa tentativa essencialmente eclética de Arcary de reconstrução
idealista subjetiva da história da luta de classes da Alemanha, tendo como
centro Marx e Engels, as revoluções alemãs, a
Social-Democracia Alemã é, particularmente, o fato de que a reescreve
sem a utilização patente de nenhum documento importante, seja lá de que autor
se possa tratar, extraído da própria literatura produzida em língua alemã.
Por não versar o alemão, Arcary
comporta-se como o historiador que escreve sobre a luta de classes, travada na Grécia
Antiga ou em Roma, sem, porém, empreender a
leitura e o estudo detido dos próprios materiais literários, existentes em
grego clássico e latim, tais quais se apresentam efetivamente, desde décadas e
séculos, surgidos ao calor dos fatos e com suas contradições mais inerentes.
Recorrendo sempre a materiais
produzidos de segunda mão por autores solidários com sua própria perspectiva de
ver o mundo, nos termos do gramscismo eclético – i.e. um modelo
mal acabado de “trotskysmo gramscista-lukácsiano” - , haurido a partir de
materiais gerados em língua espanhola, francesa, inglesa – por Jacques
Texier, Perry Anderson, Eric Hobsbawn e tantos outros -, Arcary
discorre, em tom parafrástico, sobre um tema histórico de extraordinária
importância, elaborando, às pressas, um esquema abstrato, moldado, acomodado e
adaptado aos seus próprios interesses de argumentação subjetiva, sem qualquer
efetiva fundamentação histórico-real.
Mais um desses exemplos de recriação
gramsciana da história a partir de sua príopria imaginação, é formado
por suas argumentações sobre “As Minorias e a Democracia : A Atualidade
do Marxismo e da Revolução Socialista.”
Aqui, suas reflexões são proferidas
em favor de um fantástico ingresso “incondicional” de Marx,
“com
suas forças” minoritárias, no Partido Socialista dos Tabalhadores da
Alemanha, comandado pelas forças da maioria de Ferdinand Lassalle, porque
... Marx
teria supostamente “acordo com o Programa(!)”, apesar de “não haver acordo sobre tudo com
a corrente majoritária de Lassalle.”
E proclama : “ ... os marxistas não tiveram
problemas de aceitar que eram minoria.”
Evidentemente, a conjectura
semi-fantástica da construção intelectual de Arcary é o de demonstrar
que até mesmo o revolucionário Karl Marx reduzia-se, na prática
política da vida das organizações dos trabalhadores, à figura insôssa de um pedante
defensor do democratismo, até mesmo quando a direção majoritária era exercida
por forças do socialismo pequeno-burguês, promotor da conciliação de classes
com o Governo de Otto von Bismarck e de um socialismo promovido de maneira
pacífica e gradual, no estilo de Ferdinand Lassalle, “porque havia acordo no
Programa”.[58]
Com efeito , Arcary apresenta-nos um
contexto histórico que, em verdade, jamais poderia ter existido de fato da
maneira como narra, seja na Alemanha, seja em nenhum outro lugar
ou momento da história do marxismo revolucionário, por inúmeros motivos.
Se não vejamos:
“Eu
quero dizer a vocês que o Manifesto (Comunista) nos ensina algo muito
importante, profundo sobre isso.
Marx estava tão convencido
de que a emancipação dos trabalhadores seria obra dos próprios trabalhadores,
tão convencido de que o futuro estava na mão da classe trabalhadora que não tinha medo de ser minoria dentro das
organizações dos trabalhadores.
E não
sei se sabem, quando Marx se uniu à
construção do primeiro grande partido operário de massas que foi o Partido
Operário Alemão, Marx era minoria.
E os marxistas não tiveram problemas de aceitar que eram
minoria no Partido Operário Alemão.
A maioria seguia um dirigente que chamava-se Lassalle, o primeiro e o mais influente dos dirigentes políticos
da história do movimento operário internacional.
Ninguém menos do que Marx, pela importância que tinha a construção do Partido
Operário Alemão, entrou com as suas
forças, incondicionalmente, na construção do Partido Operário Alemão porque havia acordo no Programa.
Não
havia acordo sobre tudo com a corrente majoritária de Lassalle.
Havia
muitas desconfianças da corrente majoritária de Lassalle.
Mas, Marx não teve problemas de ser minoria porque
Lassalle tinha a maioria.
Confiava
nos trabalhadores, em suas opiniões.
Eu
quero dizer a vocês que, para estarmos à altura, da herança do Manifesto (Comunista) e da experiência prática de Marx,
nós temos de dizer que a construção da unidade dos lutadores passa pela
construção de ferramentas unitárias, instrumentos de luta comuns, a Frente
Única de todos os lutadores.
E
dentro dessa organização deve haver democracia incondicional.
E quem
for maioria que seja maioria, e quem for minoria que seja minoria.
Os
marxistas revolucionários se forem minoria saberão disciplinadamente serem
minoria, como soubemos ser dentro da CUT.
Mas, as
minorias não podem se transformar em maiorias, sem contar os votos.
Não se
pode atrás da mesa substituir aquilo que tem de ser entregue, nas mãos dos
lutadores, nas vossas mãos. São vocês que têm de votar.
Não é
um acordo, não pode ser um conchavo, atrás das mesas, de costas para o
plenário, porque os novos instrumentos de luta não serão iguais da CUT nunca
mais, nunca mais, nunca mais, de costas, nunca mais, de frente.”[59]
É evidente que Arcary refere-se aqui ao
celebérrimo processo de construção do Partido Socialista dos Trabalhadores da
Alemanha (Sozialistische Arbeiterpartei Deutschlands – SAPD), mediante
fusão promovida entre marxistas-eisenachianos, agrupados
no
Partido Social-Democrático dos
Trabalhadores da Alemanha (SDAP), e lassalleanos, reunidos na Associação Geral
dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), ocorrida entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, no quadro
do Congresso
da Unificação (Vereinigungsparteitag) que teve lugar na cidade de Gotha,
na Alemanha.
Porém, Arcary ora descreve fatos
que nunca existiram, ora distorce posições, idéias e concepções, tudo isso com
o objetivo de legitimar “segundo a herança do Manifesto (Comunista)
e da experiência prática de Marx”, uma fantástica subordinação de
minorias às maiorias, enquanto critério autenticamente democrático, para a
construção da unidade dos lutadores, tudo isso com base na contagem de votos.
Elenquemos, porém, rapidamente, ao
menos cinco fatos concretamente históricos e passíveis de serem confirmados por
qualquer historiador seriamente interessado na história do marxismo
revolucionário na Alemanha:
I.
Arcary afirma claramente, em sua intervenção, que “Marx
... entrou com suas forças, incondicionalmente, na construção do Partido
Operário Alemão, porque havia acordo no Programa.”
Porém, o que afirma se encontra,
efetivamente, situado em contradição com a verdade histórica da luta de classe
da Alemanha.
Ora, esta é, em verdade,
diametralmente oposta àquilo que Arcary afirma, pois não
havia absolutamente acordo no Programa, no que diz respeito às posições de Marx
e de Engels.
Para Arcary, historiador de matiz
trotskysta, porém sob forte influência gramsciano-lukásiana - que
aceita, em parte, as observações de um stalinista reciclado, ultra-gramisciano
do calibre de Jacques Taxier -, uma
das mais importantes obras de Karl Marx, intitulada “Crítica
ao Programa de Gotha”, redigida em abril e maio de 1875, jamais
existiu na realidade.
Em sua intervenção, Arcary
nem sequer a refere.
Porém, é precisamente nessa sua obra
clássica de extraordinária importância para a compreensão do sentido e do significado
do marxismo
revolucionário que Marx, a despeito de saudar a
perspectiva de unificação das forças proletárias da Alemanha, demonstra-nos,
detalhadamente, que não havia acordo no Programa.[60]
Seu desacordo com relação ao Programa,
é igualmente corroborado, nitidamente, em sua lendária carta, dirigida a Wilhelm
Bracke, datada de 5 de maio de 1875.[61]
Quanto a Engels, sua carta
dirigida a August Bebel e redigida entre 18 e 28 de março de 1875,
comprova-nos, além disso, que, de sua parte, não havia acordo no Programa, exatamente
porque, em essência, esposava as concepções defendidas por Marx em sua“Crítica
ao Programa de Gotha”.
Depois de elencar as razões de sua
oposição ao Programa em referência, Engels declara, expressamente:
„Paro por aqui, embora praticamente cada palavra desse programa, redigido,
além disso, de modo suave e astênico, merecesse
ser criticada.
Tanto é assim que, caso seja adotado, Marx e eu jamais nos poderemos declarar adeptos
desse novo Partido, instituído sobre essas bases, e teremos de muito
seriamente refletir que atitude assumiremos – também publicamente – em relação
a ele. …”[62]
Como
se vê, Marx e Engels, por não
possuírem acordo no Programa em referência, condicionavam sua
declaração de adesão a esse novo Partido ao fato de o Programa
em questão não ser adotado.
Anos
depois, ao enviar uma carta a Friedrich Sorge, em fevereiro de
1891, Engels teve ainda a oportunidade de retornar ao tema, para
acentuar, claramente:
„Naturalmente, Wilhelm
Liebknecht está furioso, pois que toda a crítica foi cunhada,
especialmente, contra ele.
Ele
é o pai que, juntamente com o veado do Hasselmann, pariu esse Programa Podre (SvK.: o Programa de Gotha do Partido Socialista dos
Trabalhadores da Alemanha )
Compreendo o espanto inicial daqueles que, até o presente
momento, haviam insistido em serem apenas tocados muito delicadamente pelos “companheiros” , ao serem, agora,
tratados assim sans façon (SvK.: sem
consideração), depois de seu Programa
haver sido desmacarado como pura imbecilidade. ”[63]
Daí, resulta ser um disparate gramsciano-lukácsiano, um
verdadeiro despautério histórico, afirmar que “Marx ... entrou com suas forças, incondicionalmente, na
construção do Partido Operário Alemão, porque havia acordo no Programa.”
Outra
questão é que o Programa em realce foi, finalmente, votado e aprovado pelo Congresso
de Gotha de 1875 – um congresso democrático teatral, elaborado para
legitimar a subodinação das forças proletárias alemãs lassalleanas e “marxistas-eisenachianas”
à dominação de uma elite aristocrática, saída de suas fileiras - com
pouquíssimas e inexpressivas modificações, em total desprezo às posições
defendidas por Marx e Engels, o que os colocou diante de um fato consumado.
Apenas
em 12 de outubro de 1875, Engels escreveu, novamente, a Bebel,
assinalando que, por terem tanto os trabalhadores quanto seus adversários
políticos burgueses “interpretado comunistamente” o Programa em questão,
unicamente essa circunstância tornaria possível aos olhos de Marx
e dele mesmo não se separarem publicamente do Programa de Gotha de 1875.
Destacou
que, enquanto seus adversários políticos e os trabalhadores continuassem a ler
as posições de Marx e Engels no Programa em causa, estaria justificado
o fato de não atacarem, de público, os princípios e cláusulas nele contido.[64]
A
seguir, Marx e Engels resistiram, abertamente, a cooperar
integralmente, durante alguns anos, com o novo Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (Sozialistische
Arbeiterpartei Deutschlands – SAPD), exatamente em virtude de não
haver acordo no Programa.
Inversamente às palavras de Arcary, cumpre dizer que Marx
e Engels tiveram muitos “problemas de ser minoria, porque os
lassalleanos tinham a maioria.”
Um clássico exemplo nesse sentido, foi a carta de Marx,
dirigida a Engels, em 1° de agosto de 1877.
Como se
sabe, o Congresso Geral Socialista do Partido Socialista dos Trabalhadores
(SAPD), ocorrido em Gotha, praticamente dois anos
depois, i.e entre 27 a 29 de maio de 1877, havia resolvido, na sessão de 29 de
maio, sob proposta de August Geib, editar “uma revista científica, em formato adequado,
a ser publicada bimensalmente, em Berlim, a partir de 1° de outubro desse ano.
Até essa data, haverá de apensar-se ao jornal “Vorwärts (Avante)”, a cada 14 dias, um suplemento, dotado,
essencialmente, de conteúdo científico”.
Desde
1° de outubro de 1877, surgiu, em Berlim, “Zukunft (O Futuro)” enquanto órgão
teórico oficial do SAPD.
Essa revista
foi financiada pelo social-filantropo Dr. Karl Höchberg e por ele dirigida
sob o pseudônimo R.F. Seifert, sob a orientação de imprimir à Social-Democracia
Alemã um curso abertamente reformista.
Em 20
de julho de 1877, a redação de “Zukunft (O Futuro)” dirigiu cartas
a Marx
e Engels, referindo-se expressamente à Resolução do Congresso de Gotha
de maio de 1877 sobre a edição de uma revista científica, para propor a ambos
contribuirem na produção da revista em causa.
Em 28
de julho de 1887, o próprio Wilhelm Liebknecht escreveu, então,
cinicamente, a Engels, assinalando, expressamente, o seguinte:
“Nossa revista (“Zukunft
<O Futuro> - o título não me agrada particularmente) terá seu início,
em 1° de outubro. A redação será comandada por Höchberg (que nos dará, anualmente, 10.000 marcos) e pelo Dr. Wiede – ambos jovens diligentes, em
particular o primeiro deles, e ambos opositores dos embustes de Dühring.
Sobre ela, organizou-se um controle tão rigoroso que não temos de temer o surgimento de nenhum ovinho
de pintinho.
Você está sendo requisitado para colaborar (evidentemente
também Marx) e será bom que o faça,
ainda que sua atividade principal continue sendo dedicada ao “Vorwärts (Avante)””.[65]
Pronunciando-se acerca da proposta, formulada por Wilhelm
Liebknecht, Marx afirmou, então, em sua carta dirigida a Engels, em 1° de agosto
de 1877 :
“Londres, 1° de agosto de
1877
Querido Fred,
Em anexo, segue carta de Höchberg, dirigida a Hirsch, o qual, no sábado, retornou à Paris. Mande-me de volta, por favor,
essa carta, depois de tê-la lido, pois eu mesmo tenho de entregá-la a Hirsch.
Creio que a carta de Höchberg caracteriza o homem melhor do
que tudo aquilo que Wilhelm Liebknecht
(este brilhou, novamente, por sua recomendação do confúcio Acollas e do faiseur
(EvM.: fanfarrão) Lacroix) disse ou
pode dizer sobre ele. (...)[66]
Há alguns dias, turned up (SvK.: apareceu) – para, logo
a seguir, novamente, desaparecer, rumo à Alemanha
– o alegre e pequeno cifótico, Wedde.
Possuía um pedido urgente
de August Geib para que você e eu
fossemos arregimentados para o “Zukunft
(O Futuro)”.
Para sua grande tristeza, não lhe fiz absolutamente nenhum segredo
sobre nossas pretensões abstencionistas e suas razões, ao mesmo tempo em que lhe expliquei que, quando o
tempo nos permita ou as circunstâncias o exijam, interviremos, novamente, de modo propagandista.
Nós, enquanto Internacional, não estamos, de nenhum modo, ligados ou
obrigados a aderir à Alemanha, à amada pátria.
Em Hamburg, Wedde havia
avistado o Dr. Höchberg e ditto (EvM.: o mesmo) avistou Wedde.
O primeiro estaria tingido
como algo de superficialidade e arrogância berlinense, porém o segundo gostou
do primeiro, apesar deste ainda sofrer muito de “mitologia moderna”.
Quando aquele sujeitinho do Wedde esteve
em Londres, pela primeira vez, usei
a expressão "mitologia
moderna" como designação das Deusas
da "Justiça, Liberdade, Igualdade etc.", as
quais voltaram a andar à solta por aí. Isso lhe provocou uma profunda impressão,
pois o próprio Wedde tem feito muito
a serviço dessas entidades
superiores.
Aos olhos de Wedde, Höchberg parecia um pouco verdühringt
(SvK.: dühringisado, absorvido pelas posições de Dühring) e Wedde possui
um nariz mais afiado que o de Wilhelm Liebknecht. (...)
Saudações,
Do teu
Negro”[67]
Foi apenas a Sozialistengesetz (Lei contra os Socialistas), mais
precisamente Gesetz gegen die gemeingefährlichen Bestrebungen der Sozialdemokratie (Lei
contra as Pretensões da Social-Democracia Perigosas à Segurança Pública),
proposta por iniciativa de Otto von Bismarck, aprovada
pelo Parlamento
Alemão, em 19 de outubro de 1878, havendo entrado em vigor em 21 de
outubro do mesmo ano, que lançou novas bases políticas para a atuação de Marx
e Engels em socôrro das forças proletárias inteiramente em crise,
comandadas por lassalleanos e “marxistas-eisenachianos”.
Nos termos da lei em realce, foram proibidas todas as
organizações partidárias e todos os sindicatos que peseguissem objetivos
socialistas. Todos os órgãos socialistas de imprensa de maior relevância foram
reprimidos, todas as assembléias de caráter socialista, interditadas. Por meio
dessa lei de exceção, permitiu-se à Polícia Alemã banir, arbitrariamente,
trabalhadores e funcionários social-democráticos, porquanto podia ser imposto
sobre as cidades e distritos do país o assim denominado “Kleiner Belagerungszustand
(Pequeno Estado Sítio)”.
Segundo a lei em referência, também todo e qualquer movimento
democrático na Alemanha haveria de ser privado de suas direções, de modo a
torná-lo inofensivo.
O
primeiro Congresso do Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAPD),
realizado em situação de plena ilegalidade, teve lugar, então, entre os dias 20
e 23 de agosto de 1880, no Palácio Wyden, situado no cantão de Zurique,
na Suíça.
Sob a
influência dos princípios do socialismo científico de Marx
e Engels, esse congresso colocou fim ao período de praticamente de dois
anos de oscilações e confusão nas fileiras no Partido, ocasionadas pelo
“Programa
Podre” e pela promulgação, em 19 de outubro de 1878, da Lei
contra os Socialistas, permitindo sacar um balanço sobre o resultado
das divergências, havidas relativamente à formulação da estratégia e tática de
luta do Partido, sob a vigência da lei de exceção em realce.
As
resoluções congressuais adotadas orientaram também o Partido em face de suas
frações oportunistas de direita e de esquerda, estabelecendo uma linha de
intervenção claramente revolucionária, na luta contra o despotismo do Estado
Militar Prussiano-Alemão.
Em
consonância com as novas condições da luta de classes na Alemanha, decidiu-se,
unanimemente, positivar, no Programa, o parágrafo de que,
doravante, o SAPD perseguiria seus objetivos “com todos os meios” – e
não mais apenas “com os todos os meios legais”, tal como estabelecido, até
então, pelo ”Programa Podre”.
Ademais
disso, resolveu-se que a revista “Sozialdemokrat (O Social-Democrata)”
tornar-se-ia o órgão oficial do Partido, havendo de se transformar em
ferramente de fortalecimento dos organismos partidários e de difusão das
concepções marxistas, no seio da classe trabalhadora.
Dest’arte,
o congresso em realce lançou os pressupostos para a posterior derrubada da Lei
contra os Socialistas, em 30 de setembro de 1890.
Nos
anos a seguir, sob a vigência da Lei contra os Socialistas, Marx
e Engels lutaram para imprimir um perfil revolucionário à estratégia e
tática de luta da Social-Democracia Alemã.
Após algumas oscilações iniciais, devidas à sua direção
partidária oportunista e opugnada por Marx e Engels, desde a cidade de Londres
-, o SAPD
foi capaz de organizar uma luta ilegal eficaz contra a Lei
contra os Socialistas.
Para isso, Marx e Engels tiveram de se opor,
aguerriedamente, às posições defendidas, no interior do partido, pelos
oportunistas de direita e de esquerda, bem como anarquistas.
Marx e Engels contribuíram para que o SAPD elaborasse e
implementasse políticas e estratégias proletário-revolucionárias, no quadro da
nova situação institucional. Devido a isso, foram concomitantemente combinadas
entre si e impulsionadas todas as formas de luta legais e ilegais, de modo que
o SAPD
resultou ser capaz de superar sua prova de fogo, desenvolvendo-se rumo a um
partido de massas, no âmbito de sua luta contra a Lei contra os Socialistas.
Em 14 de janeiro de 1888, o Governo Bismarck
apresentou ao Parlamento Alemão mais um Projeto de Lei, exigindo a
prorrogação da vigência da lei em exame, até 30 de setembro de 1893, bem como o
encrudescimento das prescrições normativas, mediante a previsão de penas ainda
mais severas para a distribuição de materiais literários proibidos, adesão a
“associações secretas” e participação em assembléias ou reuniões de caráter
socialista, realizadas até mesmo no exterior, ficando esse último fato típico
sujeito à imposição de perda da própria nacionalidade alemã.
Apenas em 25 de janeiro de 1890, o Parlamento Alemão
rejeitou, sob a pressão das massas alemãs, uma nova prorrogação da Lei
contra os Socialistas.
E, com efeito, sua inutilidade demonstrara-se no fato de que,
nas eleições de fevereiro de 1890 – i.e. praticamente 12 anos após a vigência
da lei em tela - , o SAPD logrou receber, até mesmo, 19,7
% de todos os votos, consagrando-se, então, como o maior partido da Alemanha.
Por fim, em 30 de setembro de 1890, a lei de exceção em
destaque foi derrogada.[68]
II.
Ao mesmo tempo, Arcary confunde,
claramente, a posição de Marx – visto que nem sequer cita a
de Engels
sobre o tema – com aquela defendida por aqueles que se reivindicavam “marxistas-eisenachianos”.
E conclui : “Mas, Marx não teve problemas de ser
minoria porque Lassalle tinha a maioria”.
Já entre os ”marxistas-eisenachianos”,
Arcary
nem ao menos refere as importantes diferenças havidas entre Wilhelm
Liebknecht, August Geib, August Bebel, Eduard Bernstein, Wilhelm Bracke.
Apenas, conclui : “E os
marxistas não tiveram problemas de aceitar que eram minoria no Partido Operário Alemão. ... Ninguém menos do que Marx ..., entrou com as suas forças,
incondicionalmente, na construção do Partido Operário Alemão porque havia acordo no Programa.”
Em
verdade, a luta contra a integração
das filerias das forças proletárias da Alemanha ao regime do Estado
Prussiano, mediante a política de colaboração de classes de Lassalle,
possui seu dealbar sob a inflexível batuta ideológica de Marx e Engels contra a
direção oportunista de Wilhelm Liebknecht e August Bebel,
já ao longo dos anos 70 do século XIX,
no quadro de suas contudentes críticas a todos os Programas do SDAP/SAPD/SPD.
O Programa
de que se trata aqui, que sedimentou a Coalizão de Gotha, de 1875 foi,
em verdade, intelectualmente elaborado, em grande parte, pelos lassalleanos Wilhelm Hasselmann e Wilhelm Hasenclever, negociado por Wilhelm Hasselmann, Wilhelm Liebknecht e August Geib, sustentado enfaticamente por Eduard Bernstein,
admitido politicamente, apesar de leves e ligeiras críticas, por August
Bebel – e rechaçado agudamente
por Marx
e Engels que contavam com o apoio de Wilhelm Bracke.
Quanto
a Bracke - este destacado quadro do marxismo
revolucionário alemão - dirigiu-se, em carta, a Engels, em 25 de março de
1875, alegando o seguinte:
“O programa apresentado para o Congresso de Unificação e firmado por Wilhelm Liebknecht e August Geib, forçou-me à redação destas
linhas.
Para mim, resulta impossível adotar esse programa e
também Bebel possui a mesma
opinião.”[69]
A Social-Democracia
Alemã rumou para a fusão dos ”marxistas-eisenachianos” e lassaleanos
não reivindicando absolutamente, em seu Congresso do Compromisso de Gotha,
ocorrido entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática de Ditadura
Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de
destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da
experiência da Comuna de Paris - , mas sim postulou, entre outras consignas
puramente lassalleanas, a edificação de um Estado Popular Livre, a ser
introduzido em substituição do então existente Estado Prussiano,
assentado este sobre a dominação de classe burguesa-capitalista.
Pois, em consonância com suas posições inteiramente oportunistas, Bebel
fez publicar, repetida e imodificadamente, em inúmeras edições, havidas até o
ano de sua morte, sua célebre concepção sobre a necessidade de transformação
do Estado de classe burguês em um Estado popular.
Nesse sentido, Bebel afirmou, pela primeira vez, em sua obra dada ao público
inicialmente em 1870, expressamente o seguinte :
“Demonstrei com o Estado da atualidade é um Estado de classe, situado,
especialmente, sob a dominação da burguesia, sendo que, portanto, não possui e
nem possuirá os meios para apoiar a produção cooperada, empreendida através da
organização de cooperativas de produção. Se a burguesia fizesse isso, se as
classes dominantes o fizessem, agiriam contra o seu próprio interesse.
Formariam na classe trabalhadora não apenas
um concorrente, senão ainda um fator que tornaria, de modo geral, a burguesia, finalmente,
impossível, deixando de existir sua dominação de classe. Isso seria,
naturalmente, suicídio que não cometerá, espontaneamente, de nenhuma maneira.
Disso resulta que a classe trabalhadora tem
de conquistar o poder, o que seguramente pode fazer, porque a classe
trabalhadora constitui a grande maioria e sua consigna não é apenas de liberdade, mas também de igualdade de direitos,
incluindo, portanto, em si mesma a justiça. Nessa sede, quero, mais uma
vez, expressamente assinalar que, pelos motivos já expostos inicialmente, não
apenas entendo sob essa classe trabalhadora os trabalhadores assalariados, em
estrito senso, senão também os artesãos e pequeno-camponeses, os trabalhadores
intelectuais, os escritores, os professores das escolas populares, os
servidores públicos de grau inferior, todos os que, sofrendo sob as condições
atuais, possuem uma posição pouco - ou de nenhum modo – melhor do que a dos
trabalhadores assalariados e, estando, talvez, algo melhor do que estes – tais
qual o estamento dos artesãos e dos camponeses autônomos – tornam-se,
irresistivel e impiedosamente, vítimas do moderno desenvolvimento.
Assim, essas diversas classes formam, na
realidade, a maioria esmagadora do povo e, como
não se trata da repressão da minoria pela maioria, mas sim da igualdade de
direitos e igualdade de posição de todos, não se pode, portanto, falar da dominação de uma classe ou de um
estamento – seja mesmo da dominação da classe trabalhadora.
Trata-se, pelo contrário, de uma sociedade
tão democrática a que se aspira, tal qual jamais existiu sobre a face da terra.
Reproduzi, detalhadamente, esse último ponto, porque a “Demokratische
Korrespondenz (Correspondência Democrática” e todos os nossos inimigos referem
algo como a dominação de classe ou estamental e porque, em suas questões,
conseguem apenas imaginar, da maneira mais ingênua do mundo, a reorganização da
sociedade, exigida pela Social-Democracia, como uma colcha de retalhos, operada
sobre a sociedade burguesa de hoje.
O
Estado há de ser, portanto, transformado de um Estado, fundado sobre a
dominação de classe, em um Estado Popular, em um Estado que não haja nenhum
tipo de privilégios.
E esse Estado deverá, a partir daí, permitir, com todos
os meios e forças, colocados à sua disposição, o surgimento da produção
cooperativa, no lugar das empresas privadas isoladas.
Em um tal Estado, o ajudar a si mesmo é auxílio popular,
o auxílio popular é auxílio, prestado pelo Estado, o ajudar a si mesmo e o
auxílio do Estado são, portanto, idênticos. Um antagonismo não existe.”[70]
Diante
de todo o exposto, cumpre, então, perguntar como seria possível que Marx
e Engels manifestassem seu acordo com um Programa desse gênero, “parido
por Wilhelm Liebknecht com o veado do Hasselmann” - para usar o vocabulário
bastante expressivo de Engels -, havendo esse Programa de
ser, então, “desmascarado como pura imbecilidade”?
III.
Arcary afirma, além disso, que “Marx se uniu à construção do primeiro grande partido operário de massas que foi o
Partido Operário Alemão, Marx era
minoria. E os marxistas não tiveram
problemas de aceitar que eram minoria”.
Na
realidade, o oposto àquilo que Arcary diz é o que corresponde à
verdade histórica.
Engels, em sua carta dirigida a August Bebel, redigida
entre 18 e 28 de março de 1875, declara que nem Marx nem Engels eram
responsáveis pela minoria alemã dos assim denominados ”marxistas-eisenachianos”, oriundos
do Partido
Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (Sozialistische Arbeiterpartei
Deutschlands – SAPD), fundado entre os dias 7 e 9 de agosto de 1869.
„As
pessoas imaginam precisamente que somos nós
(SvK.: i.e. Marx e Engels) que comandamos, desde aqui (SvK.: da cidade
de Londres), a coisa toda, enquanto que o Sr.
e eu sabemos que nós nos imiscuimos, minimamente e quase nunca, nas questões
interno-partidárias e, quando o fazemos, apenas para, na medida do
possível, corrigir erros – e, em
verdade, apenas erros teóricos - que, em nosso entendimento, foram
cometidos
Porém, o Sr. há de reconhecer que esse programa constitui um ponto de virada que nos poderia forçar,
muito facilmente, a rejeitar toda e
qualquer responsabilidade em relação ao Partido que o adote.
Falando em geral, a questão depende menos do Programa
Oficial de um Partido do que daquilo que é realmente praticado por ele.
Porém, um novo programa é sempre e antes de tudo, uma
bandeira hasteada publicamente, segundo a qual o mundo exterior julga o Partido.“ [71]
IV.
Tais negociações de Wilhelm
Liebknecht sobre a fusão, envolvendo questões de Programa, não servem, em verdade, como exemplo para a
apologia democrático-operária, tal qual pranteada por Arcary, pois foram, em
verdade, negociações burocráticas.
Tratou-se de um “conchavo”, realizado “atrás
das mesas”, “de costas para o plenário”, com total desinformação de
Marx, Engels e mesmo de Bebel, visando à celebração de uma
fusão a toque de caixa com os lassalleanos, fundada em um
“Programa Podre”, lograda com o método
do fato consumado.
Seu método foi a publicação, em 7 de março de 1875, nas
páginas do órgão do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP),
denominado „Der Volksstaat (O Estado Popular)“, e no órgão da Associação
Geral dos Trabalhadores da Alemanha
(ADAV), de nome “Neuer Socialdemokrat (Novo
Social-Democrata)”, de uma conclamação, intitulada “Aos Social-Democratas da
Alemanha!”, adotada pelos dirigentes de ambos os partidos em causa, na Pré-Conferência
de Gotha de 14 e 15 de Fevereiro de 1875, tornando pública a convocação
de um “Congresso dos Social-Democratas da Alemanha”.
Juntamente com essa conclamação, foi publicado ainda um Projeto
de Programa do Partido e um Estatuto que haviam sido debatidos,
no quadro da pré-conferência em tela.
Surpreendido com tal fato, até mesmo
Bebel
dirigiu-se por meio de carta, enviada de sua cela, a Engels para
perguntar-lhe:
“O que é, então, que o Sr. e Marx dizem acerca da questão da unificação? Não tenho nenhum julgamento completamente válido.
Pois,
encontro-me totalmente desinformado.
Sei apenas o que noticiam os jornais.
Estou ansioso por ver e ouvir como as coisas ficarão,
quando for libertado, em 1° de abril.”[72]
O resultado da negociação, promovida
“de
costas para o plenário”, por Wilhelm Liebknecht e August Geib – ”marxistas-eisenachianos”
–, de um lado, e Wilhelm Hasselmann e Wilhelm
Hasenclever, d’outro, foi o assim denominado “Programa Podre”, produzido
para criar a ilusão democrática de maiorias e minorias.
O “Programa
Podre” foi, finalmente, votado e aprovado pro forma pelo Congresso
de Gotha de 1875, com pouquíssimas e inexpressivas modificações, em
total desprezo às posições defendidas por Marx e Engels, o que os colocou
diante de um fato consumado.
Esse
congresso democrático foi inteiramente teatral, feito para criar a impressão de ampla
participação das bases, uma relação formal entre uma maioria adepta do socialismo
pequeno-burguês e uma minoria, encabeçada por Bebel, Liebknecht, Geib,
Bernstein, retoricamente protestatária.
Foi um mecanismo, criado para legitimar a subodinação das forças proletárias
alemãs lassalleanas e “marxistas-eisenachianas” à
dominação de uma elite aristocrática, saída de suas fileiras, gerando uma aparência
de unidade de luta, à revelia das verdadeiras necessidades do movimento
de emancipação do proletariado da Alemanha.
As negociações pré-congressuais
e o democratismo
congressual que aprovou o Programa Podre, foram, então,
esclarecidos, hipocritamente, da seguinte forma, pelo “marxista-eisenachiano” Hermann
Ramm, em carta de 24 de maio de 1875, endereçada a Engels :
“Sua carta dirigida a mim circulou,
tal como a carta de Marx dirigida a Bracke.
O Sr. verá, a partir das negociações
congressuais, que, de nossa parte, estivemos inclinados a ter em consideração
as suas intenções, bem como as de Marx,
o que, no congresso – sobre o qual Wilhelm
Liebknecht escreve, nesse momento, que tudo se passou de modo positivo -,
foi muito mais fácil do que há dois meses antes. ...
Pelo contrário, outra coisa se dá no
que concerne à nossa relação, em sentido tático.
Nesse domínio, não há nenhma dúvida
que, se não tivéssemos feito decisivas concessões, teria sido impossível aos Hasselmanns, mesmo com a melhor da boa
vontade, tornar agradável à sua associação o pensamento de unificação, em razão
de sua estreiteza intelectual que aqueles rapazes impulsionaram, durante meia
dúzia de anos.”[73]
E ainda Bebel, de modo centrista, asseverou:
“Concordo, inteiramente, com a apreciação que o Sr. formulou sobre o
Projeto de Programa, tal como também
o comprovam as cartas que diriga a Bracke.
Além disso, censurei, de modo
enérgico, Wilhelm Liebknecht por sua
complacência, porém, depois de ocorrida a infelicidade, cumpria arrancar o
melhor possível da situação.
O que decidiu o congresso foi o máximo que era possível alcançar.”[74]
V.
Por fim, cabe ressaltar que Arcary
não mede palavras para destacar: “Mas,
Marx não teve problemas de ser minoria porque Lassalle tinha a maioria.”
Em verdade, essa frase expressa um
grande absurdo, senão uma inteira possibilidade.
Pois, na ocasião descrita por Arcary,
Ferdinand
Lassalle já se encontrava morto, há mais de 10 anos, sendo, portanto,
impossível que a maioria seguisse esse dirigente.
A maioria referida seguia, sim, os
epígonos de Lassalle, em particular Wilhelm Hasselmann e Wilhelm
Hasenclever, pois Johann Baptist von Schweizer já se
havia afastado da direção da Associação
Geral dos Trabalhadores da Alemanha
(ADAV)no sexto ano após a
morte de Lassalle.
Em verdade, a questão da morte de Lassalle
adquiria para a unificação crucial importância porque esse era precisamente o
principal argumento esgrimido por Wilhelm Liebnecht – que se
reivindicava ”marxista-eisenachiano” - para procurar convencer Marx
e Engels sobre a debilitação dos lassalleanos, decorrente da perda de
seu grande dirigente.
Wilhelm Liebknecht, em carta de 21 de abril de 1875,
dirigida a Engels, pronunciou-se da seguinte maneira:
“As deficiências do programa, para as quais o
Sr. nos chama a atenção, são indiscutivelmente existentes e delas estávamos
conscientes, desde o início. Entretanto, não puderam ser evitadas, na
conferência, se não devéssemos romper as
negociações de unificação.
Os lassalleanos haviam tido,
imediatamente antes, uma reunião de
dirigentes e vieram munidos com mandato
imperativo para o tratamento de certos pontos especificamente chocantes.
Tivemos de fazer-lhes concessões tanto mais porque para nenhum de
nós (como também para nenhum dos nossos outros) havia dúvida de que a unificação significa a morte do lassalleanismo.”[75]
E, poderíamos acrescentar, hoje – à
luz da experiência haurida ao longo de mais de um século de luta de classes -,
as concessões
no Programa foram feitas por Wilhelm Liebknecht porque a
unificação significava, sim, “a morte do lassalleanismo”.
Porém, significava também – e isso Wilhelm
Liebknecht não tinha visão científico-socialista para compreender - o
início da “mais inteira falência da Social-Democracia Alemã, enquanto organização
revolucionária do proletariado.”
Derrubada a Lei contra os Socialistas, August
Bebel e Wilhelm Liebknecht passaram a demonstrar, já a partir do início
de 1890, tendências ostensivas de pretenderem voltar a intervir exclusivamente
no quadro da legalidade burguesa.
Engels combateu,
implacavelmente, até ao dia de sua morte, a direção alegadamente “marxista”
de August
Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl Kautsky, Eduard Bernstein e
colaboradores que, na década de 90 do século XIX, seguiram imprimindo, enquanto
“friedfertige
Anbeter der Gesetzlichkeit quand même (EvM.: veneradores pacifistas da
legalidade, sob todas as condições), uma orientação invarialvelmente
pacifista e reformista ao Partido da Social-Democrarcia da Alemanha.
Por isso, diversos artigos de Engels, produzidos nos
últimos anos de sua vida, foram censurados ou simplesmente não publicados.
Em outubro de 1891, foi adotado o Programa de Erfurt do SPD
o qual, apesar de representar um passo adiante em comparação com o Programa
de Gotha de 1875 – por assentar-se, então, em linhas gerais, sobre concepções
econômicas de Marx -, consolidou importantes concessões políticas,
feitas pelos oportunistas, comandados por August Bebel, Wilhelm Liebknecht
e Karl Kautsky, aos reformistas, acaudilhados, então,
por Eduard
Bernstein, um dos protagonistas do ”Revisionimus-Debatte(Debate sobre o
Revisionismo)”, iniciado em 1896. Engels também criticou,
detalhadamente, o Programa de Erfurt de 1891, destacando os principais aspectos
tanto do oportunismo quanto do reformismo, nele acolhido e
defendido pela II Internacional Socialista.
Em especial, o Programa de Erfurt de 1891 ignorava,
mais uma vez, inteiramente a reinvindicação de Ditadura Revolucionária do
Proletariado, enquanto forma de transição à sociedade socialista sem
classes.
Os principais dirigentes do SPD impediram que a base
do Partido e os trabalhadores alemães tivessem acesso à crítica formulada por Engels
a esse programa, desprezando, completamente, seu conteúdo na formulação
do texto programático final.[76]
Voltando sua atenção às resoluções do Programa
de Erfurt, Karl Kautsky, à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia
Alemã e da II Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892:
“Uma tal derrubada (i.e. a derrubada do poder político pelo
proletariado) pode assumir as formas mais variadas, conforme as relações sob as
quais se executar. De nenhuma maneira,
tem de necessariamente estar vinculada a atividades de violência e a derramento
de sangue.
Já existiram casos na história mundial em que as classes dominantes foram particulamente
compreensivas – ou particularmente fracas
e medrosas -, de modo que abdicaram voluntariamente em face de uma situação
de coação.”[77]
No mesmo sentido, Wilhelm Liebknecht, no quadro do Congresso
de Erfurt, realizado em 1891, pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da
temática em destaque:
“O elemento revolucionário não se
situa nos meios, mais sim no objetivo.
A violência é, desde há séculos, um fator reacionário.”[78]
Wilhelm Liebknecht negava,
além disso, a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo –
admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras.[79]
Impende anotar que, entre 14 de fevereiro e 6 de março de
1895, Engels redigiu sua “Introdução à Luta de Classes na França de
1848 a 1850 de Karl Marx”, a qual foi publicada no curso do mesmo ano,
na cidade de Berlim.
Depreende-se, entretanto, de uma carta de Richard
Fischer, dirigida a Engels, em 6 de março de 1895, que a
direção do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD) exigiu de Engels
uma atenuação do tom linguístico-revolucionário, contido em sua referida “Introdução”.
Na carta de resposta de Engels a Fischer,
datada de 8 de março de 1895, verifica-se que Engels contestou,
detalhadamente, as preocupações que a direção do SPD levantava,
elucidando, inequivocamente, sua posição jurídico-político-revolucionária.
A crítica de Engels dirigia-se contra a atitude
irresoluta da direção do SPD, encabeçada, então, por August
Bebel, Wilhelm Liebknecht, Eduard Bernstein, Richard Fischer etc. – e
sua pretensão de intervir exclusivamente no quadro da legalidade burguesa.
Engels foi obrigado,
entretanto, a fazer certas alterações léxicas e gramaticais em seu texto
original, bem como eliminar, inteiramente, certas passagens, em que realçava a
necessidade da luta armada do proletariado vindoura contra a burguesia.
Baseados no texto dessa notável “Introdução”, alguns
célebres dirigentes do SPD empreenderam, a seguir, a
tentativa de deformar os posicionamentos de Engels, incluindo-o entre
os adeptos
da via pacífica “quand même (EvM.: custe o que custar)”, para a tomada
do poder pela classe trabalhadora.
Nesse sentido, em 30 de março de 1895, publicou-se, no “Vorwärts
(Avante)”, um artigo editorial, intitulado “Wie man heute Revolutionen macht
(Como se Fazem Revoluções Hoje)”, em que diversas citações, extraídas
aleatoriamente da “Introdução” de Engels, produziam a falsa impressão de que Engels
havia-se tornado “ein friedfertiger Anbeter der Gesetzlichkeit quand même(EVM.: um
venerador pacifista da legalidade, sob todas as condições)”.
Logo depois da reedição da obra de Marx em questão, Engels
exigiu, energicamente, que sua “Introdução” fosse publicada, na
íntegra, na revista “Die Neue Zeit (O Novo Tempo)”.
Sem embargo, o Nr. 27/28, 2 Vol. 13° Ano, 1894/95 dessa
revista decidiu-se por publicar apenas a “Introdução” com as alterações e as
supressões referidas que Engels fora forçado a efetuar, sob
pressão da direção do SPD.
Entretanto, a despeito destas, é efetivamente possível
verificar que a “Introdução” em causa preserva, ainda assim, seu caráter
revolucionário, pouco podendo prestar-se às degenerações de posições, contidas
no artigo editorial do “Vorwärts(Avante)”, intitulado “Wie
man heute Revolutionen macht (Como se Fazem Revoluções Hoje)”.
Neste comenos, uma publicação integral da “Introdução”
de Engels não teve em lugar, na Alemanha, antes de eliminado o
perigo de promulgação de uma nova Lei contra os Socialistas.[80]
Assim, é perfeitamente correto afirmar que a luta interna
contra a integração da Social-Democracia Alemã ao regime do
Estado Prussiano começou muito antes de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, possuindo
o seu dealbar já sob a inflexível batuta ideológica de Marx e Engels, seja no
quadro de suas contudentes críticas a todos os Programas do SDAP/SAPD/SPD,
seja no contexto da luta revolucionária em face da Lei contra os Socialistas de 1878
a 1890.
Engels combateu,
implacavelmente, até ao dia de sua morte, a direção alegadamente “marxista”
de Wilhelm
Liebknecht, August Bebel, Karl Kautsky, Eduard Bernstein e
colaboradores que, na década de 90 do século XIX, seguiram imprimindo, eles
sim, enquanto “friedfertige Anbeter der Gesetzlichkeit quand même (EvM.: veneradores
pacifistas da legalidade, sob todas as condições), uma orientação invarialvelmente pacifista e
reformista ao Partido da Social-Democrarcia da Alemanha.
Por isso, os artigos de Engels foram repetidamente censurados ou
simplesmente não publicados.
De todo modo, falar do SPD, pura e simplesmente,
como o “partido de Engels” - sem destacar a luta travada por esse
último contra o filistinismo do “livre pensar” -, constitui um equívoco patente : caberia falar
ou do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD) com que Marx
e Engels colaboraram criticamente a partir da Inglaterra – pois, ambos
haviam sido expulsos da Alemanha, logo após a Revolução
de 1848 – 1849, tendo sido Marx forçado a tornar-se apátrida -
ou do Partido que se opunha à orientação de Marx e Engels, em vez de
falar, sem mais nem menos, do “Partido de Engels”[81].
Cabe, em verdade, a Ernst Mandel e aos incorrigíveis
adeptos e colaboradores do mandelismo – no estilo de Daniel Bensaïd -
defenderem a tese arenosa de que o “Partido de Engels” se integrou ao
imperialismo alemão, por permanecer em sua “velha e preservada tática”,
finalmente antagonizada por Rosa Luxemburgo.[82]
Por outro lado, cumpre destacar que a grandiosa e corajosa
luta travada pela águia revolucionária do proletariado, Rosa Luxemburgo contra a
direção social-reformista do Partido Social-Democrático Alemão (SPD), possuía
como elementos de enfraquecimento a própria postura equivocada de Rosa
Luxemburgo. Defendendo, por um lado, a derrubada de Wilhelm
II, Rosa mantinha invariável sua posição que rejeitava abertamente o
Direito de auto-determinação das nações oprimidas – contra a orientação de Marx
e Engels -, propugnava uma teoria de acumulação do capital inteiramente
revisionista – contra os posicionamentos de Marx e Engels -,
postulava, nas lutas proletárias, uma defesa essencialmente democratista de
direitos e liberdades fundamentais para todos os indivíduos e organizações
sociais – contra a concepção de Marx e Engels -, repudiava a teoria de Partido
centralizado e clandestino – contra a concepção de Marx e Engels, Lenin e os
bolcheviques -, o que, sem dúvida, favorecia estrategicamente, em grande parte,
as posições do social-reformismo e do oportunismo organizativo da Social-Democracia
Alemã.
Entre os proletários revolucionários alemães desse
período histórico encontraremos também aqueles que, não apenas defendendo a
derrubada do Imperador Alemão, inclinavam-se também – ainda que
intermediados por Karl Radek - a favor da defesa do modo de funcionamento e da
linha geral internacionalista do Partido Bolchevique de Lenin.
Reuniam-se em torno de Paul Fröhlich, Johan Knief e
Julian Borchard e de seu trabalho surgiram também importantes
sustentáculos, indispensáveis à fundação do Partido Comunista da Alemanha
(Liga Spartakus), em fins de 1918 e início de 1919, à qual se somaram Rosa
Luxemburgo, Karl Liebknecht, Franz Mehring e seus adeptos.
Coroando os trabalhos ecléticos trotskystas-gramscianos
dos conselheiros editoriais e secretários de redação da Revista
Outubro, desenvolvidos no interior do Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU do Brasil), há que ressaltar ainda a
inequívoca e marcante influência que James Petras assume no
quadro da crescente infecção provocada pela enfermidade gramsciana no movimento
trotskysta contemporâneo e nas lutas de emancipação do proletariado.
Com efeito, Petras declara-se,
publica e ostensivamente, autêntico “Jünger” do pensamento
idealista-subjetivista de Gramsci, procurando permanentemente
mesclá-lo com o método coerentemente dialético do materialismo histórico de Marx
e Engels, Lenin e Trotsky, diametralmente oposto ao controsenso
gramscista.
Acerca de sua filiação ideológica
surpreendemente eclética, de natureza idealista-materialista, e
de orienteção política manifestamente castrista, assinala o
tão pranteado Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de
Nova York:
“... Em 1960, em San
Francisco, foi quando e onde conheci grupos marxistas que me convenceram de
suas idéias – ou delas eu me convenci por mim mesmo –, lendo libros de Marx, Lenin, Trotsky e Gramsci.
A verdade é que também
tornei-me radical, acompanhando a Revolução Cubana, cada vez que os cubanos se iam mais e mais à esquerda, declarando um Revolução
Socialista.”[83]
Segundo James Petras, a razão segundo a qual
resultaria justificado empreender-se um ecletismo doutrinário em face do
marxismo revolucionário de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, tange
à própria imprescindibilidade de distinguir entre ”marxismo vulgar” e
”marxismo consciente”, esse último articulado por “Lenin e
Gramsci”, esposado por “Guevara e Castro” e defendido,
contemporaneamente, do modo mais ardente, por Petras, ele mesmo :
“É necessário
entender a existência de um marxismo vulgar que antecipava determinadas
condutas a partir da posição de classe das pessoas.
Segundo essa
teoria, se alguém era operário, ia automaticamente tomar consciência de sua
condição, entrar na luta, organizar-se e combater.
Porém, na prática,
não era isso o que sempre acontecia.
Alguns setores,
sim, adquiriram consciência. Outros, não.
Essa forma
mecânica de ver as coisas perdeu vigência com a Revolução Cubana, particularmente
com os posicionamentos críticos de Che Guevara e de Fidel Castro, precedidos
dos de Lenin e Gramsci que falaram sobre a importância das influências
culturais e do entendimento por parte das forças atuantes da História, do
que ocorre ao redor.”[84]
Eis aí a grande
descoberta epistemológica de James Petras que
permite, por assim dizer, superar o “marxismo vulgar
ou mecânico” rumo a um “marxismo
consciente ou das influências culturais e do entendimento”, através
de “Lenin e Gramsci”, de Guevara e Castro, em conformidade com o
que torna-se possível contemplar a “importância das
influências culturais e do entendimento por parte das forças atuantes da
História, do que ocorre ao redor...”.
Encômios, pois, ao “marxismo de James Petras” !!!,
i.e. ao “marxismo das influências culturais e do entendimento” de
“Lenin e Gramsci”, inspirador dos posicionamentos de Guevara e Fidel ...
Com esse “marxismo petrasiano”, i.e. “marxismo idealista-materialista consciente”, há
de se conceder a Petras o
seu devido lugar no curso da história o qual, a bem da verdade, já foi
apregoado por Contrainformación en Red – Rebelión – veículo jornalístico
organizado pelo próprio Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York, da seguinte forma acalentadora
:
“O movimento comunista não
brotou de Marx, mas sim do movimento proletário do século XIX,
ainda que Marx chegou a liderá-lo em parte.
Marx morreu em plena atividade,
não pôde ter tempo de escrever tudo.
Isso quer dizer que devemos ter
em conta todos os demais autores que contribuíram para o marxismo :
Engels,
Lenin, Trotsky, Bukharin, Rosa Luxemburg, Ernesto Guevara, Antonio Gramsci,
Marcos, Petras, Harnecker e outros mil, sendo que, ademais disso, o
marxismo deve estar permanentemente vivo, não ser aceito como dogma inflexível,
mas sim ser usado para analizar a realidade cambiante.
O marxismo deverá ser ampliado
pelas conclusões de que a classe trabalhadora extráia de suas novas condições
materiais, em relação com os movimentos emancipatórios da mulher e das raças,
comunidades oprimidas, ecologismos políticos, movimentos anti-militaristas
etc., e todos e todas devemos contribuir para esse processo de estudo, crítica
e construção.”[85]
Porém, perguntar-se-ia
ao leitor : o que, afinal de contas, postula efetivamente o leninismo trotskysta-gramsciano de James Petras, vislumbrado da maneira
mais clarividente possível nos posicionamentos críticos político-práticos,
supostamente “comuns”, de Guevara e Fidel ?
James Petras teria,
de fato, com base em sua concepção eclética “idealista-materialista”,
contribuído
para “ampliar o marxismo” ou para propagar uma
ideologia voltada a confundir, entorpecer, embaçar, entibiar, embotar e
retardar a concepção proletária revolucionária dos lutadores dedicados à defesa
de todos e cada um dos fundamentos essenciais do socialismo científico de Marx e Engels ?[86]
Ao leitor, caberá
extrair, pois, suas próprias conclusões, com base nas afirmações do próprio James Petras, elaboradas acerca do Manifesto Comunista de Marx e Engels, as
quais demonstram qual o preciso significado e aspiração da corrente trotskysta-gramsciana, no interior das lutas
de emancipação do proletariado na atualidade :
“A seqüência da expansão capitalista, a
destruição dos vínculos tradicionais e a integração global foi, segundo Marx, o processo de criação de uma
classe trabalhadora unificada, consciente de seus interesses de classe e ligada
através de fronteiras nacionais. Sua
cadeia de raciocínio (SvK: i.e. a cadeia de raciocínio de Marx e Engels,
afirma Petras) possui falta de
entendimento claro acerca
da importância das tradições e dos vínculos sociais que precedem o capitalismo,
desempenhada na criação de solidariedade social para confrontar o capitalismo e
sustentar a consciência de classe.
Quando Marx descreve a burguesia enquanto redutora das relações humanas a
“nexos de pagamento à vista”, tal qual um prelúdio ao desenvolvimento da consciência
de classe, ele encontra-se essencialmente descrevendo a condição da classe
trabalhadora dos EUA – provavelmente a menos desejosa e hábil a identificar sua
fonte de exploração quanto mais a luta contra essa última. O despir das velhas
crenças – que Marx e Engels
denominaram, lamentavelmente, de “sentimentalismo filistino” – inclui o sentido
de comunidade e não necessariamente a crença em um “superior natural”.
Assim, a admissão de que “a insegurança
e a agitação duradouras” que os autores do Manifesto associam ao
“revolucionamento dos meios de produção” do capital não necessariamente “obriga
(o homem) a afrontar com sentidos sóbrios suas condições reais de vida e suas
relações com sua espécie.” Na realidade, os processos econômicos estão tendo os
efeitos opostos no aprofundamento da reação, atomizando o trabalho, estimulando
a guerra étnica e alimentando um vasto vapor de produção econômica através da
América Latina, da África e da Ex-URSS, bem como em outros lugares.
Assim, a centralidade da “tradição”, da
cultura e da comunidade no definir a formação da consciência de classe
encontra-se perdida diante da verve de Marx e Engels e de sua celebração
acrítica do potencial revolucionário do desenvolvimento das forças de produção.
Similarmente, o asselvajamento da força de trabalho do Terceiro Mundo,
processando-se sob a égide da internacionalização do capital, não conduziu a
maior consciência de classe ou a comportamento “civilizado”.
Um olhar para as zonas livres de
comércio haveria de dissuadir qualquer um dessa noção. Pelo contrário, isso
rompeu laços de classe e promoveu maior reverência e servilidade.
A globalização burguesa não criou “um mundo segundo a sua imagem”, tal como
Marx e Engels alegaram. Hoje, essas coisas são “pietismos sentimentais”, impressos
nos folhetos de propaganda das relações públicas do Banco Mundial, trompeteando
a “modernização” do Terceiro Mundo.
Sua
falta de um sentido de consciência de classe diretamente relacionada com os
produtores e não derivada do processo capitalista de produção esclarece as
dificuldades que muitos “marxistas” possuem de criar uma alternativa ao
capitalismo. Hoje, os capitalistas não “conclamam à existência os homens que
manejarão as armas” para assestarem um golpe mortal ao capitalismo. Criam
milhões de trabalhadores atemorizados, incertos e temporários, ligados ao nexo
do pagamento à vista. Para tornar-se
marxista, no sentido da realização dos objetivos do Manifesto Comunista, é
necessário rejeitar as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário”
da burguesia. Para mover-se rumo à ação da classe trabalhadora, a concepção de
Marx e Engels tem de ser sujeitada à crítica mais ácida. (no original :
subjected to the harshest criticism)....
Onde Marx e Engels dizem que “a consciência do homem modifica-se com
cada uma das modificações havidas nas condições de sua material existência, em
suas relações sociais em sua vida social”, as mudanças que o capitalismo
produziu minaram a construção de uma consciência revolucionária, em todos os
pontos. A noção de que a burguesia revoluciona a produção através da competição
e, no curso, “força” os trabalhadores a “confrontarem” suas condições e,
subseqüentemente, a agregarem-se conjuntamente, é falsa, em todas as contas.
A
mudança mais importante não é o revolucionamento da produção, mas sim a
transformação das relações políticas e sociais, por todas as partes do mundo,
de um modo em que se mina a possibilidade de “reconhecimento material de
proletários.”
Para
falar do Manifesto hoje, é preciso mover-se da brilhante análise econômica para
as conclusões revolucionárias, construindo uma nova teoria da ação
revolucionária.”[87]
Em vista de tudo isso e desse
absurdo e descarado revisionismo petrástico da doutrina de Marx e Engels –
difundido, no quatro cantos do mundo, a título de “teoria da ação revolucionária” -
é tanto mais estarrecedor ouvir-se de Valério Arcary, em sua intervenção,
proferida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, as seguintes
palavras, em linguagem de epígono:
“Que o Estado burguês, como nos
ensinou Petras, existe como um aparato duro, cuja função é preservar a ordem e
a propriedade privada, que não hesitará em aplicar a violência mais implacável
sobre aqueles que ameaçarem a sua dominação.”[88]
Se, mesmo Nahuel Moreno, em vida,
não entreviu sentido fundado algum para enfeitar-se com e difundir o impacto do
revisionismo
marxista-engelsiano ácido-crítico, de matiz trotskysta-gramsciano de James
Petras, Arcary demonstra encontrar motivos de sobra para, no alvorecer
do século XXI, declarar até mesmo que James Petras “nos” ensinou que o Estado
Burguês existe como aparato duro, cuja função é preservar a ordem e a
propriedade privada ..., que não hesitará em aplicar a violência mais
implacável sobre aqueles que ameaçarem a sua dominação ...
O tempora, o mores !
Quae fuerunt vitia, mores sunt !
Isso “nos”
foi ensinado por Petras ! Por Petras ! Por Petras ! Por Petras !, tal
como disse Menandro « Θεòς
εχ μηχανής », aparecendo,
no quadrante da história universal, tal qual um Deus ex machina que
promulga o seu fiat lux !
Pereant qui ante nos
nostra dixerunt !
Pereçam os que disseram
as nossas coisas antes de nós !
Certamente, por isso, Marx formula,
precavidamente, o conselho que poderia também ser repetido por quatro vezes, sem
embargo de modo muito mais instrutivo e sabiamente : Se voltarmos nosso olhar à História, a grande Professora
da Humanidade (Wenden wir unseren Blick der Geschichte, der großen Lehrerin der
Menschheit zu ...)[89] ...
Referida lição sobre o Estado
burguês ensinou-“nos”, assim, Petras, o Professor de
Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York, na
medida em que “foi capaz de criar a idéia” de criticar acerbamente a “cadeia
de raciocínio de Marx e Engels”, visto que para mover-se em direção da ação
da classe trabalhadora, “a concepção de Marx e Engels tem de ser sujeitada à mais ácida crítica, i.e. subjected to the harshest criticism)...”
Trabalhador ! Que fazer para tornar-te marxista ?
Lutador da cidade e do campo ! Como agir para mover-te rumo à
ação da classe trabalhadora ?
Eis o antídoto petrástico :
“Para
tornar-se marxista, no sentido da realização dos objetivos do Manifesto
Comunista, é necessário rejeitar as
falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia.
Para
mover-se rumo à ação da classe trabalhadora, a concepção de Marx e Engels tem de ser sujeitada à crítica mais
ácida. (no original : subjected to the harshest criticism)....” [90]
Assim :
Rejeitai as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia, para que ... para que ... para que ... para
que vos torneis marxistas!
Sujeitai a concepção de Marx e Engels à
crítica mais ácida !
Tendo-vos tornado “marxistas” por meio da crítica mais
ácida a que haveis submetido a concepção de Marx e Engels, aprendei a
lição originalíssima acima referida sobre o Estado Burguês que Petras
“nos”
ensinou.
Uma vez rejeitada as falsas premissas de Marx
e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia, sujeitada
a concepção de Marx e Engels à crítica mais ácida e absorvida,
in
continenti, sem detença, a lição inatíssima sobre o Estado
Burguês que Petras “nos” ensinou, ... haveis de
transitar rumo ao ápice de todo o edifício, em verdade, rumo à doutrina
ontológica dos “marxismos” !
Esse fundamento ensinou-“nos” também
Petras, o Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton,
de Nova York, na medida em que previu, como acima ficou indicado,
a existência dicotômica dos “marxismos”, a saber :
a.
o “marxismo
vulgar ou mecânico”, forma petrificada de ver as coisas que perdeu a
vigência com a Revolução Cubana ;
b.
o ”marxismo
consciente ou das influências culturais e do entendimento”, esse último
o de “Lenin e Gramsci”, esposado por “Guevara e
Castro”.
Portanto :
E ... uma vez rejeitada as falsas premissas de Marx
e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia, e
... sujeitada a concepção de Marx e Engels à crítica mais ácida, e
... absorvida, prontamente, a lição inatíssima sobre o Estado
Burguês que Petras “nos” ensinou e ... aprendida
a lição
sobre os “marxismos” vulgar/mecânico e
consciente-das-influências-culturais-do-entendimento, ... é
imprescindível que vos aprofundeis, ainda mais, nesse último domínio da doutrina
ontológica
dos “marxismos”, pois aí reside o punctum saliens, i.e. o
núcleo da coisa toda.
Esse punctum saliens ensinou-“nos”
também Petras, o Professor de Sociologia da Universidade de
Birghampton, de Nova York, na medida em que, mais recentemente, “foi
capaz de criar a idéia”, relacionada com a doutrina do ”marxismo com
lado positivo ou verdadeiro”, em relação antitética ao ”marxismo
com lado negativo”, ambos suplementados sinteticamente pelo “marxismo
acadêmico” e pelo “marxismo aplicado-criativamente, em sentido
histórico”.
Consolai-vos, pois, a doutrina ontológica dos “marxismos”,
expressada, de modo empírico, no fenômeno “dialético” dos ”marxismos” com
lados positivo/verdadeiro-negativo-acadêmico-aplicado-criativamente, foi
elaborada, por Petras, em sentido histórico, à maneira de teses ex
cathedra, o que facilita substancialmente seu aprendizado.
Sua doutrina sobre os “marxismos” encontra-se, assim,
plasmada em 5 Contribuições e 10 Razões de Difusão do MARXISMO (sic) !
Nisso, Petras não hesitou em pronunciar-se tal qual Giovanni
Pico, no século XV, quando em Roma, proclamou aos
presentes suas teses De omni re scibili et quibusdam aliis ...
Dai ouvido às Teses do Mestre, ó leitor de todo o mundo,
pois :
Por que estáis rindo? A
fábula refere-se a ti mesmo !
“Quid rides ? De te
fabula narratur !” :
“James Petras. A Difusão
do Marxismo e o Desenvolvimento do Movimento da Classe Trabalhadora
(Entra em cena a introdução, seguida por Cinco, Cinco, Cinco, Cinco Contribuições sob
o título O Que o MARXISMO (sic) ensina
aos trabalhadores?
Pergunta-se :
“Quais são as Maiores
Contribuições do MARXISMO (sic) para a Luta Operária? O Que o Marxismo ensina
aos trabalhadores :”
O Mestre elenca as
Cinco, Cinco, Cinco, Cinco Contribuições.
Saem as Cinco,
Cinco, Cinco, Cinco Contribuições de cena e entram, então:)
AS DEZ, DEZ, DEZ, DEZ
RAZÕES PARA DIFUNDIR O MARXISMO ENTRE OS TRABALHADORES – EXPLICAÇÃO ADICIONAL
(Elecam-se Nove,
Nove, Nove, Nove Razões.
Saem as Nove,
Nove, Nove, Nove Razões de cena.
Chegamos, então, à
cumeeira, ao clímax, ao cume, à conclusão das Dez, Dez, Dez, Dez Razões para
Difundir o Marxismo entre os Trabalhadores : )
(...)
DÉCIMA RAZÃO.
O marxismo tem tanto uma
história positiva como uma histórica negativa.
O lado negativo do
“marxismo” encontra-se em sua sumária
expressão metafísica “hegeliana”,
que “nunca toca a terra” – que está desprovida da análise concreta e divorciada
da luta de classes.
O marxismo verdadeiro é histórico e empírico, relaciona a teoria com a
compreensão das experiências concretas, históricas e contemporâneas.
O marxismo
negativo é dogmático, imitativo e acadêmico e depende de uma “linguagem
exótica”.
Está fechado para as novas idéias, experiência e
realidades.
Todas as respostas encontram-se em um livro fechado,
mencionado por líderes ou regimes cujas experiências são copiadas, sem
considerar as especificidades históricas, culturais, políticas e de classe.
Os marxistas
acadêmicos (EvM.: ouçam bem : todos ..., todos ..., todos ..., todos ... os
que se enquadram na categoria “marxista”-petrástica dos «marxistas acadêmicos»)
falam entre si em um jargão muito técnico, divorciado das lutas práticas
dos trabalhadores e camponeses, são extensos nas críticas e curtos nas soluções
e alternativas práticas.
Os marxistas
positivos estão abertos a novos conceitos, examinando os fenômenos novos
(problemas da burocracia, intelectuais, destruição ecológica, Organizações não
governamentais etc.) e introduzindo conceitos novos que estendem a análise
Marxista a áreas novas.
Os marxistas
aplicam criativamente conceitos básicos a estruturas de classe específicas,
particulares, históricas e culturais.
Rechaçam o “copiado” mecânico de outros “modelos” de
revolução ou estratégia política.
Reconhecem as mudanças no tempo, lugar, estrutura de
classes e correlação de forças.
O marxismo
positivo não apenas “estuda” os problemas, senão ainda está orientado para
a ação.
Para relacionar sua análise com a prática emprega uma
linguagem compreensível para os trabalhadores.
Por todas essas razões, o progresso do movimento operário,
o desenvolvimento e a difusão das idéias marxistas entre a classe operária e a
luta de classes estão indissoluvelmente ligados.”[91]
Suplementando a dicotomia acima referida existente entre os “marxismos” vulgar/mecânico
e consciente-das-influências-culturais-do-entendimento, com estas dos “marxismos”
com lados positivo/verdadeiro
e negativo, tanto uns quanto
outros completados sinteticamente pelos “marxismos” acadêmico e aplicado
criativamente, em sentido histórico, alcançamos, então, o âmago da
doutrina ontológica dos “marxismos”.
Não podendo dividir fisicamente Karl Marx em pedacinhos, Petras
divide o marxismo em “marxismos”, dele construindo,
“criativamente”, uma doutrina fantástica e sobrenatural, formada
por diversas porções que compõem o pensamento do de cujus : uma
delas possui o braço ..., a segunda, os olhos ..., a terceira,
os pés ..., a quarta, os dedos ... , tais quais arrancadas por um mago de sua
cartola sem fundos.
E com efeito, diz-nos Horácio :
“Humano capiti cervicem
pictor equinam jungere si velit
Se a uma
cabeça humana um pintor quisesse juntar um pescoço de cavalo
et varias inducere
plumas undique collatis membris
e
acrescentar várias penas, apanhando membros por todos os lados
ut turpiter atrum
desinat in piscem mulier formosa superne
de modo
que, degraçadamente, terminasse em peixe tenebroso uma mulher de seios
formosos
spectatum admissi risum
teneatis, amici ?”
uma vez
admtidos a contemplá-la, amigos, haveis de conter o riso ? [92]
Recapitulemo-la, porém, a “criativa” doutrina
ontológico-petrástica dos “marxismos”, composta pelas seguintes
partes ou “lados” (sic) :
1 .o ”marxismo vulgar ou mecânico”, forma petrificada de
ver as coisas que perdeu a vigência com a Revolução Cubana ;
2. o ”marxismo consciente ou das influências culturais e do
entendimento”, esse último o de “Lenin e Gramsci”, esposado
por “Guevara e Castro”.
3. o “marxismo positivo ou verdadeiro” que é histórico e
empírico e não possui linguagem exótica, em oposição ao “marxismo
negativo” ;
4. o “marxismo negativo” de linguagem exótica e dogmático
que encontra sua sumária expressão metafísica
“hegeliana”, que “nunca toca a terra” – que está desprovido da análise concreta
e divorciado da luta de classes, permanecendo fechado para as novas idéias,
experiências e realidades, especificidades históricas, culturais, políticas e
de classe ;
5. o “marxismo acadêmico” falado entre os acadêmicos com
base em um jargão muito técnico, divorciado das lutas práticas dos
trabalhadores e camponeses, extensos nas críticas e curtos nas soluções
práticas ;
6. o “marxismo aplicado
criativamente”, dotado de conceitos básicos aplicados a estruturas de
classe específicas, particulares, históricas e culturais, que rechaça o
“copiado” mecânico de outros “modelos” de revolução ou estratégia política,
reconhecendo as mudanças no tempo, lugar, estrutura de classes e correlação de
forças.
Não constitui verdadeiramente nenhum
assombro o fato de que os gramscistas monistas e seus
colaboradores dualistas ou trialistas – neo-stalinistas-gramscianos,
stalinistas-maoístas-gramscianos, trotskystas-gramscianos et caterva - fundam-se, prazeirosamente, na doutrina
ontológica dos “marxismos”, tão detalhadamente reciclada por James
Petras, que consagra, em seu zênite, o “marxismo aplicado
criativamente”.
Pois, também o “Grande Teórico Mais Recente” em
matéria de “Internacionalismo e Política Nacional” – segundo Gramsci
– foi um de seus mais insígnes adeptos, difundido-a, em escala nunca
d’antes conhecida, ao mesmo tempo em que combateu ferrenha e saguinolentamente
o “marxismo
dogmático”, i.e. na taxilogia petrástica : “o marxismo negativo”.
Ouçamos as contundentes e
instrutivas considerações de Iossif Vissarianovitch Djugaschvili Stalin sobre
o tema :
“Existe um marxismo dogmático
e um marxismo criativo.
Eu me situo sobre o terreno desse último.” [93]
Como vemos, o “marxismo criativo”, “dotado de conceitos básicos aplicados a estruturas
de classe específicas, particulares, históricas e culturais, que rechaça o
“copiado” mecânico de outros “modelos” de revolução ou estratégia política,
reconhecendo as mudanças no tempo, lugar, estrutura de classes e correlação de
forças (sic)” também foi defendido, abertamente, por Stalin, constituindo,
pois, um produto inevitável e necessário do filistinismo do “livre pensar”
que é pai da ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista de Gramsci
que gerou os neo-stalinistas gramscianos-reciclados, dos
quais nasceram os stalinistas maoístas-gramscianos que procriaram os meta-marxistas
gramscianos que são os genitores dos trotskystas-gramscianos e
gramsciófilos
que, finalmente, unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis, são de uma única substância, força
e poder, conformadora do socialismo alegórico gramsciano meta-marxista de nosso corrente
século XXI.
E, portanto, non nova, sed nove ..., i.e. não se trata de coisas novas,
mas de coisas apresentadas de outra maneira.
Se Stalin, ele mesmo,
perfilha-se, voluntariamente, entre as fileiras daqueles que defendem o “marxismo
criativo” – em contraste com os adeptos do “marxismo dogmático” –
cumpre verificar que, também os reputadamente perfilhados no terreno do “marxismo
consciente ou das influências culturais e do entendimento” – tal como Fidel
Castro, por Petras expressamente referido - perfilham-no no domínio do “marxismo
criativo”, na medida em que reconhecem os méritos daquele que, segundo Gramsci,
é “o Grande Teórico Mais Recente” em matéria de “internacionalismo e
política nacional”, i.e. o próprio Iossif Stalin.[94]
Cotejemos, assim, o latim da
ideologia de Castro :
“ENTREVISTA DE
TOMAS BORGE :
(...)
Pergunta de Borge : Fidel,
para a maioria dos dirigentes revolucionários latino-americanos, a crise atual
do socialismo possui um precursor : Josef
Stalin.
Resposta de Fidel
Castro : Eu acredito que Stalin cometeu grandes erros, porém, demonstrou,
possuir grande inteligência.
Na minha opinião, culpar Stalin por todas as coisas que ocorreram na União Soviética constituiria um simplismo histórico, porque ninguém
por si mesmo poderia ter criado certas condições.
Isso é impossível !
Creio que os esforços de milhões e milhões de pessoas
heróicas contribuíram para o desenvolvimento da União Soviética e para o seu
papel de relevo no mundo, em favor de centenas de milhões de pessoas. (...)
Pergunta de Borge : Na sua opinião, Fidel, quais foram os méritos de Stalin?
Resposta de Fidel
Castro : Stalin estabeleceu a unidade na União Soviética. (SvK.: ouça bem os argumentos de Castro, Sr. Professor Quartim de Moraes, que tanto se engaja
na busca de argumentos racionais e razoáveis para a defesa apologética da
mitologia stalinista, ouça bem os argumento de Castro!)
Ele consolidou o que Lenin
iniciou : a unidade do Partido.
Stalin conferiu ao movimento revolucionário internacional um
novo ímpeto.
A industrialização da
URSS foi uma das ações mais inteligentes de Stalin e acredito que isso foi um fator determinante para a
capacidade de resistência da URSS.
Um dos grandes méritos de Stalin – e sua equipe o apoiou – foi o plano de transferir a
indústria de guerra e as principais indústrias estratégicas para a Sibéria, bem
para dentro do território soviético.
Acredito que Stalin
dirigiu bem a URSS, durante a
guerra.
De acordo com muitos generais (SvK.: Castro refere-se aqui evidentemente aos generais soviéticos que
sobreviveram ao terror contra-revolucionário stalinista, i.e. àqueles não
exterminados sumariamente ou nas encenações dos Processos de Moscou por Stalin,
tal como Tukhatchevsky, Raskolnikov, Blüchner, Antonov-Ovseienko, Bubnov,
Dybenko, Yegorov, Gamarnik, Uborevitch e tantos outros, acusados de alta
traição à pátria socialista, trotskysmo, agentes nazistas etc.), Jukov e os
mais brilhantes generais soviéticos, Stalin
desempenhou um importante papel na defesa da URSS e na guerra contra o nazismo.
Todos eles reconhecem isso.
Acho que deveria existir uma análise imparcial de Stalin.
Culpá-lo por todas as coisas que aconteceram seria um
simplismo histórico.”[95]
Redendo-se irremediavelmente ao castrismo
stalinista, sob o disfarce gramsciano da defesa da doutrina de Marx
e Engels, Lenin e Trotsky, assevera, então, James Petras, patrono espiritual do “marxismo consciente ou das influências culturais e do
entendimento”, seguidor do “marxismo criativo”, em entrevista
concedida a Pablo Scatizza, em 10 de julho de 2003 :
“ENTREVISTA DE PABLO SCATIZZA :
(...)
Pergunta
de Scatizza a Petras : Você não acredita
que a Argentina perdeu uma oportunidade histórica, depois das jornadas de 20 e
21 de dezembro (SvK.: de 2002) ?
Resposta
de James Petras : Sim .. bem, perdeu
e alguma coisa escapou, para dizê-lo melhor. Acredito que o levante de dezembro
foi uma sublevação espontânea, não uma revolução.
Uma
revolução implica uma organização política, um respaldo de massas, uma
liderança, um programa.
O levante popular de dezembro foi um grande ato de
repúdio de um regime, não do Estado.
Não há Sovietes, nem há Exército Vermelho, nem há Fidel
Castro.
As
experiências variam, porém em nenhuma das experiências podem ser localizadas os
fatores essenciais.”[96]
Sintetizando, nessa mesma ocasião, a
essência máxima de sua doutrina de como “mover-se em direção à classe trabalhadora”,
doutrina essa amargamente crítica das concepções insculpidas no Manifesto do Partido Comunista,
de Marx
e Engels, e repudiadora da “verve de Marx e Engels e de sua celebração
acrítica do potencial revolucionário do desenvolvimento das forças de produção”
–, James Petras, alegando que os movimentos adotam uma série de
reinvindicações e alternativas programáticas – o que é positivo e importante –
porém, “falta-lhes uma compreensão teórica da natureza da evolução do sistema
imperial(sic)” ..., necessária para solucionar “a desunião dos movimentos
urbanos e rurais ...”, posto que os movimentos existentes juntos, se
estivessem unificados em um só movimento coerente, estariam mais próximos de “disputar
o poder estatal” ...,[97]
assinala, então :
Pergunta
de Scatizza a Petras : Em “Classe, Estado e Poder no Terceiro
Mundo”, onde você analisa as lutas de classe na América Latina, fala da importância
da organização para poder triunfar em uma revolução. Menciona a necessidade de
líderes, quadros, combatentes, militantes e simpatizantes, organizados nessa
ordem. Refere-se ao fato de que hoje não existe na esquerda esse tipo de
estrutura ?
Resposta
de James Petras : Não apenas estrutura,
senão também maneira de pensar. Se pensamos no êxito das revoluções que
existem, elas são uma grande extensão de poderes.
China, por exemplo, formando
centenas de milhares de quadros e milhões de simpatizantes, milhões.
Cuba avança da insurreição para conseguir apoio de
milhões.
Então,
você não pode construir uma formação revolucionária com simples quadros soltos.
Tem de ser uma organização ampla que inclua muitos
setores.
Fidel Castro disse que uma organização que se combina com
religiosos revolucionários, teologia da libertação, marxistas, nacionalistas
radicais, democratas avançados, pode e todos esses setores podem participar de
uma transformação.
Porém,
reduzir simplesmente a organização a uns quadros, a uns líderes, confundindo
isso com uma vanguarda, é uma exceção. ...
.”[98]
Inteiramente de acordo com a idéia de que “temos
um farol que ilumina tudo, desde a ilha de Cuba, como Fidel Castro”, idéia
essa estabelecida como parâmetro para a compreensão dos fenômenos
sócio-econômicos e cultural-ideológicos que se perpassam a América Latina, pontica,
então, James Petras, já inteiramente desvairado, alucinado, dominado pela paixão cega e arrebatadora pelo castrismo
stalinista do “marxismo criativo” e pelo “marxismo consciente ou das influências culturais e do
entendimento”, que possuem em Fidel Castro seu grande
luminar na atualidade :
“A grande
confrontação entre o império militar dos EUA e o movimento
antiglobalizante fez-se presente em Monterrey, com Fidel Castro
falando pelos oprimidos e contra a globalização e Bush
defendendo o militarismo, oferecendo ao Terceiro Mundo menos ajuda anual
do que destina ao regime responsável pela invasão de Israel.”[99]
Vejamos, agora, como o ”marxismo consciente ou das
influências culturais e do entendimento” de Castro é defendido,
alienadamente e apologeticamente, por James Petras, de modo tanto
mais desequilibrado, delirante, absurdo, idólatra e criticamente impotente,
imediatamente após as burocráticas execuções sumárias de três cubanos
dissidentes, orquestradas arbitrariamente pelo chefe militar absoluto Fidel
Castro, bem ao sabor do ”marxismo criativo” de Stalin,
em abril de 2003, em nome de uma suposta legítima defesa da Revolução
Cubana.
Eis
como Petras pronuncia-se, de modo inteiramente leviano e
alucinado, sobre o tema, como forma de legitimar as posições
burocrático-tirânicas do castrismo stalinista :
“Novamente os intelectuais decidiram
intervir em um debate, desta vez sobre o imperialismo estadunidense e os
direitos humanos em Cuba.
« Que importância tem o papel
dos intelectuais? »
Perguntei a mim mesmo numa
tarde ensolarada de sábado (em 26 de abril de 2003), enquanto passeávamos pela
madrilena Porta do Sol e o eco dos
gritos contra Castro de várias centenas de manifestantes ressoava na praça
quase vazia.
Apesar de uma dezena de
artigos e colunas de opinião de conhecidos intelectuais nos principais jornais
de Madri, das horas de propaganda no rádio e televisão e do apoio de burocratas
sindicais e xerifes de partidos, somente responderam à convocatória uns
oitocentos manifestantes, a maior parte deles exilados cubanos. "Está claro", respondi, "que
os intelectuais contrários a Cuba tem pouco ou nenhum poder de convocação, pelo
menos na Espanha" ...
O que os
"progressistas" não podem ou não querem reconhecer é que os detidos
eram funcionários a soldo do governo estadunidense. ...
Nenhum país do mundo tolera o
rótulo de "dissidentes" àqueles entre seus cidadãos que estão a soldo
e trabalham para promover os interesses imperiais de um poder estrangeiro. ...
Aos intelectuais críticos é
fácil ser "amigos de Cuba" nos
bons tempos de celebrações, quando os convidam a dar conferências.
É muito difícil ser
"amigo de Cuba" quando um império ameaça a ilha heróica e coloca suas
pesadas mãos sobre seus defensores.
É em tempos como os atuais -
com guerras permanentes, genocídios e agressões militares - quando Cuba
necessita a solidariedade dos intelectuais críticos, solidariedade que está recebendo de todas as partes
da Europa e, em particular, da América Latina.
Já está na hora de que nós,
nos Estados Unidos, com nossos
ilustres e prestigiosos intelectuais progressistas, de sensibilidades morais
majestosas, reconheçamos que há uma
revolução vital, heróica, que luta para defender-se contra o gigante do norte
e, modestamente, deixemos de lado nossas importantes declarações, apoiemos esta revolução e nos unamos aos milhões de cubanos que
acabam de celebrar o primeiro de maio com seu líder, Fidel Castro.”[100]
Per Gramsci ad Petras !
Per Petras ad Castro !
Per Castro ad Stalin !
Per his omnibus ao
“marxismo criativo“, ao “marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, ao
socialismo alegórico gramsciano meta-marxista, ao filinismo do “livre pensar” !
Per angusta ad augusta, através de estreitos
caminhos até às regiões mais sublimes.
Per ardua ad astros, através de árduos
sendeiros até aos astros.
No quadro de sua concepção ácido-crítica, Petras
converte a necessária defesa que deve ser por todos empreendida em
favor da independência, da luta, da soberania e do socialismo, perseguidos pelo
povo cubano, em sua resistência contra o embargo e a invasão imperialistas,
orquestrados pelos EUA e aliados, em uma apologia do governo burocrático-despótico
de Fidel
Castro e seus asseclas filostalinistas.
Quereis, entretanto, disputar a
validade do “marxismo criativo” ?
Debalde.
Apesar de possuir linha certa de descendência
paterna – tal qual a indicamos – o “marxismo criativo” reivindica para
si, tal como um gerador poiético, status de Pallas Erichthonium, i.e.
o prolem
sine matre creatam de Ovídio, i.e. o status de ser filho
nascido sem mãe[101].
Se podemos gerar, criativamente, “marxismos”
ad libitum, ao nosso bel prazer, perfilhando-nos sob a divisa Quod
volumus, facile credemus, i.e. aquilo que queremos, acreditamo-lo
facilmente, para que, afinal de contas, desperdiçar-se tempo no estudo dos
fundamentos do socialismo científico de Marx e Engels, visto que, segundo Gramsci, “Marx se havia
contaminado com incrustrações positivistas e naturalistas. ...”[102], ou, ainda, segundo Petras,
“Para tornar-se marxista, no sentido da realização dos objetivos
do Manifesto Comunista, é necessário
rejeitar as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário”
da burguesia”, já que o “marxismo tem tanto uma história positiva como uma
histórica negativa”, sendo que “o lado negativo do “marxismo” encontra-se em sua sumária expressão metafísica “hegeliana”, que “nunca
toca a terra” (sic).”
Entretanto, se, por um acaso, depois de toda essa nossa detalhada e minuciosa exposição teórica da