CAPÍTULO III. COMPOSTO DE DUAS PARTES :

SEGUNDA PARTE (CONTINUAÇÃO) – QUAL A COMPATIBILIDADE EXISTENTE

ENTRE OS POSICIONAMENTOS DE GRAMSCI E DE TROTSKY ?

SURGIMENTO E FUNDAMENTOS DO SOCIALISMO ALEGÓRICO GRAMSCIANO-META-MARXISTA

Voltar à Primeira Parte – Introdução  do Capítulo III

Texto de Autoria de

Portau Schmidt von Köln

A Enfermidade Gramsciana

no Movimento Trotskysta Contemporâneo

e nas Lutas de Emancipação do Proletariado

Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky  

O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana

de Atualização, Correção

e Superação do Marxismo

(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)

 

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Aqui, começa o Capítulo III do texto em destaque.

Esse capítulo é composto pela presente página de Internet e pelas seguintes subdivisões :

Capítulo III.A. : O Stalinismo de Gramsci no Campo Político-Partidário

Capítulo III.B. : Gramsci contra Trotsky no Campo Teórico-Doutrinário

Capítulo III.C. : A Lógica Filosófica de Gramsci contra o Socialismo Científico de Marx e Engels

Capítulo III.D. : A Via ao Socialismo Democrático-Pacifista da “Guerra de Posição” de Gramsci   

Anexo Dedicado à Compreensão do Presente Capítulo III:

Textos Originais de Gramsci, Fiel Apologista de Stalin e Engenhoso Escudeiro do Conciliacionismo de Classes,

Em sua Luta sem Quartel contra Trotsky e a Revolução Permanente

 

“Porém, um inimigo – seja ele sincero ou desonesto, seja ele vivo ou morto –

permanece sendo um inimigo, máxime tratando-se

de um escritor, o qual vive em suas obras, mesmo depois de sua morte.

Calando-nos a seu respeito, cometemos um crime social.” 

Cf. TROTSKY, LÉON DAVIDOVITCH BRONSTEIN. In : Sotchinenia (Obras), Vol. XX : Kultura Starovo Mira

(Cultura do Velho Mundo)(23 de Dezembro de 1900), Moscou-Leningrado : Gosud. Izd-vo, 1926, pp. 7 e s

 

Tal como antes ficou dito, o socialismo alegórico do corrente século XXI que defluiu, mais diretamente, da versão moderna do gramscismo meta-marxista - inimigo visceral e sibilino da Revolução Permanente, defendida inflexivelmente já por Marx, já por Engels, já por Lenin, já por Sverdlov, já por Trotsky  -  possui suas mais tenras origens no filistinismo do “livre pensar”.

Este último manifestou-se, densamente, no quadro das lutas de emancipação do proletariado alemão, em verdade, muito antes de que Gramsci pudesse formular sua idéia cerebrina de que a teoria da Revolução Permanente de Trotsky não havia sido boa nem quinze anos antes nem quinze anos depois, pois quando aveva quattro anni si voleva stuprare la bambina sicuri che sarebbe diventata madre“, i.e. quando a menina tinha quatro (4) ... quatro (4) ... quatro (4) ... quatro (4) ... anos queriam-na estuprar, seguros que haveria de se tornar mãe.[1]

O filistinismo do “livre pensar” exprimiu-se já, embrionariamente, nas fileiras dos revolucionários proletários, durante o processo de fusão que pariu – como diz Engels - o Programa Podre de Gotha de 1875, adotado no Congresso Fundacional que selou a aliança ideológico-programática entre os então existentes Partido Social-Democrático dos Trabalhadores (SDAP), dirigido pelos declaradamente “marxistas”, encabeçados por August Bebel e Wilhelm Liebknecht – contando com 9.121 militantes - e a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV), encabeçada pelos convictos lassalleanos Wilhelm Hasselmann e Jean Baptist Schweitzer – dispondo de 15.322 militantes.

A seguir, foi aperfeiçoado gradativamente por Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Georg von Vollmar, Konrad Schmidt e seus colaboradores intelectuais ejusdem generis a partir da década de 90 daquele mesmo século, surgindo como fenômeno consolidado teórica, política, estratégica e taticamente nos primeiros anos do século XX.

De todo modo, já na metade da década de 70 do século XIX e em face das ciftras numérico-partidárias supra-indicadas, os declaradamente “marxistas” August Bebel e Wilhelm Liebknecht, nada mais faziam senão acalentar, piamente, em seus corações “marxistas” o desejo de fusão, unificação, coalizão de toda a classe trabalhadora alemã, sob a bandeira de um único só Partido, seja lá da natureza que fosse, na medida em que a unidade, a todo transe, seria, custe o que custasse, o fator mais importante.

Para o atingimento de tal aspiração de fundição de todas as forças do proletariado alemão, os declaradamente “marxistas”, capitaneados por A. Bebel e W. Liebknecht, estavam dispostos a fazer concessões aos lassalleanos – como efetivamente acabaram por fazê-las no quadro do Programa Podre, redigido na cidade de Gotha -  recebendo em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca ... recebendo em troca “um monte de reivindicações puramente democráticas, bastantes confusas, entre as quais muitas eram coisas genuinamente da moda...“[2]

O método de atuação ideológico-programática dos declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht – agora convertidos, em verdade, sob o impacto do lassalleanismo, em fiéis defensores do filistinismo do “livre pensar” - era, sem qualquer margem de dúvida, já naquela época, i.e. em 1875 – portanto muito antes que os gramscianos meta-marxistas pensassem em vir ao mundo – o método meta-marxista alegórico-socialista.

Vejamos, pois, disso um exemplo fático :

Diante da aparentemente inequívoca crítica de Karl Marx relativa ao ponto relativo à Questão da Religião, contido no esboço do Programa Podre que os declaradamente “marxistas” pretendiam, a todo custo, fazer aprovar juntamente com os lassalleanos em Gotha, diziam A. Bebel e W. Liebknecht que a questão da religião surgia, em suma, para os “marxistas”, como uma questão privada, em cujo contexto cumpriria defender, « exatamente », a ampla liberdade de consciência, i.e. a permissão de cada um escolher livremente e particularmente no que quer acreditar.

Uma maior claridade sobre essa matéria, pode ser atingida através da referência das seguintes fontes  :

Formulação contida no Programa Podre :

 

“ « PROGRAMA DE GOTHA DO PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES DA ALEMANHA »

(...)

O Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha reivindica enquanto fundamentos do Estado :

(...)

6. Declaração da religião enquanto questão particular de cada um.”[3]

 

Palavras do comentário crítico redigido pela pena do próprio Marx ao ponto 6 em destaque : 

 

„Liberdade de Consciência !“

Se se pretendeu com isso, nesse momento de Guerra Cultural, levar à mente do liberalismo sua velha palavra chave, então isso poderia ter ocorrido apenas da seguinte forma : Todos podem satisfazer tanto sua necessidade religiosa como sua necessidade corporal sem que a Polícia meta o nariz no meio.

Porém, o Partido dos Trabalhadores deveria, pelo contrário, declarar, nessa ocasião, sua convicção de que a “liberdade de consciência” burguesa nada é senão a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de consciência religiosa, sendo que ele se esforça, muito mais, por libertar as consciências do fantasma religioso.

Prefere-se, porém, não ultrapassar o nível “burguês”.[4]   

 

Traduzida, meta-marxisticamente, i.e. em sentido meta-marxista, a idéia acima formulada por Marx, i.e. expondo-a na linguagem e concepção dos declaradamente “marxistas” A. Bebel e W. Liebknecht, pais do filistinismo do “livre pensar”, teríamos, porém, o seguinte :

 

“Como já é sabido, Marx escreve certo por linhas tortas, ao referir-se a questões filósificas e  históricas ..., valendo-se, até mesmo, em alguns casos, do idioma latino.

Daí, a necessidade da aplicação de anexim para a compreensão de sua formulação acima  : obscurum per obscuris, i.e. há que explicar o obscuro pelo mais obscuro ainda.

Sabemos que Marx defende, há muito tempo, o refrão que se tornou famoso : “A religião é o ópio do povo”.

Portanto ... portanto ..., portanto ..., portanto ..., no texto de Marx, contido em sua crítica ao nosso Programa de Unificação, quis ele dizer « exatamente » que... que ... que ... que ... : devemos defender a mais ampla liberdade de ciência e consciência e que cada um escolha acreditar no que bem lhe aprouver, sem que a Polícia meta o nariz no meio.”

 

Algumas retraduções dessa linguagem meta-marxista do filistinismo do “livre pensar” feita por marxistas não meta-marxistas que entenderam o excerto redigido por Marx de maneira distinta, i.e. em conformidade com o socialismo científico, apresentam-se, porém, da seguinte forma  :

 

“Eu nem quero seguir falando que tais reivindicações como : liberdade de ciência - liberdade de consciência figuram em todo e qualquer programa burguês-liberal e aqui produzem o clima de alguma coisa embusteira.”[5]

 

“(Wilhelm) Liebknecht está, naturalmente, furioso,

posto que toda a crítica foi cunhada, especialmente, contra ele.

Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselmann, pariu esse programa podre ...”[6]

 

“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...

Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira indiferente frente à falta de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.

Porém, fundamos nossa associação, entre outras coisas, precisamente para travar essa luta contra a estupidificação dos trabalhadores.

Para nós, a luta ideológica não é uma questão particular, mas sim de todo o Partido, de todo o proletariado.”[7]  

 

Eis aí porque o “marxismo criativo”, enquanto rótulo do meta-marxismo gramsciano não pode ser considerado, a bem da verdade, como propriamente original.

Preocupado em estudar as raízes do filistinismo do “livre pensar” – fonte de todo o meta-marxismo gramsciano contemporâneo, produzido pelos declaradamente “marxistas” -, Lenin recomenda-nos examinar detidamente a história do Partido Social-Democrático Alemão, começando com as declarações evasivas, contidas nos artigos de seus líderes ideológicos, terminando com a postura do Partido frente ao “Los-von-Kirche-Bewegung(Movimento de Abandono da Igreja)”.[8]  

Nesse sentido, esclarece Lenin, com sua costumeira precisão e nitidez :

 

“Outra observação incidental de Engels, também relacionada com a questão do Estado, trata da religião.

É sabido que a Social-Democracia Alemã na medida em que se degenerava, tornando-se cada vez mais oportunista, descambava, mais e mais, para o diz-que-diz filistino da célebre fórmula : « Declaração da Religião como Questão Privada. »

Isso significa que : essa fórmula foi interpretada de tal modo que também para o Partido do Proletariado Revolucionário a questão da religião haveria de ser uma questão privada !

Contra essa mais completa traição do programa revolucionário do proletariado, levantou-se Engels em 1891, contemplando, então, apenas os mais poucos perceptíveis rudimentos do oportunismo no interior de seu próprio Partido, expressando-se, por essa razão, com grande cautela :      

 

“Tendo em conta que, na Comuna de Paris, sessionavam quase apenas trabalhadores ou reconhecidos representantes dos trabalhadores, suas resoluções revestiam-se de caráter decididamente proletário.

Ou decretavam reformas que a burguesia republicana, apenas devido à sua covardia, havia deixado de aprovar que constituíam, porém, um fundamento necessário para a livre ação da classe trabalhadora – tal como a execução do princípio de que a religião é pura questão particular em relação ao Estado ; ou, então, promulgavam resoluções que correspondiam diretamente ao interesse da classe trabalhadora e, em parte, dilaceravam, profundamente, a velha ordem social.”[9]

 

Engels enfatizou deliberadamente as palavras “em relação ao Estado” de modo a dar um empurrão direto no oportunismo alemão que declarara a religião como uma questão particular em relação ao Partido, degradando, assim, o Partido do Proletariado Revolucionário até ao nível mais vulgar do filistinismo do “livre pensar” que se encontra preparado a admitir um status não-religioso, recusando-se, porém, a travar a luta do Partido contra o ópio da religião que estupidifica o povo.”[10]

 

Eis aí como Lenin revela, de modo não meta-marxista, o sentido e significado do pensamento de Marx, destacando que, particularmente no domínio da Questão da Religião, o filistinismo do “livre pensar” encontra-se preparado a admitir um status não religioso, i.e. uma posição liberal em relação à religião, uma postura de defesa da liberdade de religião, tanto em relação ao Estado, quanto em relação Partido marxista-revolucionário.

O filistinismo do “livre pensar” – desenvolvido, na Alemanha, embrionariamente, por A. Bebel e W. Liebknecht, em meados da década de 70 do século XIX e aperfeiçoado por K. Kautsky et alii, a partir da década de 90 daquele mesmo século, sob a designação de “marxismo”, negou-se, por outro lado, a considerar a religião muito mais  como uma questão não-privada dos indivíduos em face do Partido marxista-revolucionário, desarmando, assim, a luta em prol da mais importante defesa da liberdade da religião – i.e. a liberdade de consciência frente à religião -, i.e. da luta a ser travada em prol da libertação das consciências frente ao fantasma religioso, frente à estupidificação dos trabalhadores,  frente às trevas ou, ainda, frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Acreditavam, assim, em estilo meta-marxista, que Marx, entrevendo a necessidade histórica de superar-se o princípio ainda feudal do cujus regio, ejus religio, i.e. a religião é de quem é a região, houvera propugnado, incondicionalmente, muito mais - tal como Descartes, Spinoza, Hobbes, Kant et alii -, a liberdade de religião, a liberdade de cada um satisfazer tanto sua necessidade religiosa como sua necessidade fisiológica, sem que a Polícia meta o seu bedelho no meio, a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de consciência religiosa, o que surge mais bem expressado, sinteticamente, na fórmula meta-marxista : os “marxistas” defendem ..., defendem ..., defendem ..., defendem a mais integral separação entre o Estado e a Igreja, pois isso é o mais importante, sendo que o resto é que cada um deve ter a liberdade de escolher aquilo em que bem quiser acreditar.

Na Rússia Czarista, até mesmo os adeptos de Plekhanov e de Martov, i.e. os mencheviques  - i.e. não apenas os bolcheviques -  que acolheram o Programa do Partido Social-Democrático Russo (POSDR) de 1903, julgavam ser correto defender, pública e programaticamente, não apenas a mais total separação entre o Estado e a Igreja, senão também a “confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja”[11].  

E, apesar de tudo isso, Lenin possuiu a perspicácia necessária para destacar, em seu Socialismo e Religião, redigido em 1905 – quando o Estado Czarista ainda era essencialmente religioso e nem sequer essencialmente burguês-liberal o seguinte :

 

“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...

Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira indiferente frente à falta de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.”[12]

 

Defendendo posição diametralmente oposta a de Marx, Engels e Lenin, o filistinismo do “livre pensar” defendera, invariavelmente, desde a década de 70 do século XIX,  que os verdadeiros “marxistas”, no estilo de A. Bebel e W. Liebknecht, haveriam de declarar, pelo contrário, em face da religião, em “rigorosa conformidade” com o pensamento de Marx, muito mais, o seguinte : 

 

“Non olet religio quae est tamen opiu populi !”

 

Assim procedendo, limitavam a propaganda marxista anti-religiosa unicamente a declaração de que a religião é o ópio do povo, mas que não cheira à retrete pública do Imperador Vespasiano, não avançando, portanto, além das concepções propugnadas primitivamente já nos tempos longínguos de Seneca, para quem post mortem nihil est, i.e. depois da morte não nada, ou mesmo nos de Statius -  para quem já estava inteiramente claro que primus in orbe deos fecit timor, i.e. foi o temor que primeiro fez os deuses.[13]   

A defesa da liberdade de religião teve uma tonalidade mais significativa na luta contra os Estados Religiosos - como foi a Rússia Czarista até 1917 - ou, tem ainda, no curso dos nossos dias, na luta pela laicização de Estados, tais quais os da África do Norte e do Oriente Médio.

Mas, no quadro da maioria dos Estados Burgueses “de Direito” ocidentais, desde o século XIX, mais precisamente desde Marx, esse não é o ponto absolutamente central para o marxismo revolucionário, apesar dos resquícios que ficaram aqui e ali da velha fusão existente entre Igreja e Estado, seja na Europa, sejam nas Américas, seja na maioria dos países capitalistas de todo o mundo.

A consigna de defesa da separação entre Estado e Igreja e da “confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja” não colocou absolutamente um ponto final no posicionamento de Marx sobre o tema, sendo indevido, pois, acreditar que, a partir de suas obras, seja possível, de alguma forma, extrair alguma declaração de defesa de ampla liberdade de consciência e que cada um escolha no que quiser acreditar ou não, seja na religião, seja na areligiosidade, seja no ocultismo, seja no ateísmo.

Em particular no que tange aos partidos marxistas-revolucionários que travam sua luta contra a dominação capitalista burguesa-latifundiária, assegurada pelos Estados burgueses monárquicos ou republicanos, liberais, sociais e neo-liberais, devem fazê-lo não apenas nos domínios econômico e político, senão também no ideológico e no organizativo, programático e estatutário.

Sobretudo para esses partidos, a questão da democracia burguesa tem como calcanhar de Aquiles, pedra de toque,  ponto essencial, as tão veneradas “liberdade de consciência”, “liberdade religiosa”, “liberdade de ciência” e outras tantas liberdades ancoradas, nos dias de hoje, em praticamente todos os programas e constituições burguesas-liberais.

Sem compreender a precisa posição de Karl Marx acima enunciada relativamente à questão religiosa um partido marxista-revolucionário moderno possui poucas chances de superar os limites democrático-burgueses.

Esse foi mais um dos grandes méritos do Partido Bolchevique, encabeçado por Lenin, Sverdlov e Trotsky, qual seja o de travar uma luta rigorosamente marxista seja no domínio ideológico e seja no domínio programático, razão pela qual Lenin, precisamente em agosto de 1917, i.e. sob os auspícios de uma forma política democrática de um Estado Burguês-Latifundiário Republicano destacou, precisamente :

 

“Em relação ao Partido Socialista do Proletariado, a religião não é uma questão particular. ...

Essa associação não pode e não deve posicionar-se de maneira indiferente frente à falta de consciência, frente às trevas ou frente ao obscurantismo, expressados no modo das crenças religiosas.

Exigimos a plena separação entre o Estado e a Igreja, a fim de que possamos lutar contra o nevoeiro religioso, com armas puramente ideológicas e exclusivamente com armas ideológicas, com a nossa impresa e com as nossas palavras.”[14]

 

Sem essa última - tal como o passado demonstra – máxime no caso dos “marxistas” da Social-Democracia Alemã – a tendência é a de os Partidos Revolucionários do Proletariado crescerem, sobejarem, incharem, medrarem, na mesma medida em que vão se degenerando, decompondo, estragando, cadaverizando, se nada for feito evidentemente para a correção de simples erros que, de início, surgem como equívocos e mal-entendidos.

Com efeito, os marxistas revolucionários não são os que projetam seus próprios conceitos subjetivos e valores ideológicos no trato das concepções redigidas e defendidas por Marx e Engels, declarando-as, após interpretação efetuada segundo a conveniência particular de seu “livre pensar”, como se expressões do marxismo ou de “marxismos” fossem, no estilo quisquis amat cervam, cervam putat esse Minervam, i.e. quem uma cerva ama, julga que essa cerva seja Minerva, deusa das ciências e da artes.

Marxistas revolucionários são esses que, através do atento estudo das obras de Marx e Engels, nelas refletem, com adequatio intellectus et rei, dispondo-se a operar de modo histórico-dialético na realidade de seu tempo com o método de Marx e Engels, tal como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática não de colaboração de classes no estilo stalinista, stalinista-gramsciano ou gramsciano-meta-marxista, com prostração diante da dominação burguesa e latifundiária, mas de organização, mobilização e luta permanente, independente e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado[15].

Assim, a compreensão do marxismo pelos marxistas revolucionários de um determinado tempo em causa implica, pois – em inteira divergência relativamente ao modo de enfoque e de proceder dos adeptos do gramscismo meta-marxista - , elaboração de intervenção militante-revolucionária nas lutas de emancipação do proletariado, fundada não apenas nas próprias lições obtidas por meio de experiências multifacetadas, obtidas a partir de suas próprias experiências práticas do dia a dia corrente, senão ainda fundamentada nas posições teóricas, no programa político e no método de atividade revolucionária daqueles que lançaram as bases do socialismo científico, i.e. Marx e Engels, e dos que foram os seus melhores representantes nos grandes processos revolucionários de libertação de toda a classe trabalhadora e seus aliados políticos, tais quais Lenin, Sverdlov, Trotsky, Liebknecht e Luxemburgo, rumo à construção de uma sociedade sem classes e sem Estado, i.e. do comunismo, fase superior do socialismo.

Eis aí um traço diferenciador claro e marcante que serve ao reconhecimento de Partidos marxistas-revolucionários, i.e. defensores da herança de luta proletária e do método revolucionário mais legítimo dos fundadores do socialismo científico, em contraste com os Partidos prosélitos, com os Partidos apóstatas, desafeitos aberta ou veladamente ao rigor disciplinar da dialética histórico-materialista e as precisas exigências do socialismo científico.   

O socialismo alegórico gramsciano-meta-marxista de nosso corrente século XXI é um renovo dos trotskystas-gramscianos e gramsciófilos que foram procriados pelos meta-marxistas gramscianos que nasceram dos stalinistas-maoístas gramscianos, gerados pelos neo-stalinistas gramscianos-reciclados cuja origem é a ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista de Gramsci, que dimanou das diversas mutações histórico-ideológicas do filistinismo do “livre pensar”.

Não constituem todas essas vertentes, defluentes do filistinismo do “livre pensar”, absolutamente, uma corrente gnoseológica única e solitária, mas sim são distintas correntes que conformam uma única substância, força e poder, i.e. sed unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis.

Dessa sorte, muitos anos cumpriu esperar para que viessem ao mundo as seguintes frases manifestamente meta-marxistas de Gramsci, expressões do processo de refundição, reciclagem, refinamento e retratamento pelo qual passou a obra de Marx, Engels e Lenin, com objetivo de produzir, adrede, um freio ideológico inteiramente renovado, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletários internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, i.e. leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto forma de transição a uma sociedade sem classes e sem Estado :

 

[Internazionalismo e Politica Nazionale.]

 Sobre esse ponto, parece-me assentar o dissídio fundamental entre León Davidovitch (i.e. Trotsky) e Vessarione (i.e. Stalin), como intérprete do movimento majoritário.

As acusações de nacionalismo (i.e. formuladas por Trotsky contra Stalin)  são ociosas, se se referem ao núcleo da questão. (...)

O conceito de hegemonia é aquele no qual se enfeixam as exigências de caráter nacional e se compreende o modo segundo o qual certas tendências de tal conceito não falam ou apenas o desfloram.

Uma classe de caráter internacional, enquanto dirige estratos sociais estreitamente nacionais (intelectuais) e, freqüentemente, até menos ainda do que nacionais, particularistas e municipalistas (os camponeses), deve “nacionalizar-se”, em um certo sentido, e esse sentido não é, entretanto, mais estreito porque, antes de que se formem as condições de uma economia segundo um plano mundial, é necessário atravessar múltiplas fases, nas quais as combinações regionais (de grupos de nações) possam ser variadas.

Contudo, não se deve jamais esquecer que o desenvolvimento histórico segue as leis da necessidade até que a iniciativa não tenha claramente passado da parte das forças que tensionam à construção segundo um plano de divisão pacífica e solidária do trabalho.

Que os conceitos não nacionais (i.e. não referíveis a nenhum país singular) sejam errôneos vê-se pelo seguinte absurdo : eles conduziram à passividade e à inércia, em duas fases bem distintas : 1) na primeira fase, ninguém acreditava ter de começar, i.e. considerava que começando encontrar-se-ia isolado; 2) a segunda fase é talvez pior, porque se espera uma forma de “napoleonismo” anacrônico e anti-natural (posto que nem todas as fases históricas se repetem da mesma forma).     

As fraquezas teóricas dessa forma moderna do velho mecanicismo encontram-se mascaradas pela teoria geral da revolução permanente que outra coisa não é senão uma previsão genérica, apresentada como dogma e que se destrói por si mesma pelo fato de que não se manifesta efetivamente.”[16]

 

Ignorando, consciente ou inconscientemente, a gênese, o significado e o sentido mais essenciais do gramscismo meta-marxista - sendo que, tal como Tácito assinala, omne ignotum pro magnifico est, i.e. tudo o que se ignora é tido por magnífico -, emerge estreitamente aliado às posições trotskystas-gramscianas de Álvaro Bianchi, também Ruy Braga, membro do conselho editorial e secretário de redação da Revista Outubro, pesquisador do “Centro de Estudos Marxistas (CEMARX)” da Universidade de Campinas, no Brasil, e Professor da Universidade de São Paulo.

Em obra cujo lançamento foi organizado por Osvaldo Coggiola, Papa insuperável do “trotskysmo gramsciano” da América Latina, Braga contempla, no conceito de “Revolução Passiva” de Gramsci uma verdadeira maravilha teórica e dedica-se a explorar sua validade interpretativa não apenas para o caso do “capitalismo, em seu período contra-revolucionário (sic)”, senão ainda para a análise da degeneração da Revolução Bolchevique.

Aproximando-se, então, dos posicionamentos teóricos, esposados pelo mencionado koryphaios trotskysta-gramsciano utriusque, Ruy Braga, em seu artigo intitulado “Risorgimento, Fascismo e Americanismo : a Dialética da Passivização”, assinala, de modo inteiramente embriagado pelo fascínio incorrompidamente idealista-subjetivista gramsciano :

 

“A revolução passiva seria, também, uma resposta precisa às questões ligadas aos grandes materiais históricos representados pela Revolução Bolchevique, assim como, a derrota do movimento revolucionário nos países imperialistas e a afirmação de uma solução organicamente capitalista para a crise gerada pelos grandes embates entre as classes nas primeiras décadas do século.”[17] 

 

Braga devota-se, então, à questão da “Revolução Passiva” de Gramsci procurando demonstrar ao leitor o que é possível obter-se de positivo com o reconhecimento histórico generalizado desse conceito surpreendemente metafísico e fantasmagórico, onde, simplesmente enquanto “critério de interpretação histórica (conteúdo universal) (sic)”, Gramsci pretende alucinadamente demonstrar como, em processos dialético-restauracionistas, a tese envolveria, incorporaria, engajaria a antítese, i.e. o governo conservador-moderado envolveria as forças antitéticas radicais-revolucionárias, impedindo rupturas espetaculares e traumas históricos.    

Assim, conclui Ruy Braga, já plenamente rendido à lógica dialética essencialmente idealista-subjetivista de Gramsci :

 

“De modo como encontra-se desenvolvido ao longo dos Cadernos, o conceito de revolução passiva, além de expressar um programa de ação política das classes dominantes, criticado por Gramsci, constitui-se em critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de investigação da realidade, unificando análise histórica e política.

Em Gramsci, temos que a leitura croceana da dialética como relação entre distintos e não entre contrários, supõe que, no movimento histórico, a tese, longe de ser superada, é conservada por uma antítese fragmentada, dando lugar a um movimento previsível nos termos de uma repetição mecânica e pré-fixada.

A antítese não é mais antagônica, visto que surge através de uma evolução da tese, mas sim o conjunto desconexo de acontecimentos moleculares múltiplos.

O presente passa a ser visto, segundo a concepção pós-hegeliana de Croce, como uma determinada repetição ampliada do passado, a inovação não é algo além do que um tipo de conservação reformista.” [18]

 

Eis, portanto, como a lógica dialética de Gramsci, projetada em seu conceito de “Revolução Passiva” superou a dialética histórico-marxista de Marx e Engels, constituindo-se em  “critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades enquanto busca dar conta dos mais variados aspectos de investigação da realidade, unificando análise histórica e política.”

E, com razão, dirão os Sträublinge em sinfonia : tendo obtido um novo “critério de interpretação totalizante e repleto de possibilidades”, Gramsci concebeu, nos Cadernos - ora, pois ! – que, no movimento histórico, a tese, longe de ser superada, pode ser conservada por uma antítese fragmentada, de tal sorte que a antítese pode deixar de ser antagônica – apesar de não deixar de ser antitética -, se surgir precisamente de um processo evolutivo, não rupturista, quando passa a ser, então, um conjunto desconexo de acontecimentos moleculares múltiplos.

É isso mesmo ... ! Em todos esses casos gerais, o que vai ser superado não é a tese ..., não é a tese ..., não é a tese ... Não, não é a tese ... : o que vai resultar superado é efetivamente o marxismo revolucionário ..., com essa sua dialética histórico-materialista das antíteses não-fragmentárias, juntamente com a dialética dos antagonismos conexos de acontecimentos moleculares unificados ...

Como se vê, Gramsci superou tudo isso e descobriu que a antítese pode ser um conjunto desconexo, deixando de ser antagônica, para ser molecularmente múltipla.

E isso pode ser historicamente comprovado ... , historicamente comprovado ..., historicamente comprovado..., historicamente comprovado ...,  se ... se ... se ... se analisarmos justamente os casos da “Revolução Passiva” Gramsciana...

Pois, nos casos em que empregamos o “critério de interpretação histórica (conteúdo universal) (sic)” da “Revolução Passiva” Gramsciana, o resultado é o de que a tese não é superada pela antítese antagônica, mas sim que o marxismo revolucionário com essa sua dialética histórico-materialista da antítese antagônico-conexa, molecularmente única, é que é superado.

Se quisermos dizer isso, na leitura croceana pós-hegeliana da coisa toda, diremos que, na “Dialética da Passivização” – sim, pois a dialética aqui é evidentemente uma outra, i.e. a dialética de o “Outro Gramsci” – tese insuperada e antítese molecular fragmentariamente desconexa  não são contrárias : são distintas, por não serem nem antagônicas, nem contraditórias, nem de fato historicamente materialistas. 

 

Sufragando as posições do trotskysmo gramscista-luckásiano – como se possível fosse coerentemente conciliar a perspectiva revolucionária trotskysta com o stalinismo reciclado de Gramsci e Lukács - encontraremos, no interior do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado do Brasil), ainda a figura de relevo de um dos principais porta-vozes dessa organização partidária, Valerio Arcary, publicamente anunciado como Historiador, Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo, Doutor em História pela Universidade de São Paulo e assíduo membro colaborador da Revista Outubro.

Urdida, no domínio intelectual universitário-burguês, a estranha simbiose de raízes trotskystas, vindas de meios extra-escolásticos, com as premissas intelectuais escolásticas do gramscismo stalinista-reciclado, sob a batuta da professora livre-docente Zilda Iokoi, especialista em elaborações ideológicas referentes à perspectiva de um socialismo cristão – inspirados por José Carlos Mariátegui, o assim denominado ”Gramsci latino-americano”, e pela suposta “ação libertária das Pastorais da Terra e do Movimento Sem Terra” -, penetrou o projeto de um novo trotskysmo gramscista-luckásiano, pela destacada capacidade retórico-sofística de Arcary, nas fileiras das organizações jornalísticas, partidárias e sindicais, dirigidas pelo PSTU, de modo a praticamente a neutralizar o potencial de produção intelectual-revolucionário, de matiz essencialmente trotskysta, que possuía toda uma geração de revolucionários, no curso dos anos 80 e 90.[19]

Cumpre registrar a absorção das posições gramscianas e luckásianas por Arcary, em sentido lógico-doutrinário, de maneira mais ostensiva, apenas a partir de 2000, como decorrência de sua recepção – ocorrida em meios essencialmente acadêmico-universitários - de posicionamentos especulativamente semi-fantasmagóricos, defendidos por intelectuais de renome do stalinismo reciclado europeu, na forma moderna do gramscismo korsch-luckásiano cuja linha diretriz paradigmática pode ser entrevista nas produções do historiador e sociólogo Perry Anderson, editor da New Left Review (Revista da Nova Esquerda).

Anderson é também reconhecido por Arcary, em diversos de seus raciocínios, como referência de ideologia significativamente revolucionária.

Como é bem sabido, Perry Anderson é conhecido mundialmente pela difusão, desde longa data, do gramscismo luckásiano, energicamente hostil ao trotskysmo revolucionário.

Nas páginas da  New Left Review (Revista da Nova Esquerda) de Perry Anderson,  encontraremos o próprio cinismo de Luckács, inimigo visceral do trotskysmo revolucionário, sendo interrogado hipocritamente por Perry Anderson, sobre suas visões de reciclagem do stalinismo, na pespectiva korsch-gramsciana[20] :

 

“Nos anos 20, Korsch, Gramsci e eu tentamos agarrar, segundo os nossos modos distintos, o problema da necessidade social e sua interpretação mecanicista, herança da II Internacional.

Herdamos esse problema, porém nenhum de nós – nem mesmo Gramsci que foi talvez o melhor de nós todos – pôde o resolver ...

Estou trabalhando agora em meu livro “Ontologia do Ser Social” que espero poderá resolver os problemas que foram postulados, de modo inteiramente errado, em um de meus primeiros trabalhos, em particular “História e Consciência de Classe”. (p. 51) ....

 

Fui, porém, introduzido a Lenin por Lunatcharsky.

Lenin encantou-me por completo.

Também tive, naturalmente, a possibilidade de vê-lo trabalhar nas comissões do Congresso (SvK.: III Congresso da Internacional Comunista, em Moscou).

Devo dizer que achei os outros líderes bolcheviques antipáticos.

Trotsky, repudiei imediatamente.

Entendi que era um fanfarrão exibicionista.

Sabe, existe uma passagem de Lenin nas memórias de Gorki onde Lenin, após a Revolução, embora reconhecendo as realizações organizativas de Trotsky, no curso da Guerra Civil, afirma que Trotsky possuía algo de Ferdinand Lassalle. ...  

Não posso me recordar absolutamente do próprio Stalin, no Congresso.

Como muitos outros comunistas estrangeiros, não possuía nenhuma consciência sobre a sua importância no interior do Partido Russo.(pp. 54 e 55).”[21] 

 

É precisamente a esses ídolos decaídos do stalinismo reciclado, Gramsci, Lukács et alii, defensores de uma forma de reciclagem de stalinismo, abertamente hostil ao trotskysmo revolucionário, que Arcary se prosta, lamentavelmente, em tom de reverência espiritual-ideológica.

Não satisfeito com o fato de o próprio Lukács ter afirmado – como vimos acima – que, em sua própria obra “História e Consciência de Classe”, os problemas concernentes à necessidade social e sua interpretação mecanicista “foram postulados de modo inteiramente errado” – pois Lukács, nessa obra, atinge as raias de um subjetivismo idealista-voluntarista na abordagem dessa questão -, procura Arcary, em seu afã de conciliar trotskysmo com gramscismo lukácsiano, salvar Lukács, naquilo que o próprio Lukács condenou em si próprio, como erros por ele mesmo perpetrados :

 

“Sobre o tema da desumanização e consciência de classe, uma das obras de referência no marxismo clássico foi História e Consciência de Classe, hoje muito desvalorizada pelo entusiasmo com que defende o protagonismo do proletariado.

Ocorre que, nesse texto, Lukács sistematiza de forma irretocável, algumas conclusões teóricas sobre as contradições entre a existência enquanto classe, e a formação da consciência de classe que permanecem até hoje, para o fundamental insuperáveis.”[22] 

 

No mesmo diapasão, ressalta Arcary:

 

Se o paradigma lukácsiano do marxismo como método e não como dogma continua de pé (ou deveria), as possibilidades teóricas, de uma visão do ângulo de “totalidade”, são certamente menores que o entusiasmo político dos anos imediatamente posteriores à revolução russa, apoiado nas premissas de um crescente protagonismo proletário, nos países centrais faziam supor. Mas sempre vale a pena renovar o desafio.”[23]

 

E, adverte, em tom de filiação ideológica :

 

A referência clássica para a discussão sobre ideologia e consciência de classe é o trabalho de Lukács de 1922, que mais pelas suas virtudes do que pelas suas limitações, foi severamente criticado, até por ele mesmo, com amargura, como se pode conferir nesta passagem do prefácio de 1967, como sendo uma ideologização hegeliana do proletariado, e portanto uma concessão a uma visão “finalista” da História.

Quarenta e cinco anos depois, sob o impacto de mais de duas décadas de relativa passividade e pacto social no Ocidente, o velho Lukács iria admitir que talvez a sua obra de maior significado teórico, estivesse prenhe de uma visão teleológica do protagonismo do proletariado.

Talvez, por outro lado, o intervalo histórico, para uma avaliação definitiva, ainda seja demasiadamente curto.”[24]

 

E clamando pelos “grandes” ensinamentos ideologizantes de Lukács - esse velho stalinista reciclado, inimigo irreconciliável do trotskysmo revolucionário -, arremata Arcary, apologeticamente, em tom de censura a supostas “fortes propensões objetivistas” dos marxistas revolucionários :  

 

“Resumo da ópera: o impressionismo em relação às derrotas, é, em geral, fruto de uma análise pouco dialética. A seguir, o trecho de Lukács:

 

Não pode haver marxistas no sentido da objetividade do laboratório, do mesmo modo que tampouco pode existir uma seguraça da vitória da revolução mundial com a garantia das “leis naturais”.”[25] 

 

Arcary esforça-se por construir uma combinação eclética e nauseabunda de trotskysmo e gramscismo, tolerante, compreensivo e até mesmo solidário, seja com as posições inteiramente stalisnistas-recicladas de Lukács, seja com as posições de outros paredros do reformismo social e da traição à causa da emancipação do proletariado.

Todos estes surgem indevidamente nivelados nas mãos de Arcary  - que os trata, em sentido retórico-literário, como se simples “interlocutores mútuos” fossem, por seus supostos “talentos e dons extraordinários”, superiores ao “horizonte mais imediato de sua geração” - a autênticos revolucionários marxistas que deram suas vidas à causa da Revolução Proletária Mundial :

 

“Os homens pensam e agem dentro de uma totalidade, que é o meio e o tempo histórico em que vivem e atuam, mas alguns, pelos seus talentos e dons extraordinários, se elevam acima do horizonte mais imediato de sua geração, e portanto, das pressões mais imediatas nas quais estão inseridos.

Esses homens e mulheres, Bernstein, Kautsky, Rosa, Lenin, Trotsky, Bukharin, Paul Levy, Lukács e Gramsci, entre outros, foram gigantes do seu tempo, foram interlocutores mútuos e se influenciaram reciprocamente, mesmo quando se afastavam e polemizavam duramente entre si.”[26]

 

Ignorando, essencialmente, o sentido e significado revolucionários do socialismo científico de Marx e Engels e depreciando-o até mesmo em sua importância histórico-revolucionária, Arcary cerra fileiras com os habitantes do pântano gramsciano e luckásiano que desprezam as palavras de Marx de que o socialismo científico é uma expressão por ele perfeitamente utilizada “em oposição ao socialismo utópico que pretende impingir novas quimeras ao povo, em vez de limitar sua ciência ao conhecimento do movimento social, realizado pelo próprio povo.”[27]    

 

Nesse sentido, argumenta Arcary, da seguinte forma, inteiramente solerte:

 

A fórmula do socialismo científico soa, no entanto, envelhecida ou até irritativa nesse final de século.

Essa discussão tem uma história, também no interior do marxismo, que remonta aos esforços de Engels, depois da morte de Marx, de demonstrar que a dialética materialista seria o instrumento teórico-lógico, que permitiria explicar, de forma mais apropriada, os fenômenos que governam, tanto as transformações da natureza, quanto na sociedade, e, por essa via, afirmar a condição científica do marxismo.

A crítica aos esforços de Engels, uma velha discussão filosófico-histórica, afirma que ele teria diminuido a especificidade da operação da dialética na história, no seu esforço de defesa do materialismo. E teria, assim, escorregado para excessos deterministas, e para uma leitura evolucionista do progresso.

Se a diferença metodológica entre essas obras filosóficas de Engels e a aproximação de Marx à questão são somente matizes ou não, é uma questão muito discutida.

A esse propósito, transcrevemos um fragmento de Ricardo Musse, que relocaliza bem o marco da preocupação de Engels, e explica as razões dos seus “excessos” cientificistas :

 

“A adoção, por Engels, de uma dialética uniforme, abrange o suficiente para compreender seja o andamento histórico seja o processo natural, não chamou tanto a atenção quanto a novidade da atribuição da natureza como “pedra de toque” da dialética, em torno da qual concentrou-se, em grande parte, o debate na geração de Korsch e Lukács. ...

O prestígio, crescente e incontestado, dessas ciências prestava-se tanto a reativações da insepulta filosofia da natureza, à maneira do sistema filosófico de Dühring, quanto à disseminação de variantes do materialismo francês do século XVIII, tarefa empreendida na Alemanha por Büchner, Voigt, Moleschott & Cia. ...

Para demonstrar a veracidade e a universalidade de tais “leis”, Engels, dado o caráter indutivo-dedutivo do seu empreendimento, optou pela via de um acompanhamento exaustivo, isto é, pelo procedimento infindável de decifração caso a caso das mais importantes descobertas da ciência em seu tempo.(Musse, Ricardo).”[28]

 

Salta aos olhos como, em todo esse debate, sobre o “envelhecimento e irritabilidade” da fórmula do socialismo científico por causa dos “esforços de Engels, depois da morte de Marx”, de demonstrar a dialética materialista tanto nas transformações da natureza quanto na sociedade, afirmando, assim, a condição científica do marxismo, Arcary não encontre palavras para destacar que Marx – antes mesmo de sua própria morte - , dirigindo-se Moritz Kaufmann, não poupou seu latim para destacar que :

 

“Por correio, enviar-lhe-ei igualmente - caso o Sr. dele já não disponha - um novo escrito de meu amigo Engels, intitulado "A Subversão da Ciência do Sr. Eugen Dühring", escrito esse muito importante para a uma correta apreciação do socialismo alemão.”[29]

 

Para Marx, toda a leitura da dialética da natureza de Engels e de sua polêmica contra a filosofia da natureza de Dühring era “muito importante para a correta apreciação do socialismo alemão”. 

Para os gramscianos, para os luckásianos e para Arcary, “a fórmula do socialismo científico soa envelhecida ou até irritativa”, pelo que procura, sofregamente, à maneira gramsciano-luckásiana, encontrar as razões históricas desse fênomeno senil-irritativo.    

Provas adicionais do surgimento desse seu perfil gnosiologicamente eclético, são-nos apresentadas por Arcary, em seu artigo, intitulado “A Polêmica sobre a « Ausência » do Proletariado e a Atualidade da Estratégia Revolucionária », de fevereiro de 2002.

Aqui, assinala, em aberta tentativa de tornar discretamente admissível o perfil subjetivista-idealista de Gramsci, no seio das concepções marxistas-engelsianas, rigorosamente dialético-materialistas, o seguinte  :       

 

“Quanto à possibilidade histórica de que se desenvolvam nos porões do capitalismo elementos de um modo de produção socialista, e as correspondentes hipóteses gradualistas de uma transição sem ruptura e luta armada, a tradição marxista se dividiu no último século em distintas opiniões. Acerca deste tema compartilhamos a mesma tradição que Anderson reivindica no fragmento a seguir, colocando a polêmica sob uma óptica histórica: 
« O advento político de uma situação de duplo poder, acompanhada pelo início de uma crise econômica, não permite uma resolução gradual. Quando a unidade do Estado Burguês e a reprodução da economia capitalista se quebram, o tremor social subseqüente deve opor, rápida e fatalmente, revolução e contra-revolução em uma violenta convulsão. Em um tal conflito, o capital sempre disporá de uma base de massas, maior do que um punhado de monopolistas (...). O capitalismo não triunfou em nenhum país avançado do mundo atual (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Japão ou Estados Unidos), sem um conflito armado ou uma guerra civil. A transição econômica do feudalismo ao capitalismo é, sem embargo, a transição de uma forma de propriedade privada a outra. É imaginável que uma mudança histórica muito maior, implícita na transição da propriedade privada à coletiva, que precisa de medidas mais drásticas para a expropriação do poder e da riqueza, assuma formas políticas menos duras? (...) A tradição a que pertencem essas concepções é, falando em termos gerais, a de Lenin e Trotsky, Luxemburgo e Gramsci. (grifo do próprio Arcary.)”
[30]    

 

Com base em tal declaração grifada, pode o leitor certificar-se de que Valerio Arcary inscreve-se nas fileiras ecléticas e semi-fantásticas do troskysmo gramscista-luckásiano.

Como forma de insuflar, lentamente, o gramscismo e o lukácsianismo idealista-subjetivista nas fileiras do marxismo revolucionário moderno, i.e. o trotskysmo revolucionário, de modo a corromper a cientificidade dialética-materialista deste, a fim de torná-lo susceptível e moldável às necessidades políticas, sindicais e eleitoral-parlamentares das forças socialistas pequeno-burguesas do Brasil e da América Latina – subjulgando -o às forças intelectuais de conciliação de classes, representadas por pensadores como Carlos Nelson Coutinho, Milton Temer, Chico Alencar, Leandro Konder etc., Arcary, sempre se ocultando por detrás de referências e supostos exemplos históricos, seguidos por Marx e Engels, apresenta Gramsci como dotado de uma hipotética “honestidade intelectual inflexível”. Com efeito, segundo a sua ótica, quer Valerio que seja o seguinte :

  

Gramsci entre os marxistas de sua geração, é sempre uma referência nas questões metodológicas mais complexas, pela sua honestidade intelectual inflexível ...”[31]

 

Até mesmo para impulsionar sua polêmica de conteúdo essencialmente teórico-abstrato contra Jacob Gorender em torno de pontos que envolvem primordialmente o trotskysmo, Arcary não pode abrir mão de referências dramáticas a Gramsci - tomado como paradigma histórico-revolucionário, ao lado de Karl Marx e Rosa Luxemburgo – como forma de supostamente produzir uma “explicação marxista rigorosa e até impiedosa, se necessária” :   

 

“Que os trabalhadores foram (e são) sindical e politicamente reformistas em condições não revolucionárias, e com mais razão em situações contra-revolucionárias, não é uma descoberta que impressione. Na verdade, as amplas massas proletárias são até hostis às idéias revolucionárias nessas circunstâncias.

A esse propósito, Gorender usa a imagem de “amor não correspondido” para definir com humor cáustico as relações dos trotskystas e o proletariado. O relativo isolamento dos trotskystas certamente merece uma explicação marxista rigorosa, e até impiedosa, se necessária.

E é certo que a marginalidade das organizações da Quarta Internacional teve como sequela uma crise crônica, que se manifestou tanto em adaptações às pressões das correntes majoritárias, quanto no enrijecimento sectário em torno de diferenças que podem parecer minúcias talmúdicas.

Não parece todavia que seja um privilégio dos trotskystas terem sido desprezados, em algum momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Marx, Rosa e Gramsci e muitos outros tiveram, no seu tempo, em grande medida, as mesmas vicissitudes.”[32]

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Elencando, equivocadamente, Gramsci, pensador supostamente equipado “com honestidade intelectual inflexível”, entre os “herdeiros da tradição identificada com o marxismo revolucionário” – pois que Gramsci  era eminentemente hostil não apenas ao materialismo histórico-dialético de Marx e Engels,  senão ainda à concepção de revolução permanente e de conquista da hegemonia do proletariado nas versões materialistas elaboradas por Marx, Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky – ao passo que prestava louvores a Stalin, por considerá-lo o “grande teórico mais recente”[33] -  Arcary eleva Gramsci, de modo inteiramente indevido, às alturas do trotskymo, ao clamar: 

 

“Neste campo estão a maioria dos herdeiros da tradição identificada como o marxismo revolucionário: entre outros, uma parte da literatura inspirada na herança de Antonio Gramsci, que coloca o eixo dos processos históricos nos desenlaces das lutas políticas, mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a corrente histórica (divida em muitas frações) que se reclama de Leon Trotsky e da Quarta Internacional.”[34]

 

O próprio Arcary, dando-se conta do patente desequilíbrio analítico de sua colocação retórico-sofística, procura, ao menos, imediatamente, moderá-lo, justificando a sua “utilidade por razões didáticas de ênfase”(!), no que, porém, não se pode sair melhor:   

 

“Na verdade, é só por razões didáticas de ênfase, que se pode trabalhar com esta esquemática classificação: qualquer marxista recusaria uma absolutização tão simplista. Mas ainda assim, com os devidos descontos, ela é útil.”[35] 

 

Arcary compartilha, juntamente com Perry Anderson, não apenas a mesma tradição de Lenin, Trotsky e Luxemburgo – tradição legitimamente fundada na formulação científica do socialismo de Marx e Engels de luta pela libertação das massas proletárias, visando à edificação de uma sociedade socialista-humanizada -, senão ainda a “tradição” metafísico-stalinista do demiourgós subjetivista-idealista Gramsci, posicionamento híbrido, dualista e dicotômico, este esgrimido também por todos os Pontífices Trotskystas-Gramscistas, entre os quais, no Brasil, destacam-se, insuperavelmente, Carlos Nelson Coutinho, Chico Alencar, Osvaldo Coggiola e a Trombeta de Jericó que, em meio ao proletariado brasileiro, é, presentemente, a Revista Outubro, orquestrada por Álvaro Bianchi e Ruy Braga.

É também esse mesmo trotskysmo gramscista-luckásiano que, em um amplo leque de variantes, estende-se amplamente a ponto de – tal como veremos a seguir - incorporar adicionalmente, de maneira complacente, a defesa da “tradição” que também fora exortada por Ernst Mandel[36] e, presentemente, o é por inúmeros mentores ideológicos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU – QI), sejam os que, por um lado, sustentam direta ou indiretamente a Frente Popular, encabeçada por Lula e integrada pelo ex-Ministro do (contra) o Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto (SU – QI),  sejam os que, por outro, protagonizam e reivindicam a orientação ideológica e política do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tais quais Carlos Coutinho, Milton Temer, Chico Alencar, Leandro Konder e che più ne ha, più ne metta.  

Em apologia à “tradição” precisamente marxista-leninista-trotskysta-luxemburguista-gramsciana, prossegue Arcary, no artigo supra-citado : 

      

“Não parece todavia que seja um privilégio dos trotskistas terem sido desprezados, em algum momento, pelos trabalhadores que pretendiam representar: Outras correntes revolucionárias da história tiveram, fora de situações revolucionárias, melhor sorte?

Marx, Rosa, Gramsci e muitos outros não tiveram, no seu tempo, em grande medida, as mesmas vicissitudes? Combateram em situações em que o isolamento político demonstrou-se inevitável. Por outro lado, quis a ironia da história que, energúmenos incorrigíveis, mas favorecidos pelas circunstâncias dos tempos políticos que são, em grande medida, acidentais, já que as oportunidades são ingratas, fossem carregados pela força de ventos históricos que estavam longe de compreender, se vissem à cabeça de gigantescas mobilizações que nem sequer suspeitavam serem possíveis, porque eram o material humano disponível.  (...)”[37]

 

Já em seu artigo Reforma e Revolução no Brasil de Lula, Arcary, defendendo, sem estorvo, referida “tradição” eclética, concomitantemente dialético-materialista e idealista-subjetivista, ao buscar clarificar importante polêmica com a esquerda do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva, relativa ao título em realce, não sente qualquer embaraço intelectual ao citar, já na abertura de seu artigo, reflexão redondamente equivocada de Antonio Gramsci, encadeando-a com um brilhante apotegma de Rosa Luxemburgo, de modo a torná-lo caput mortuum.

Se não, vejamos :

 

“Reforma & Revolução no Brasil de Lula : uma polêmica com a esquerda petista ou a invenção de uma esquerda internacionalista para o novo século, à luz dos dilemas alemão e russo de há cem anos atrás.

 

« Estamos de punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos. » Rosa Luxemburgo 

 

« Fala-se de capitães sem exército, mas, na realidade, é mais fácil formar um exército do que formar capitães. Tanto isto é verdade que um exército já existente é destruído se faltam os capitães, ao passo que a existência de um grupo de capitães, harmonizados, de acordo entre si, com objetivos comuns, não demora a formar um exército, até mesmo onde ele não existe. » Antonio Gramsci.”[38]  

 

Seria exorbitante esperarmos de Gramsci algum raciocínio materialisticamente fundado no domínio da arte militar, onde sabidamente jamais atuou diretamente, para daí revestir suas posições no domínio da política. 

Não obstante, o voluntarismo sofômano idealista-subjetivista de Gramsci jamais o inibiu de pronunciar-se também nesse campo.

O resultado não poderia ser outro, senão o produto de uma visão inteiramente falaciosa e desprovida de qualquer conhecimento prático efetivamente verificado.

E assim : camelus desiderans cornua etiam aures perdidit, i.e. quem tudo quer tudo perde.      

Extasiado por seu radical anti-trotskysmo e sem contar com suficiente bagagem prático-revolucionária para versar sobre tema dessa envergadura, também aqui, no domínio das questões militares, Gramsci defende uma abordagem inteiramente idealista, no que tange à formação de exércitos e capitães.

Bastar-nos-á referir aqui a concepção coerentemente dialético-materialista de Trotsky, que, além de avaliar justamente o processo de formação de sua própria experiência militar-revolucionária dirigente, aborda o exemplo da formação do “capitão” Frunze, o « motor da máquina das Forças Armadas Vermelhas e da Revolução Proletária Mundial»[39]:

 

 

“Antes do fim de 1917, nunca esperei ocupar-me com assuntos militares.

Lia livros sobre questões militares do mesmo modo que lia livros – digamos assim – sobre astronomia ou sobre outros temas.

Lia-os na prisão.

Porém, tornei-me mais interessado por questões militares durante a Guerra Imperialista, quando vivi na França.

Não possuía nenhum conhecimento militar.  

Em minha opinião, existem certos métodos gerais que são aplicáveis a todas as esferas da vida e da atividade criativa.

As pessoas falam, por exemplo, de lógica jurídica.

Na realidade, trata-se aí de lógica humana, aplicada às questões jurídicas.

De modo semelhante, na esfera da administração, um bom administrador de fábrica será, assim, um bom administrador militar.

Os métodos de administração são, em grande linhas, precisamente os mesmos.

A lógica humana encontra a mesma aplicação, seja na esfera militar seja em outras esferas : precisão, perseverança. Todas essas qualidades são necessárias, em todos os domínios em que as pessoas querem construir, criar e aprender.

Adquirimos conhecimento técnico elementar através da experiência : estivemos sob fogo cruzado durante todo o tempo.

Cometemos muitos erros e sustentamos vários frontes de combate.

Fizemos muitas observações e, assim, fomos capazes de aprender.

Frontes inteiros foram comandados por homens que jamais haviam estado no exército, tal como, p.ex., o companheiro Frunze.  

Para ser um bom soldado artilheiro – e, particularmente, para ser um soldado artilheiro competente – é necessário que se tenha freqüentado uma academia de artilharia, porém, para desempenhar um papel dirigente na formação de um exército, não é necessário que se tenha tido nenhuma educação especial como artilheiro ou de qualquer outro gênero: há de se possuir apenas certas qualidades políticas e administrativas.”[40]

 

Em seu artigo intitulado Ir ou não ir além da CUT, Arcary recalca a mesmíssima falsa perspectiva apológética da “tradição”, ao destacar que :   

 

“Nunca existiu, portanto, nem para Marx, nem para Lenin, nem para Rosa, Trotsky ou Gramsci, um décimo primeiro mandamento que prescreve lealdade incondicional a uma Central sindical.”[41]

 

Mas, porque precisamente tais asserções exemplificativas envolvendo, justamente,   “Marx, Rosa, Gramsci e ... muitos outros”, poderia indagar o leitor ressabiado, ao sobressaltar-se acerca do porquê de Gramsci haver de surgir ladeando Marx, Rosa e .... muitos outros ?

Se voltarmos nosso olhar à História, a grande Professora da Humanidade (Wenden wir unseren Blick der Geschichte, der großen Lehrerin der Menschheit zu ...)[42], poderemos concluir, parafrastica e precisamente, contemplando através das lentes de óculos dialético-materialistas, que Rosa foi e permanece sendo uma águia da revolução socialista, proletária internacionalista, ao passo que Gramsci revelou-se inteiramente como uma reciclagem de um “marxismo” de matiz stalinista, i.e. uma atualização meta-marxista, teórico-pedagógica vulgarizadora, que permitiu fosse expandida a lógica epistemológica do stanilismo burocrático e anti-cosmopolita junto à civilização européia-ocidental.

Submetendo o filistinismo do “livre pensar” e o stalinismo a um novo ciclo de operações intelectuais de matiz idealista-subjetivista, Gramsci propiciou seu refinamento e sua refuncionalização, produzindo como resultado um novo freio ideológico, destinado a impedir que a eclosão de processos efetivamente proletário-internacionalistas, inspirados por posições marxistas revolucionárias, leninistas-trotskystas, conduzam à consolidação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Soberania proletária, enquanto forma de transição ao socialismo e ao comunismo.

Cerrando seus olhos a uma análise conseqüentemente histórico-materialista do fenômeno histórico do gramscismo, Arcary pretende esclarecer o atraso da revolução socialista nos países centrais de modo fundamentalmente eclético-visionário, i.e. inteiramente de acordo seja como o método materialista de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, seja como o método voluntarista idealista-subjetivista de Gramsci.

Compartilhando conseqüentemente a mesma “tradição” que Perry Anderson reinvidica para si, Arcary encontra argumentos para defender o seguinte :

 

“Por quê o atraso da revolução socialista nos países centrais?

A segunda hipótese é aquela que insiste em explicações, em última análise, subjetivas, ou seja, que reconhecem as mudanças materiais socioeconômicas, mas não concluem que elas sejam a principal determinação e procuram, no curso da luta de classes e, portanto, em fatores sociopolíticos, o atraso histórico do processo de mobilização proletária no sentido de uma ruptura anticapitalista, em particular, nos países imperialistas. Neste campo estão a maioria dos herdeiros da tradição identificada como marxismo revolucionário: entre outros, uma parte da literatura inspirada na herança de Antonio Gramsci, que coloca o eixo dos processos históricos nos desenlaces das lutas políticas; mas, sem dúvida, se destaca, como tendência organizada, a corrente histórica (dividida em muitas frações) que se reclama de Leon Trotsky e da Quarta Internacional. Evidentemente não seria razoável discutir o crescimento prolongado da economia capitalista no pós-guerra, e o deslocamento do centro da luta de classes para os países dependentes ou periféricos, sem buscar a articulação entre causalidades objetivas e subjetivas. A Quarta Internacional, antes da sua divisão em 1952/53, compreendia, entretanto, de forma unânime que a participação dos PC’s em governos de união nacional no pós-guerra, teria sido fundamental, para conter a onda revolucionária que se abriu com a derrota do nazi-fascismo, e garantir a paz social.”[43]

 

As postulações levantadas por Gramsci veiculam, em versão teórico-refinada, o subjetivismo idealista no retratamento do stalinismo contra-revolucionário e não do marxismo revolucionário, bem como, em sentido político, a colaboração de classes entre proletários e burgueses, e, em sentido partidário-organizativo, a “bolchevização do Partido Comunista Italiano (PCI)”, i.e. a sua stalinização, o que permitiu a mais absoluta erradicação dos elementos trotskystas em seu interior, tal como veremos logo a seguir.

Com efeito, o stalinismo, enquanto expressão ideológica e política de um “marxismo” burocrático-proletário – auto-denominado “marxismo-leninismo” - sistematicamente voltado a promover a colaboração de classes proletário-burguesa em todos os domínios da luta de classes de emancipação do proletariado, em nome da defesa de supostos valores proletários – do que dão-nos nitidamente exemplo as posturas políticas de Stalin e seus aliados no período pós-revolucionário de Fevereiro de 1917, na questão do Pré-Parlamento e do Conselho da República, na Insurreição de Outubro e, posteriormente, na defesa e execução das políticas de Socialismo em um Só País, submissão das lutas de emancipação do proletariado chinês ao Kuomintang, esquerdização das lutas do comunismo alemão contra o Social-Fascismo Social-Democrático, enfim, sua política de Frente-Popular ... – o stalinismo, enquanto método de promoção dissimulada da complacência do proletariado com as forças burguesas e pequeno-burguesas, em prejuízo dos valores proletários, possui como fundamento epistemológico o racionalismo escolástico da colaboração de classes.

Gramsci posiciona-se em face das posturas stalinistas de modo a promover a sua absorção, reciclando-a epistemologicamente, desde um ângulo subjetivista-idealista, volutarista-metafísico, denunciando, para isso, o materialismo dialético de Marx e Engels por estar "contaminato di incrostazioni positivistiche e naturalistiche" (contaminado de incrustrações positivistas e naturalistas).                      

Gramsci reatualiza, sofisticadamente, o “marxismo” burocrático-proletário stalinista, defendendo não apenas posições organizativo-partidárias de índole manifestamente burocrática, senão também teses políticas, tal como as famosas Teses de Lyon do Partido Comunista Italiano (PCI), de janeiro de 1926,  cuja essência é a desbragada confirmação do conciliacionismo de classes proletário-burguês, impulsionada, na Itália, por Gramsci e seus seguidores, desde o assassinato do Deputado Socialista Giacomo Matteotti, em 1924, e estendida para todas as questões teórico-doutrinárias da luta de classes de emancipação do proletariado.

Gramsci retifica, assim, palavras de ordem de natureza supostamente democrático-intermediária, readaptando-as à aspiração de Democratização do Estado, supostamente viabilizadora de um Socialismo Democrático, no estilo:  Assembléia Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses ou, por assim dizer, em Assembléias Operárias e Camponesas.

Extraordinariamente atento ao tema, Trotsky teve a oportunidade de assinalar, entretanto, já mesmo em novembro de 1929, que, na Itália, todos !!! (grifo nosso), todos os dirigentes de formação burocrático-stalinista adotavam uma posição oportunista, para depois, eventualmente, a seguir, retificá-la mediante aventuras de ultra-esquerda.

Isso se expressava, ao mesmo tempo, na tentativa de adaptar à Itália a idéia de “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses”, sob a forma de uma palavra de ordem de assembléia constituinte, apoiada sobre uma assembléia operária e camponesa[44].

Em maio de 1930, regressando ao mesmo tema, Trotsky, então, observou, incisivamente, fornecendo um ensinamento histórico inolvidável para as futuras gerações de marxistas revolucionários :

 

A Assembléia Republicana constitui, inegavelmente, um organismo do Estado Burguês.

O que são, pelo contrário, os Comitês Operários e Camponeses ?

É evidente que, de alguma forma, são um equivalente dos Sovietes de Operários e Camponeses. ...

Como é possível, nessas condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do Estado Burguês – tenha como base organismos do Estado Proletário.[45]

 

Em face dessa clara e cristalina citação de Trotsky que aferroa todos!!! os dirigentes de formação burocrático-stalinista – entre eles, necessariamente, também Gramsci -, resulta, verdadeiramente, surpreendente ouvir-se, então, dos tribunos da defesa da “tradição” – tal como o faz Arcary -, os seguintes argumentos, esgrimidos, obviamente, em defesa da própria “tradição”, ao tratar da polêmica sobre as aptidões revolucionárias do proletariado :    

 

“Se o impressionismo de jovens é tanto explicável como desculpável, porque lhes falta a perspectiva que somente os anos e a experiência podem oferecer, o mesmo não se pode dizer da dedicação incansável com que intelectuais torturam os clássicos da literatura marxista para demonstrar qualquer coisa.

Não estamos, contudo, entre os que enxergam a tradição socialista como as tábuas da lei.

Mas reivindicamos uma tradição.  

Não vamos recorrer a citações de Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo, Gramsci, Trotsky ou Moreno.

Não se encontrará nas linhas que se seguem uma polêmica fundamentada em argumentos de autoridade.

Nos apoiaremos somente em apreciações de processos históricos.”[46]

 

Perguntar-se-ia, então, de modo a esclarecer-se a metodologia de trabalho da “tradição” : o que seria da Revolução Socialista de Outubro de 1917, se intelectuais de dedicação incansável – entre eles, com principal destaque Lenin, em seu Estado e Revolução – não tivessem torturado os clássicos da literatura marxista para demonstrar alguma coisa e recorrido a argumentos de autoridade ?

Com efeito, o alvoroço do “bloco histórico” trotskysta-gramsciano guarda, em si, também um enigma profundo que há de permanecer indecifrável, na medida em que intelectuais de dedicação incansável não torturem os clássicos da literatura marxista para demonstrar qualquer coisa e não recorram a argumentos de autoridade, visando a elucidar seus posicionamentos : um enigma, não porque envolve uma forma ideológico-política requintada e translúcida de defesa de uma das complexas variantes de sustentação dos governos de colaboração de classes, seja em contexto de existência, seja de inexistência de dualidade de poderes - e oportunismo relativamente às lutas de emancipação do proletariado, o que, ademais, já bastaria para justificar, do modo mais vulgar, o mais pleno repúdio da “tradição” que acalenta os posicionamentos ideológicos de Gramsci.

Senão pelo contrário : o mistério do “bloco histórico” trotskysta-gramsciano é o de possuir uma lógica-epistemológica que, através de múltiplas formas intrincadas, complexas, obscuras, fantásticas, objetivam desviar os processos revolucionários da luta socialista do proletariado de seu rumo conseqüentemente emancipatório – e, por conseguinte, de toda a humanidade –, impedindo que assumam a genuína via materialista-dialética, consagrada por Marx e Engels e consagradora da indispensabilidade da preparação permanente e execução tecnicamente precisa das tarefas necessárias ao despedaçamento do Estado Burguês.          

Apenas com a derrubada do capitalismo pela via revolucionária da luta de classes, hegemonizada pelo proletariado no quadro de uma coalizão selada com seus mais autênticos aliados históricos, explorados e oprimidos pelo capitalismo – entre os quais, em particular, o campesinato pobre -, apenas com o despedaçamento do aparelho do Estado colocado a serviço das ínfimas minorias exploradoras e opressoras, autocráticas, latifundiárias e burguesas, resulta, pois, aberta a via de transição da Ditadura Revolucionária do Proletariado, rumo ao atingimento de uma sociedade socialista mundial humanizada, livre da opressão de todo Estado e imune às dilacerações decorrentes dos embates sangrentos, travados entre classes sociais irreconciliavelmente hostis : primeiro estágio para o estabelecimento de relações sociais autenticamente comunistas.

Essa severa missão revolucionária encabeçada pelo proletariado pressupõe, necessariamente, não apenas uma luta de cunho econômico e político, senão ainda de natureza essencialmente ideológica, envolvendo, pois, uma defesa meticulosa da mais legítima tradição emancipatória, fundada por Marx e Engels.   

No quadro da tradição trotskysta-gramsciana, encontramos, entretanto, por força de sua própria lógica intelectual, um vínculo para recepcionarmos, refinadamente, o marxismo” de matiz stalinista. 

Sendo assim, a questão do inimigo não se encontra apenas colocada relativamente à já difícil tarefa de sua identificação, senão ainda concerne ao método acertado de como combatê-lo.

Nesse sentido, porém, o não reconhecimento conseqüente da verdadeira tradição histórico-revolucionária do proletariado e das tarefas impostas à defesa dessa tradição, como forma de elevação da consciência e da disposição das massas trabalhadoras e seus aliados às tarefas da revolução proletário-internacionalista, tornam a derrota definitiva do inimigo, historicamente  identificado, inteiramente impossível, bem como o atingimento de uma sociedade humanamente socializada, completamente inviável.

Não obstante, para Arcary, toda a análise dos sujeitos sociais e dos fatores histórico-subjetivos, dos conceitos de situação e de crise revolucionária, dos momentos em que a “humanidade” se encontra com as suas “esquinas perigosas”, traduz-se em uma versão eclética, fundada, por conseqüência, no subjetivismo idealista, inteiramente alheio ao marxismo revolucionário, solidária, porém, com as necessidades do socialismo de matiz pequeno-burguês, alimentado pela intelectualidade acadêmica, vinculada ao stalinismo reciclado.

Por isso, Arcary afirma, coroando o método de seus empreendimentos literários:

 

“Ou seja, (Perry) Anderson reconhece que o lugar dos sujeitos sociais vêm se alterando ao longo do processo histórico, e que uma nova articulação de causalidades poderia se observar ao longo do século XX.

Essa consideração é chave para a discussão dos conceitos de situação e crise revolucionária e para a compreensão da releitura que Lenin, Trotsky e Gramsci farão do papel dos chamados fatores subjetivos, na História, em particular nos momentos em que a humanidade se encontra com as suas esquinas perigosas.”[47]

 

Com efeito, acolhendo acriticamente os posicionamentos do ultra-gramiscista, stalinista-reciclado, aliado ao Actuel Marx e ao Partido Comunista Francês, Jacques Texier, Arcary procura trabalhar com uma nova tática política, uma nova hipótese política, que, efetivamente, corresponde ao gramscismo, mas não às exigências do marxismo revolucionário.

A nova tática política é, entretanto, muito antiga, pois trata de deturpar, descaradamente, o sentido e o significado das formulações de Engels, constantes em sua célebre texto, redigido entre 14 de fevereiro e 6 de março de 1895 e intitulado “Introdução à Luta de Classes na França de 1848 a 1850 de Karl Marx”.[48]

 

Legitimando, porém, o pensamento do ultra-gramsciano – declaradamente anti-leninista -  Jacques Texier, Arcary destaca, abonando inteiramente a sua tão decantada “tradição” : 

 

Já no que diz respeito à necessidade de uma nova tática política, quando se oferecem condições de disputa, na legalidade e acumulando posições que permitam um processo de aprendizagem da classe, tanto no terreno eleitoral, quanto sindical, as observações de (Jacques) Texier procedem.

O paralelo histórico com Gramsci parece correto, e corresponde de fato às primeiras formulações em torno a uma nova hipótese estratégica, que considera a importância de preservar e explorar as conquistas democráticas,no marco de um pensamento que se complexifica com o estudo da correlação de forças à escala nacional e internacional, e que deve responder ao problema do regime democrático burguês.”[49]                   

 

Evidentemente, Arcary cala-se sobre o sentido e o significado contextual das palavras de Jacques Texier, procurando justificar seu suposto acerto em parte“no que diz respeito à necessidade de uma nova tática política” -    e esconde ao leitor quais são os verdadeiros propósitos desse velho stalinista reciclado, saído das filerias do Partido Comunista Francês.

Vejamos como Texier compreende a questão da “nova tática política” : 

 

“Acredita-se conhecer o pensamento político de Marx e Engels, porém dele não se conhece senão certos fragmentos que um certo discípulo célebre isolou e integrou em um sistema (obs. Texier refere-se aqui à Lenin).

É necessário, portanto, retomar tudo do zero ou quase do zero.

O que é bem conhecido não é conhecido.

Daí a idéia de realizar uma investigação minuciosa, segundo diferentes percursos, para retomar a questão central : Marx e Engels subestimaram a democracia política como às vezes se diz ?

Não parece. Teóricos da revolução, eles, de início, foram atraídos pelo problema das relações da revolução e da democracia.

Mas, existe um pensamento político de Marx e Engels e, se existe, quais são suas categorias específicas ?

Revolução violenta e passagem pacífica, conquista da democracia e ditadura do proletariado, revolução permanente e guerra de posição, Estado instrumento de uma classe e relativa autonomia do Estado, revolução pela base e revolução pelo ápice etc.

Os conceitos para pensar a política são numerosos e as articulações, difíceis.

Primeira experiência decisiva : a revolução de 1848, com o pano de fundo do modelo da Revolução Francesa.

Marx e Engels são blanquistas? Em caso positivo, permaneceram blanquistas?

Com efeito, seu pensamento político conheceu transformações profundas no curso do século.

De 1885 a 1895, Engels introduziu algumas inovações políticas nos quadros teórico-políticos introduzidos pela Comuna ?

Ainda aí, a importância das evoluções, se as tomamos em consideração, coloca em causa a idéia do sistema.

Contrariamente a uma idéia fixa, trata-se de um pensamento atento às instituições e às formas políticas. Essa riqueza foi transmitida ?

Deploravelmente não.

Um livro célebre de Lenin, o Estado e a Revolução, desempenha seu papel nesse empobrecimento.

Nele está ausente esse pensamento móvel, complexo, contrastado, sensível às mutações históricas, multidimensional.”[50]

 

Eis como Arcary ao declarar que “no que diz respeito à necessidade de uma nova tática política ... as observações de Texier procedem”, afasta-se inteiramente da tradição marxista-revolucionária, cultivada por Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky.

Repudiando-a, procura descobrir em Marx e Engels – no estilo gramscista de Texier – o oportunismo da “importância das evoluções”, pois o livro de célebre de Lenin, o Estado e a Revolução,  desempenharia um papel de empobrecimento, por causa de pensamento supostamente sem mobilidade, sem complexidade, sem contrastes, sem mutações históricas, sem multidimensão ....

Sem qualquer criatividade intelectual, o próprio Arcary – seguindo ainda as pegadas do ultra-gramsciano Jacques Texier – atribui, falsamente, a Rosa Luxemburgo apenas “fortes propensões objetivistas”, e a Lenin e a Gramsci  - esse último no extremo, o mérito de destacarem o lugar da consciência de classe – tal como se Rosa simplesmente o ignorasse ou o menosprezasse :      

 

“Existiram tanto objetivistas que retiraram como conclusão de suas análises, mais ou menos fatalistas, uma estratégia política quietista, como Kautsky, quanto subjetivistas que chegaram, para o fundamental, ao mesmo endereço partindo de premissas opostas, como Bernstein, que acreditava na possibilidade da escolha consciente da opção pela democracia.

O mesmo se pode dizer da corrente revolucionária, que reunia desde Rosa, com fortes propensões objetivistas, até um Lênin, e no extremo um Gramsci, que destacavam acima das “férreas leis da necessidade”, o lugar da consciência de classe e da construção dos fatores de subjetividade, isto é, da vontade consciente.”[51] 

 

Verifique o leitor que no texto acima a expressão “férreas leis da necessidade”, redigida entre aspas e postado em aparente contradição à expressão ”construção dos fatores de subjetividade”, não se encontra aí presente por motivo de somenos.

Pois, para Gramsci, Marx havia-se contaminado com “incrustações positivistas e naturalistas”, das quais os bolcheviques teriam supostamente se distanciado:

 

Os bolcheviques renegam Karl Marx, afirmam com o testemunho da ação explicada, das conquistas realizadas, que os cânones do materialismo histórico não são assim tão férreos como se poderia pensar e se pensou.[52]

 

Enquanto palavra-de-ordem de seu pensamento, Arcary formula, então, sua fórmula mágica para a construção de seu socialismo da “igualdade social” e da “liberdade humana” que do socialismo científico de Marx e Engels afasta-se diametral e substancialmente, por repudiar o fato de que o projeto de sociedade socialista do marxismo revolucionário opõe-se claramente à concepção de socialismo enquanto reino do igualitarismo social[53] :

 

“No século XX, o poder deve procurar legitimidade no terreno da política:

em termos gramscianos, deve dirigir além de dominar.[54]

 

A operação intelectual de Arcary é, intrinsicamente, gramsciana, resguardando-se, porém, extrinsicamente, da autoridade revolucionária de Marx, Engels, Lenin, Trotsky e Rosa Luxemburgo.

Nesse sentido, assinala, depudoradamente, procurando salvar Kautsky e Gramsci, para o refinamento de seu próprio projeto eclético-revisionista, como se simplesmente não existissem as acirradas e duríssimas polêmicas travadas entre o marxismo revolucionário, através da pena de Lenin, Rosa Luxemburgo e Trotsky, a partir de 1909, contra Kautsky, o renegado da Ditadura Revolucionária do Proletariado e mentor intelectual dos programas políticos de colaboração de classes seja Social-Democracia Alemã Independente, seja da Social-Democracia Alemã :

 

“Mas trata-se de uma dupla injustiça: nem Gramsci merece o papel de kautskista “après la lettre”, nem Kautsky merece o limbo ao qual foi condenado.”[55]  

 

Vê-se, pois, que Arcary anseia retirar Kautsky e Gramsci do lugar onde se deitam as coisas sem valor.

Ao menos no que tange a Gramsci, Arcary destaca a lucidez de Gramsci quanto à questão ideológica do castatrofismo, argumento esse evindentemente contra o mito das “fortes propensões objetivistas” de Rosa Luxemburgo[56]:     

 

“A lucidez de Gramsci sobre esta questão ideológica do catastrofismo pode ser conferida (na passagem citada in loco)  : .... “[57]

 

Arcary procura reconstruir, “em termos gramscianos”, i.e. de modo idealista subjetivista - à la Jacques Texier -  toda a história da luta de classes, havida na Alemanha – onde atuaram revolucionariamente Marx e Engels, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.

Dessa reconstrução gramsciana, formulada segundo o próprio sabor e conveniência subjetivista de Arcary, pretende encontrar pontos de apoio que possam servir de fôrro ideológicos para seus próprios propósitos de conquista de influência ideológica, sindical e política-eleitoral sobre o movimento de emancipação do proletariado, em aliança com outros gramscianos, stalinistas reciclados, no estilo de Chico Alencar, Milton Temer, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder etc. que, em essência, conduzem inexoravelmente a um refinado projeto de conciliação de classes.

E, sem dúvida, o mais impressionante de toda essa tentativa essencialmente eclética de Arcary de reconstrução idealista subjetiva da história da luta de classes da Alemanha, tendo como centro Marx e Engels, as revoluções alemãs, a Social-Democracia Alemã é, particularmente, o fato de que a reescreve sem a utilização patente de nenhum documento importante, seja lá de que autor se possa tratar, extraído da própria literatura produzida em língua alemã. 

Por não versar o alemão, Arcary comporta-se como o historiador que escreve sobre a luta de classes, travada na Grécia Antiga ou em Roma, sem, porém, empreender a leitura e o estudo detido dos próprios materiais literários, existentes em grego clássico e latim, tais quais se apresentam efetivamente, desde décadas e séculos, surgidos ao calor dos fatos e com suas contradições mais inerentes. 

Recorrendo sempre a materiais produzidos de segunda mão por autores solidários com sua própria perspectiva de ver o mundo, nos termos do gramscismo eclético – i.e. um modelo mal acabado de “trotskysmo gramscista-lukácsiano” - , haurido a partir de materiais gerados em língua espanhola, francesa, inglesa – por Jacques Texier, Perry Anderson, Eric Hobsbawn e tantos outros -, Arcary discorre, em tom parafrástico, sobre um tema histórico de extraordinária importância, elaborando, às pressas, um esquema abstrato, moldado, acomodado e adaptado aos seus próprios interesses de argumentação subjetiva, sem qualquer efetiva fundamentação histórico-real.

Mais um desses exemplos de recriação gramsciana da história a partir de sua príopria imaginação, é formado por suas argumentações sobre “As Minorias e a Democracia : A Atualidade do Marxismo e da Revolução Socialista.”

Aqui, suas reflexões são proferidas em favor de um fantástico ingresso “incondicional” de Marx, “com suas forças” minoritárias, no Partido Socialista dos Tabalhadores da Alemanha, comandado pelas forças da maioria de Ferdinand Lassalle, porque ... Marx teria supostamente “acordo com o Programa(!)”, apesar de “não haver acordo sobre tudo com a corrente majoritária de Lassalle.”  

E proclama : “ ... os marxistas não tiveram problemas de aceitar que eram minoria.”

Evidentemente, a conjectura semi-fantástica da construção intelectual de Arcary é o de demonstrar que até mesmo o revolucionário Karl Marx reduzia-se, na prática política da vida das organizações dos trabalhadores, à figura insôssa de um pedante defensor do democratismo, até mesmo quando a direção majoritária era exercida por forças do socialismo pequeno-burguês, promotor da conciliação de classes com o Governo de Otto von Bismarck e de um socialismo promovido de maneira pacífica e gradual, no estilo de Ferdinand Lassalle, “porque havia acordo no Programa”.[58]

Com efeito , Arcary apresenta-nos um contexto histórico que, em verdade, jamais poderia ter existido de fato da maneira como narra, seja na Alemanha, seja em nenhum outro lugar ou momento da história do marxismo revolucionário, por inúmeros motivos.

Se não vejamos:

 

“Eu quero dizer a vocês que o Manifesto (Comunista) nos ensina algo muito importante, profundo sobre isso.

Marx estava tão convencido de que a emancipação dos trabalhadores seria obra dos próprios trabalhadores, tão convencido de que o futuro estava na mão da classe trabalhadora que não tinha medo de ser minoria dentro das organizações dos trabalhadores.

E não sei se sabem, quando Marx se uniu à construção do primeiro grande partido operário de massas que foi o Partido Operário Alemão, Marx era minoria.

E os marxistas não tiveram problemas de aceitar que eram minoria no Partido Operário Alemão.

A maioria seguia um dirigente que chamava-se Lassalle, o primeiro e o mais influente dos dirigentes políticos da história do movimento operário internacional.

Ninguém menos do que Marx, pela importância que tinha a construção do Partido Operário Alemão, entrou com as suas forças, incondicionalmente, na construção do Partido Operário Alemão porque havia acordo no Programa.

Não havia acordo sobre tudo com a corrente majoritária de Lassalle.

Havia muitas desconfianças da corrente majoritária de Lassalle.

Mas, Marx não teve problemas de ser minoria porque Lassalle tinha a maioria.

Confiava nos trabalhadores, em suas opiniões.

Eu quero dizer a vocês que, para estarmos à altura, da herança do Manifesto (Comunista) e da experiência prática de Marx, nós temos de dizer que a construção da unidade dos lutadores passa pela construção de ferramentas unitárias, instrumentos de luta comuns, a Frente Única de todos os lutadores.

E dentro dessa organização deve haver democracia incondicional.

E quem for maioria que seja maioria, e quem for minoria que seja minoria.

Os marxistas revolucionários se forem minoria saberão disciplinadamente serem minoria, como soubemos ser dentro da CUT.

Mas, as minorias não podem se transformar em maiorias, sem contar os votos.

Não se pode atrás da mesa substituir aquilo que tem de ser entregue, nas mãos dos lutadores, nas vossas mãos. São vocês que têm de votar.

Não é um acordo, não pode ser um conchavo, atrás das mesas, de costas para o plenário, porque os novos instrumentos de luta não serão iguais da CUT nunca mais, nunca mais, nunca mais, de costas, nunca mais, de frente.”[59]

 

É evidente que Arcary refere-se aqui ao celebérrimo processo de construção do Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (Sozialistische Arbeiterpartei Deutschlands – SAPD), mediante fusão promovida entre marxistas-eisenachianos, agrupados no Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), e lassalleanos, reunidos na Associação Geral  dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), ocorrida entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, no quadro do Congresso da Unificação (Vereinigungsparteitag) que teve lugar na cidade de Gotha, na Alemanha.  

Porém, Arcary ora descreve fatos que nunca existiram, ora distorce posições, idéias e concepções, tudo isso com o objetivo de legitimar “segundo a herança do Manifesto (Comunista) e da experiência prática de Marx”, uma fantástica subordinação de minorias às maiorias, enquanto critério autenticamente democrático, para a construção da unidade dos lutadores, tudo isso com base na contagem de votos.

Elenquemos, porém, rapidamente, ao menos cinco fatos concretamente históricos e passíveis de serem confirmados por qualquer historiador seriamente interessado na história do marxismo revolucionário na Alemanha:   

 

I.

 

Arcary afirma claramente, em sua intervenção, que “Marx ... entrou com suas forças, incondicionalmente, na construção do Partido Operário Alemão, porque havia acordo no Programa.”

Porém, o que afirma se encontra, efetivamente, situado em contradição com a verdade histórica da luta de classe da Alemanha.

Ora, esta é, em verdade, diametralmente oposta àquilo que Arcary afirma, pois não havia absolutamente acordo no Programa, no que diz respeito às posições de Marx e de Engels.

Para Arcary, historiador de matiz trotskysta, porém sob forte influência gramsciano-lukásiana - que aceita, em parte, as observações de um stalinista reciclado, ultra-gramisciano do calibre de Jacques Taxier -,   uma das mais importantes obras de Karl Marx, intitulada “Crítica ao Programa de Gotha”, redigida em abril e maio de 1875, jamais existiu na realidade.

Em sua intervenção, Arcary nem sequer a refere.

Porém, é precisamente nessa sua obra clássica de extraordinária importância para a compreensão do sentido e do significado do marxismo revolucionário que Marx, a despeito de saudar a perspectiva de unificação das forças proletárias da Alemanha, demonstra-nos, detalhadamente, que não havia acordo no Programa.[60]

Seu desacordo com relação ao Programa, é igualmente corroborado, nitidamente, em sua lendária carta, dirigida a Wilhelm Bracke, datada de 5 de maio de 1875.[61]

Quanto a Engels, sua carta dirigida a August Bebel e redigida entre 18 e 28 de março de 1875, comprova-nos, além disso, que, de sua parte, não havia acordo no Programa, exatamente porque, em essência, esposava as concepções defendidas por Marx em sua“Crítica ao Programa de Gotha”.     

Depois de elencar as razões de sua oposição ao Programa em referência, Engels declara, expressamente:

 

„Paro por aqui, embora praticamente cada palavra desse programa, redigido, além disso, de modo suave e astênico, merecesse ser criticada.

Tanto é assim que, caso seja adotado, Marx e eu jamais nos poderemos declarar adeptos desse novo Partido, instituído sobre essas bases, e teremos de muito seriamente refletir que atitude assumiremos – também publicamente – em relação a ele. …”[62]

 

Como se vê, Marx e Engels, por não possuírem acordo no Programa em referência, condicionavam sua declaração de adesão a esse novo Partido ao fato de o Programa em questão não ser adotado.

Anos depois, ao enviar uma carta a Friedrich Sorge, em fevereiro de 1891, Engels teve ainda a oportunidade de retornar ao tema, para acentuar, claramente:

 

„Naturalmente, Wilhelm Liebknecht está furioso, pois que toda a crítica foi cunhada, especialmente, contra ele. 

Ele é o pai que, juntamente com o veado do Hasselmann, pariu esse Programa Podre (SvK.: o Programa de Gotha do Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha )

Compreendo o espanto inicial daqueles que, até o presente momento, haviam insistido em serem apenas tocados muito delicadamente pelos “companheiros” , ao serem, agora, tratados assim sans façon (SvK.: sem consideração), depois de seu Programa haver sido desmacarado como pura imbecilidade. [63]

 

Daí, resulta ser um disparate gramsciano-lukácsiano, um verdadeiro despautério histórico, afirmar que “Marx ... entrou com suas forças, incondicionalmente, na construção do Partido Operário Alemão, porque havia acordo no Programa.”

Outra questão é que o Programa em realce foi, finalmente, votado e aprovado pelo Congresso de Gotha de 1875 – um congresso democrático teatral, elaborado para legitimar a subodinação das forças proletárias alemãs lassalleanas e “marxistas-eisenachianas” à dominação de uma elite aristocrática, saída de suas fileiras - com pouquíssimas e inexpressivas modificações, em total desprezo às posições defendidas por Marx e Engels, o que os colocou diante de um fato consumado.

Apenas em 12 de outubro de 1875, Engels escreveu, novamente, a Bebel, assinalando que, por terem tanto os trabalhadores quanto seus adversários políticos burgueses “interpretado comunistamente” o Programa em questão, unicamente essa circunstância tornaria possível aos olhos de Marx e dele mesmo não se separarem publicamente do Programa de Gotha de 1875.

Destacou que, enquanto seus adversários políticos e os trabalhadores continuassem a ler as posições de Marx e Engels no Programa em causa, estaria justificado o fato de não atacarem, de público, os princípios e cláusulas nele contido.[64]     

A seguir, Marx e Engels resistiram, abertamente, a cooperar integralmente, durante alguns anos, com o novo Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (Sozialistische Arbeiterpartei Deutschlands – SAPD), exatamente em virtude de não haver acordo no Programa.

Inversamente às palavras de Arcary, cumpre dizer que Marx e Engels tiveram muitos “problemas de ser minoria, porque os lassalleanos tinham a maioria.”

Um clássico exemplo nesse sentido, foi a carta de Marx, dirigida a Engels, em 1° de agosto de 1877.

Como se sabe, o Congresso Geral Socialista do Partido Socialista dos Trabalhadores (SAPD), ocorrido em Gotha, praticamente dois anos depois, i.e entre 27 a 29 de maio de 1877, havia resolvido, na sessão de 29 de maio, sob proposta de August Geib, editar “uma revista científica, em formato adequado, a ser publicada bimensalmente, em Berlim, a partir de 1° de outubro desse ano. Até essa data, haverá de apensar-se ao jornal “Vorwärts (Avante)”, a cada 14 dias, um suplemento, dotado, essencialmente, de conteúdo científico”.

Desde 1° de outubro de 1877, surgiu, em Berlim, “Zukunft (O Futuro)” enquanto órgão teórico oficial do SAPD.

Essa revista foi financiada pelo social-filantropo Dr. Karl Höchberg e por ele dirigida sob o pseudônimo R.F. Seifert, sob a orientação de imprimir à Social-Democracia Alemã um curso abertamente reformista.

Em 20 de julho de 1877, a redação de “Zukunft (O Futuro)” dirigiu cartas a Marx e Engels, referindo-se expressamente à Resolução do Congresso de Gotha de maio de 1877 sobre a edição de uma revista científica, para propor a ambos contribuirem na produção da revista em causa.

Em 28 de julho de 1887, o próprio Wilhelm Liebknecht escreveu, então, cinicamente, a Engels, assinalando, expressamente, o seguinte:

 

“Nossa revista (“Zukunft <O Futuro> - o título não me agrada particularmente) terá seu início, em 1° de outubro. A redação será comandada por Höchberg (que nos dará, anualmente, 10.000 marcos) e pelo Dr. Wiede – ambos jovens diligentes, em particular o primeiro deles, e ambos opositores dos embustes de Dühring.

Sobre ela, organizou-se um controle tão rigoroso que não temos de temer o surgimento de nenhum ovinho de pintinho.

Você está sendo requisitado para colaborar (evidentemente também Marx) e será bom que o faça, ainda que sua atividade principal continue sendo dedicada ao “Vorwärts (Avante)””.[65]

 

Pronunciando-se acerca da proposta, formulada por Wilhelm Liebknecht, Marx afirmou, então, em sua carta  dirigida a Engels, em 1° de agosto de 1877 :

   

“Londres, 1° de agosto de 1877

Querido Fred,

Em anexo, segue carta de Höchberg, dirigida a Hirsch, o qual, no sábado, retornou à Paris. Mande-me de volta, por favor, essa carta, depois de tê-la lido, pois eu mesmo tenho de entregá-la a Hirsch.

Creio que a carta de Höchberg caracteriza o homem melhor do que tudo aquilo que Wilhelm Liebknecht (este brilhou, novamente, por sua recomendação do confúcio Acollas e do faiseur (EvM.: fanfarrão) Lacroix) disse ou pode dizer sobre ele.  (...)[66]

Há alguns dias, turned up (SvK.: apareceu) – para, logo a seguir, novamente, desaparecer, rumo à Alemanha – o alegre e pequeno cifótico, Wedde.

Possuía um pedido urgente de August Geib para que você e eu fossemos arregimentados para o “Zukunft (O Futuro)”.  

Para sua grande tristeza, não lhe fiz absolutamente nenhum segredo sobre nossas pretensões abstencionistas e suas razões, ao mesmo tempo em que lhe expliquei que, quando o tempo nos permita ou as circunstâncias o exijam, interviremos, novamente, de modo propagandista.

Nós, enquanto Internacional,  não estamos, de nenhum modo, ligados ou obrigados a aderir à Alemanha, à amada pátria.

Em Hamburg, Wedde havia avistado o Dr. Höchberg e ditto (EvM.: o mesmo) avistou Wedde.

O primeiro estaria tingido como algo de superficialidade e arrogância berlinense, porém o segundo gostou do primeiro, apesar deste ainda sofrer muito de “mitologia moderna”.     

Quando aquele sujeitinho do Wedde esteve em Londres, pela primeira vez, usei a expressão "mitologia moderna" como designação das Deusas da "Justiça, Liberdade, Igualdade etc.", as quais voltaram a andar à solta por aí. Isso lhe provocou uma profunda impressão, pois o próprio Wedde tem feito muito a serviço dessas entidades superiores.

Aos olhos de Wedde, Höchberg parecia um pouco verdühringt (SvK.: dühringisado, absorvido pelas posições de Dühring) e Wedde possui um nariz mais afiado que o de Wilhelm Liebknecht.  (...)

Saudações,

Do teu

Negro”[67]

 

Foi apenas a Sozialistengesetz (Lei contra os Socialistas), mais precisamente Gesetz gegen die gemeingefährlichen Bestrebungen der Sozialdemokratie (Lei contra as Pretensões da Social-Democracia Perigosas à Segurança Pública), proposta por iniciativa de Otto von Bismarck, aprovada pelo Parlamento Alemão, em 19 de outubro de 1878, havendo entrado em vigor em 21 de outubro do mesmo ano, que lançou novas bases políticas para a atuação de Marx e Engels em socôrro das forças proletárias inteiramente em crise, comandadas por lassalleanos e “marxistas-eisenachianos”. 

Nos termos da lei em realce, foram proibidas todas as organizações partidárias e todos os sindicatos que peseguissem objetivos socialistas. Todos os órgãos socialistas de imprensa de maior relevância foram reprimidos, todas as assembléias de caráter socialista, interditadas. Por meio dessa lei de exceção, permitiu-se à Polícia Alemã banir, arbitrariamente, trabalhadores e funcionários social-democráticos, porquanto podia ser imposto sobre as cidades e distritos do país o assim denominado “Kleiner Belagerungszustand (Pequeno Estado Sítio)”.

Segundo a lei em referência, também todo e qualquer movimento democrático na Alemanha haveria de ser privado de suas direções, de modo a torná-lo inofensivo.

O primeiro Congresso do Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAPD), realizado em situação de plena ilegalidade, teve lugar, então, entre os dias 20 e 23 de agosto de 1880, no Palácio Wyden, situado no cantão de Zurique, na Suíça.

Sob a influência dos princípios do socialismo científico de Marx e Engels, esse congresso colocou fim ao período de praticamente de dois anos de oscilações e confusão nas fileiras no Partido, ocasionadas pelo “Programa Podre” e pela promulgação, em 19 de outubro de 1878, da Lei contra os Socialistas, permitindo sacar um balanço sobre o resultado das divergências, havidas relativamente à formulação da estratégia e tática de luta do Partido, sob a vigência da lei de exceção em realce.

As resoluções congressuais adotadas orientaram também o Partido em face de suas frações oportunistas de direita e de esquerda, estabelecendo uma linha de intervenção claramente revolucionária, na luta contra o despotismo do Estado Militar Prussiano-Alemão. 

Em consonância com as novas condições da luta de classes na Alemanha, decidiu-se, unanimemente, positivar, no Programa, o parágrafo de que, doravante, o SAPD perseguiria seus objetivos “com todos os meios” – e não mais apenas “com os todos os meios legais”, tal como estabelecido, até então, pelo ”Programa Podre”.

Ademais disso, resolveu-se que a revista “Sozialdemokrat (O Social-Democrata)” tornar-se-ia o órgão oficial do Partido, havendo de se transformar em ferramente de fortalecimento dos organismos partidários e de difusão das concepções marxistas, no seio da classe trabalhadora.

Dest’arte, o congresso em realce lançou os pressupostos para a posterior derrubada da Lei contra os Socialistas, em 30 de setembro de 1890.   

Nos anos a seguir, sob a vigência da Lei contra os Socialistas, Marx e Engels lutaram para imprimir um perfil revolucionário à estratégia e tática de luta da Social-Democracia Alemã.

Após algumas oscilações iniciais, devidas à sua direção partidária oportunista e opugnada por Marx e Engels, desde a cidade de Londres -, o SAPD foi capaz de organizar uma luta ilegal eficaz contra a Lei contra os Socialistas.

Para isso, Marx e Engels tiveram de se opor, aguerriedamente, às posições defendidas, no interior do partido, pelos oportunistas de direita e de esquerda, bem como anarquistas.

Marx e Engels contribuíram para que o SAPD elaborasse e implementasse políticas e estratégias proletário-revolucionárias, no quadro da nova situação institucional. Devido a isso, foram concomitantemente combinadas entre si e impulsionadas todas as formas de luta legais e ilegais, de modo que o SAPD resultou ser capaz de superar sua prova de fogo, desenvolvendo-se rumo a um partido de massas, no âmbito de sua luta contra a Lei contra os Socialistas.

Em 14 de janeiro de 1888, o Governo Bismarck apresentou ao Parlamento Alemão mais um Projeto de Lei, exigindo a prorrogação da vigência da lei em exame, até 30 de setembro de 1893, bem como o encrudescimento das prescrições normativas, mediante a previsão de penas ainda mais severas para a distribuição de materiais literários proibidos, adesão a “associações secretas” e participação em assembléias ou reuniões de caráter socialista, realizadas até mesmo no exterior, ficando esse último fato típico sujeito à imposição de perda da própria nacionalidade alemã.

Apenas em 25 de janeiro de 1890, o Parlamento Alemão rejeitou, sob a pressão das massas alemãs, uma nova prorrogação da Lei contra os Socialistas.

E, com efeito, sua inutilidade demonstrara-se no fato de que, nas eleições de fevereiro de 1890 – i.e. praticamente 12 anos após a vigência da lei em tela - , o SAPD logrou receber, até mesmo, 19,7 % de todos os votos, consagrando-se, então, como o maior partido da Alemanha.

Por fim, em 30 de setembro de 1890, a lei de exceção em destaque foi derrogada.[68]

 

II.

 

Ao mesmo tempo, Arcary confunde, claramente, a posição de Marx – visto que nem sequer cita a de Engels sobre o tema – com aquela defendida por aqueles que se reivindicavam “marxistas-eisenachianos”.

E conclui : “Mas, Marx não teve problemas de ser minoria porque Lassalle tinha a maioria”.

Já entre os ”marxistas-eisenachianos”, Arcary nem ao menos refere as importantes diferenças havidas entre Wilhelm Liebknecht, August Geib, August Bebel, Eduard Bernstein, Wilhelm Bracke.

Apenas, conclui : “E os marxistas não tiveram problemas de aceitar que eram minoria no Partido Operário Alemão. ... Ninguém menos do que Marx ..., entrou com as suas forças, incondicionalmente, na construção do Partido Operário Alemão porque havia acordo no Programa.”

Em verdade, a luta contra a integração das filerias das forças proletárias da Alemanha ao regime do Estado Prussiano, mediante a política de colaboração de classes de Lassalle, possui seu dealbar sob a inflexível batuta ideológica de Marx e Engels contra a direção oportunista de Wilhelm Liebknecht e August Bebel, já  ao longo dos anos 70 do século XIX, no quadro de suas contudentes críticas a todos os Programas do SDAP/SAPD/SPD.

O Programa de que se trata aqui, que sedimentou a Coalizão de Gotha, de 1875 foi, em verdade, intelectualmente elaborado, em grande parte, pelos lassalleanos Wilhelm Hasselmann e Wilhelm Hasenclever, negociado por Wilhelm Hasselmann, Wilhelm Liebknecht e August Geib, sustentado enfaticamente por Eduard Bernstein, admitido politicamente, apesar de leves e ligeiras críticas, por August Bebel  – e rechaçado agudamente por Marx e Engels que contavam com o apoio de Wilhelm Bracke.

Quanto a Bracke  - este destacado quadro do marxismo revolucionário alemão - dirigiu-se, em carta, a Engels, em 25 de março de 1875, alegando o seguinte:

 

 “O programa apresentado para o Congresso de Unificação e firmado por Wilhelm Liebknecht e August Geib, forçou-me à redação destas linhas.

Para mim, resulta impossível adotar esse programa e também Bebel possui a mesma opinião.”[69]

 

A Social-Democracia Alemã rumou para a fusão dos ”marxistas-eisenachianos” e lassaleanos não reivindicando absolutamente, em seu Congresso do Compromisso de Gotha, ocorrido entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática de Ditadura Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da experiência da Comuna de Paris - , mas sim postulou, entre outras consignas puramente lassalleanas, a edificação de um Estado Popular Livre, a ser introduzido em substituição do então existente Estado Prussiano, assentado este sobre a dominação de classe burguesa-capitalista.

Pois, em consonância com suas posições inteiramente oportunistas, Bebel fez publicar, repetida e imodificadamente, em inúmeras edições, havidas até o ano de sua morte, sua célebre concepção sobre a necessidade de transformação do Estado de classe burguês em um Estado popular.

Nesse sentido, Bebel afirmou, pela primeira vez, em sua obra dada ao público inicialmente em 1870, expressamente o seguinte :

 

“Demonstrei com o Estado da atualidade é um Estado de classe, situado, especialmente, sob a dominação da burguesia, sendo que, portanto, não possui e nem possuirá os meios para apoiar a produção cooperada, empreendida através da organização de cooperativas de produção. Se a burguesia fizesse isso, se as classes dominantes o fizessem, agiriam contra o seu próprio interesse.

Formariam na classe trabalhadora não apenas um concorrente, senão ainda um fator que tornaria, de modo geral, a burguesia, finalmente, impossível, deixando de existir sua dominação de classe. Isso seria, naturalmente, suicídio que não cometerá, espontaneamente, de nenhuma maneira.

Disso resulta que a classe trabalhadora tem de conquistar o poder, o que seguramente pode fazer, porque a classe trabalhadora constitui a grande maioria e sua consigna não é apenas de liberdade, mas também de igualdade de direitos, incluindo, portanto, em si mesma a justiça. Nessa sede, quero, mais uma vez, expressamente assinalar que, pelos motivos já expostos inicialmente, não apenas entendo sob essa classe trabalhadora os trabalhadores assalariados, em estrito senso, senão também os artesãos e pequeno-camponeses, os trabalhadores intelectuais, os escritores, os professores das escolas populares, os servidores públicos de grau inferior, todos os que, sofrendo sob as condições atuais, possuem uma posição pouco - ou de nenhum modo – melhor do que a dos trabalhadores assalariados e, estando, talvez, algo melhor do que estes – tais qual o estamento dos artesãos e dos camponeses autônomos – tornam-se, irresistivel e impiedosamente, vítimas do moderno desenvolvimento.

Assim, essas diversas classes formam, na realidade, a maioria esmagadora do povo e, como não se trata da repressão da minoria pela maioria, mas sim da igualdade de direitos e igualdade de posição de todos, não se pode, portanto, falar da dominação de uma classe ou de um estamento – seja mesmo da dominação da classe trabalhadora.

Trata-se, pelo contrário, de uma sociedade tão democrática a que se aspira, tal qual jamais existiu sobre a face da terra. Reproduzi, detalhadamente, esse último ponto, porque a “Demokratische Korrespondenz (Correspondência Democrática” e todos os nossos inimigos referem algo como a dominação de classe ou estamental e porque, em suas questões, conseguem apenas imaginar, da maneira mais ingênua do mundo, a reorganização da sociedade, exigida pela Social-Democracia, como uma colcha de retalhos, operada sobre a sociedade burguesa de hoje.

O Estado há de ser, portanto, transformado de um Estado, fundado sobre a dominação de classe, em um Estado Popular, em um Estado que não haja nenhum tipo de privilégios.

E esse Estado deverá, a partir daí, permitir, com todos os meios e forças, colocados à sua disposição, o surgimento da produção cooperativa, no lugar das empresas privadas isoladas.

Em um tal Estado, o ajudar a si mesmo é auxílio popular, o auxílio popular é auxílio, prestado pelo Estado, o ajudar a si mesmo e o auxílio do Estado são, portanto, idênticos. Um antagonismo não existe.”[70]

 

Diante de todo o exposto, cumpre, então, perguntar como seria possível que Marx e Engels manifestassem seu acordo com um Programa desse gênero, “parido por Wilhelm Liebknecht com o veado do Hasselmann” - para usar o vocabulário bastante expressivo de Engels -, havendo esse Programa de ser, então, “desmascarado como pura imbecilidade”? 

 

III.

 

Arcary afirma, além disso, que “Marx se uniu à construção do primeiro grande partido operário de massas que foi o Partido Operário Alemão, Marx era minoria. E os marxistas não tiveram problemas de aceitar que eram minoria”.

Na realidade, o oposto àquilo que Arcary diz é o que corresponde à verdade histórica.

Engels, em sua carta dirigida a August Bebel, redigida entre 18 e 28 de março de 1875, declara que nem Marx nem Engels eram responsáveis pela minoria alemã dos assim denominados ”marxistas-eisenachianos”, oriundos do Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (Sozialistische Arbeiterpartei Deutschlands – SAPD), fundado entre os dias 7 e 9 de agosto de 1869.

 

„As pessoas imaginam precisamente que somos nós  (SvK.: i.e. Marx e Engels) que comandamos, desde aqui (SvK.: da cidade de Londres), a coisa toda, enquanto que o Sr. e eu sabemos que nós nos imiscuimos, minimamente e quase nunca, nas questões interno-partidárias e, quando o fazemos, apenas para, na medida do possível, corrigir erros – e, em verdade, apenas erros teóricos - que, em nosso entendimento, foram cometidos    

Porém, o Sr. há de reconhecer que esse programa constitui um ponto de virada que nos poderia forçar, muito facilmente, a rejeitar toda e qualquer responsabilidade em relação ao Partido que o adote.  

Falando em geral, a questão depende menos do Programa Oficial de um Partido do que daquilo que é realmente praticado por ele.

Porém, um novo programa é sempre e antes de tudo, uma bandeira hasteada publicamente, segundo a qual o mundo exterior julga o Partido.“ [71]

 

IV.

 

Tais negociações de Wilhelm Liebknecht sobre a fusão, envolvendo questões de Programa,  não servem, em verdade, como exemplo para a apologia democrático-operária, tal qual pranteada por Arcary, pois foram, em verdade, negociações burocráticas.

Tratou-se de um “conchavo”, realizado “atrás das mesas”, “de costas para o plenário”, com total desinformação de Marx, Engels e mesmo de Bebel, visando à celebração de uma fusão a toque de caixa com os lassalleanos, fundada em um “Programa Podre”,  lograda com o método do fato consumado.

Seu método foi a publicação, em 7 de março de 1875, nas páginas do órgão do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores da Alemanha (SDAP), denominado „Der Volksstaat (O Estado Popular)“, e no órgão da Associação Geral  dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV), de nome “Neuer Socialdemokrat (Novo Social-Democrata)”, de uma conclamação, intitulada “Aos Social-Democratas da Alemanha!”, adotada pelos dirigentes de ambos os partidos em causa, na Pré-Conferência de Gotha de 14 e 15 de Fevereiro de 1875, tornando pública a convocação de um “Congresso dos Social-Democratas da Alemanha”.

Juntamente com essa conclamação, foi publicado ainda um Projeto de Programa do Partido e um Estatuto que haviam sido debatidos, no quadro da pré-conferência em tela.

Surpreendido com tal fato, até mesmo Bebel dirigiu-se por meio de carta, enviada de sua cela, a Engels para perguntar-lhe: 

 

“O que é, então, que o Sr. e Marx dizem acerca da questão da unificação? Não tenho nenhum julgamento completamente válido.

Pois, encontro-me totalmente desinformado.

Sei apenas o que noticiam os jornais.

Estou ansioso por ver e ouvir como as coisas ficarão, quando for libertado, em 1° de abril.”[72]

 

O resultado da negociação, promovida “de costas para o plenário”, por Wilhelm Liebknecht e August Geib ”marxistas-eisenachianos” –, de um lado, e Wilhelm Hasselmann e Wilhelm Hasenclever, d’outro, foi o assim denominado “Programa Podre”, produzido para criar a ilusão democrática de maiorias e minorias.

O “Programa Podre” foi, finalmente, votado e aprovado pro forma pelo Congresso de Gotha de 1875, com pouquíssimas e inexpressivas modificações, em total desprezo às posições defendidas por Marx e Engels, o que os colocou diante de um fato consumado.

Esse congresso democrático foi inteiramente teatral, feito para criar a impressão de ampla participação das bases, uma relação formal entre uma maioria adepta do socialismo pequeno-burguês e uma minoria, encabeçada por Bebel, Liebknecht, Geib, Bernstein, retoricamente protestatária.

Foi um mecanismo, criado para legitimar a subodinação das forças proletárias alemãs lassalleanas e “marxistas-eisenachianas” à dominação de uma elite aristocrática, saída de suas fileiras, gerando uma aparência de unidade de luta, à revelia das verdadeiras necessidades do movimento de emancipação do proletariado da Alemanha.

As negociações pré-congressuais e o democratismo congressual que aprovou o Programa Podre, foram, então, esclarecidos, hipocritamente, da seguinte forma, pelo “marxista-eisenachiano” Hermann Ramm, em carta de 24 de maio de 1875, endereçada a Engels :

 

“Sua carta dirigida a mim circulou, tal como a carta de Marx dirigida a Bracke.

O Sr. verá, a partir das negociações congressuais, que, de nossa parte, estivemos inclinados a ter em consideração as suas intenções, bem como as de Marx, o que, no congresso – sobre o qual Wilhelm Liebknecht escreve, nesse momento, que tudo se passou de modo positivo -, foi muito mais fácil do que há dois meses antes. ...

Pelo contrário, outra coisa se dá no que concerne à nossa relação, em sentido tático.

Nesse domínio, não há nenhma dúvida que, se não tivéssemos feito decisivas concessões, teria sido impossível aos Hasselmanns, mesmo com a melhor da boa vontade, tornar agradável à sua associação o pensamento de unificação, em razão de sua estreiteza intelectual que aqueles rapazes impulsionaram, durante meia dúzia de anos.”[73]

 

E ainda Bebel, de modo centrista, asseverou:

 

Concordo, inteiramente, com a apreciação que o Sr. formulou sobre o Projeto de Programa, tal como também o comprovam as cartas que diriga a Bracke.

Além disso, censurei, de modo enérgico, Wilhelm Liebknecht por sua complacência, porém, depois de ocorrida a infelicidade, cumpria arrancar o melhor possível da situação.

O que decidiu o congresso foi o máximo que era possível alcançar.”[74]

 

V.

 

Por fim, cabe ressaltar que Arcary não mede palavras para destacar:  “Mas, Marx não teve problemas de ser minoria porque Lassalle tinha a maioria.”

Em verdade, essa frase expressa um grande absurdo, senão uma inteira possibilidade.

Pois, na ocasião descrita por Arcary, Ferdinand Lassalle já se encontrava morto, há mais de 10 anos, sendo, portanto, impossível que a maioria seguisse esse dirigente.

A maioria referida seguia, sim, os epígonos de Lassalle, em particular Wilhelm Hasselmann e Wilhelm Hasenclever, pois Johann Baptist von Schweizer já se havia afastado da direção da Associação Geral  dos Trabalhadores da Alemanha (ADAV)no sexto ano após a morte de Lassalle.  

Em verdade, a questão da morte de Lassalle adquiria para a unificação crucial importância porque esse era precisamente o principal argumento esgrimido por Wilhelm Liebnecht – que se reivindicava ”marxista-eisenachiano” - para procurar convencer Marx e Engels sobre a debilitação dos lassalleanos, decorrente da perda de seu grande dirigente.

Wilhelm Liebknecht, em carta de 21 de abril de 1875, dirigida a Engels, pronunciou-se da seguinte maneira:

 

 “As deficiências do programa, para as quais o Sr. nos chama a atenção, são indiscutivelmente existentes e delas estávamos conscientes, desde o início. Entretanto, não puderam ser evitadas, na conferência, se não devéssemos romper as negociações de unificação.

Os lassalleanos haviam tido, imediatamente antes, uma reunião de dirigentes e vieram munidos com mandato imperativo para o tratamento de certos pontos especificamente chocantes.

Tivemos de fazer-lhes concessões tanto mais porque para nenhum de nós (como também para nenhum dos nossos outros) havia dúvida de que a unificação significa a morte do lassalleanismo.”[75] 

 

E, poderíamos acrescentar, hoje – à luz da experiência haurida ao longo de mais de um século de luta de classes -, as concessões no Programa foram feitas por Wilhelm Liebknecht porque a unificação significava, sim, “a morte do lassalleanismo”.

Porém, significava também – e isso Wilhelm Liebknecht não tinha visão científico-socialista para compreender - o início da “mais inteira falência da Social-Democracia Alemã, enquanto organização revolucionária do proletariado.” 

Derrubada a Lei contra os Socialistas, August Bebel e Wilhelm Liebknecht passaram a demonstrar, já a partir do início de 1890, tendências ostensivas de pretenderem voltar a intervir exclusivamente no quadro da legalidade burguesa.

Engels combateu, implacavelmente, até ao dia de sua morte, a direção alegadamente “marxista” de August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl Kautsky, Eduard Bernstein e colaboradores que, na década de 90 do século XIX, seguiram imprimindo, enquanto “friedfertige Anbeter der Gesetzlichkeit quand même (EvM.: veneradores pacifistas da legalidade, sob todas as condições), uma orientação invarialvelmente pacifista e reformista ao Partido da Social-Democrarcia da Alemanha.

Por isso, diversos artigos de Engels, produzidos nos últimos anos de sua vida, foram censurados ou simplesmente não publicados. 

Em outubro de 1891, foi adotado o Programa de Erfurt do SPD o qual, apesar de representar um passo adiante em comparação com o Programa de Gotha de 1875 – por assentar-se, então, em linhas gerais, sobre concepções econômicas de Marx  -,  consolidou importantes concessões políticas, feitas pelos oportunistas, comandados por August Bebel, Wilhelm Liebknecht e Karl Kautsky, aos reformistas, acaudilhados, então, por Eduard Bernstein, um dos protagonistas do ”Revisionimus-Debatte(Debate sobre o Revisionismo)”, iniciado em 1896. Engels também criticou, detalhadamente, o Programa de Erfurt de 1891, destacando os principais aspectos tanto do oportunismo quanto do reformismo, nele acolhido e defendido pela II Internacional Socialista.

Em especial, o Programa de Erfurt de 1891 ignorava, mais uma vez, inteiramente a reinvindicação de Ditadura Revolucionária do Proletariado, enquanto forma de transição à sociedade socialista sem classes.

Os principais dirigentes do SPD impediram que a base do Partido e os trabalhadores alemães tivessem acesso à crítica formulada por Engels a esse programa, desprezando, completamente, seu conteúdo na formulação do texto programático final.[76]

Voltando sua atenção às resoluções do Programa de Erfurt, Karl Kautsky, à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia Alemã e da II Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892:

 

Uma tal derrubada (i.e. a derrubada do poder político pelo proletariado) pode assumir as formas mais variadas, conforme as relações sob as quais se executar. De nenhuma maneira, tem de necessariamente estar vinculada a atividades de violência e a derramento de sangue.

Já existiram casos na história mundial em que as classes dominantes foram particulamente compreensivas – ou particularmente fracas e medrosas -, de modo que abdicaram voluntariamente em face de uma situação de coação.”[77]

 

No mesmo sentido, Wilhelm Liebknecht, no quadro do Congresso de Erfurt, realizado em 1891, pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da temática em destaque:

 

“O elemento revolucionário não se situa nos meios, mais sim no objetivo.

A violência é, desde há séculos, um fator reacionário.”[78]

 

Wilhelm Liebknecht negava, além disso, a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo – admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras.[79]

Impende anotar que, entre 14 de fevereiro e 6 de março de 1895, Engels redigiu sua “Introdução à Luta de Classes na França de 1848 a 1850 de Karl Marx”, a qual foi publicada no curso do mesmo ano, na cidade de Berlim.

Depreende-se, entretanto, de uma carta de Richard Fischer, dirigida a Engels, em 6 de março de 1895, que a direção do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD) exigiu de Engels uma atenuação do tom linguístico-revolucionário, contido em sua referida “Introdução”.

Na carta de resposta de Engels a Fischer, datada de 8 de março de 1895, verifica-se que Engels contestou, detalhadamente, as preocupações que a direção do SPD levantava, elucidando, inequivocamente, sua posição jurídico-político-revolucionária.

A crítica de Engels dirigia-se contra a atitude irresoluta da direção do SPD, encabeçada, então, por August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Eduard Bernstein, Richard Fischer etc. – e sua pretensão de intervir exclusivamente no quadro da legalidade burguesa.

Engels foi obrigado, entretanto, a fazer certas alterações léxicas e gramaticais em seu texto original, bem como eliminar, inteiramente, certas passagens, em que realçava a necessidade da luta armada do proletariado vindoura contra a burguesia.

Baseados no texto dessa notável “Introdução”, alguns célebres dirigentes do SPD empreenderam, a seguir, a tentativa de deformar os posicionamentos de Engels, incluindo-o entre os adeptos da via pacífica “quand même (EvM.: custe o que custar)”, para a tomada do poder pela classe trabalhadora.

Nesse sentido, em 30 de março de 1895, publicou-se, no “Vorwärts (Avante)”, um artigo editorial, intitulado “Wie man heute Revolutionen macht (Como se Fazem Revoluções Hoje)”, em que diversas citações, extraídas aleatoriamente da “Introdução” de Engels, produziam a falsa impressão de que Engels havia-se tornado “ein friedfertiger Anbeter der Gesetzlichkeit quand même(EVM.: um venerador pacifista da legalidade, sob todas as condições)”.

Logo depois da reedição da obra de Marx em questão, Engels exigiu, energicamente, que sua “Introdução” fosse publicada, na íntegra, na revista “Die Neue Zeit (O Novo Tempo)”.

Sem embargo, o Nr. 27/28, 2 Vol. 13° Ano, 1894/95 dessa revista decidiu-se por publicar apenas a “Introdução” com as alterações e as supressões referidas que Engels fora forçado a efetuar, sob pressão da direção do SPD.

Entretanto, a despeito destas, é efetivamente possível verificar que a “Introdução” em causa preserva, ainda assim, seu caráter revolucionário, pouco podendo prestar-se às degenerações de posições, contidas no artigo editorial do “Vorwärts(Avante)”, intitulado “Wie man heute Revolutionen macht (Como se Fazem Revoluções Hoje)”.

Neste comenos, uma publicação integral da “Introdução” de Engels não teve em lugar, na Alemanha, antes de eliminado o perigo de promulgação de uma nova Lei contra os Socialistas.[80]

Assim, é perfeitamente correto afirmar que a luta interna contra a integração da Social-Democracia Alemã ao regime do Estado Prussiano começou muito antes de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, possuindo o seu dealbar já sob a inflexível batuta ideológica de Marx e Engels, seja no quadro de suas contudentes críticas a todos os Programas do SDAP/SAPD/SPD, seja no contexto da luta revolucionária em face da Lei contra os Socialistas de 1878 a 1890.

Engels combateu, implacavelmente, até ao dia de sua morte, a direção alegadamente “marxista” de Wilhelm Liebknecht, August Bebel, Karl Kautsky, Eduard Bernstein e colaboradores que, na década de 90 do século XIX, seguiram imprimindo, eles sim, enquanto “friedfertige Anbeter der Gesetzlichkeit quand même (EvM.: veneradores pacifistas da legalidade, sob todas as condições),  uma orientação invarialvelmente pacifista e reformista ao Partido da Social-Democrarcia da Alemanha.

Por isso, os artigos de Engels  foram repetidamente censurados ou simplesmente não publicados.

De todo modo, falar do SPD, pura e simplesmente, como o “partido de Engels” - sem destacar a luta travada por esse último contra o filistinismo do “livre pensar” -,  constitui um equívoco patente : caberia falar ou do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD) com que Marx e Engels colaboraram criticamente a partir da Inglaterra – pois, ambos haviam sido expulsos da Alemanha, logo após a Revolução de 1848 – 1849, tendo sido Marx forçado a tornar-se apátrida - ou do Partido que se opunha à orientação de Marx e Engels, em vez de falar, sem mais nem menos, do “Partido de Engels”[81].

Cabe, em verdade, a Ernst Mandel e aos incorrigíveis adeptos e colaboradores do mandelismo – no estilo de Daniel Bensaïd - defenderem a tese arenosa de que o “Partido de Engels” se integrou ao imperialismo alemão, por permanecer em sua “velha e preservada tática”, finalmente antagonizada por Rosa Luxemburgo.[82]

Por outro lado, cumpre destacar que a grandiosa e corajosa luta travada pela águia revolucionária do proletariado, Rosa Luxemburgo contra a direção social-reformista do Partido Social-Democrático Alemão (SPD), possuía como elementos de enfraquecimento a própria postura equivocada de Rosa Luxemburgo. Defendendo, por um lado, a derrubada de Wilhelm II, Rosa mantinha invariável sua posição que rejeitava abertamente o Direito de auto-determinação das nações oprimidas – contra a orientação de Marx e Engels -, propugnava uma teoria de acumulação do capital inteiramente revisionista – contra os posicionamentos de Marx e Engels -, postulava, nas lutas proletárias, uma defesa essencialmente democratista de direitos e liberdades fundamentais para todos os indivíduos e organizações sociais – contra a concepção de Marx e Engels  -, repudiava a teoria de Partido centralizado e clandestino – contra a concepção de Marx e Engels, Lenin e os bolcheviques -, o que, sem dúvida, favorecia estrategicamente, em grande parte, as posições do social-reformismo e do oportunismo organizativo da Social-Democracia Alemã.

Entre os proletários revolucionários alemães desse período histórico encontraremos também aqueles que, não apenas defendendo a derrubada do Imperador Alemão, inclinavam-se também – ainda que intermediados por Karl Radek - a favor da defesa do modo de funcionamento e da linha geral internacionalista do Partido Bolchevique de Lenin.

Reuniam-se em torno de Paul Fröhlich, Johan Knief e Julian Borchard e de seu trabalho surgiram também importantes sustentáculos, indispensáveis à fundação do Partido Comunista da Alemanha (Liga Spartakus), em fins de 1918 e início de 1919, à qual se somaram Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Franz Mehring e seus adeptos. 

 

Coroando os trabalhos ecléticos trotskystas-gramscianos dos conselheiros editoriais e secretários de redação da Revista Outubro, desenvolvidos no interior do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU do Brasil), há que ressaltar ainda a inequívoca e marcante influência que James Petras assume no quadro da crescente infecção provocada pela enfermidade gramsciana no movimento trotskysta contemporâneo e nas lutas de emancipação do proletariado.

Com efeito, Petras declara-se, publica e ostensivamente, autêntico “Jünger” do pensamento idealista-subjetivista de Gramsci, procurando permanentemente mesclá-lo com o método coerentemente dialético do materialismo histórico de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, diametralmente oposto ao controsenso gramscista. 

Acerca de sua filiação ideológica surpreendemente eclética, de natureza idealista-materialista, e de orienteção política manifestamente castrista, assinala o tão pranteado Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York:       

 

“... Em 1960, em San Francisco, foi quando e onde conheci grupos marxistas que me convenceram de suas idéias – ou delas eu me convenci por mim mesmo –, lendo libros de Marx, Lenin, Trotsky e Gramsci.

A verdade é que também tornei-me radical, acompanhando a Revolução Cubana, cada vez que os cubanos se iam mais e mais à esquerda, declarando um Revolução Socialista.”[83]

 

Segundo James Petras, a razão segundo a qual resultaria justificado empreender-se um ecletismo doutrinário em face do marxismo revolucionário de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, tange à própria imprescindibilidade de distinguir entre ”marxismo vulgar” e ”marxismo consciente”, esse último articulado por “Lenin e Gramsci”, esposado por “Guevara e Castro” e defendido, contemporaneamente, do modo mais ardente, por Petras, ele mesmo  :

      

“É necessário entender a existência de um marxismo vulgar que antecipava determinadas condutas a partir da posição de classe das pessoas.

Segundo essa teoria, se alguém era operário, ia automaticamente tomar consciência de sua condição, entrar na luta, organizar-se e combater.

Porém, na prática, não era isso o que sempre acontecia.

Alguns setores, sim, adquiriram consciência. Outros, não.

Essa forma mecânica de ver as coisas perdeu vigência com a Revolução Cubana, particularmente com os posicionamentos críticos de Che Guevara e de Fidel Castro, precedidos dos de Lenin e Gramsci que falaram sobre a importância das influências culturais e do entendimento por parte das forças atuantes da História, do que ocorre ao redor.”[84]  

 

Eis aí a grande descoberta epistemológica de James Petras que permite, por assim dizer, superar o “marxismo vulgar ou mecânico” rumo a um “marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, através de “Lenin e Gramsci”, de Guevara e Castro, em conformidade com o que torna-se possível contemplar a “importância das influências culturais e do entendimento por parte das forças atuantes da História, do que ocorre ao redor...”.

Encômios, pois, ao “marxismo de James Petras” !!!, i.e. ao “marxismo das influências culturais e do entendimento” de “Lenin e Gramsci”, inspirador dos posicionamentos de Guevara e Fidel ...    

Com esse “marxismo petrasiano”, i.e. “marxismo idealista-materialista consciente”, há de se conceder a Petras o seu devido lugar no curso da história o qual, a bem da verdade, já foi apregoado por Contrainformación en Red – Rebelión – veículo jornalístico organizado pelo próprio Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York, da seguinte forma acalentadora : 

      

“O movimento comunista não brotou de Marx, mas sim do movimento proletário do século XIX, ainda que Marx chegou a liderá-lo em parte.

Marx morreu em plena atividade, não pôde ter tempo de escrever tudo.

Isso quer dizer que devemos ter em conta todos os demais autores que contribuíram para o marxismo :

Engels, Lenin, Trotsky, Bukharin, Rosa Luxemburg, Ernesto Guevara, Antonio Gramsci, Marcos, Petras, Harnecker e outros mil, sendo que, ademais disso, o marxismo deve estar permanentemente vivo, não ser aceito como dogma inflexível, mas sim ser usado para analizar a realidade cambiante.

O marxismo deverá ser ampliado pelas conclusões de que a classe trabalhadora extráia de suas novas condições materiais, em relação com os movimentos emancipatórios da mulher e das raças, comunidades oprimidas, ecologismos políticos, movimentos anti-militaristas etc., e todos e todas devemos contribuir para esse processo de estudo, crítica e construção.”[85]

 

Porém, perguntar-se-ia ao leitor : o que, afinal de contas, postula efetivamente o leninismo trotskysta-gramsciano de James Petras, vislumbrado da maneira mais clarividente possível nos posicionamentos críticos político-práticos, supostamente “comuns”, de Guevara e Fidel ?

James Petras teria, de fato, com base em sua concepção eclética “idealista-materialista”, contribuído para “ampliar o marxismo” ou para propagar uma ideologia voltada a confundir, entorpecer, embaçar, entibiar, embotar e retardar a concepção proletária revolucionária dos lutadores dedicados à defesa de todos e cada um dos fundamentos essenciais do socialismo científico de Marx e Engels ?[86]

Ao leitor, caberá extrair, pois, suas próprias conclusões, com base nas afirmações do próprio James Petras, elaboradas acerca do Manifesto Comunista de Marx e Engels, as quais demonstram qual o preciso significado e aspiração da corrente trotskysta-gramsciana, no interior das lutas de emancipação do proletariado na atualidade :      

 

“A seqüência da expansão capitalista, a destruição dos vínculos tradicionais e a integração global foi, segundo Marx, o processo de criação de uma classe trabalhadora unificada, consciente de seus interesses de classe e ligada através de fronteiras nacionais. Sua cadeia de raciocínio (SvK: i.e. a cadeia de raciocínio de Marx e Engels, afirma Petras) possui falta de entendimento claro acerca da importância das tradições e dos vínculos sociais que precedem o capitalismo, desempenhada na criação de solidariedade social para confrontar o capitalismo e sustentar a consciência de classe.

Quando Marx descreve a burguesia enquanto redutora das relações humanas a “nexos de pagamento à vista”, tal qual um prelúdio ao desenvolvimento da consciência de classe, ele encontra-se essencialmente descrevendo a condição da classe trabalhadora dos EUA – provavelmente a menos desejosa e hábil a identificar sua fonte de exploração quanto mais a luta contra essa última. O despir das velhas crenças – que Marx e Engels denominaram, lamentavelmente, de “sentimentalismo filistino” – inclui o sentido de comunidade e não necessariamente a crença em um “superior natural”.

Assim, a admissão de que “a insegurança e a agitação duradouras” que os autores do Manifesto associam ao “revolucionamento dos meios de produção” do capital não necessariamente “obriga (o homem) a afrontar com sentidos sóbrios suas condições reais de vida e suas relações com sua espécie.” Na realidade, os processos econômicos estão tendo os efeitos opostos no aprofundamento da reação, atomizando o trabalho, estimulando a guerra étnica e alimentando um vasto vapor de produção econômica através da América Latina, da África e da Ex-URSS, bem como em outros lugares.

Assim, a centralidade da “tradição”, da cultura e da comunidade no definir a formação da consciência de classe encontra-se perdida diante da verve de Marx e Engels e de sua celebração acrítica do potencial revolucionário do desenvolvimento das forças de produção.

Similarmente, o asselvajamento da força de trabalho do Terceiro Mundo, processando-se sob a égide da internacionalização do capital, não conduziu a maior consciência de classe ou a comportamento “civilizado”.

Um olhar para as zonas livres de comércio haveria de dissuadir qualquer um dessa noção. Pelo contrário, isso rompeu laços de classe e promoveu maior reverência e servilidade.

A globalização burguesa não criou “um mundo segundo a sua imagem”, tal como Marx e Engels alegaram. Hoje, essas coisas são “pietismos sentimentais”, impressos nos folhetos de propaganda das relações públicas do Banco Mundial, trompeteando a “modernização” do Terceiro Mundo.

Sua falta de um sentido de consciência de classe diretamente relacionada com os produtores e não derivada do processo capitalista de produção esclarece as dificuldades que muitos “marxistas” possuem de criar uma alternativa ao capitalismo. Hoje, os capitalistas não “conclamam à existência os homens que manejarão as armas” para assestarem um golpe mortal ao capitalismo. Criam milhões de trabalhadores atemorizados, incertos e temporários, ligados ao nexo do pagamento à vista. Para tornar-se marxista, no sentido da realização dos objetivos do Manifesto Comunista, é necessário rejeitar as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia. Para mover-se rumo à ação da classe trabalhadora, a concepção de Marx e Engels tem de ser sujeitada à crítica mais ácida. (no original : subjected to the harshest criticism)....

Onde Marx e Engels dizem que “a consciência do homem modifica-se com cada uma das modificações havidas nas condições de sua material existência, em suas relações sociais em sua vida social”, as mudanças que o capitalismo produziu minaram a construção de uma consciência revolucionária, em todos os pontos. A noção de que a burguesia revoluciona a produção através da competição e, no curso, “força” os trabalhadores a “confrontarem” suas condições e, subseqüentemente, a agregarem-se conjuntamente, é falsa, em todas as contas.

A mudança mais importante não é o revolucionamento da produção, mas sim a transformação das relações políticas e sociais, por todas as partes do mundo, de um modo em que se mina a possibilidade de “reconhecimento material de proletários.”

Para falar do Manifesto hoje, é preciso mover-se da brilhante análise econômica para as conclusões revolucionárias, construindo uma nova teoria da ação revolucionária.”[87]

 

Em vista de tudo isso e desse absurdo e descarado revisionismo petrástico da doutrina de Marx e Engels – difundido, no quatro cantos do mundo, a título de “teoria da ação revolucionária” - é tanto mais estarrecedor ouvir-se de Valério Arcary, em sua intervenção, proferida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, as seguintes palavras, em linguagem de epígono:    

 

“Que o Estado burguês, como nos ensinou Petras, existe como um aparato duro, cuja função é preservar a ordem e a propriedade privada, que não hesitará em aplicar a violência mais implacável sobre aqueles que ameaçarem a sua dominação.”[88]

 

Se, mesmo Nahuel Moreno, em vida, não entreviu sentido fundado algum para enfeitar-se com e difundir o impacto do revisionismo marxista-engelsiano ácido-crítico, de matiz trotskysta-gramsciano de James Petras, Arcary demonstra encontrar motivos de sobra para, no alvorecer do século XXI, declarar até mesmo que James Petras “nos” ensinou que o Estado Burguês existe como aparato duro, cuja função é preservar a ordem e a propriedade privada ..., que não hesitará em aplicar a violência mais implacável sobre aqueles que ameaçarem a sua dominação ...

O tempora, o mores ! Quae fuerunt vitia, mores sunt !

Isso “nos” foi ensinado por Petras ! Por Petras ! Por Petras ! Por Petras !, tal como disse Menandro  « Θεòς εχ μηχανής », aparecendo, no quadrante da história universal, tal qual um Deus ex machina que promulga o seu  fiat lux !

Pereant qui ante nos nostra dixerunt !

Pereçam os que disseram as nossas coisas antes de nós ! 

Certamente, por isso, Marx formula, precavidamente, o conselho que poderia também ser repetido por quatro vezes, sem embargo de modo muito mais instrutivo e sabiamente : Se voltarmos nosso olhar à História, a grande Professora da Humanidade (Wenden wir unseren Blick der Geschichte, der großen Lehrerin der Menschheit zu ...)[89] ...

Referida lição sobre o Estado burguês ensinou-“nos”, assim, Petras, o Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York, na medida em que “foi capaz de criar a idéia” de criticar acerbamente a “cadeia de raciocínio de Marx e Engels”, visto que para mover-se em direção da ação da classe trabalhadora, a concepção de Marx e Engels tem de ser sujeitada à mais ácida crítica, i.e. subjected to the harshest criticism)...”

Trabalhador ! Que fazer para tornar-te marxista ?

Lutador da cidade e do campo ! Como agir para mover-te rumo à ação da classe trabalhadora ?  

Eis o antídoto petrástico :

 

“Para tornar-se marxista, no sentido da realização dos objetivos do Manifesto Comunista, é necessário rejeitar as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia.

Para mover-se rumo à ação da classe trabalhadora, a concepção de Marx e Engels tem de ser sujeitada à crítica mais ácida. (no original : subjected to the harshest criticism)....” [90]

 

Assim  :

Rejeitai as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia, para que ... para que ... para que ... para que vos torneis marxistas!

Sujeitai a concepção de Marx e Engels à crítica mais ácida !

Tendo-vos tornado “marxistas” por meio da crítica mais ácida a que haveis submetido a concepção de Marx e Engels, aprendei a lição originalíssima acima referida sobre o Estado Burguês que Petras “nos” ensinou.

Uma vez rejeitada as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia, sujeitada a concepção de Marx e Engels à crítica mais ácida e absorvida, in continenti, sem detença, a lição inatíssima sobre o Estado Burguês que Petras “nos” ensinou, ... haveis de transitar rumo ao ápice de todo o edifício, em verdade, rumo à doutrina ontológica dos “marxismos” !

Esse fundamento ensinou-“nos” também Petras, o Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York, na medida em que previu, como acima ficou indicado, a existência dicotômica dos “marxismos”, a saber :

 

a.      o “marxismo vulgar ou mecânico”, forma petrificada de ver as coisas que perdeu a vigência com a Revolução Cubana ;

b.      o ”marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, esse último o de “Lenin e Gramsci”, esposado por “Guevara e Castro”.     

 

Portanto :

E ... uma vez rejeitada as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia, e ... sujeitada a concepção de Marx e Engels à crítica mais ácida, e ... absorvida, prontamente, a lição inatíssima sobre o Estado Burguês que Petras “nos” ensinou e ... aprendida a lição sobre os “marxismos” vulgar/mecânico e consciente-das-influências-culturais-do-entendimento, ... é imprescindível que vos aprofundeis, ainda mais, nesse último domínio da doutrina ontológica dosmarxismos”, pois aí reside o punctum saliens, i.e. o núcleo da coisa toda.

Esse punctum saliens ensinou-“nos” também Petras, o Professor de Sociologia da Universidade de Birghampton, de Nova York, na medida em que, mais recentemente, “foi capaz de criar a idéia”, relacionada com a doutrina do ”marxismo com lado positivo ou verdadeiro”, em relação antitética ao ”marxismo com lado negativo”, ambos suplementados sinteticamente pelo “marxismo acadêmico” e pelo “marxismo aplicado-criativamente, em sentido histórico”.

Consolai-vos, pois, a doutrina ontológica dos “marxismos”, expressada, de modo empírico, no fenômeno “dialético” dos ”marxismos” com lados positivo/verdadeiro-negativo-acadêmico-aplicado-criativamente, foi elaborada, por Petras, em sentido histórico, à maneira de teses ex cathedra, o que facilita substancialmente seu aprendizado.

Sua doutrina sobre os “marxismos” encontra-se, assim, plasmada em 5 Contribuições e 10 Razões de Difusão do MARXISMO (sic) !

Nisso, Petras não hesitou em pronunciar-se tal qual Giovanni Pico, no século XV, quando em Roma, proclamou aos presentes suas teses De omni re scibili et quibusdam aliis ...

Dai ouvido às Teses do Mestre, ó leitor de todo o mundo, pois :

Por que estáis rindo? A fábula refere-se a ti mesmo !

“Quid rides ? De te fabula narratur !”  :

 

“James Petras. A Difusão do Marxismo e o Desenvolvimento do Movimento da Classe Trabalhadora

 

(Entra em cena a introdução, seguida por  Cinco, Cinco, Cinco, Cinco Contribuições sob o título O Que o MARXISMO (sic) ensina aos trabalhadores?

Pergunta-se :

“Quais são as Maiores Contribuições do MARXISMO (sic) para a Luta Operária? O Que o Marxismo ensina aos trabalhadores :”

O  Mestre elenca as Cinco, Cinco, Cinco, Cinco  Contribuições.

Saem as Cinco, Cinco, Cinco, Cinco Contribuições de cena e entram, então:)

 

AS DEZ, DEZ, DEZ, DEZ RAZÕES PARA DIFUNDIR O MARXISMO ENTRE OS TRABALHADORES – EXPLICAÇÃO ADICIONAL

(Elecam-se Nove, Nove, Nove, Nove Razões.

Saem as Nove, Nove, Nove, Nove Razões  de cena.

Chegamos, então, à cumeeira, ao clímax, ao cume, à conclusão das Dez, Dez, Dez, Dez Razões para Difundir o Marxismo entre os Trabalhadores : )

(...)

 

DÉCIMA RAZÃO.

O marxismo tem tanto uma história positiva como uma histórica negativa.

O lado negativo do “marxismo” encontra-se em sua sumária expressão metafísica “hegeliana”, que “nunca toca a terra” – que está desprovida da análise concreta e divorciada da luta de classes.

O marxismo verdadeiro é histórico e empírico, relaciona a teoria com a compreensão das experiências concretas, históricas e contemporâneas.

O marxismo negativo é dogmático, imitativo e acadêmico e depende de uma “linguagem exótica”.

Está fechado para as novas idéias, experiência e realidades.

Todas as respostas encontram-se em um livro fechado, mencionado por líderes ou regimes cujas experiências são copiadas, sem considerar as especificidades históricas, culturais, políticas e de classe.

Os marxistas acadêmicos (EvM.: ouçam bem : todos ..., todos ..., todos ..., todos ... os que se enquadram na categoria “marxista”-petrástica dos «marxistas acadêmicos»)  falam entre si em um jargão muito técnico, divorciado das lutas práticas dos trabalhadores e camponeses, são extensos nas críticas e curtos nas soluções e alternativas práticas.

Os marxistas positivos estão abertos a novos conceitos, examinando os fenômenos novos (problemas da burocracia, intelectuais, destruição ecológica, Organizações não governamentais etc.) e introduzindo conceitos novos que estendem a análise Marxista a áreas novas.

Os marxistas aplicam criativamente conceitos básicos a estruturas de classe específicas, particulares, históricas e culturais.

Rechaçam o “copiado” mecânico de outros “modelos” de revolução ou estratégia política.

Reconhecem as mudanças no tempo, lugar, estrutura de classes e correlação de forças.

O marxismo positivo não apenas “estuda” os problemas, senão ainda está orientado para a ação.

Para relacionar sua análise com a prática emprega uma linguagem compreensível para os trabalhadores.

Por todas essas razões, o progresso do movimento operário, o desenvolvimento e a difusão das idéias marxistas entre a classe operária e a luta de classes estão indissoluvelmente ligados.”[91]

 

Suplementando a dicotomia acima referida existente entre os “marxismos” vulgar/mecânico e consciente-das-influências-culturais-do-entendimento, com estas dos “marxismos” com lados positivo/verdadeiro e  negativo, tanto uns quanto outros completados sinteticamente pelos “marxismos” acadêmico e aplicado criativamente, em sentido histórico, alcançamos, então, o âmago da doutrina ontológica dos “marxismos”.

Não podendo dividir fisicamente Karl Marx em pedacinhos, Petras divide o marxismo em “marxismos”, dele construindo, “criativamente”, uma doutrina fantástica e sobrenatural, formada por diversas porções que compõem o pensamento do de cujus : uma delas possui o braço ..., a segunda, os olhos ..., a terceira, os pés ..., a quarta, os dedos ... ,  tais quais arrancadas por um mago de sua cartola sem fundos.

E com efeito, diz-nos Horácio  :

 

“Humano capiti cervicem pictor equinam jungere si velit

Se a uma cabeça humana um pintor quisesse juntar um pescoço de cavalo

 

et varias inducere plumas undique collatis membris

e acrescentar várias penas, apanhando membros por todos os lados

 

ut turpiter atrum desinat in piscem mulier formosa superne

de modo que, degraçadamente, terminasse em peixe tenebroso uma mulher de seios formosos  

 

spectatum admissi risum teneatis, amici ?”

uma vez admtidos a contemplá-la, amigos, haveis de conter o riso ? [92]

 

Recapitulemo-la, porém, a “criativa” doutrina ontológico-petrástica dos “marxismos”, composta pelas seguintes partes ou “lados” (sic) :

 

1 .o ”marxismo vulgar ou mecânico”, forma petrificada de ver as coisas que perdeu a vigência com a Revolução Cubana ;

 

2. o ”marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, esse último o de “Lenin e Gramsci”, esposado por “Guevara e Castro”.     

 

3. o “marxismo positivo ou verdadeiro” que é histórico e empírico e não possui linguagem exótica, em oposição ao “marxismo negativo” ;

 

4. o marxismo negativo” de linguagem exótica e dogmático que encontra sua sumária expressão metafísica “hegeliana”, que “nunca toca a terra” – que está desprovido da análise concreta e divorciado da luta de classes, permanecendo fechado para as novas idéias, experiências e realidades, especificidades históricas, culturais, políticas e de classe ;

 

5. o “marxismo acadêmico” falado entre os acadêmicos com base em um jargão muito técnico, divorciado das lutas práticas dos trabalhadores e camponeses, extensos nas críticas e curtos nas soluções práticas ;

 

6. o “marxismo aplicado criativamente”, dotado de conceitos básicos aplicados a estruturas de classe específicas, particulares, históricas e culturais, que rechaça o “copiado” mecânico de outros “modelos” de revolução ou estratégia política, reconhecendo as mudanças no tempo, lugar, estrutura de classes e correlação de forças.

 

Não constitui verdadeiramente nenhum assombro o fato de que os gramscistas monistas e seus colaboradores dualistas ou trialistas neo-stalinistas-gramscianos, stalinistas-maoístas-gramscianos, trotskystas-gramscianos et caterva  - fundam-se, prazeirosamente, na doutrina ontológica dos “marxismos”, tão detalhadamente reciclada por James Petras, que consagra, em seu zênite, o “marxismo aplicado criativamente”.

Pois, também o “Grande Teórico Mais Recente” em matéria de “Internacionalismo e Política Nacional” – segundo Gramsci – foi um de seus mais insígnes adeptos, difundido-a, em escala nunca d’antes conhecida, ao mesmo tempo em que combateu ferrenha e saguinolentamente o “marxismo dogmático”, i.e. na taxilogia petrástica : “o marxismo negativo”.  

Ouçamos as contundentes e instrutivas considerações de Iossif Vissarianovitch Djugaschvili Stalin sobre o tema :

 

“Existe um marxismo dogmático

e um marxismo criativo.

Eu me situo sobre o terreno desse último.” [93]

 

Como vemos, o “marxismo criativo”, “dotado de conceitos básicos aplicados a estruturas de classe específicas, particulares, históricas e culturais, que rechaça o “copiado” mecânico de outros “modelos” de revolução ou estratégia política, reconhecendo as mudanças no tempo, lugar, estrutura de classes e correlação de forças (sic)” também foi defendido, abertamente, por Stalin, constituindo, pois, um produto inevitável e necessário do filistinismo do “livre pensar” que é pai da ideologia essencialmente stalinista-meta-marxista de Gramsci que gerou os neo-stalinistas gramscianos-reciclados, dos quais nasceram os stalinistas maoístas-gramscianos que procriaram os meta-marxistas gramscianos que são os genitores dos trotskystas-gramscianos e gramsciófilos que, finalmente, unius sunt substantiae et virtutis ac potestatis, são de uma única substância, força e poder, conformadora do socialismo alegórico gramsciano meta-marxista de nosso corrente século XXI.

E, portanto, non nova, sed nove ...,  i.e. não se trata de coisas novas, mas de coisas apresentadas de outra maneira.

Se Stalin, ele mesmo, perfilha-se, voluntariamente, entre as fileiras daqueles que defendem o “marxismo criativo” – em contraste com os adeptos do “marxismo dogmático” – cumpre verificar que, também os reputadamente perfilhados no terreno do marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento” tal como Fidel Castro, por Petras expressamente referido -  perfilham-no no domínio do “marxismo criativo”, na medida em que reconhecem os méritos daquele que, segundo Gramsci, é “o Grande Teórico Mais Recente” em matéria de “internacionalismo e política nacional”, i.e. o próprio Iossif Stalin.[94]   

Cotejemos, assim, o latim da ideologia de Castro :

 

ENTREVISTA DE TOMAS BORGE : 

(...)

 

Pergunta de Borge : Fidel, para a maioria dos dirigentes revolucionários latino-americanos, a crise atual do socialismo possui um precursor : Josef Stalin.

 

Resposta de Fidel Castro : Eu acredito que Stalin cometeu grandes erros, porém, demonstrou, possuir grande inteligência.

Na minha opinião, culpar Stalin por todas as coisas que ocorreram na União Soviética constituiria um simplismo histórico, porque ninguém por si mesmo poderia ter criado certas condições.

Isso é impossível !

Creio que os esforços de milhões e milhões de pessoas heróicas contribuíram para o desenvolvimento da União Soviética e  para o seu papel de relevo no mundo, em favor de centenas de milhões de pessoas. (...)

      

Pergunta de Borge : Na sua opinião, Fidel, quais foram os méritos de Stalin?

 

Resposta de Fidel Castro : Stalin estabeleceu a unidade na União Soviética. (SvK.: ouça bem os argumentos de Castro, Sr. Professor Quartim de Moraes, que tanto se engaja na busca de argumentos racionais e razoáveis para a defesa apologética da mitologia stalinista, ouça bem os argumento de Castro!)

Ele consolidou o que Lenin iniciou : a unidade do Partido.

Stalin conferiu ao movimento revolucionário internacional um novo ímpeto.

A industrialização da URSS foi uma das ações mais inteligentes de Stalin e acredito que isso foi um fator determinante para a capacidade de resistência da URSS.

Um dos grandes méritos de Stalin – e sua equipe o apoiou – foi o plano de transferir a indústria de guerra e as principais indústrias estratégicas para a Sibéria, bem para dentro do território soviético.

Acredito que Stalin dirigiu bem a URSS, durante a guerra.

De acordo com muitos generais (SvK.: Castro refere-se aqui evidentemente aos generais soviéticos que sobreviveram ao terror contra-revolucionário stalinista, i.e. àqueles não exterminados sumariamente ou nas encenações dos Processos de Moscou por Stalin, tal como Tukhatchevsky, Raskolnikov, Blüchner, Antonov-Ovseienko, Bubnov, Dybenko, Yegorov, Gamarnik, Uborevitch e tantos outros, acusados de alta traição à pátria socialista, trotskysmo, agentes nazistas etc.), Jukov e os mais brilhantes generais soviéticos, Stalin desempenhou um importante papel na defesa da URSS e na guerra contra o nazismo.

Todos eles reconhecem isso.

Acho que deveria existir uma análise imparcial de Stalin.

Culpá-lo por todas as coisas que aconteceram seria um simplismo histórico.”[95]    

 

Redendo-se irremediavelmente ao castrismo stalinista, sob o disfarce gramsciano da defesa da doutrina de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, assevera, então, James Petras,  patrono espiritual do “marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, seguidor do “marxismo criativo”, em entrevista concedida a Pablo Scatizza, em 10 de julho de 2003 :   

 

ENTREVISTA DE PABLO SCATIZZA : 

(...)

 

Pergunta de Scatizza a Petras  : Você não acredita que a Argentina perdeu uma oportunidade histórica, depois das jornadas de 20 e 21 de dezembro (SvK.: de 2002) ?

 

Resposta de James Petras : Sim .. bem, perdeu e alguma coisa escapou, para dizê-lo melhor. Acredito que o levante de dezembro foi uma sublevação espontânea, não uma revolução.

Uma revolução implica uma organização política, um respaldo de massas, uma liderança, um programa.

O levante popular de dezembro foi um grande ato de repúdio de um regime, não do Estado.

Não há Sovietes, nem há Exército Vermelho, nem há Fidel Castro.

As experiências variam, porém em nenhuma das experiências podem ser localizadas os fatores essenciais.”[96]

   

Sintetizando, nessa mesma ocasião, a essência máxima de sua doutrina de como “mover-se em direção à classe trabalhadora”, doutrina essa amargamente crítica das concepções insculpidas no Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, e repudiadora da “verve de Marx e Engels e de sua celebração acrítica do potencial revolucionário do desenvolvimento das forças de produção” –, James Petras, alegando que os movimentos adotam uma série de reinvindicações e alternativas programáticas – o que é positivo e importante – porém, “falta-lhes uma compreensão teórica da natureza da evolução do sistema imperial(sic)” ..., necessária para solucionar “a desunião dos movimentos urbanos e rurais ...”, posto que os movimentos existentes juntos, se estivessem unificados em um só movimento coerente, estariam mais próximos de “disputar o poder estatal” ...,[97] assinala, então :

 

Pergunta de Scatizza a Petras  : Em “Classe, Estado e Poder no Terceiro Mundo”, onde você analisa as lutas de classe na América Latina, fala da importância da organização para poder triunfar em uma revolução. Menciona a necessidade de líderes, quadros, combatentes, militantes e simpatizantes, organizados nessa ordem. Refere-se ao fato de que hoje não existe na esquerda esse tipo de estrutura ?

 

Resposta de James Petras : Não apenas estrutura, senão também maneira de pensar. Se pensamos no êxito das revoluções que existem, elas são uma grande extensão de poderes.

China, por exemplo, formando centenas de milhares de quadros e milhões de simpatizantes, milhões.

Cuba avança da insurreição para conseguir apoio de milhões.

Então, você não pode construir uma formação revolucionária com simples quadros soltos.

Tem de ser uma organização ampla que inclua muitos setores.

Fidel Castro disse que uma organização que se combina com religiosos revolucionários, teologia da libertação, marxistas, nacionalistas radicais, democratas avançados, pode e todos esses setores podem participar de uma transformação.

Porém, reduzir simplesmente a organização a uns quadros, a uns líderes, confundindo isso com uma vanguarda, é uma exceção. ... .”[98]

 

Inteiramente de acordo com a idéia de que “temos um farol que ilumina tudo, desde a ilha de Cuba, como Fidel Castro”, idéia essa estabelecida como parâmetro para a compreensão dos fenômenos sócio-econômicos e cultural-ideológicos que se perpassam a América Latina, pontica, então, James Petras, já inteiramente desvairado, alucinado, dominado pela paixão cega e arrebatadora pelo castrismo stalinista do “marxismo criativo” e pelo “marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, que possuem em Fidel Castro seu grande luminar na atualidade :

 

“A grande confrontação entre o império militar dos EUA e o movimento antiglobalizante fez-se presente em Monterrey, com Fidel Castro falando pelos oprimidos e contra a globalização e Bush defendendo o militarismo, oferecendo ao Terceiro Mundo menos ajuda anual do que destina ao regime responsável pela invasão de Israel.”[99]      

 

Vejamos, agora, como o ”marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento” de Castro é defendido, alienadamente e apologeticamente, por James Petras, de modo tanto mais desequilibrado, delirante, absurdo, idólatra e criticamente impotente, imediatamente após as burocráticas execuções sumárias de três cubanos dissidentes, orquestradas arbitrariamente pelo chefe militar absoluto Fidel Castro, bem ao sabor do ”marxismo criativo” de Stalin, em abril de 2003, em nome de uma suposta legítima defesa da Revolução Cubana.

Eis como Petras pronuncia-se, de modo inteiramente leviano e alucinado, sobre o tema, como forma de legitimar as posições burocrático-tirânicas do castrismo stalinista :

 

“Novamente os intelectuais decidiram intervir em um debate, desta vez sobre o imperialismo estadunidense e os direitos humanos em Cuba.

« Que importância tem o papel dos intelectuais? »

Perguntei a mim mesmo numa tarde ensolarada de sábado (em 26 de abril de 2003), enquanto passeávamos pela madrilena Porta do Sol e o eco dos gritos contra Castro de várias centenas de manifestantes ressoava na praça quase vazia.

Apesar de uma dezena de artigos e colunas de opinião de conhecidos intelectuais nos principais jornais de Madri, das horas de propaganda no rádio e televisão e do apoio de burocratas sindicais e xerifes de partidos, somente responderam à convocatória uns oitocentos manifestantes, a maior parte deles exilados cubanos. "Está claro", respondi, "que os intelectuais contrários a Cuba tem pouco ou nenhum poder de convocação, pelo menos na Espanha" ...

 

O que os "progressistas" não podem ou não querem reconhecer é que os detidos eram funcionários a soldo do governo estadunidense. ...

Nenhum país do mundo tolera o rótulo de "dissidentes" àqueles entre seus cidadãos que estão a soldo e trabalham para promover os interesses imperiais de um poder estrangeiro. ...

Aos intelectuais críticos é fácil ser "amigos de Cuba" nos bons tempos de celebrações, quando os convidam a dar conferências.

É muito difícil ser "amigo de Cuba" quando um império ameaça a ilha heróica e coloca suas pesadas mãos sobre seus defensores.

É em tempos como os atuais - com guerras permanentes, genocídios e agressões militares - quando Cuba necessita a solidariedade dos intelectuais críticos, solidariedade que está recebendo de todas as partes da Europa e, em particular, da América Latina.

Já está na hora de que nós, nos Estados Unidos, com nossos ilustres e prestigiosos intelectuais progressistas, de sensibilidades morais majestosas, reconheçamos que há uma revolução vital, heróica, que luta para defender-se contra o gigante do norte e, modestamente, deixemos de lado nossas importantes declarações, apoiemos esta revolução e nos unamos aos milhões de cubanos que acabam de celebrar o primeiro de maio com seu líder, Fidel Castro.”[100]

 

Per Gramsci ad Petras !

Per Petras ad Castro !

Per Castro ad Stalin !

Per his omnibus ao “marxismo criativo“, ao “marxismo consciente ou das influências culturais e do entendimento”, ao socialismo alegórico gramsciano meta-marxista, ao filinismo do “livre pensar” !

Per angusta ad augusta, através de estreitos caminhos até às regiões mais sublimes.

Per ardua ad astros, através de árduos sendeiros até aos astros.

No quadro de sua concepção ácido-crítica, Petras converte a necessária defesa que deve ser por todos empreendida em favor da independência, da luta, da soberania e do socialismo, perseguidos pelo povo cubano, em sua resistência contra o embargo e a invasão imperialistas, orquestrados pelos EUA e aliados, em uma apologia do governo burocrático-despótico de Fidel Castro e seus asseclas filostalinistas.

Quereis, entretanto, disputar a validade do “marxismo criativo” ?

Debalde.

Apesar de possuir linha certa de descendência paterna – tal qual a indicamos – o “marxismo criativo” reivindica para si, tal como um gerador poiético, status de Pallas Erichthonium, i.e. o prolem sine matre creatam de Ovídio, i.e. o status de ser filho nascido sem mãe[101].

Se podemos gerar, criativamente, “marxismos” ad libitum, ao nosso bel prazer, perfilhando-nos sob a divisa Quod volumus, facile credemus, i.e. aquilo que queremos, acreditamo-lo facilmente, para que, afinal de contas, desperdiçar-se tempo no estudo dos fundamentos do socialismo científico de Marx e Engels, visto que, segundo Gramsci,  Marx se havia contaminado com incrustrações positivistas e naturalistas. ...”[102], ou, ainda, segundo Petras, “Para tornar-se marxista, no sentido da realização dos objetivos do Manifesto Comunista, é necessário rejeitar as falsas premissas de Marx e Engels acerca do “papel revolucionário” da burguesia”, já que o marxismo tem tanto uma história positiva como uma histórica negativa”, sendo que “o lado negativo do “marxismo” encontra-se em sua sumária expressão metafísica “hegeliana”, que “nunca toca a terra” (sic).”

Entretanto, se, por um acaso, depois de toda essa nossa detalhada e minuciosa exposição teórica da